PALHAÇOS -
“VAI, VAI, VAI COMEÇAR A BRINCADEIRA”...
(BRINCADEIRA?)
Infelizmente,
só consegui assistir a um belíssimo espetáculo da atual safra na reta final de
sua meio curta temporada no Rio de Janeiro.
Na verdade, hoje é a última apresentação de PALHAÇOS, no Teatro Poeirinha.
Que pena! “Que peninha de
galinha!”, como dizia um conhecido palhaço da TV, muito longe de ser engraçado,
como os verdadeiros palhaços, os dos circos de lona.
Estas
considerações sobre a peça não servirão para estimular alguém a assistir a ela,
entretanto, faço questão de registrar toda a emoção que um texto e dois atores
me proporcionaram, há dez dias, mas que, só agora, por várias contingências,
tive a oportunidade de traduzir em palavras.
O espetáculo
está em cartaz há oito anos, tendo iniciado sua carreira em São Paulo (com dez
temporadas), em 26 de agosto de 2005, e viajado por todo o Brasil. Seria ótimo que encontrassem outro teatro
para dar prosseguimento à feliz temporada carioca.
O texto foi
escrito em 1974, por Timochenko Wehbi, dramaturgo e sociólogo paulista,
falecido em 1986, mais conhecido por sua peça “A Dama de Copas e o Rei de Cuba”.
Conta
o encontro de dois homens: um palhaço e um ardoroso fã. O palhaço é Careta, que se apresenta sempre à
meia-noite e treze, no Circo de um Homem Só, personagem vivido por Dagoberto
Feliz. O fã é Benvindo (Danilo
Grangheia), um comerciário, que trabalha numa sapataria e é fascinado por
palhaços, ou, quem sabe, por aquele, em especial.
Ao
término de mais uma função no circo, Benvindo, valendo-se da porta aberta do
parco camarim, procura Careta, para cumprimentá-lo pelo trabalho, mas, na
verdade, ávido de informações sobre a vida do palhaço. É iniciado, então, um diálogo, que tinha tudo
para ser simples, célere, polido e agradável, o que, evidentemente, não
renderia um belíssimo texto dramático.
Ocorre que,
paulatinamente, é Careta quem arranca confissões, aparentemente ingênuas de
Benvindo e sua vida, mas que vão criando um clima desafiador e conflituoso
entre os dois, no qual o palhaço vai desmontando os sonhos mais puros e os
desejos mais imundos de seu fã, elemento surpresa na peça e que gera uma grande
expectativa, quanto ao desfecho da trama, inquestionavelmente uma tragicomédia.
O texto
discute temas do cotidiano, como arte, vocação, traição, amizade e permite que
o espectador deixe o teatro e, por muito tempo, passe a refletir sobre eles,
podendo, inclusive, valer-se do primoroso texto, para fazer uma retrospectiva
de sua própria vida e refletir sobre seus erros e acertos. Pelo menos, assim se deu comigo. Tenho certeza de que Benvindo é o alterego de
cada uma das pessoas que assistem a este instigante espetáculo.
A direção, de
Gabriel Carmona, é bastante satisfatória e simples, uma vez que o potencial
dramático dos dois atores e a clareza do texto não exigem muito malabarismo da
direção. Gabriel utiliza truques circenses bem simples e algumas poucas brincadeiras
com a plateia, trazendo-nos à lembrança as tardes de domingo de nossa infância. Assim foi a minha, graças a Deus (adoro circo
e tenho veneração por palhaços).
O tom, por
vezes, agressivo de Careta, ao se dirigir a Benvindo, e as provocações daquele
sobre este não são suficientes para que o público desconfie da grande surpresa
preparada pelo autor do texto para o “gran finale”, que, obviamente, não
revelarei.
Os atores,
cujos trabalhos eu não conhecia, são excelentes e demonstram, em cena, uma
cumplicidade total, representando com uma naturalidade poucas vezes observada em
cena, mormente Danilo Grangheia. Seu tom
de voz é muito tênue e, por vezes, o ator sussurra o texto tão naturalmente, que
dá a impressão de que está “pensando alto”.
Trabalho impecável, como também é o de Dagoberto Feliz, este um pouco
mais histriônico, por exigência do próprio personagem.
Alguém fica em
cartaz por oito anos, no Brasil, com sucesso absoluto de público e de crítica, impunemente? No programa da peça, diz o diretor do
espetáculo que este já foi apresentado para sete pessoas e para setecentas;
para jovens e anciãos; para ricos e pobres, a todos levando a mesma emoção e
comunicação. Acho que isso responde à pergunta.
PALHAÇOS é daqueles espetáculos que
marcam um espectador que não tem medo de expor a sua criança interior nem de se
permitir fazer um balanço de seus acertos e erros até chegar à idade adulta.