ÍCARO
(UM VOO
PARA O DESCONHECIDO.
ou
UMA ATERRISSAGEM
PARA A REALIDADE.
ou
DE COMO O TEATRO
AJUDAR A
VIVER.)
Quando
recebi um convite, via “e-mail”, de CATHARINA
ROCHA (MÁQUINA DE ESCREVER COMUNICAÇÃO – ASSESSORIA DE IMPRENSA),
recomendando-me que anotasse, na agenda, uma estreia, no simpático e
aconchegante Teatro Poeirinha, de um
espetáculo, no mínimo, inusitado,
para mim, uma vez que se tratava de um monólogo
escrito por um cadeirante, produzido e interpretado pelo próprio, LUCIANO MALLMANN, confesso que a minha
curiosidade e a expectativa foram severamente desafiadas e aguçadas.
Não,
obviamente, pelo fato de o texto ter
sido escrito por um cadeirante; menos, ainda, porque seria interpretado por ele
mesmo, acomodado, o tempo todo de duração do espetáculo, na sua cadeira de rodas. É certo que já vi, dezenas de
vezes, cadeirantes praticando esportes e dançando, em maravilhosos espetáculos
de dança. Em TEATRO, porém, mesmo com mais de 50 anos de militância ininterrupta,
dentro e fora do palco, não me recordo de ter assistido à participação de
um cadeirante “de verdade” (apenas atores interpretando), ainda mais num solo. Mas – acreditem - não me passou pela cabeça, nem de longe, a ideia de
que poderia ser um espetáculo
monótono, como, de fato, não o é.
O
que me chamou, mesmo, a atenção foi um trecho do “release” da peça: “LUCIANO MALLMANN desmistifica
o universo dos cadeirantes, por meio do teatro documental”.
SINOPSE:
Em cena, um único ator e seis histórias, com um ponto em comum: depoimentos ficcionais de
pessoas cadeirantes.
O texto foi escrito pelo próprio intérprete, LUCIANO MALLMANN, que sofreu uma lesão medular, em função de uma
queda, durante um exercício de acrobacia área, em tecido, há 14 anos.
A partir de temáticas
universais (relação entre pais e filhos, preconceito, relacionamentos amorosos,
abandono, suicídio, gravidez, maternidade), a montagem aborda a fragilidade humana à qual todos estamos expostos.
Havia, naquela proposta
de espetáculo, algo muito singular, uma vez que LUCIANO,
misturando realidade e ficção, se coloca diante de um público desconhecido,
para interpretar seis depoimentos, iniciando pelo seu próprio, de sua
particular experiência, seguido de outros cinco, de homens e mulheres que se
tornaram paraplégicos ou tetraplégicos, os quais o autor/ator conheceu e
com quem conversou, sobre a experiência de cada um, após o trauma, lesão de
medula, comum a todos; as histórias são relatadas, é claro, com a devida anuência dos “personagens”.
Nesses depoimentos, totalmente despojados
de qualquer tipo de preconceito e pudor, o
ator fala de suas necessidades especiais e de coisas muito íntimas, ligadas
às funções sexuais e excretoras, inclusive, de uma forma natural e suave, como
se estivesse, mesmo, conversando com o público, mergulhando em temas universais
e tão importantes, carentes de discussão a seu respeito, como o próprio preconceito
contra deficientes, de uma forma geral, as dificuldades de mobilidade urbana, assim
como a resiliência, as relações familiares e amorosas, o suicídio, a
maternidade e gravidez, além dos tabus atribuídos à vida sexual de um
cadeirante.
MALLMANN partiu de sua
própria experiência, após um “insight”,
em sua casa, que se seguiu a uma situação difícil por que passara, morando
sozinho, como ocorre até hoje. Percebeu, então, o quanto ele poderia ajudar
outras pessoas na mesma situação e informar, ao público, em geral, como é o cotidiano
de alguém que vive preso a uma cadeira de rodas, suas dificuldades e
superações, com ou sem a assistência de terceiros.
O artista iniciou sua
carreira em 1991, em Porto Alegre, sua cidade natal, tendo
estabelecido residência no Rio de
Janeiro, em 1996, onde participou
da Oficina de Atores da Rede Globo e
de vários espetáculos de sucesso. Em 2004,
enquanto fazia aula de acrobacia aérea, em tecido, caiu e sofreu uma lesão
medular, na altura da região cervical, quase atingindo a condição de tetraplégico
(por pouco, não aconteceu), passando a depender de uma cadeira de rodas, para
se locomover de um ponto ao outro. Depois de algum tempo de tratamento, no Rio, voltou a morar em Porto Alegre, onde passou a produzir
espetáculos teatrais e a atuar em alguns deles. LUCIANO ainda fez trabalhos para o cinema e a TV.
Antes de ter ocupado o Poeirinha,
o espetáculo foi apresentado, com o
maior sucesso e impacto, sempre com sessões lotadas e sucesso de crítica, em
vários festivais, de norte a sul: Porto
Alegre em Cena (setembro de 2017), Janeiro
de Grandes Espetáculos (Recife, janeiro de 2018), Porto Verão Alegre (janeiro de 2018), Feverestival
(Campinas, em fevereiro de 2018), Mostra de Teatro de Sertãozinho (maio de 2018), Palco Giratório SESC (Porto Alegre, em maio
de 2018), Caxias em Cena (Caxias do
Sul, em agosto 2018), Cena
Contemporânea (Brasília, em agosto 2018), Filte Bahia (Salvador, em setembro de 2018) e Festival
Isnard Azevedo (Florianópolis, em setembro 2018).
O espetáculo agrada e emociona imensamente a todos os que assistem a
ele. E qual é o segredo disso? Não seria, propriamente um “segredo”, mas, sim, a proposta
e a concepção do espetáculo, simples na sua essência, em termos de elementos técnicos, mas forte e consistente,
na temática, no texto e na interpretação,
o que prende a atenção do espectador, puxa-o, para si, sem, absolutamente – e isso é da maior importância que seja dito
– apelar, nem um pouco, para a autocomiseração, para a vitimização. Muito
ao contrário, os temas são tratados com a maior naturalidade, com o objetivo de
mostrar que não há diferença entre ninguém; apenas algumas limitações físicas,
que não são capazes de tirar um ser humano do convívio com seus iguais nem de
deixar de interagir com eles, no trabalho e na vida afetiva; no dia a dia.
Digo mais: LUCIANO é um ser
humano iluminado, dono de um carisma incomensurável e um bom humor contagiante,
que ele explora na peça. Trata-se de um espetáculo leve. Ninguém
sai do Teatro com pena de ninguém,
porque não conheceram um “coitadinho”; tiveram,
sim, o prazer e a alegria de conhecer um ser humano incrível e de um grande
talento para o oficio do TEATRO.
O espetáculo não conta com cenário.
Em cena, já ao adentrar a sala, o público entra em contato, muito próximo, com MALLMANN, em sua cadeira de rodas. Como
não poderia deixar de ser, na maior parte do tempo, esta permanece no
mesmo lugar, com poucas movimentações e trocas de posições.
Assume a direção da ótima montagem LIANE VENTURELLA, a qual,
acertadamente, não tendo muito o que fazer, como numa “direção tradicional”, se me permitem o termo, na falta de outro
melhor, foca na valorização da interpretação,
do trabalho do ator, este, excepcionalmente, explorando a voz, para os vários
personagens (uma modelo, um lutador, uma mãe, um ator, um acrobata), as
posturas, no que lhe é possível fazer, e as máscaras faciais.
Quando eu disse que me interessei
por ver como um ator cadeirante conseguiria “desmitificar o universo dos cadeirantes”,
não esperava que o espetáculo fosse
tão bom, superando, extraordinariamente, as minhas melhores expectativas.
Sobre a peça, diz LUCIANO MALLMANN:
“Por
trás da deficiência, existe uma pessoa que tem histórias. Isso é o
mais importante e também o que provoca a identificação com a plateia. A
peça desperta essa quebra de paradigma. Não adianta nada os cadeirantes estarem
integrados à sociedade, mas sempre serem vistos de forma diferente pelos outros”.
Quem assiste à peça,
certamente, sai do Teatro totalmente
diferente de como chegou. Sai bem
melhor, como ser humano.
Dentre os demais elementos técnicos de apoio à montagem, contribuem, para o seu sucesso,
a iluminação, de FABRÍCIO SIMÕES e a trilha sonora, de MÔNICA TOMASI, totalmente adequadas a cada uma das seis esquetes.
FICHA TÉCNICA:
Dramaturgia: Luciano Mallmann
Direção: Liane Venturella
Atuação: Luciano Mallmann
Trilha sonora: Mônica Tomasi
Iluminação: Fabrício Simões
Preparação Vocal: Lígia Mota
Fotografia: Fernanda Chemale e Nina Pires
Produção: Luciano Mallmann
A
logomarca do espetáculo foi criada pelo artista visual Walmor Corrêa.
SERVIÇO:
Temporada: De 1º de novembro a 16 de dezembro de 2018.
Local: Teatro Poeirinha.
Endereço:
Rua São João Batista, 174, Botafogo Rio de Janeiro.
Telefone:
(21) 2547-0156.
Dias
e Horários: De 5ª feira a sábado, às 21h; domingo, às 19h.
Valor dos Ingressos: R$40,00 (inteira) e R$20,00 (meia
entrada).
Duração: 70 min.
Lotação:
60 lugares.
Classificação
Etária: 14 anos.
Gênero:
Teatro Documental.
“ÍCARO” – o título não poderia ser mais bem
escolhido - é um belíssimo espetáculo,
além de didático, sem as características deste gênero, as quais, normalmente, o tornam maçante, e muito humano,
que mostra a fragilidade de todos nós. Acima de tudo, revela lições de vida, de
tolerância, de resistência, de resiliência, de provocação do sentimento de
empatia e amor ao próximo.
Recomendo-o, com o maior empenho, e já
fixei data para voltar a assistir a ele.
E VAMOS AO TEATRO!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO
BRASIL!!!
A ARTE EDUCA E CONSTRÓI!!!
RESISTAMOS!!!
COMPARTILHEM ESTA CRÍTICA, PARA QUE, JUNTOS,
POSSAMOS DIVULGAR O QUE HÁ DE MELHOR NO
TEATRO BRASILEIRO!!!
(FOTOS: FERNANDA CHEMALE
e
NINA PIRES.)
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