“FURACÃO”
ou
(NO LODO,
NASCE A
FLOR-DE-LÓTUS.)
Ir a um Teatro, para assistir a um novo
trabalho da “AMOK TEATRO”, que prima pelo bom gosto, elevado senso profissional e perfeccionismo, é sempre uma certeza de
satisfação garantida. Em 25 anos de existência, ANA TEIXEIRA
e STEPHANE BRODT, fundadores da CIA., jamais assinaram um
espetáculo que não merecesse, de minha parte, no mínimo, a classificação de ÓTIMO,
sendo que, a alguns, dedico a distinção de OBRA-PRIMA, como foi o caso,
por exemplo de “Salina – A Última Vértebra” (2015)
e “Os Cadernos de Kindzu” (2018). Na última 5ª
feira (10 de agosto de 2023), fui conhecer a mais recente
produção da “AMOK” e, como já esperava, deixei o Teatro Sergio
Porto, no Rio de Janeiro, “flutuando nas nuvens”,
depois de ter assistido a “FURACÃO”, daqueles espetáculos que me fazem refletir
sobre a capacidade criativa do ser humano, para imaginar uma belíssima peça,
partindo de um desastre climático, no caso, a passagem do furacão “Katrina”,
em 2005, pelo sul dos Estados Unidos, na cidade de Nova
Orleans, mais propriamente.
“FURACÃO” é um espetáculo que leva o público a
refletir, obviamente, sobre as consequências das questões climáticas,
porém vai além disso, abrindo um leque de questionamentos, no qual há espaço para a ética,
o racismo e o retorno à ancestralidade. A peça é baseada na obra homônima do
premiado escritor francês LAURENT GAUDÉ, que recebeu um ótimo tratamento
dramatúrgico, da parte de ANA e STEPHANE.
SINOPSE:
“FURACÃO” coloca
em cena uma poderosa personagem feminina – uma espécie de “griot”
americana (Na tradição africana, os “griots” - pronúncia: “griôs”- e “griottes”, para as mulheres, são contadores de
histórias, muito sábios e respeitados nas comunidades onde vivem.), trazendo
um tema urgente: a situação dos excluídos, diante das catástrofes climáticas
que devastam o planeta.
No coração da tempestade, Joséphine
Linc Steelson (SIRLEA ALEIXO), “uma
velha negra de quase cem anos”, enfrenta a fúria da natureza.
Uma mulher marcada pela
segregação racial.
Uma voz que ecoa como um grito
na cidade inundada e abandonada à própria sorte.
O espetáculo segue a trajetória dessa mulher, cuja história poderia ser, também, a história de tantas mulheres brasileiras.
A violência de um furacão
não escolhe suas vítimas, entretanto sabemos que estas, em sua esmagadora
maioria, sempre são as pessoas menos favorecidas, aquelas que não conseguem
atingir meios que as possam salvar do gigantesco perigo. Esse pensamento se
ajusta, como uma luva, à situação das populações atingidas pelos grandes
temporais, no Brasil, uma vez que, por não dispor de recursos que lhes
permitam uma moradia segura, veem-se obrigadas a se “empoleirar”,
em morros, ou se compactar, à beira de fluxos de água poluída, assoreados, dentro de construções frágeis, as quais,
quando vem o “dilúvio”, são carregadas, encosta abaixo ou “rio”
afora, com tudo, ou quase nada, que se
encontra dentro delas, inclusive vidas humanas.
No caso específico do
triste e lamentável episódio do Katrina, registrado acima, a devastação,
em Nova Orleans, não chegou com precisão de destinatários,
contudo a minoria branca conseguiu se prevenir e abandonar a cidade,
posteriormente transformada numa “cidade fantasma”, antes da
chegada da “indesejada das gentes” (Minha homenagem a Manuel
Bandeira.). Tomando por base a devastação que o furacão causou à
comunidade negra dos bairros pobres de Nova Orleans, a obra de GAUDÉ
mergulha, abissalmente, nos corações e mentes dos sobreviventes da catástrofe,
na pessoa da personagem Joséphine
Linc Steelson, visceralmente
interpretada por SIRLEA ALEIXO, atriz que,
para mim, pelo menos, foi uma gratíssima surpresa. Salta aos olhos dos espectadores a energia direcionada à interpretação da personagem. Não sei de onde SIRLEA retira tanta energia, tanta potência, para ser transferida à sua Joséphine. Ela distribui, harmoniosamente, diferentes entonações e ritmos, de acordo com a carga emotiva contida em cadas frase.
Na montagem, por meio de um
texto bastante denso e realista, a dupla de encenadores optou, mais uma vez com
grande acerto, pelo amálgama TEATRO/música, que sempre deu certo,
em todas as vezes que o duo recorreu a tal união. No caso da música, que, no
espetáculo, alivia bastante a tensão provocada pela ótima
dramaturgia, a inspiração voltou-se para a do tipo popular do sul dos Estados
Unidos, o genuíno “blues”, um gênero e forma musical originado por
afro-americanos, (...), em torno do fim do século XIX, desenvolvido a partir de
raízes das tradições musicais africanas, canções de trabalho afro-americanas, “spirituals”
e música tradicional. As
canções são, magnificamente, interpretadas, ao vivo, por RUDÁ BRAUNS e ANDERSON RIBEIRO, dois
músicos, e por TATY ALEIXO, excepcional cantora, que também é
aproveitada, numa pequena, porém profícua, participação como atriz.
STEPHANE BRODT também assina a direção
musical do espetáculo, e a dupla de músicos, a criação e produção
musical. A trilha sonora da peça agasalha versões próprias de
clássicos, como “Pussycat Moan”, “O Death”, “Hard
Times Killing Floor Blues” e “Strange Fruit”. Um detalhe
interessante, para os que, como eu, se interessam por esse tipo de música: a partir
da segunda quinzena de setembro, a trilha sonora do espetáculo vai estar
disponível nas principais plataformas musicais de “streaming”.
A encenação, que se apresenta em
torno de uma narrativa linear, com a correta utilização de “flashbacks”,
traz a lume questões complexas relativas à ética, mostrando o que já sabíamos,
pela imprensa, mas para o que, talvez, não tivéssemos, à época, dado tanta importância,
como nos leva a fazer a peça, ou seja, que “os mais pobres foram os
únicos a ficar para trás, depois do alerta de tempestade” (“mais
pobres = negros). Não teria sido, exatamente, o mesmo que que deu com
relação às vítimas de “Brumadinho”, dentre tantos outros
exemplos?
O espetáculo gira em torno de
uma personagem sobrevivente a uma tragédia, mas também pode ser considerado um
tributo àqueles que não tiveram a mesma sorte, número estimado em quase 2.000
pessoas, além dos cerca de 130.000 que ficaram desabrigados. Mas
o que, no fundo, o autor do texto pretende, com sua obra, é mostrar “o
peso da desigualdade, em momentos de tragédia”, peso este que,
infelizmente, todos sabemos existir, também, fora delas. Trecho extraído do “release” que
me foi enviado por NEY MOTTA (“Arte Contemporânea Comunicação Ltda. –
Assessoria de Imprensa): “Uma narrativa que mistura a gravidade
do trágico com a doçura da fábula, para exaltar a beleza comovente daqueles
que, apesar de tudo, permanecem de pé.”. A Senhora Joséphine Linc Steelson, que, repetidas vezes, como um mantra, faz
questão de dizer que é “uma velha negra de quase cem anos”,
como a querer que não pairem dúvidas quanto à sua força e vigor, para
lutar por um espaço, numa sociedade ultrassegregacionista e cruel, é uma digna
e fiel representante dos que “optaram” por “ficar de pé”,
se é que isso caiba numa “opção”.
Em
se tratando dos elementos de criação, os principais deles, cenografia,
figurinos e iluminação, ganharam um tratamento de pouco
protagonismo, sem que tenham sua importância relegada a um plano muito inferior
ao dos que carregam toda a força maior do espetáculo: texto, direção
e interpretação. A simplicidade pontua os três. O cenário, criado
pelo casal ANA e STEPHANE, é único e bastante sugestivo, além de
abrir possibilidades, ao espectador, de ver o que nele não existe concretamente,
como outros “sets”. Os figurinos, também desenvolvidos
pelos dois, não poderiam ser mais simples e sóbrios, como a tônica da montagem
exige. E a luz, desenhada por RENATO MACHADO, parece ter sido
fruto de uma aposta do “menos é mais”, muito bonita e acertada, contribuindo
para lindas imagens no espaço cênico.
FICHA TÉCNICA:
Texto Original: Laurent Gaudé
Adaptação: Ana Teixeira e Stephane Brodt
Direção: Ana Teixeira e Stephane Brodt
Elenco: Sirlea Aleixo (atriz), Taty Aleixo (atriz e cantora), Rudá
Brauns e Anderson Ribeiro (músicos)
Cenário: Ana Teixeira e Stephane Brodt
Figurino: Ana Teixeira e Stephane Brodt
Iluminação: Renato Machado
Direção Musical: Stephane Brodt
Criação e Produção Musical: Rudá Brauns e Anderson Ribeiro
Operador de Luz: João Gaspary
Cenotécnico: Beto de Almeida
Confecção de Figurinos: Ateliê das Meninas
Assessoria de Imprensa: Ney Motta
Fotos: Sabrina Paes e Renato Mangolin
Direção de Produção: Sonia Dantas
Produção Executiva: Gabriel Garcia
Assistente de Produção: Lucas Petitdemange
SERVIÇO:
Temporada: De 03 a 27 de agosto de 2023.
Local: Teatro Sergio Porto (Espaço
Cultural Municipal Sérgio Porto).
Endereço: Rua Humaitá, nº 163, Humaitá, Rio de Janeiro.
Telefone para informações: (21)2535-3846.
Dias e Horários: De quarta-feira a sábado, às 20h, e domingo, às 19h.
Valor dos Ingressos: R$30,00 e R$15,00.
Duração: 70 minutos.
Classificação: 12 anos.
Gênero: Drama.
Circulação com apresentações do espetáculo FURACÃO e oficinas
de “Treinamento Improvisação” – Programação gratuita:
Dia 8 de setembro, sexta-feira:
Local: Arena Carioca Fernando Torres.
Endereço: Rua Bernardino de Andrade, nº 200, Madureira, Rio de Janeiro.
Telefone para informações: (21)3496-0372.
Apresentação do espetáculo às 18h.
Com debate após a apresentação.
Programação gratuita.
Dia 10 de setembro, domingo:
Local: Arena Carioca Dicró.
Endereço: Rua Flora Lôbo, s/nº, Penha Circular - Parque Ari Barroso -
Rio de Janeiro.
Telefone para informações: (21)3486-7643.
Apresentação do espetáculo às 18h.
Oficina “Treinamento Improvisação”, das 14h às 18h.
Programação gratuita.
Dia 11 de setembro, segunda-feira:
Local: Museu da Maré.
Endereço: Avenida Guilherme Maxwel, nº 26, Maré, Rio de Janeiro.
Telefone para informações: (21)3868-6748.
Apresentação do espetáculo às 19h.
Oficina “Treinamento Improvisação”, das 14h às 18h.
Programação gratuita.
De 18 a 22 de setembro, segunda a sexta-feira:
Local: Casa do Amok Teatro.
Endereço: Rua das Palmeiras, nº 96, Botafogo, Rio de Janeiro.
Telefone para informações: (21)2543-4111.
Oficina “Treinamento Improvisação”, das 9h30min às 12h30min.
Programação gratuita.
Há 25 anos, desde sua fundação, o “AMOK
TEATRO” não vem fazendo outra coisa que não seja escrever, com tinta
cada vez mais forte e indelével, o seu nome, como uma das melhores CIAs.
do TEATRO BRASILEIRO. A essa
linda trajetória, “FURACÃO” vem se juntar, como um dos melhores
espetáculos a que assisti neste pouco mais de meio ano de temporada carioca de 2023.
Em função disso, recomendo, com bastante entusiasmo, esta produção teatral.
FOTOS: SABRINA
PAES
e
RENATO MANGOLIN
VAMOS AO TEATRO!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS
DE ESPETÁCULO
DO BRASIL!
A ARTE EDUCA E CONSTRÓI,
SEMPRE!
RESISTAMOS, SEMPRE MAIS!
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PARA QUE, JUNTOS,
POSSAMOS DIVULGAR
O QUE HÁ DE MELHOR
NO TEATRO BRASILEIRO!