SANTA
(PARA QUEM APRECIA A BELEZA
ESTÉTICA.)
Aos
que se deleitam com a beleza estética, recomendo o espetáculo “SANTA”, em cartaz no Teatro Tom Jobim, dentro do Jardim Botânico, com ÂNGELA
VIEIRA e GUILHERME LEME GARCIA,
no elenco.
Aos que vão à
procura de TEATRO, puro,
tradicional, eu não o recomendaria, porque ele, que mistura TEATRO e dança, em proporções
diferentes, mais este que aquele, não deve ser considerado um espetáculo teatral. Também não se trata de uma simples “performance”. Acho que um neologismo deveria surgir, para
denominar esta bela encenação. Talvez “danceatro”.
Assisti
ao espetáculo com uma determinada expectativa, que não se concretizou, porém
não me causou nenhuma frustração. Talvez
tenha sido um equívoco de minha parte.
Um
espetáculo com dramaturgia de DIOGO LIBERANO já é mais do que
suficiente para me atrair a um teatro, uma vez que o considero um dos mais
competentes e criativos dramaturgos de sua (novíssima) geração. Tem apenas 28 anos de idade e muitos excelentes
textos já encenados, sucessos de público e de crítica. Desta vez, porém, acho que faltou texto.
Pelo menos, faltou o suficiente, para que o público pudesse entender a
mensagem que o autor desejava passar.
Acho que apenas a dança e os demais movimentos, associados ao pouco
texto explícito, não são suficientes para que o público embarque na proposta e
entenda o que está vendo. Ou seria uma
deficiência de minha parte?
O princípio: juntos.
Dois corpos num só. E as almas?
Rompimento?
De
acordo com o “release” (adaptado) do
espetáculo, enviado pela assessoria de
imprensa:
“Uma
mulher, uma casa vazia e suas lembranças.
Esse é o ponto de partida de ‘SANTA’.
Construída através de um processo colaborativo, a peça propõe um
cruzamento das diversas linguagens artísticas.
Uma obra em processo, que revela, no seu decorrer, a complexidade humana
de lidar com a solidão, com o outro e com o cotidiano, através das palavras e
do corpo. Um poema sensorial em que luz,
som, texto, movimento, espacialidade, cenário e figurino se integram, a fim de
causar uma experiência sinestésica para o espectador.”
Um pouco
complexo, para ser entendido, mas fácil de ser sentido, bastando ver o espetáculo.
Lendo
a continuação do “release”, fica-se
sabendo como uma ideia se tornou concreta, ganhou forma:
“Tudo
começou por um desejo. Em 2011, ÂNGELA e
GUILHERME criaram e apresentaram o espetáculo ‘O Matador de Santas’, mas a
vontade de trabalhar juntos não se saciou aí. ‘SANTA’ nasce a partir deste novo encontro:
dois artistas, que se lançam na criação de um espetáculo com uma proposta de
processo desafiante para ambos. “Queria
sair da minha zona de conforto”, diz ÂNGELA VIEIRA. A ideia de trabalhar com a dança era uma
premissa tanto para GUILHERME quanto para ÂNGELA, que foi bailarina
profissional, durante quase uma década, no Corpo de Baile do Teatro Municipal. Convidaram, então, DIOGO LIBERANO, jovem
dramaturgo, para escrever o texto, que, por sua
vez, convidou GUNNAR e LUAR para completar a equipe, proporcionando um rico
encontro de gerações.
A
solidão foi o mote para o percurso dramatúrgico e cênico de ‘SANTA’, porém uma
solidão não vinculada fundamentalmente à ideia de tristeza, abandono ou dor,
mas a de agir livremente, como quando ninguém nos vê. A partir desse sentimento, texto e coreografia
foram sendo pensados juntos. ‘Na
construção do solo da ÂNGELA, por exemplo, a tentativa era de transpor, para o
movimento, a sensação de uma mulher que, sozinha, repensa seu passado e
revisita suas escolhas. O DIOGO (autor),
sempre que visitava a sala de ensaio, pedia para ver o solo e, a partir do que
via, gerava modificações no texto que estava escrevendo’, explica LUAR.”
Atentem,
agora, para o “modus operandi” que
deu origem ao espetáculo:
“Esse
processo colaborativo permeou a peça em todos os âmbitos, desde a luz, passando
pelo cenário e direção. ‘Partimos do zero e levantamos hipóteses, sem nos
preocupar, ‘a priori’, com um sentido prévio para o que estava sendo feito. Após algum tempo, acumulamos várias formas,
que foram sendo coladas, semelhante a um processo de edição cinematográfica. Fomos cortando, colando e recombinando a ordem
de cada um desses materiais, até chegar a um roteiro que contemplasse nossos
desejos estéticos e narrativos’, diz GUNNAR.”
E, agora,
sobre o objetivo da proposta:
“A
intenção era de unir todas as linguagens de maneira orgânica, criando uma
unicidade. Nesse sentido, o desafio foi trabalhar a dança não como uma
linguagem à parte, mas como uma linguagem que, apesar de silenciosa, se
integrasse à construção de sentido da cena. Isto é, o texto não dito, que se materializa
na força cênica dos atores, no tom sugerido pela trilha sonora de MARCELLO H e MARCELO
VIG; no jogo de sombras e luzes, criado por TOMÁS RIBAS; no figurino de palheta
acinzentada e tecidos leves, de RUI CORTEZ; e na imensa instalação cenográfica,
idealizada por BIA JUNQUEIRA. Todos
esses elementos, somados, compõem uma única e grande instalação artística, onde
público e atores se encontram. ‘Nas
primeiras conversas, alguns desejos e motivações já se colocaram como
premissas: amplitude, composições sensoriais, movimentos. A partir daí, busquei criar uma dramaturgia
espacial de um lugar habitado por memórias, afetos, encontros, despedidas,
mudanças e perspectivas. Uma instalação,
onde luz, ar e movimento são agentes desse universo’, explica BIA JUNQUEIRA.
Guilherme Leme Garcia.
Em
cena, ÂNGELA VIEIRA e GUILHERME LEME GARCIA fazem uma grande ‘performance’, em
que interpretam e dançam, para dar vida às recordações dessa mulher, que quer
se reinventar, depois da perda de um grande amor. A palavra ‘SANTA’ remete à ideia de uma mulher
sacralizada, imaculada - uma figura que se absteve dos seus próprios desejos,
para seguir outro propósito de vida. No
espetáculo, este espaço sacro é justamente onde esta mulher não quer se
colocar. Ela se vê inerte, parada,
sozinha, feito santa no altar, por ter tido que abdicar dessa relação, em prol
de sua busca interior. ‘Fui embora
porque precisava me encontrar’, diz o texto. Aqui, ‘SANTA’ é a mulher dona de seus próprios
desejos, que quer se lançar no mundo, conhecer pessoas, outros amores, se
relacionar, se reinventar; ou seja, quer se profanar.”
Depois
de tudo isso dito, não há como sentir o espetáculo de outra forma. Mas ainda prefiro a obra de arte que não
precisa ser explicada pelo artista. O “Estou querendo dizer que...”, ou “A minha intenção é...” não contam
muito com a minha simpatia. Eu deveria
ter lido o “release”, antes de ter
assistido à encenação. Não que fosse
mudar muito a impressão com que fiquei do que me foi permitido ver, mas poderia
me fazer menos “perdido”, durante os 50 ou 60 minutos, mais ou menos, de
duração daquele “danceatro”.
Resumindo,
acho que o espetáculo, do ponto de vista da magnífica plasticidade e da atuação de ÂNGELA
e GUILHERME, é belíssimo. Um verdadeiro poema plástico!
Contribui,
e muito, para esse encantamento o belo e criativo cenário, “clean” e “light”, de BIA
JUNQUEIRA, que utilizou, segundo ÂNGELA
VIEIRA, em entrevista a uma emissora de TV, 1500 metros (Pensei que
fosse mais.) de um plástico leve, translúcido, à semelhança de um papel fino,
formando construções, “esculturas”, móveis de incrível beleza. Na verdade, trata-se de uma instalação cênica, que ocupa todo o
desconstruído espaço do Teatro Tom Jobim. O palco e as cadeiras foram retirados e o
público, em quantidade pequena – 92
espectadores apenas – ocupa o espaço, antes, destinado ao palco, ficando
toda a área, normalmente, ocupada pela plateia, para a ação, que ainda se
estende a uma sala que precede o auditório, num total rompimento com o
convencional, um ousado desafio do e
para os artistas. Paradoxalmente, há um grande distanciamento
físico, entre atores e público, entretanto todos nos sentimos muito próximos,
como se dentro de uma grande bolha. O
trabalho de BIA é um dos mais lindos
que já vi em TEATRO, digno de entrar
para os anais da cenografia brasileira. Em função dessa proposta de espaços,
torna-se, praticamente, impossível transpor o espetáculo para outro local, a não
ser que se reformule toda a proposta espacial.
Detalhe do cenário.
Outro
aspecto que contribui para o belíssimo efeito plástico do espetáculo é a linda
e corretíssima luz, de um dos
melhores profissionais do ramo, TOMÁS
RIBAS, que explora mais as luzes “frias”, criando, propositalmente, creio
eu, um ambiente de pouca nitidez, refletindo o processo interior, de tentativa
de mudança, por parte da personagem de ÂNGELA. As cenas em que GUILHERME é mais atuante acabam merecendo mais iluminação, já que o
personagem parece ser mais lúcido e decidido do que a mulher.
Detalhe da luz.
A
trilha sonora, assinada, a quatro
mãos, por MARCELLO H, que também é responsável pela direção musical, e MARCELO VIG, é muito boa, e o grande
destaque vai para a canção “Solidão”,
cuja letra, vertida, para o português, por Miguel
Paiva, e a melodia são belíssimas e embalam o magnífico solo coreográfico
de ÂNGELA VIEIRA, soberana, em cena,
e em plena forma física, deslizando, com classe e suavidade, num dos mais belos
e expressivos momentos do espetáculo.
A
ótima coreografia, de LUAR MARIA, também responsável pela direção de movimento, torna-se
valorizada por conta dos efeitos produzidos pelo lindo figurino, de RUI CORTEZ,
confeccionado com tecidos leves, em tom cinzento, o de ÂNGELA, e preto, o de GUILHERME.
Ângela Vieira – solo 1.
Ângela Vieira – solo 2.
Ângela Vieira – solo 3.
GULHERME LEME GARCIA também surpreende,
não só como bom ator e diretor (Divide a direção com GUNNAR BORGES.), o que já é sabido, mas também como dançarino (Ou
bailarino, como queiram.). Sem ser
profissional da dança, realiza um belo trabalho, tanto fazendo par com ÂNGELA, como no seu momento solo.
Guilherme Leme Garcia – solo 1.
Guilherme Leme Garcia – solo 2.
Guilherme Leme Garcia – solo 3.
Muitos
espetáculos a que tenho assistido ultimamente fogem aos padrões convencionais
de uma montagem, na qual cada um tem uma função definida na sua produção, “cada
macaco no seu galho”, e isso tem gerado excelentes resultados. Há gosto para tudo e espaço para todos. O tal “espetáculo
em processo” ou “espetáculo em
processo colaborativo” é uma proposta que já pode ser considerada
vitoriosa. Não é bem o que me
representa, mas, aberto a tudo o que possa mexer com a minha emoção e provocar
reflexões, recomendo, com as devidas advertências “SANTA”.
Abandone
a ideia de assistir a uma “peça de TEATRO”
e vá ao Teatro Tom Jobim, para ver “SANTA”, uma bela apresentação de “danceatro”, que fica em cartaz, numa
longa temporada (tão raro, ultimamente), até
o dia 4 de outubro (2015).
FICHA TÉCNICA:
Elenco:
Ângela Vieira e Guilherme Leme Garcia (Antônio Negreiros, em setembro)
Dramaturgia:
Diogo Liberano
Instalação
/ Cenografia: Bia Junqueira
Iluminação:
Tomás Ribas
Figurino:
Rui Cortez
Concepção
e Direção: Guilherme Leme Garcia
Codireção:
Gunnar Borges
Direção
de Movimento e Coreografia: Luar Maria
Direção
Musical: Marcello H
Trilha
Sonora: Marcello H e Marcelo Vig
Programação
Visual: Alexandre de Castro
Assessoria
de Imprensa: LAGE Assessoria – Fernanda Lacombe
Fotos:
Dário Jr. Foto e Artes e Pedro Damásio
Música
“Solidão”: Intérprete – Mart’nália; Versão – Miguel Paiva; Arranjo – Bruce Henry
Criação
Solo Guilherme / Antônio: Gunnar Borges e Guilherme Leme Garcia
Assistente
de Cenografia: Zoé Martin-Gousset
Assistente
de Figurino: Cláudia Sin
Assistente
de Produção: Pyetro Ribeiro
Realização
da Cenografia: Zoé Martin-Goussetr e Bruno Jacomino
Operação
de Luz: Leandro Alves
Design
e Operação de Som: André Cavalcanti
Contrarregra:
Pyetro Ribeiro e Thiago Hortala
Camareira:
Maria Lúcia Belchior
Produção
Executiva: Maria Albergaria
Direção
de Produção: Sérgio Saboya
SERVIÇO:
Temporada:
Até 4 de outubro (2015).
Dias
e Horários: Sábado, às 21h, e domingo, às 19h.
Teatro
Tom Jobim (Endereço: Dentro do Parque Jardim Botânico - R. Jardim
Botânico, 1008 - Jardim Botânico, Rio de Janeiro - RJ, 22470-050).
Valor
do Ingresso: R$40,00 (inteira) R$20,00 (meia).
Telefone: (21)
2274-7012.
Capacidade:
92 pessoas.
Censura:
Livre.
Tempo:
60 minutos.
Horários da bilheteria: Segunda-feira:
Não abre. De terça à quinta-feira: das 14h às 18h (Caso haja espetáculo, aberta até
o horário de seu início). Sexta-feira, sábado e domingo: Das 14h até o
horário de início do espetáculo.
Venda também pelo site ingresso.com: 24 horas.
Final.
“E la nave va!”
(FOTOS:
DÁRIO JR. e PEDRO DAMÁSIO.)
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