sábado, 21 de junho de 2014


FALA COMIGO COMO A CHUVA E ME DEIXA OUVIR
 
(UMA ODE AO AMOR!)
 
 
 
 
            Lindo! 
 
Um só adjetivo pode resumir o espetáculo que está em cartaz no Casarão da Glória: FALA COMIGO COMO A CHUVA E ME DEIXA OUVIR, de TENNESSEE WILLIAMS, direção de IVAN SUGAHARA, com ÂNGELA CÂMARA e SAULO RODRIGUES no elenco.
           
Da primeira à última cena, o espectador, até o menos sensível, é incapaz de conter sua emoção, com tanta beleza e lirismo que este espetáculo proporciona.
 
            A montagem faz parte das comemorações dos 18 anos de sucesso da companhia OS DEZEQUILIBRADOS, formada por um grupo de amigos e competentes profissionais.  Para marcar a maioridade da companhia, SUGAHARA e seu grupo planejaram um PROJETO 18 ANOS DEZEQUILIBRADOS, visando a levar ao palco uma trilogia que falasse do amor, sentimento que os une há quase duas décadas.  Amores interpessoais e amor ao TEATRO.
 
O primeiro espetáculo foi Amores, uma remontagem de um fantástico texto de Domingos de Oliveira, ao qual SUGAHARA deu um trato especial e para o qual contou com um elenco de primeira ordem, lotando, em todas as sessões - capacidade esgotada – a Sede das Cias, na Lapa, na Ladeira Selarón, inclusive com gente sentada no chão, além de prorrogação da temporada.  Muitas pessoas voltaram, em todos os dias em que havia apresentações, inclusive às 2ªs feiras, sem conseguir assistir à peça.
 
            A segunda é a que serve de motivo para estes comentários e que está sendo alvo das melhores críticas pessoais e da imprensa especializada, arrastando um grande público, apesar da limitação de assistentes em cada sessão, à Casa da Glória, um agradabilíssimo espaço alternativo, uma construção do século XVIII, que fica ao lado do tão conhecido Outeiro (Igreja da Glória).
 
A terceira será encenada apenas em 2015, também na Sede das Cias, com o título, ainda provisório, de História do Amor.
 
 
 
Intimidades no quarto.
 
 
Chove lá fora.
 
 
E agora?
 
 
Quanto a esta terceira peça, nada sei, por enquanto, além do que já foi dito, porém, com relação às outras, “Amores” e “...A Chuva...”, fica bem patente a diferença que há entre elas, no tocante às implicações do amor, como tema central.  A primeira (título no plural) fala das múltiplas e incessantes possibilidades de se atingir e praticar o amor, enquanto, neste espetáculo, o que está em jogo é a impossibilidade de se viver um grande amor, mesmo que ele exista e que os amantes se desejem, em todos os sentidos, por mais paradoxal que isso possa parecer.
 
O que norteia toda a narrativa é um casal em crise, o que, por ser tão “natural”, no cotidiano das pessoas, não seria motivo para que o espetáculo fosse tão festejado pelo público e pela crítica, em tão pouco tempo de exibição.  Afinal de contas, casal sem crise não é casal; amor sem crise não é amor; mas teatro sem um forte foco de interesse não é TEATRO.
 
O que marca a peça é que, em meio a uma crise passional, os dois protagonistas apresentam-se sufocados, sem ar, por quererem dizer algo, terem o que dizer, mas não um ao outro; ou, por outra, sim, um ao outro; mas como dizer?
 
O público também sofre com a dor do casal, porque se sente impotente para, pelo menos, tentar arrancar de cada um as palavras que, talvez, lhes desse um alívio, tirando-os daquela situação patética e torturante.
 
Como viver um “eu te amo, sem saber como”?  Um “eu não sei como te amar”?  Ou um “eu preciso conhecer, aprender um outro jeito de te amar”?  Ainda, um “não sei se te amo ou se apenas te desejo”?  E por que não um “eu não quero te amar, mas seria impossível viver sem ti”?
 
A trama se inicia num quarto, dentro do qual um homem e uma mulher trocam palavras, mas não se comunicam.  Sim, porque há uma longa distância entre o falar e o dizer.  Ambos exercitam um profundo desejo de falar, de pôr para fora algo que os angustia, uma insatisfação incontida, mas não necessariamente falar um com o outro.
 
O grande problema é que ambos se dão conta do desgaste que envolve o relacionamento, entretanto não conseguem se comunicar, nem para se separar.  E por quê?  Falta de coragem?  Medo da solidão, de um futuro incerto?  Falta de perspectiva para desenvolver uma nova relação afetiva?  Talvez um pouco de tudo.  Quem já foi protagonista de uma história como a dos personagens desta peça saberá compreender melhor o que estou falando, de cadeira.
 
 
 
DR até na cozinha.
 
  

A grade que os separa.  Tão perto, tão longe.
 
 
 O medo da solidão é algo que aterroriza o ser humano, embora ele não perceba que existe uma diferença semântica entre “sozinho” e “solitário”.  “Sozinho” é apenas estar desacompanhado.  “Solitário” é o que vive na solidão.  E a pior de todas é a “solidão a dois”, exatamente o que ocorre na peça.  Cada um dos personagens tem o outro como companhia física; portanto, ambos não estão sozinhos, mas profundamente solitários.
   
O texto de TENNESSEE WILIAMS traz características inerentes a todas as obras do consagrado dramaturgo americano e uma delas é retratar o desespero existencial do ser humano.  É extremamente doloroso, para os personagens – e isso passa para a plateia - saber que desejam e procuram resgatar o que já está se esvaindo pelo ralo e que o amor não pode salvá-los da solidão.  Um retrato comovido e lancinante da própria condição humana.  O "casal" se enxerga insipiente para sair da triste situação em que se vê mergulhado.  Tudo isso, na cena, é marcado por uma chuva que cai fora da casa e que fustiga e está em consonância com a melancolia dos personagens.
 
Trata-se de uma peça curta, de apenas um ato, com pouco texto, quantitativamente falando, porém um texto que fala pouco, mas diz muito, uma dramaturgia muito forte, arrebatadora, profundamente simbólica, uma das melhores obras do grande acervo do autor, que, como ninguém, sabe mergulhar fundo na alma humana, procurando o que há escondido em cada, aparentemente insignificante, escaninho.
 
O texto do último “off” do espetáculo, segundo o programa da peça, foi extraído da crônica “5 Segundos”, de João Paulo Cuenca.
 
No que se refere à encenação, à direçãoIVAN SUGAHARA deu mais um chute certeiro a gol, ao escolher o espaço da Casa da Glória e o horário para as apresentações.
 
Não é de hoje que a companhia, capitaneada por IVAN, vem fazendo experiências, com o objetivo de subverter o conceito tradicional de espaço cênico, extrapolando o edifício teatral e realizando peças em espaços não convencionais, como o “foyer” de um cinema, um apartamento, um edifício e, até mesmo, uma boate onde funcionava a prática do “swing”.  Todas elas foram muito profícuas.
 
É muito interessante esse tipo de proposta, pois, como é um espetáculo itinerante, “obriga” o público a abandonar o conforto e a segurança de uma poltrona ou cadeira e percorrer, com os atores, os diversos, lindos e aconchegantes ambientes que a Casa da Glória proporciona; internos, como quartos, sala e cozinha, além dos externos, tais como jardins, pátios e piscina, por exemplo.  Isso promove uma interessante forma de relação do público com os personagens, o que gera uma intimidade e cumplicidade muito grande entre ambos.  Do ponto de vista do espectador, a observação das cenas pode ser feita no mesmo plano em que elas ocorrem como também podem ser vistas de planos de baixo para cima ou de cima para baixo, lembrando ângulos e enquadramentos de um filme.  Resumindo, a relação atores/plateia valoriza muito o espetáculo e tal proposta produz experiências diversas de compartilhamentos, detalhe enriquecedor para o espetáculo.  Encaro o fato de o público peregrinar pela Casa, de dois andares, subindo e descendo escadas, como uma metáfora das relações entre os casais, pontilhadas de altos e baixos.
 
 
 
Não é foto ilustrativa; é cena da peça.
 
 
Idem.
 
 
Ibidem.
 
 
A direção imprime à encenação uma linguagem extremamente poética, abusando de recursos cênicos expressivos, do uso de música, sonoplastia e vozes (dos próprios atores) em “off”, além de elementos naturais, como a água e a luz do sol, motivo pelo qual a peça é apresentada em dois horários alternativos, aos sábados e domingos, às 14h e às 16h, já que há necessidade da luz natural.  Como estamos em pleno inverno, o final da segunda sessão já acontece no início da noite, o que, na minha opinião, fica bem melhor, pois ajuda a criar o clima necessário ao final da trama, que não vou adiantar, para não roubar ao meu leitor a surpresa reservada ao final da peça.
 
É brilhante a direção de IVAN SUGAHARA.  Mais uma.
 
Depois de falar do texto e da direção, passemos aos demais elementos da ficha técnica:
 
ELENCO: ÂNGELA CÂMARA e SAULO RODRIGUES.  O casal de atores esbanja talento.  Sempre o fizeram, em todos os seus trabalhos os quais tive a oportunidade de ver, entretanto, neste, a química que existe entre os dois, a troca de sentimentos e a entrega total à interpretação concedem-lhes credenciais a iminentes candidatos a premiações.  Acredito que o fato de ÂNGELA e SAULO já terem sido casados, na vida real, união que lhes deixou, como “legado”, um filho, tenha servido de laboratório natural para que os dois, em cena, passem ao público uma carga emocional incalculável, levando-o a dividir, com o casal, o “tsunâmi” que se abate sobre ambos, e que os abate.  Vai ser difícil, SUGAHARA tentar explicar, caso tenha tal intenção de fazê-lo, que a escalação do elenco não tenha sido proposital.  São dois atores que dignificam a profissão e são motivo de orgulho para seus admiradores e amigos.  Eu sou um dos.
 
 
 
Na piscina I.
 
 
Na piscina II.
 
 
Na piscina III.

 
Na piscina IV.
 
 
Nas piscina V.







            TEXTO: TENNESSEE WILIAMS

TRADUÇÃO: GISELE FREIRE 



DRAMATURGIA: IVAN SUGAHARA e LÍVIA PAIVA (sobre original de TENNESSEE WILIAMS)
 
ASSISTÊNCIA DE DIREÇÃO: LÍVIA PAIVA e SAMUEL TOLEDO
 
CRIAÇÃO: ÂNGELA CÂMARA, IVAN SUGAHARA, LÍVIA PAIVA, SAMUEL TOLEDO e SAULO RODRIGUES
 
DIREÇÃO DE MOVIMENTO: DUDA MAIA
 
CENÁRIO: ANDRÉ SANCHES
 
ILUMINAÇÃO: RENATO MACHADO
 
FIGURINO: TARSILA TAKAHASHI
 
TRILHA SONORA: IVAN SUGAHARA, LÍVIA PAIVA e SAMUEL TOLEDO
 
EDIÇÃO DE SOM: ANDRÉ POYART
 
PREPARAÇÃO VOCAL: RICARDO GÓES
 
DESENHO E OPERAÇÃO DE SOM: LUCIANO SIQUEIRA
 
OPERAÇÃO DE LUZ: LEANDRO BARRETO
 
DIREÇÃO DE CENA: DRAYSON MENEZZES
 
CONTRARREGRA: ZOATHA DAVID
 
ASSESSORIA DE IMPRENSA: DANIELLA CAVALCANTI
 
PROGRAMAÇÃO VISUAL: RISTOW DESIGN
 
FOTOGRAFIA: DALTON VALÉRIO
           
PRODUÇÃO AUDIOVISUAL: EDUARDO CHAMON
 
MARKETING DIGITAL: LAURA LIMP
 
COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO: TÁRIK PUGGINA
 
DIREÇÃO DE PRODUÇÃO: CARLA TORREZ AZEVEDO
 
PRODUÇÃO EXECUTIVA: ALINE MOHAMAD
 
ASSISTÊNCIA DE PRODUÇÃO: CAROLINA KERN
 
ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA: AMANDA CEZARINA
 
REALIZAÇÃO: NEVAXCA PRODUÇÕES E ATHUS PRODUÇÕES
 
IDEALIZAÇÃO: OS DEZEQUILIBRADOS
 

            Fiz questão de mencionar todos os componentes da ficha técnica do espetáculo, por considerá-los indispensáveis a que a peça transcorra tranquilamente, sem o menor problema.  Aqui, chamo a atenção para todos os nomes envolvidos na difícil e complicada faina de operar a grande parafernália eletrônica, gerando os sons e as imagens da encenação, bem como os efeitos especiais e de iluminação.  Tudo confere à peça uma beleza plástica inigualável.
 
            Não deixem de assistir a este espetáculo, uma das grandes sensações da atual temporada teatral carioca e que promete uma longa vida, certamente, com prorrogação da atual temporada.  Se dependesse de mim...  Merece.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SERVIÇO:
 
Espetáculo: FALA COMIGO COMO A CHUVA E ME DEIXA OUVIR
Temporada: de 08 de junho a 17 de agosto de 2014
Local: Casa da Glória (Ladeira da Glória, 98 – Glória)
Informações: 3259-3554
Horário: Sábados e Domingos, às 14h e às 16h (duas sessões por dia)
Gênero: Drama
Duração: 60 minutos
 
(FOTOS: PRODUÇÃO / DIVULGAÇÃO DO ESPETÁCULO; PÁGINA DA PEÇA NO FACEBOOK; DALTON VALÉRIO.)