terça-feira, 27 de novembro de 2018


O QUE É QUE
ELE TEM


(UM PROVA DE AMOR,
UM TRIBUTO À VIDA,
UM ATO DE CORAGEM,
UM ESPETÁCULO EMOCIONANTE.)




        Está em cartaz, no Teatro SESI Centro, no Rio de Janeiro (VER SERVIÇO.), um monólogo que é, exatamente, tudo o que escrevi no subtítulo desta crítica. E mais algumas coisas...

        Junte-se uma linda e emocionante história, um texto muito bem escrito, uma direção correta, uma interpretação impecável e os suportes criativos e técnicos necessários a uma boa montagem teatral e ela surge, num palco, sem mistérios e ao alcance de qualquer pessoa de sensibilidade apurada. E emociona muito o espectador.

       Em seu primeiro solo, a excelente atriz LOUISE CARDOSO nos conta a trajetória de duas vidas: a da cantora OLÍVIA BYINGTON e de seu filho JOÃO, com o cineasta Miguel Faria Jr.. O espetáculo é uma transposição, para o palco, feita por RENATA MIZRAHI, do livro homônimo, “O QUE É QUE ELE TEM”, escrito por OLÍVIA, no qual ela conta o que representou, e representa, até hoje, a entrada de JOÃO na sua vida, a relação entre ambos, ele que nasceu com uma síndrome raríssima, a de Apert, sobre a qual falarei, de leve, um pouco mais adiante.

Da forma mais corajosa, e amorosa, também, OLÍVIA publicou, em 2016, um livro, a partir de suas memórias, abrindo o coração e escancarando as portas da sua intimidade, no qual ela remexe em cada meandro do seu interior, para tornar pública a sua vida, a partir dos 22 anos, quando JOÃO veio ao mundo, segundo ela, para fazê-la muito feliz. Na época do lançamento da publicação, houve muitos comentários elogiosos, da crítica e dos leitores, os quais se comoveram muito com os detalhes da narrativa. Assisti, à época, a inúmeras entrevistas da autora, sobre o livro, e fiquei conhecendo muito de seu conteúdo. Uma vez, com um exemplar, que me caiu nas mãos, por acaso, durante umas horas, li, rapidamente, alguns trechos, que mexeram bastante comigo e me instigaram a lê-lo na íntegra, o que nunca consegui fazer, infelizmente, mas continuo interessado em. Chamou-me a atenção, além, obviamente, da maneira natural e poética como ela ia contando, cronologicamente, os fatos, a linguagem empregada, a escrita, muito simples, para atingir qualquer leitor.

“O QUE É QUE ELE TEM” conta uma história de um amor incondicional entre uma mãe e seu filho, nascido com a síndrome de Apert, causada por uma mutação genética, que gera acrocefalia (desenvolvimento do crânio anormal) e sindactilia (pés e mãos fundidos total ou parcialmente), para simplificar as suas características e o que ela significa para os seus portadores.










SINOPSE:

Logo que nasceu, em 1981, JOÃO foi diagnosticado com a raríssima síndrome de Apert.
Aos 22 anos e mãe de primeira viagem, OLIVIA BYINGTON viu seu filho sair, diretamente da maternidade, para o centro cirúrgico, quando iniciou uma verdadeira odisseia, com dezenas de cirurgias, alguns erros médicos e viagens para tratamento em outros países.
Ela precisou interromper a bem-sucedida carreira de cantora, que iniciava, para se lançar ao enorme desafio que vinha pela frente.
Após todo o período inicial, ainda que os problemas de saúde, volta e meia, voltassem a aparecer, OLIVIA começou uma outra batalha, bem maior e, ainda, mais complexa: a luta pela inclusão de seu filho em um mundo que não está preparado para conviver com a diferença.
Essa tempestade de revelações e emoções é o que aguarda o espectador que vai assistir a “O QUE É QUE ELE TEM”.






Sei que o(a) meu(minha) leitor(a) pode estar pensando se vale a pena sair de casa, para assistir a uma peça “pra baixo”, que vai fazer com que ele(a) deixe o Teatro chateado(a), triste, deprimido(a), até (Quem sabe?) Pois é! Esse pensamento é bastante compreensível, no entanto, prepare-se para o oposto. Vale muito a pena assistir a este espetáculo. Eu diria, até, que todas as pessoas deveriam assistir a ele. Por mais que sejam abordados, comentados e mostrados momentos tristes, difíceis, durante os 37 anos de existência do filho tão amado, passagens dramáticas, isso surge de uma forma tão leve e natural, graças à maneira como OLÍVIA enxergou o “problema” de JOÃO, sem perder a lucidez e se utilizando, até mesmo, de pitadas de um humor ingênuo e leve e, mais ainda, pela maneira, tão delicada, como RENATA MIZRAHI soube dramatizar a narrativa, que acaba por ser um dos melhores monólogos deste ano de 2018, no Rio de Janeiro, fadado a uma longa carreira, sucesso de público e de crítica.

No princípio, como nem poderia deixar de ser, OLÍVIA teve de, ela, principalmente e em primeiro lugar, tentar entender o que estava se passando e, acima de tudo, “aceitar” o filho, como ele nascera. Mas “aceitação” é sinônimo de aquiescência”, “anuência”, “concordância”, “consentimento”... Envolve passividade, o que não combina com OLÍVIA BYINGTON. Mas, também, significa “acolhimento”, “receptividade”. E era disso que JOÃO precisava, e precisará, até o final de sua vida. Mais que ser aceito, ele tinha o direito de ser amado, e não poderia ter caído em melhores braços do que os daquela mãe. OLÍVIA foi, é e sempre será “A MÃE”.

Não sobra, neste espetáculo, espaço para a vitimização e a autocomiseração. De acordo com o “release” da peça, enviado por PEDRO NEVES (FACTORIA COMUNICAÇÃO), “É uma história de muitas vitórias. OLÍVIA não se faz de coitada, em momento algum. Ela vai à luta, enfrenta os problemas, com absoluta leveza, coragem e muita determinação. Ela e JOÃO são exemplos de otimismo e amor à vida. A adaptação para o TEATRO privilegia muito a essência desse comportamento e dessa visão de mundo tão importante”, no dizer de LOUISE CARDOSO.
            LOUISE leu o livro, apresentado a ela por FLÁVIO MARINHO, idealizador do projeto, apaixonou-se por ele e chegou até OLÍVIA, com a proposta de tornar sua obra numa peça teatral. Desde logo, acho que não a OLÍVIA escritora, mas “a mãe do JOÃO” comprou a ideia, embarcou naquele sonho, agora tornado realidade. E que bela realidade!


Foi ótima a lembrança do nome de RENATA MIZRAHI, para a transformação da obra, de uma mídia em outra. RENATA é dos mais representativos nomes, dentre os jovens dramaturgos brasileiros, vencedora de vários prêmios e indicada a tantos outros. Ela parece ter sido bastante fiel ao livro de origem (Não o li, ainda, mas quem já o fez me garante que sim.), costurando bem todas as passagens, transformadas em cenas, numa linguagem também simples e direta, com pequenos intervalos, breves, porém profundos silêncios, que servem de descanso, físico e emocional, à atriz, para uma retomada de fôlego, e de toques para a reflexão do espectador, conseguindo, facilmente, prender a atenção do público, o que não é fácil, num monólogo, aproximando bastante, numa grande cumplicidade, palco e plateia.
A montagem é bastante simples, porém de um requinte total, representado, além da impecável atuação da atriz, por um conjunto de elementos, que, somados, atingem um excelente resultado.
Poucas atrizes, além de LOUISE CARDOSO, quero crer, estariam tão bem em cena, na pele de OLÍVIA BYINGTON. LOUISE não parece, mesmo, representar; ela conversa com as pessoas. É como se estivesse fazendo uma leitura dramatizada, valorizando, bastante, o texto, com sua vasta experiência de grande atriz, amparada pela ótima direção de FERNANDO PHILBERT, o qual explora a empatia do público, em relação à personagem em cena.
Na cenografia, assinada por NATÁLIA LANA, destaca-se um moderno e arrojado conjunto, formado por um sofá e uma cadeira, de metal, esta, durante quase todo o tempo de duração do espetáculo, ao lado daquele, como se formasse uma só peça, tendo, como assento, tiras largas de espuma, retorcidas, formando, o todo, algo diferente, raro de ser visto, um pouco estranho, parecendo desconfortável, à primeira vista. Só que não!!! Ao lado desse agrupamento, uma pequena mesa, no mesmo estilo. No centro do palco, um enorme tapete vermelho e, ao fundo, penduradas, placas metalizadas, disformes, sobre as quais são projetadas imagens, acompanhando o texto, num excelente trabalho de videografismo, dos irmãos RICO e RENATO VILAROUCA, sobre ilustrações, para o livro, da própria OLÍVIA BYINGTON.


Durante toda a peça, LOUISE CARDOSO veste um único figurino, elegante e discreto, desenhado por RITA MURTINHO.
A peça não exige muito da iluminação, mas VILMAR OLOS encontrou os momentos exatos em que mudanças de luz devem ser feitas, para realçar detalhes e situações ou tirar de foco o que não é de interesse, temporariamente.
MARCELO ALONSO NEVES merece um elogio especial, pela felicíssima ideia de montar uma trilha sonora calcada em gravações de OLÍVIA BYINTON, uma justa e merecida homenagem, que, ainda por cima, não foi gratuita, uma vez que as canções se encaixam, perfeitamente, nos momentos em que são inseridas na montagem.
Belo trabalho de direção de movimento realizou MÁRCIA RUBIN. Não é tarefa muito fácil estabelecer posturas e movimentos para uma só pessoa num monólogo, para evitar a monotonia.




FICHA TÉCNICA:

Texto: Renata Mizrahi - Inspirado no livro “O Que É Que Ele Tem”, de Olívia Byington
DireçãoFernando Philbert
Assistente de Direção: Luiz Octavio Moraes

Atuação: Louise Cardoso

Cenário: Natália Lana
Figurino: Rita Murtinho
Iluminação: Vilmar Olos
Trilha Sonora: Marcelo Alonso Neves
Direção de Movimento: Márcia Rubin
Projeções Cênicas e Videografismo: Rico Vilarouca e Renato Vilarouca
Preparação Vocal: Luciana Oliveira
Visagismo: Rose Verçosa
Projeto Gráfico: Redondo Estratégia + Design
Ilustrações: Olívia Byington
Assessoria de Comunicação: Factoria Comunicação
Mídias Sociais: Theodora  Duvivier
Fotos: Lenise Pinheiro
Produção Executiva e Administração: Cristina Leite
Direção de produção: Alessandra Reis
Idealização: Flávio Marinho






 






SERVIÇO:


Temporada: De 15 de novembro a 16 de dezembro de 2018.
Local: Teatro SESI – Centro.
Endereço: Avenida Graça Aranha, nº 1 – Centro – Rio de Janeiro.
Dias e Horários: De 5ª feira a sábado, às 19h; domingo, às 18h.
Valor dos Ingressos: R$40,00 (inteira) e R$20,00 (meia entrada).
Compras na Bilheteria do Teatro ou no “site” divertecultural.com
Indicação Etária: (Não recebi tal informação, mas acredito ser de 12 anos, embora houvesse crianças menores, na plateia, no dia em que assisti à peça.)
Gênero: Monólogo Dramático.









            Pegando carona no já citado “release”, “O QUE É QUE ELE TEM” “Mais do que uma história de superação, é uma história de amor, que nos faz refletir sobre conviver em sociedade e lidar com as diferenças.” (LOUISE CARDOSO).

            A peça, além de tudo o que tem de bom, é muito oportuna, bastante aplicável aos dias de hoje, quando tanto se discute a importância e a necessidade da inclusão social, para aqueles que são considerados “diferentes”.

            Alguns, como aconteceu comigo, antes de assistir ao espetáculo, a princípio, devem estranhar a falta de pontuação, ao final do título, que é uma frase; ou não. Se viesse seguido de um ponto de interrogação, seria, exatamente, a pergunta que OLÍVIA ouviu tantas vezes, na vida, feita por palavras ou por olhares covardes ou indiscretos. Se viesse seguido de um ponto, este indicaria um final, uma conclusão. Parece-me que a ausência de pontuação é proposital e mostra, simplesmente, que OLÍVIA não deseja nada mais do que esclarecer a síndrome que JOÃO carrega e mostrar que ele tem muito mais do que deformações físicas e outras sequelas. Ele tem muita alegria, amor à vida, paixão por uma namorada, bom humor e uma luz interior, que cativa aqueles que com ele convivem, parentes e amigos.

            Para encerrar, nada melhor que transcrever duas frases que me marcaram, durante a peça, desde o momento em que foram ditas, seguidas, até o fechar da cortina:
  
 “Nada é melhor, para alguém com deficiência, do que o convívio em sociedade”.
 “Nada é melhor, para a sociedade, do que o convívio com as diferenças”. 

 


E VAMOS AO TEATRO!!!

OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!

A ARTE EDUCA E CONSTRÓI!!!

RESISTAMOS!!!

COMPARTILHEM ESTA CRÍTICA, PARA QUE, JUNTOS,
POSSAMOS DIVULGAR O QUE HÁ DE MELHOR NO
TEATRO BRASILEIRO!!!




(FOTOS: LENISE PINHEIRO)




























segunda-feira, 26 de novembro de 2018


O INOPORTUNO


(UM DOS MELHORES TEXTOS
DO TEATRO DO ABSURDO.
ou
UMA BELA CUMPLICIDADE PROFISSIONAL EM CENA.)




            A primeira vez em que fui apresentado ao Teatro do Absurdo, e vi logo que havia sido amor à primeira vista, foi no final da década de 60 e início da de 70, mais precisamente de 1969 a 1972, tempo que durou a minha formação em Português-Inglês, na Faculdade de Letras da UFRJ. Além das disciplinas obrigatórias, tínhamos de escolher outras, “optativas”, nomenclatura da época, para completar um determinado número de créditos. Não me lembro, exatamente, a quantidade que cumpri, só sei que ultrapassei, em muito, o mínimo exigido e escolhi o italiano, como língua instrumental, e todos os outros créditos estavam relacionados a cursos ligados à literatura dramática

         Estudei quase todos os clássicos autores do Teatro Universal, inclusive os expoentes do Teatro do Absurdo: Eugène Ionesco (1909 - 1994), romeno, radicado na França, a quem tive o prazer de conhecer, após uma palestra sua, na nossa Faculdade; Samuel Beckett (1906 - 1989), irlandês; Arthur Adamov (1908 - 1970), russo (este bem menos); Fernando Arrabal (1932), espanhol; Jean Genet (1910 - 1986), francês; Edward Albee (1928 - 2016), norte-americano; e Harold Pinter (1930 - 2008), inglês, autor da peça aqui em análise.

         O Teatro do Absurdo é um termo criado por um crítico teatral húngaro, radicado na Inglaterra, Martin Esslin (1928 – 2002), ao apagar das luzes da década de 1950 (Há quem diga que foi em 1961, detalhe que não importa.), para classificar peças teatrais que, passado o trauma da Segunda Grande Guerra Mundial, tratavam de temas ligados a desolação, solidão e incomunicabilidade do homem moderno, por meio de traços estilísticos e temas que divergem, radicalmente, da dramaturgia tradicional realista. Com tal termo, Esslin tentava sintetizar uma definição que agrupasse as obras de dramaturgos de diversos países, as quais, apesar de serem completamente diferentes, em suas formas, tinham, como ponto central, o tratamento inusitado de aspectos inesperados da vida humana. Não teve a pretensão de obter o rótulo de “um novo movimento teatral”; menos, ainda, aspirou à denominação de um “gênero teatral”. É, apenas, uma classificação, que visa a colocar em destaque uma das tendências teatrais mais importantes da segunda metade do século XX.




A grande maioria dos estudiosos do Teatro do Absurdo considera a peça “Esperando Godot” (1949), de Beckett, como sendo o marco dessa classificação. Ainda que fosse uma “novidade”, tal classificação teatral reúne, “costumizando-os”, elementos já anteriormente explorados no TEATRO, vindos de várias fontes, como “os mimodramas; a “commedia dell’arte"; os espetáculos de “music hall” e “vaudeville”; a comédia de “nonsense”, com falas absurdas ou sem sentido; os movimentos artísticos de vanguarda do início do século XX, como o expressionismo e, principalmente, o dadaísmo e o surrealismo; a literatura de grandes nomes, como o irlandês James Joyce (1882 - 1941) e o tcheco Franz Kafka (1883 - 1924); o cinema do inglês Charles Chaplin (1889 - 1977), dos norte-americanos Buster Keaton (1895 - 1966), Oliver Hardy (1892 - 1957) e Stan Laurel (1890 - 1965) e dos irmãos Marx; e o TEATRO de nomes como o de Alfred Jarry (1873 - 1907), dramaturgo francês, autor do clássico “Ubu-Rei”. Uma salada mista, como bem se vê, um amálgama geral. (Enciclopédia Itaú-Cultural, com adaptações.).

Um dos aspectos mais interessantes e divertidos do Teatro do Absurdo é o fato de conseguir a união da comicidade ao trágico sentimento de desolação e de perda de referências do homem moderno, traumatizado por guerras e tanta destruição. O patético ocupa o trono e o espectador ri e não sabe por quê; ou, talvez, até, o saiba.

Deixado de lado o preâmbulo, passemos a fazer comentários acerca de “O INOPORTUNO” (“The Caretaker”, no original, cuja tradução literal seria “O Zelador”), montagem em cartaz no Teatro dos Quatro (VER SERVIÇO.).

Com direção de ARY COSLOV e contando com a atuação de DANIEL DANTAS, ANDRÉ JUNQUEIRA e WELL AGUIAR, idealizador do projeto, o espetáculo homenageia o autor do texto, HAROLD PINTER, no ano que marca dez anos de sua morte.








SINOPSE:

MICK (WELL AGUIAR) divide um apartamento com seu irmão mais velho, ASTON (ANDRÉ JUNQUEIRA).

Este traz, para dentro de casa, DAVIES (DANIEL DANTAS), um velho, supostamente um mendigo, um sem-teto, a quem resgatou, numa briga, em um bar.

Com pena do homem, ASTON lhe oferece a casa, como abrigo, até que ele se recupere, fisicamente, e consiga organizar seus documentos, então extraviados, para dar curso a seu caminho.

Ao longo da trama, obrigados a conviver mais próximos do que desejariam, os interesses, mentiras e conflitos vão se revelando e provocando mudanças no comportamento dos personagens, os quais navegam entre amor e ódio, pena e repulsa, solidão e tristeza.









            Tendo estreado em Londres, em 1960, seu sexto trabalho, dos principais, para o TEATRO e a TV, foi esta peça que abriu, para PINTER, as portas do caminho para o reconhecimento e a notoriedade, talvez pelo fato de se tratar de um riquíssimo estudo psicológico da confluência de poder, lealdade, inocência e corrupção entre dois irmãos e um vagabundo”. Prato cheio para qualquer psicanalista, que não temesse se contaminar pelas “loucuras” dos três.
A ação se passa numa casa, apresentada como um ambiente totalmente caótico, inóspito, à beira da comparação com um lixão com cobertura (Acho que não seria exagero.), no oeste de Londres, e envolve três personagens curiosíssimos e, por demais, “exóticos”.
Um deles é MICK (WELL AGUIAR), quase trinta anos, ambicioso, às vezes violento e mal-humorado, “aspirante a decorador ou já se considerando um”. Não consegue esconder sua enorme insatisfação com a presença e, pior ainda, o convívio com o “inoportuno”, ali, sob seus protestos, o que fica mais patente no início da peça, menos incisivo, com o passar do tempo, porém nunca desaparecendo, por completo.
ASTON (ANDRÉ JUNQUEIRA), irmão de MICK, trinta e poucos anos, quando mais novo, recebeu terapia de choque elétrico, que o deixou, permanentemente, com lesões cerebrais. Esforça-se, para apaziguar DAVIES, que vive reclamando de tudo, o retrato do sujeito inconveniente e sem-noção, mesmo na condição de agregado. ASTON parece estar procurando, desesperadamente, uma conexão no lugar errado e com as pessoas erradas, um quase “estranho no ninho”, talvez mais, até, que o “inoportuno”. Seu principal obstáculo é sua incapacidade de se comunicar. Ele é mal interpretado pelo irmão, tornando-se completamente isolado em sua existência, o que o faz ter mais em comum com o “hóspede”. Sua atitude bem-humorada o torna vulnerável à exploração. Seu diálogo é escasso e, muitas vezes, uma resposta direta a algo que MICK ou DAVIES disseram. Ele sonha, compulsivamente, em construir um galpão, no quintal, o que representaria, para ele, segurança e todas as coisas que sua vida não tem: realização e estrutura. Equivaleria a uma esperança para o futuro.




DAVIES (DANIEL DANTAS) é um homem velho, cuja idade é difícil de ser precisada, uma vez que seu estado de abandono, maltrapilho, descuidado, ajuda a camuflar quem, realmente, ele era. Trata-se de um uma incógnita em toda a peça. Nunca se sabe se o que está falando, revelando aos dois “anfitriões” e, indiretamente, ao público, é, ou não, verdade. Antes de revelar sua verdadeira identidade, como MAC DAVIES, o “inoportuno” se apresentara a ASTON como Bernard Jenkis. O que passa, claramente, é que inventa a história de sua vida, mentindo ou evitando alguns detalhes, para ocultar toda a verdade sobre si mesmo. Falácias? Em nome de que, exatamente. Ditas com convicção ou fruto de perturbação mental? Parece que ele procurar criar versões de sua vida, e detalhes, diferentes, para cada um dos irmãos, de modo a conseguir impressionar, influenciar ou manipular os dois, de acordo com seus interesses. Em muitos momentos, o espectador nota que tudo o que diz é premeditado e visa a uma conquista, a um ganho. Em outros, tudo parece devaneios. Ser uma espécie de “maria-vai-com-as-outras”, sem abandonar seus resmungos e protestos, é uma estratégia de sobrevivência muito bem aplicada por DAVIES, que não poupa críticas negativas ao “abrigo”, achando-o confuso e mal conservado, observação, aliás, muito pertinente.
DAVIES precisa de um par de sapatos, para poder ir a Sidcup, na tentativa de recuperar seus documentos, que, por lá, ficaram. Um par de sapatos. Era só disso que ele precisava. Essa insistência, uma verdadeira fixação, uma obsessão, em conseguir um me reportou ao clássico texto de Plínio Marcos, “Dois Perdidos Numa Noite Suja”, em que um par de sapatos era o que bastava para que Tonho pudesse ir à procura de um emprego. Por bastante tempo, essa analogia me chamou a atenção, na peça. Algo tão simples, tão, aparentemente, insignificante, pode fazer toda a diferença na vida de uma pessoa. Por meio de DAVIES, PINTER enfatiza o problema da segregação racial, uma vez que aquele vivia implicando com os vizinhos negros, imputando-lhes culpas e acusações.




Nada melhor, para iniciar os comentários sobre a peça do que dizer que ela ocupa um lugar de destaque na minha relação dos melhores espetáculos deste ano de 2018, apresentados no Rio de Janeiro, começando por dizer que achei muito interessante e objetiva a condensação dos três atos originais num só. Nunca li o texto na sua íntegra original, porém creio que ALEXANDRE TENÓRIO foi muito feliz, tanto na ideia quanto na tradução, mantendo tudo o que há de mais importante e expressivo no original.
Assistir à encenação de um texto de PINTER dirigido por ARY COSLOV já é garantia de que estaremos nos deliciando com uma excelente montagem, se considerarmos quão dedicado e conhecedor da obra e do universo pinteresco é COSLOV, o que já provou com prêmios, conquistados por outras montagens de obras do consagrado dramaturgo. Das mais recentes, “A Estufa” é um dos bons exemplos. ARY tem, nas mãos, o peso exato para construir as cenas e trabalhar, com o elenco, a elasticidade na composição de cada personagem. Não há, em seus trabalhos de direção, espaço para gorduras; nada de excessos. Aqui, são três pessoas desorientadas, confusas, indecisas, falaciosas, ardilosas, até certo ponto, que estabelecem, entre si, jogos que visam a saber quem é quem e de que lado cada um está naquela esdrúxula situação. Explorando, com maestria, o elemento cômico e o humor negro, abundantes, no texto, ARY COSLOV encontra o melhor caminho para serem questionados valores como confiança e cumplicidade, supostamente existentes entre as pessoas obrigadas a conviver diariamente, como numa sociedade. Aquele espaço confinado, de convivência a três, representa um microcosmo do universo que habitamos. Trata-se de mais um dos preciosos trabalhos de direção de COSLOV.

Quanto ao elenco, é preciso dizer o quanto ele agrada, pela harmonia alcançada pelo trio de ótimos atores, dentre os quais existe, tecnicamente falando, um protagonista, já expresso no próprio título da peça, que é DAVIES, “O INOPORTUNO”, entretanto a coadjuvação dos dois outros colegas de cena de DANIEL DANTAS é da maior importância no suporte ao trabalho deste.

DANIEL esbanja talento, que vem pondo em prática, e exibindo, à farta, há 43 anos, desde que se iniciou na carreira de ator, em 1975, no emblemático grupo “Asdrúbal Trouxe o Trombone”, na peça “O Inspetor Geral”. De lá para cá, o ator só emplacou sucessos, extensivos à TV e ao cinema, e merece os melhores elogios pela composição de seu DAVIES, um personagem de difícil representação, uma vez que qualquer exagero poderia levar ao seu ridículo, o que, absolutamente, não ocorre em cena. DANIEL DANTAS faz parte da galeria dos melhores atores brasileiros.

ANDRÉ JUNQUEIRA é um ator versátil, que transita do drama à comédia, passando por musicais, com facilidade e competência. Como ASTON, ele dá seu recado discretamente, sabendo, no entanto, chamar a si um foco maior de luz, toda vez que o personagem tem a incumbência de conduzir a cena e dizer coisas que remetem a reflexões mais profundas, embora, à primeira vista, não passem de uma suposta “bobagem”. Muito bom o seu trabalho!




Fazendo um excelente contraponto com o personagem de ANDRÉ, MICK caiu nas boas mãos de WELL AGUIAR. É ótima a sua interpretação para o não menos perturbado MICK, principalmente pela evolução do personagem, no decorrer da trama. WELL tem uma bela presença de palco e explora muito bem o seu potencial de expressões corporais, ajustadas à estrutura e às características de seu do personagem. Suas mudanças de humor são muito marcantes pelo trabalho de voz. Uma interpretação que chama a atenção, nesta montagem.

Dos elementos técnicos que dão suporte à montagem, o que mais chama a atenção é o excelente cenário, idealizado por MARCOS FLAKSMAN, um mestre na ambientação cênica, criando o interior de uma casa que o que menos parece ser é uma casa. Lembra mais um depósito de coisas velhas, inúteis, destruídas ou carcomidas pelo tempo e o desleixo, traduzindo, por meio da visível decadência, o quanto de caótico e opressor havia naquele pequeno, quase claustrofóbico, cômodo decadente. São “roupas e caixas espalhadas, acumulação de objetos sem aparente utilidade, eletrodomésticos que não funcionam, e duas velhas camas”, tudo em grande quantidade e desarrumação.

Não menos importantes, porém, são os adequados figurinos, de KIKA LOPES, simples e de aparência desgastada, o de DAVIES, principalmente, além de atemporais, “uma vez que a montagem eliminou as referências ao período pós-guerra contidas no texto”, e a luz, de PAULO CÉSAR MEDEIROS, assim como a boa trilha sonora, de ARY COSLOV, o qual tem por hábito se responsabilizar por essa parte, nas suas montagens, sempre acertando.







FICHA TÉCNICA:

Texto: Harold Pinter
Tradução: Alexandre Tenório
Direção: Ary Coslov
Assistência de Direção: Rodrigo Simões e Isabel Lobo

Elenco: Daniel Dantas (Davies), André Junqueira (Aston) e Well Aguiar (Mick)

Cenário: Marcos Flaksman
Figurino: Kika Lopes
Iluminação: Paulo César Medeiros
Trilha Sonora: Ary Coslov
Fotos: Leo Ornelas
Design Gráfico: Alexandre Munner
Direção de Produção: André Junqueira
Produção Executiva: Well Aguiar
Produção: Adriana Gusmão
Promoção: Rede Globo e JB FM
Apoio: Hotel Everest
Realização: Enigma Eventos Filmes e Produções Artísticas
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação – João Pontes e Stella Stephany











SERVIÇO:

Temporada: De 16 de novembro a 23 de dezembro de 2018.
Local: Teatro dos Quatro – Shopping da Gávea.
Endereço: Rua Marquês de São Vicente, 52 / 2º piso – Gávea  - Rio de Janeiro.
Telefone: (21) 2239-1095.
Dias e Horários: 6ª feira e sábado, às 21h; domingo, às 20h.
Valor dos Ingressos: R$80,00 e R$40,00 (meia entrada).
Horário de Funcionamento da Bilheteria: 2ª e 3ª feira, das 14h às 20h; de 4ª feira a domingo, das 14h até o início da última sessão do dia.
Vendas “on-line”: www.ingressorapido.com.br
Capacidade: 402 espectadores.
Duração: 90 minutos.
Classificação Etária: 12anos.
Gênero: Drama-Comédia.

OBSERVAÇÃO: HAVERÁ UMA SESSÃO EXTRA, no dia 20 de dezembro (5ªf), no último final de semana da temporada. 










Esta é a primeira montagem de “O INOPORTUNO” que tenho a grata oportunidade de conhecer - e gostaria de rever -, uma vez que, quando houve outra, em 1964, eu tinha apenas 14 anos e estava começando a me encantar pelo universo dos palcos. Aquela versão foi dirigida pelo inesquecível e genial Antônio Abujamra, e se tornou um grande sucesso de crítica naquele ano.

O Teatro do Absurdo divide, antagonicamente, as opiniões; é daquelas coisas que levam as pessoas a amar ou a odiar, sem meio-termo. Faço parte do primeiro grupo, como já disse, entretanto, especialmente na montagem ora analisada, mesmo com o domínio do caráter enigmático e tenso das ações e falas dos personagens de PINTER, qualquer espectador, seja um “habitué” das plateias e admirador do Teatro do Absurdo, seja um incipiente, como público, haverá de deixar o Teatro dos Quatro encantado com um belíssimo trabalho do verdadeiro TEATRO.
  
          Recomendo, com muito empenho, esta encenação e não vejo a hora de voltar a assistir a ela.


 


E VAMOS AO TEATRO!!!


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(FOTOS: LEO ORNELAS.)