O HOMEM
DE LA
MANCHA
(UMA OBRA-PRIMA!
ou
BELEZA E EMOÇÃO
À FLOR DA PELE!
ou
A POSSIBILIDADE DE UM
SONHO IMPOSSÍVEL!)
Em dezembro de 2014, fui a São Paulo com um único propósito:
assistir ao musical “O HOMEM DE LA MANCHA”, baseado na obra-prima de MIGUEL DE CERVANTES, “D. Quixote
De La Mancha”, esse mesmo D. Quixote
que eu acredito ter sido, em outra encarnação, tão imensa é minha identificação
com o personagem e amor por ele, a
ponto de colecionar quadros e esculturas do personagem (Aceito presentes.). Jamais escondi minha paixão por
essa peça, por ter, como eixo
central, o meu personagem universal preferido.
Assisti
num dia e, pela graça divina, escapei de um enfarte, sufocado por tanta emoção.
Tinha, no elenco, muitos amigos,
pelos quais esperei, ao final, para cumprimentá-los, e tive o grato prazer de
ter sido apresentado ao ator CLETO BACCIC,
que representa, de forma emocionante e irretocável, o protagonista. BACCIC, simpático
e solícito, em breve conversa comigo, sem saber que eu era crítico de TEATRO e jurado
de um Prêmio de TEATRO, no Rio de
Janeiro, ao me ver tão impactado, despudoradamente embevecido com o que
vira, quase aos prantos, convidou-me a rever o espetáculo no dia seguinte. Aceitei, prontamente, aquele imenso e
inesperado presente e revivi as mesmas emoções na outra noite.
Tentei assistir
ao musical, posteriormente, todas as
vezes em que ia a São Paulo, já que
ficou por mais de um ano em cartaz,
salvo engano, mas, por motivos diversos, nunca logrei êxito. Gostaria muito de
que meus conterrâneos cariocas tivessem a oportunidade de se deliciar com
aquele espetáculo. Houve algumas tentativas, mas todas infrutíferas,
infelizmente. Finalmente parece que os DEUSES
DO TEATRO deram uma mãozinha e “O
HOMEM DE LA MANCHA” está aqui, o “sonho
impossível” tornou-se realidade, e bem próximo à minha casa, no Teatro Bradesco – Rio de Janeiro (VER
SERVIÇO.).
É
claro que houve mudanças na montagem,
em se tratando de elenco, embora o
trio principal tenha sido preservado: CLETO
BACCIC (MIGUEL DE CERVANTES / D. QUIXOTE), SARA SARRES (ALDONZA / DULCINEIA)
e JORGE MAYA (SANCHO PANÇA).
Como, porém, felizmente, o que não falta é gente de talento para atuar em musicais, no Brasil, todas as substituições estão à altura dos que fizeram parte
do elenco original.
Esta
crítica, obviamente, se pauta na montagem atual, que assisti, na sessão para convidados, no dia 11 (junho/2018), mas aproveitarei
bastante da extensa resenha que
escrevi, quando vi a peça pela primeira
vez, publicada em duas partes, de tão completa e esmiuçada, aqui condensadas
numa só; prometo tentar me fazer conciso, embora tenha de lutar muito para que
isso aconteça.
Aproveitando um pouco das informações contidas no “release”, enviado por CRIS FRAGA (IMPRENSA – LOURES CONSULTORIA),
o espetáculo é uma superprodução, com versão e direção de MIGUEL FALABELLA, e já foi visto por 100 mil pessoas, numa produção do Atelier de
Cultura.
“...a adaptação
de FALABELLA transpõe a história original da peça “Man of La Mancha”, de DALE
WASSERMAN, ao cotidiano brasileiro: da Inquisição Espanhola para um hospício
brasileiro dos anos 50. A
inspiração do diretor, para cenários e figurinos, é direta desse ambiente: as
obras do artista plástico Arthur Bispo do Rosário, um dos internos da Colônia
Juliano Moreira (RJ)”.
Passaram-se mais de quatro décadas, desde a primeira montagem, para que alguém, de muita
coragem e extrema competência e bom gosto, como MIGUEL FALABELLA, nos brindasse com uma verdadeira obra-prima, que nos orgulha e ao TEATRO
BRASILEIRO.
A primeira montagem brasileira
desse texto, de DALE WASSERMAN, com
música de MITCH LEIGH e
letras de JOE DARION, ocorreu no início dos anos 70, traduzida pelos saudosos Paulo Pontes e Flávio
Rangel, dirigida por
este. A adaptação, para o
português, das canções foi feita
por Chico Buarque e Ruy Guerra. Estreou,
em 15 de agosto de 1972, no Teatro Municipal de Santo André,
com Paulo Autran, Bibi Ferreira e Dante
Rui nos papéis de MIGUEL DE CERVANTES/ D. QUIXOTE, ALDONZA
/ DULCINEIA e SANCHO PANÇA,
respectivamente. A seguir, a peça passou a ser encenada no Teatro Anchieta, ainda em São Paulo.
Em 15 de janeiro de 1973,
inaugurou o Teatro Adolpho Bloch, no
Rio de Janeiro, quando o
personagem SANCHO PANÇA passou a ser interpretado
por Grande Otelo, permanecendo oito meses em cartaz. Três grandes gênios do TEATRO
BRASILEIRO lideravam um grande e competente elenco. Em 1974, “O
HOMEM DE LA MANCHA” fez temporada popular, de janeiro a
março, no Teatro João Caetano,
também no Rio de Janeiro. Para
os padrões e recursos da época, já foi considerado uma superprodução, grande
sucesso de público e de crítica.
Na Broadway, o musical foi apresentado, pela primeira
vez, em 1965, teve 2.329 apresentações e ganhou cinco prêmios Tony. Foi
reapresentado inúmeras vezes, tornando-se um dos mais vistos espetáculos de TEATRO MUSICAL e uma das escolhas mais
populares das companhias teatrais. Uma de suas canções, “The
Impossible Dream” (“O Sonho Impossível”), tornou-se um clássico
internacional, e continua a sê-lo até hoje.
Na
montagem em tela, logo nas primeiras cenas, sentimos uma vontade imensa de nos
beliscarmos, para termos a certeza de que não estamos sonhando ou delirando,
embalados por um “sonho impossível”,
mas é profundamente gratificante, tanto quanto surpreendente, quando nos damos
conta de que estamos vendo, de verdade, uma encenação teatral magnífica, uma
verdadeira obra de arte.
MIGUEL
FALABELLA foi de uma felicidade ímpar, estupenda, ao associar o
universo do espetáculo ao de Arthur Bispo do Rosário, um artista
plástico brasileiro, falecido em 1989. Considerado louco,
por alguns, e gênio, por outros, a sua figura insere-se no debate sobre o
pensamento eugênico, o preconceito e os limites entre a
insanidade e a arte, no Brasil,
assemelhando-se aos sentimentos da época com relação a MIGUEL DE
CERVANTES, criador de um personagem
que não era o que se podia rotular como um indivíduo são, do ponto de vista
mental. A obra mais conhecida do Bispo do Rosário é
o “Manto da Apresentação”, que, segundo ele, deveria
vestir no dia do Juízo Final.
De forma genial, FALABELLA põe, em cena, um personagem, o GOVERNADOR,
uma espécie de líder no manicômio onde CERVANTES fora
internado, à espera de seu julgamento, que não é outro, senão o próprio Bispo,
vestido com o manto acima referido, um primor de figurino. Uma
imagem belíssima! Curioso é que essas informações, da ligação do
personagem da peça com o Bispo, podem ser encontradas no
lindo programa do espetáculo, que eu
não li, antes do início da peça, entretanto, ao ver aquela figura em cena, logo
ao abrir das cortinas, pensei alto: “É ele! É o Bispo do Rosário?!”. Aquela
visão do personagem GOVERNADOR, vestido com seu manto,
logo no início da peça, é
deslumbrante. Já é um prenúncio do que se verá ao longo de quase duas horas de encenação.
SINOPSE
Um manicômio brasileiro, no
final dos anos 50.
Um paciente é
anunciado para internação. Chega a bordo de uma caravela, talvez a “nau
dos insanos”.
Apresenta-se como MIGUEL
DE CERVANTES (CLETO BACCIC), poeta, ator de teatro e coletor de
impostos. Chega na companhia de seu criado, SANCHO (PANÇA) (JORGE
MAYA).
Ele é abordado pelo GOVERNADOR
(DAVI BARBOSA), um louco, que comanda os internos do hospital
psiquiátrico. O grupo o ataca e se apropria de seus parcos
pertences.
CERVANTES não se preocupa em perder
o pouco que lhe é de posse, apenas não aceita que lhe tomem um manuscrito, o
qual é arremessado entre eles e passa de mão em mão.
Para dar, a CERVANTES, a oportunidade de reaver
seu manuscrito, o GOVERNADOR instaura um “julgamento”.
O DUQUE (FRED
OLIVEIRA) faz a acusação. CERVANTES organiza sua defesa,
convidando os loucos a encenarem, com ele, uma peça de teatro.
É a história de D.
ALONSO QUIJANA, um velho fazendeiro, aposentado, ávido leitor, desgostoso com os
maus-tratos dos homens para com seus semelhantes. Melancólico com as injustiças
do mundo e tomado pela loucura, depois de ter lido tantas novelas de cavalaria,
imagina ser D. QUIXOTE, SENHOR DE LA MANCHA, um Cavaleiro
Errante, o futuro Cavaleiro da Triste Figura, após sua “sagração”,
atrás de aventuras que lhe permitam combater o mal, assistir os indefesos, os
fracos e oprimidos, os injustiçados, e praticar o bem, tudo em louvor à sua
amada DULCINEIA (SARA SARRES).
Como já disse, tive a grande sorte e a grata felicidade de poder
assistir ao espetáculo duas vezes. Se
não tivesse havido essa segunda oportunidade, provavelmente, eu não teria
condições de escrever os comentários abaixo, uma vez que só pude fazer
anotações, para não me esquecer de nenhum detalhe importante, na segunda vez,
visto que, na primeira, o meu estado de êxtase total não permitiu que eu me
fixasse em nada particularmente, a não ser no TODO, em TUDO. Era informação demais, às
toneladas.
Logo de saída, chamou-me a atenção o posicionamento dos músicos, excelentes, por sinal,
vestidos de médicos ou enfermeiros, distribuídos no alto das duas laterais do
palco, uma excelente solução, para a questão do espaço cênico, como também equivale e um interessante elemento
plástico na encenação.
Um grande segundo momento de impacto, beleza e deslumbramento é a cena
em que CERVANTES se transforma em QUIXOTE,
enquanto vai convencendo os demais internos a atuar na sua
peça. Gosto muito da ideia de abrir, ao grande público, a técnica de
transformação de um ator em personagem,
dividir, com o público, a magia do TEATRO.
Outra cena muito interessante, que, a despeito de ser puxada para a
comédia, gera grande emoção, é a da “sagração” do protagonista em Cavaleiro
da Triste Figura. Apesar de hilária, fui levado a “acreditar”
naquela alucinação, tão convincente é o trabalho de CLETO BACCIC. Chorei. E não foi pouco.
Marcante é a cena do encontro
entre QUIXOTE, SANCHO e a horda de ciganos, os
quais lhes roubam tudo. É um momento de grande destaque no espetáculo,
pela inserção de elementos da cultura cigana ao cenário, com figurinos
exuberantemente coloridos e uma coreografia
alegre e muito bem executada.
É brilhante e criativa a solução encontrada pela direção para encenar a luta do herói contra os “moinhos de vento”, representados por dois ventiladores de teto, que
tomam a posição vertical, para simular as pás dos tais moinhos. Efeito fantástico!
A utilização da metalinguagem,
no espetáculo, uma história dentro de outra, é, certamente, um dos pontos altos
deste texto e confere a ele um
grande dinamismo, já que o espectador é conduzido a percepções de realidade e
sonho, alternadamente.
É linda a cena entre SANCHO e ALDONZA / DULCINEIA,
quando aquele entrega a esta uma “missiva”, da parte de D. QUIXOTE,
oferecendo, à “formosa dama”, seus atos de bravura, em defesa dos fracos e
oprimidos.
Um detalhe interessante, que observei desde a primeira vez em que vi a peça, é que, no alto do cenário, bem no centro, há uma porta,
com a inscrição SAÍDA, entretanto ela só serve para dar “entrada” a
alguns personagens. Todos os que são levados para julgamento, o
real, com a possível, e quase certa, condenação à fogueira, são levados por uma
saída lateral, superior, à esquerda do palco, para o público, o que nos faz
entender que, para os que estão internados naquela “instituição”, não há SAÍDA.
Nas falas de D. QUIXOTE, podem ser pinçadas algumas
“pérolas”, como, por exemplo, quando ele se recusa a chamar os débeis mentais
de “loucos”, preferindo o eufemismo “homens de ilusão”. Achei lindo! Ou quando diz
que “Talvez, abrir mão dos seus sonhos possa ser um ato de loucura”. Ou,
ainda, que “O excesso de lucidez pode ser considerado loucura”.
Na cena em que o protagonista
se encontra muito doente e debilitado, deitado no que poderia vir a ser o seu
leito de morte, chamaram-me a atenção três biombos que entram em cena, para
compor o cenário, nos quais estão
aplicados, em cada um deles, respectivamente, enormes botões, desenhos variados
de navios e diversos tipos de pentes. Penso se tratar de alguma
simbologia a utilização de tais objetos e desenhos. Se há, não a
alcancei, mas não tenho dúvidas de que gerou um belo efeito plástico.
Chegou a hora em que MIGUEL DE CERVANTES é convocado
para um interrogatório, que o levará, na ficção, para a
fogueira. O ator remove a
maquiagem de DOM QUIXOTE, despoja-se do figurino do personagem e retoma o manuscrito da sua história, para
delírio geral da plateia, na qual me incluo, com dificuldade para visualizar
perfeitamente a cena, em função dos meus olhos cheios d’água.
Em todas as vezes em que a canção “Sonho Impossível” é
cantada, em solo ou com o auxílio do coro, a plateia se emociona (e eu lá), não só pela força e beleza
da letra e da melodia, mas, principalmente, por ela estar inserida em momentos
de grande apelo emocional, principalmente na cena final. É de encharcar lenços.
Entremos na análise da ficha técnica, a começar pelo texto, que já se tornou um clássico
do TEATRO, pela beleza de seu tema e por sua arquitetura, com
diálogos curtos (e alguns poucos “bifes”), que mantêm uma linguagem requintada,
mas de acesso ao público em geral, graças à excelente tradução e
adaptação de MIGUEL FALABELLA.
As canções do espetáculo
são lindas e receberam uma excelente versão, de MIGUEL, igualando-se, em qualidade, à de Chico Buarque e Ruy
Guerra, para a primeira montagem. Todos
os que entendem de musicais sabem o
quanto é ingrata a tarefa de verter letras para o português, uma vez que é
necessário manter o conteúdo original, que também serve para contar a história, é
texto, combinando sílabas métricas com compassos e ritmos. Cláudio
Botelho é o grande mestre nessa arte, e FALABELLA parece
ter estudado na mesma escola e também se saiu muito bem neste espetáculo, como também em outros em
que se presta à mesma função.
Dirigir um elenco com mais de duas dezenas de atores, 18 músicos e comandar mais dezenas
de técnicos e outros profissionais, mais de uma centena, no total, não é tarefa para
amador. É preciso muito profissionalismo, determinação, liderança,
capacidade de dialogar e, acima de tudo, muita competência, sensibilidade e bom
gosto. Tudo isso, e mais alguma coisa, é o que não faltou a MIGUEL
FALABELLA na direção deste espetáculo. Foram dois meses e meio de ensaios, para a
estreia na primeira temporada, pelo que apurei, que devem ter sido muito
“puxados”, para que o resultado fosse a maravilha que se pôde ver em cena, na
primeira temporada, e que se mantém até hoje. Tudo muito “limpo”,
acontecendo, com perfeição, à hora e à maneira certas, sem um “furo”, sem um
contratempo. FALABELLA tem uma facilidade muito grande
para trabalhar com elencos numerosos
e atribuir funções a todos os atores,
de modo que, mesmo sem participar, diretamente, das cenas, cada um, na sua
mínima e quase imperceptível atuação, acaba, no fundo, por superlativá-la,
concorrendo para encher o palco de ações secundárias paralelas. O diretor pensou em todos os detalhes e o
resultado de seu trabalho é irrepreensível.
Tudo o que está ligado à parte de direção musical é de
responsabilidade de um profissional que, por tantas vezes, já demonstrou seu
potencial, em musicais de sucesso, e
que, mais uma vez, honra a sua profissão: CARLOS BAUZYS. Já
assisti a muitos espetáculos com a
sua assinatura, na direção musical, e, apesar de ter gostado de todos,
neste, ele se supera, com arranjos belíssimos, tanto para instrumentos como
para vozes.
A orquestra é formada por músicos de primeiríssima qualidade,
como requer um espetáculo do porte
de “O HOMEM DE LA MANCHA”, com destaque para os muitos metais,
várias percussões e uma abundância de sopros, tendo, como detalhe curioso, o
fato de não contar com instrumentos de cordas (VER FICHA TÉCNICA.). Estão
de parabéns!
Quanto à coreografia, de KÁTIA BARROS, todas
merecem destaque, pela dose certa de vigor aplicada a cada um dos números, com
alguns destaques, poucos, pois cada uma das danças se reveste de
características próprias e todas são excelentes, como a cena dos ciganos e
todas as da hospedagem / castelo. Sem exceção, as coreografias da peça exigem
muito dos executantes, os quais fazem um trabalho perfeito, valorizando, em
muito, a encenação.
A cenografia é impactante, suprema, exageradamente
fantástica! Sobre ela, quase que reproduzirei, com algumas
adaptações, um texto do programa da peça: “A construção do cenário foi realizada
pelo Senai-SP, na escola de Lençóis Paulista – concebido como uma opressiva
estrutura metálica semicircular, de oito metros de altura (...), com elementos
visuais da arquitetura do início do século XX, com quatro escadas em
curva, interligadas por uma passarela, que conduzem ao nível do palco, o
território dos loucos. É essa estrutura que cria o cenário do manicômio. Nele,
a visão de um hospício remete, ainda, a um local abaixo do solo, assim como na
versão original, que era ambientada num calabouço da Inquisição. A
estrutura é recoberta por mais de 400 metros quadrados de tule
importado, pintada, a mão, pelo artista cênico VINCENT GUILMOTO, com escrita ao
estilo de Bispo do Rosário.”.
Essas escritas também me trouxeram à mente (e isso pode ser uma leitura
exagerada ou equivocada da minha parte) um pouco do trabalho de uma outra
figura legendária do Rio de Janeiro,
já falecido, o Profeta Gentileza (José Datrino), que pregava paz e
amor, em inscrições nos muros e pilares dos viadutos do Rio, autor da famosa frase “Gentileza gera gentileza”. Tornou-se
insano, após um incêndio que destruiu o Gran
Circus Norte-Americano, em 1961,
na cidade de Niterói, que matou mais
de 500 pessoas, a maioria
crianças.
Como cenógrafos, o Atelier de Cultura trouxe MATT
KINLEY, responsável por cenários de
grandes musicais, na Broadway e em
outras grandes cidades, e seu associado, DAVID HARRIS, ambos
radicados em Londres. A
utilização, em várias cenas, de elementos de hospitais, como biombos,
cadeiras de rodas e macas, com aplicações de outros
objetos, como panelas, talheres, canecas, frigideiras é uma grande
ideia.
Ter CLÁUDIO TOVAR como figurinista de
uma peça já é um grande
acerto. Com seus figurinos
prontos e em cena, o acerto é ainda maior. Aqui, não poderia ser
diferente. Todos, sem exceção, trazem a marca do talento de TOVAR,
com destaque para a capa do GOVERNADOR, uma verdadeira obra de arte
(como os trabalhos do Bispo do Rosário), a capa do PADRE,
outra bela peça, e o figurino do protagonista, atentando-se para o
emprego de objetos do cotidiano, utilizados como adornos e detalhes, para
costumizar peças simples do vestuário. É o próprio TOVAR quem
diz: “Brincar com a ‘loucura’ do Bispo do Rosário é um
delírio! Joias feitas com latas amassadas, coroas de prendedores de
roupas, trapos que se transformam em luxuosos figurinos. Tudo vale
no mundo de Arthur Bispo do Rosário”. São utilizados
elementos da cultura brasileira, sem
qualquer interferência do universo “high-tech”. O
figurino é um dos maiores acertos do espetáculo, se é que se pode
estabelecer uma hierarquia quanto a eles.
Responsável pelo desenho de luz, DRIKA MATHEUS desenvolveu
um projeto intimamente combinado à estrutura do imponente cenário, que resulta em efeitos extraordinários, deixando bem
marcantes os contrastes entre o real e a fantasia. Belo trabalho! Uma das mais lindas e expressivas iluminações que já vi, até hoje, num
palco.
Fiquei bastante bem impressionado com o trabalho de GABRIEL
D’ANGELO, responsável pela tarefa de sonorizar o espetáculo (designer de
som). Equalizar dezenas de microfones e atingir um resultado muitíssimo
próximo à perfeição (a tecnologia sempre nos prega peças), que permita, ao
espectador, ouvir e identificar até as falas ditas quase como sussurros, assim
como distinguir as diversas vozes, nas canções,
e os diferentes timbres dos instrumentos musicais, é uma tarefa de difícil
execução, que GABRIEL soube resolver com apuro.
O visagismo, neste espetáculo, se reveste de grande
importância. IVAN PASCISCENAI merece
um crédito mais que positivo por seu trabalho.
Com relação ao elenco, aplaudo, de pé, com muitos gritos
de “BRAVO!”, a todos, dos protagonistas
aos que representam os mais simples papéis. É um time que soube
treinar bastante, para jogar junto, em conjunto, e atingir o nível de
excelência desta montagem. Merece
destaque, evidentemente, CLETO BACCIC (MIGUEL DE CERVANTES / D. QUIXOTE).
Já o vira em outros espetáculos de
sucesso, mas confesso que, em nenhum deles, o ator me chamou a atenção, porém estes MIGUEL DE CERVANTES / D. QUIXOTE (principalmente o segundo) haverão de marcar a vida
profissional deste magnífico ator,
já vencedor do Prêmio APCA de 2014, por seu trabalho neste musical. E muitos outros vieram e
ainda hão de vir! CLETO transpira emoção e sensibilidade, nos
dois personagens. A doce
loucura mansa do QUIXOTE e a mansa sensatez doce de CERVANTES fazem
do seu trabalho algo que ficará, certamente, para os anais do TEATRO
MUSICAL BRASILEIRO, como sinônimo de perfeição. Ainda que venha
a se superar em futuros papéis, creio ter atingido o ápice de sua carreira. Ele
se entrega totalmente na representação dos dois personagens e imprime, a ela, a necessária “verdade”, que faz o
público se emocionar, chegando às lágrimas. Seu trabalho explora,
com maestria, a utilização não só da voz, como também do corpo. Quando
deixa de ser QUIXOTE, para se transformar em CERVANTES,
mantém uma deformidade, na mão esquerda, fruto de um ferimento que o escritor
adquiriu, depois de um incidente em que fora atingido, num duelo, com Antônio Sigura, em 1569, na Itália. É
comovente vê-lo em cena. Tornei-me seu mais ardoroso fã. Jamais
perderei um trabalho seu.
Sobre SARA SARRES (ALDONZA / DULCINEIA),
seu nome está ligado a alguns dos maiores musicais
já montados no Brasil, já que se
trata de uma das mais completas cantrizes
brasileiras. Dona de uma bela presença em cena e de uma linda voz,
sabe atribuir, à sua personagem, a
força de que ela precisa, para enfrentar o assédio dos homens e o ambiente
insalubre em que vive, ao mesmo tempo que demonstra uma fragilidade e uma
profunda ternura e senso de humanidade pelo protagonista, pondo-se à sua altura profissional em
cena. Seus solos são um bálsamo para os nossos ouvidos. Mais um grande trabalho em seu vasto e
vitoriosos currículo.
E o que falar sobre JORGE MAYA
(SANCHO PANÇA)? Como na primeira montagem, FALABELLA optou por
um (grande) ator negro, para
representar SANCHO (ideia brilhante) e convidou MAYA para
o papel. Não poderia ter sido melhor a escolha. Não sendo
o principal protagonista da
história (“Principal protagonista” não deve ser considerado um
pleonasmo; aqui, há três), graças ao talento deste ator, seu personagem
arranca aplausos em cena aberta, o que ocorreu nas três sessões a que assisti,
a despeito de, na terceira, o ator ter sofrido uma “pane de voz”, logo no início
da peça, após o seu primeiro número musical, em dueto com BACCIC, o que não o impediu de, bravamente, prosseguir na sua
brilhante atuação. Em troca de seu talento e responsabilidade profissional, foi
generosamente acolhido pelo público, que soube entender o seu momento de
tensão. Grande mérito de MAYA, que já
tem bastante experiência em musicais,
sempre em papéis que puxam mais para a comicidade, terreno que ele domina
bastante. O forte carisma do
ator e do personagem logo chamam a atenção da plateia, que vibra com suas
intervenções.
Não teria condições de analisar o
trabalho de cada ator, porém posso
assegurar que todos fazem excelentes trabalhos, com destaques para DAVI BARBOSA (GOVERNADOR), FRED OLIVEIRA (DUQUE), FRED REUTER (PADRE), LUIZ GOFMAN (BARBEIRO), CÁSSIA RAQUEL (ANTÔNIA), FLORIANO NOGUEIRA (DR. SANSÃO CARRASCO) e FABRÍCIO NEGRI (PEDRO). Mas ainda
temos, no elenco, CLARTY GALVÃO (CRIADA), DINO FERNANDES (HOSPEDEIRO), NOEDJA BACIC (MARIA), GABRIELA GERMAIN (CIGANA) e BRUNO FRAGA (ANSELMO), além dos “ENSAMBLES”, cujos nomes não me foram
apresentados.
DAVI BARBOSA (GOVERNADOR) é
um ator, de voz marcante,
extremamente grave, é uma das mais belas presenças no palco. Mesmo
quando não está diretamente ligado à cena, é difícil não
percebê-lo. Causou-me grande alegria a sua atuação.
FRED OLIVEIRA (DUQUE) é um bom ator, mesmo num papel de menor destaque, conseguindo fazê-lo
grande, no caso, aqui, apelando para o humor. Belo trabalho!
CÁSSIA RAQUEL (ANTÔNIA), depois de ter participado de grandes musicais, empresta seu talento
para interpretar um papel secundário na trama, porém, por sua bela presença em
cena, associada a uma das melhores vozes femininas do TEATRO MUSICAL
BRASILEIRO, a cantriz é sempre muito aplaudida, ao terminar seus
solos.
FRED REUTER (PADRE) é um excelente ator, dono de uma belíssima voz, uma das melhores dentre todos os
do elenco masculino, Já o aplaudira,
atuando em outros musicais e sempre
me deixo encantar por seus trabalhos. Sou seu grande admirador,
desde que o vi, pela primeira vez, em outra obra-prima de MIGUEL
FALABELLA: “Império”, em 2006. Apesar de representar um
personagem de menor relevância, no espetáculo,
o ator, com seu talento, o valoriza
bastante.
FLORIANO NOGUEIRA (DR. SANSÃO CARRASCO). Seu momento de maior
brilho é na belíssima cena em que, na tentativa de fazer com que o protagonista
enxergue a realidade, apresenta-se como o Cavaleiro do
Espelho. Trata-se de uma das melhores cenas do espetáculo, com
méritos para a direção, a iluminação e, obviamente, a atuação
de FLORIANO e CLETO.
LUIZ GOFMAN (BARBEIRO). Embora seja um papel secundário, é bem
defendido pelo ator, com ótima
presença em cena.
Sempre disse, inclusive ao próprio, que MIGUEL
FALABELLA, a despeito de já ter escrito,
dirigido e atuado em tantos ótimos musicais,
não precisaria fazer mais nada na vida, depois de ter escrito, junto com Josimar
Carneiro, e dirigido (e até
interpretado o personagem D. João VI, em substituições eventuais) o
magnífico musical “Império”, em 2006, no Teatro Carlos
Gomes, no Rio de Janeiro. Agora
ratifico e robusteço o meu pensamento
com esta a versão e direção de “O HOMEM DE LA MANCHA”.
FICHA TÉCNICA:
Texto: Dale Wasserman
Músicas: Mitch Leigh
Letras: Joe Darion
Versão e Direção: Miguel Falabella
Diretor Associado: Floriano Nogueira
Produtores Associados: Cleto Baccic, Carlos A. Cavalcanti e Vinícius
Munhoz
Produtores: Cris Fraga, Fábio Campos, Marisa
Medeiros e Ricardo Uba
Coordenadora de Projeto: Sheila Aragão
Elenco: Cleto Baccic (Miguel de Cervantes / D. Quixote), Sara Sarres
(Aldonza / Dulcineia), Jorge Maya (Sancho Pança), Davi Barbosa (Governador), Fred
Oliveira (Duque), Fred Reuter (Padre), Luiz Gofman (Barbeiro), Cássia Raquel
(Antônia), Floriano Nogueira (Dr. Sansão Carrasco), Fabrício Negri (Pedro), Clarty
Galvão (Criada), Dino Fernandes (Hospedeiro), Noedja Bacic (Maria), Gabriela
Germain (Cigana) e Bruno Fraga (Anselmo), além dos “Ensambles”, cujos nomes não
me foram apresentados
Orquestra: Daniel Rocha (Diretor Residente e Maestro), Flávio Lago (Maestro
II), Francisco Gonçalves, Raul D’oliveira, Geisel Nascimento, Ricardo Nascimento,
Marcos Passos, Débora Nascimento, Jef de Lima, Clarissa Bonfim, Wanderson
Cunha, Vagner Corrêa Júnior, Walesca Beltrami, Eliezer Gomes Contradoi, Beto
Bonfim, Rafaelk Maia, Rodrigo Foti e Waldir.
Cenógrafo: Matt Kinley
Cenógrafo Associado: David Harris
Figurinista:Cláudio Tovar
Produtores de Figurino: Ligia Rocha e Marco Pacheco
Direção Musical: Carlos Bauzys
Direção Musical Residente: Daniel Rocha
Direção de Coreografia e Movimento: Katia Barros
Desinger de Luz: Drika Matheus
Desinger de Luz Associado: Jackis Roberto
Desinger de Som: Gabriel D’angelo
Visagismo: Ivan Pasciscenai
Equipe Técnica: Gabriel Amato
Chefe de Camarim: Alyzandra Pessanha
Chefe de Perucaria: Cris Regis
Production Stage Maneger: David Brenon
Stage Manegers: Ana Luzia Chaves e Fernando Queiroz
Operador de Som: André Garrido
Operador de Som 2: Erick Lima
Microfonista: Rodrigo Oliveira
Operador de Luz: Orlando Chaider
Swing: Fabiano Correa
Operadores de Chanhão: Alexandro Alves, Anderson Rocha e Paulo Henrique
Designer Gráfico: Mateus Forti Barros
Fotos: João Caldas
Assessoria de Imprensa: Loures Comunicação
SERVIÇO:
Temporada: De 09 de junho a 27 de julho de 2018.
Local: Teatro Bradesco – Rio de Janeiro.
Endereço: Avenida das Américas, 3.900 (Shopping Village Mall) – Barra da
Tijuca – Rio de Janeiro.
Dias e Horários: 5ªs e 6ªs feiras, às 21h; sábados, às 17h e às 21h; domingos,
às 18h.
Valor dos Ingressos: Variam de R$37,50 a R$190,00.
Duração: 105 minutos.
Classificação Etária: 10 anos.
Gênero: Musical.
Não considero ufanismo nem exagero dizer que o que se
vê, no palco do Teatro Bradesco – Rio de Janeiro, não fica nada a dever
aos grandes espetáculos da Broadway
e, pelo contrário, até supera alguns a que tive a oportunidade de assistir.
“O HOMEM DE LA MANCHA” é uma
prova cabal de que o que nos difere das grandes produções da Broadway e de outros locais onde se
concentram as grandes produções de musicais,
como Londres, por exemplo, é o
fator “verba para a produção”. Falta-nos dinheiro, mas,
em contrapartida, sobram-nos talento e criatividade. É preciso que
se invista mais e mais nesse tipo de TEATRO, que já não é mais uma
promessa; tornou-se uma grata realidade, motivo de orgulho para os brasileiros.
Este musical demonstra que deixamos de engatinhar; também não caminhamos trôpegos e indecisos, rumo a
uma consagração. Não! Nossos
passos já são largos e firmes, na direção, agora, de um reconhecimento além de
nossas fronteiras, porque, no Brasil,
já atingimos um nível de excelência, sucesso e reconhecimento nesse
nicho, merecidamente comprovados.
Que
os grandes dramaturgos e compositores nacionais escrevam, cada
vez mais, para o TEATRO MUSICAL BRASILEIRO!
Que
se reproduzam bandos de “loucos”, como os que enfrentam os maiores sacrifícios, para levar ao palco musicais da
qualidade de “O HOMEM DE LA MANCHA”!
Viva
CERVANTES!!!
Viva
DOM QUIXOTE!!!
VIVA
O TEATRO MUSICAL BRASILEIRO!!!
"EU SOU EU, DOM QUIXOTE,
SENHOR DE LA
MANCHA,
E O MEU DESTINO É LUTAR,
POIS QUEM NÃO SE AVENTURA,
COM FÉ E TERNURA,
O MUNDO NÃO PODE MUDAR.
NÃO PODE O MUNDO MUDAR
QUEM NÃO SE AVENTURAR!!!"
E VAMOS AO TEATRO!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO
BRASIL!!!
COMPARTILHEM ESTA CRÍTICA, PARA QUE, JUNTOS,
POSSAMOS DIVULGAR O ÓTIMO TEATRO BRASILEIRO!!!
(FOTOS: JOÃO CALDAS.)