MISTERO
BUFFO
(UM
CASAMENTO PERFEITO ENTRE A INGENUIDADE DO CIRCO E A MAGIA DO TEATRO.)
Para quem,
como eu, TEATRO e CIRCO são duas paixões, MISTERO BUFFO é um prato cheio. Cheio de tudo o que há de melhor no
mundo. Cheio de humor ingênuo, cheio de
magia, cheio de encantamento, cheio de crítica coerente, cheio de alegria...
Embora
a temporada tenha sido muito curta, no Teatro
Poeira, em horário alternativo (3ªs
e 4ªs feiras, às 21h, até o dia 1º de abril), todas as sessões sempre
estiveram lotadas, quase sempre com lotação esgotada. E nem poderia ser de outra forma!
MISTERO BUFFO é mais uma das grandes
obras do dramaturgo italiano DARIO FO,
já encenada em muitos países, por várias vezes, e que, há mais de três anos,
vem encantando as plateias de várias cidades brasileiras e, finalmente, aportou
no Rio de Janeiro. E o navio já vai
zarpar, infelizmente!!!
O
espetáculo já recebeu duas indicações ao Prêmio Shell (Melhor Ator para DOMINGOS MONTAGNER e Melhor Direção para NEYDE VENEZIANO.
Trata-se de
uma realização do GRUPO LA MÍNIMA,
dupla de palhaços de origem circense, formada pelos atores DOMINGOS MONTAGNER e FERNANDO
SAMPAIO, criada em 1997. No elenco
de MISTERO BUFFO, acompanhando a
dupla, está o também palhaço e multi-instrumentista FERNANDO PAZ.
Prontos para entrar em cena.
A peça é uma
comédia, inspirada nos mistérios medievais e na narrativa dos jograis, trazendo
quadros que representam histórias bíblicas, recriadas pela visão popular, numa
crítica a temas atuais, como a exploração do culto às celebridades, as
deturpações da fé e a ganância desmedida pelo dinheiro.
O
original do texto, escrito em 1969, é uma antologia que reúne mais de 20
monólogos. Para esta encenação do LA MÍNIMA, foram escolhidos quatro deles:
A RESSURREIÇÃO DE LÁZARO, O CEGO E O PARALÍTICO, O LOUCO E A MORTE e O JOGO DO LOUCO
AOS PÉS DA CRUZ. Esses monólogos
foram adaptados, para serem encenados pelos três palhaços.
Detalhe da máscara facial de Fernando
Sampaio.
SINOPSES DAS QUATRO HISTÓRIAS:
A RESSURREIÇÃO DE LÁZARO toma o tema bíblico emprestado, para
criticar, comicamente, o culto à celebridade e à multidão “insensata”, que se
reúne nos grandes eventos. Os dois
atores interpretam mais de 20 personagens, sem trocas de roupa. A cena se passa no cemitério, aonde chegará Jesus, o grande “astro”, o “superstar”, para
ressuscitar seu amigo Lázaro, em
clima de grande evento mágico, chamado “Milagre”.
O CEGO E PARALÍTICO conta a história do encontro entre dois
miseráveis, enquanto pedem esmolas separadamente. Eles gritam, mas ninguém os ajuda. Decidem, então, ajudar-se mutuamente. Tornam-se um personagem monstruoso: o cego
será as pernas do paralitico e o paralítico, os olhos do cego, ao montar um nos
ombros do outro. Com quatro mãos para
pedir esmolas, ganham mais dinheiro. Mas
Jesus Cristo passa por ali. Apavorados,
tentam fugir, pois acham que, se forem miraculados, precisarão trabalhar e “perderão
a dignidade e alguns privilégios”.
O LOUCO E A MORTE e O JOGO
DO LOUCO DEBAIXO DA CRUZ, praticamente, se fundem numa história única, já
que não há um intervalo entre elas. Um
louco joga cartas na mesma taberna onde acontece a Última Ceia. Depois de
livrar-se da Morte, usando
recursos sedutores, segue, jogando com os mesmos personagens,
debaixo da cruz, no momento da crucificação. A certa altura, começa a falar com Jesus, pedindo-lhe que o ajude a vencer
no jogo. O “milagre” acontece. Feliz, o
louco sobe até Jesus e tenta
salvá-lo da crucificação, mas o Nazareno
não o permite, pois está se sacrificando pelos homens. O louco não entende e critica a atitude do Salvador.
Momento do prólogo.
Idem.
Os personagens
principais dessas narrativas têm em comum o fato de serem seres conscientemente
marginalizados e de se associarem, com o objetivo de tirar proveito das
situações em que se envolvem, como fazer de tudo para conseguir o melhor lugar
na “plateia” do “espetáculo” da ressurreição; explorar as suas deficiências
físicas, para auferir lucros (pedindo esmolas), sem trabalhar; engambelar a
Morte, para procrastinar um “casamento” com ela; pedir uma “ajudinha” de Jesus,
já crucificado, para trapacear no jogo.
São párias, escórias da sociedade, espertos e dispostos a vencer, a
qualquer custo, ignorando todo e qualquer valor moral.
É muito importante
dizer que, em momento algum, pode ser notada a menor intenção de desrespeito à
religião católica e seus valores e dogmas.
O humor que se utiliza dela existe para criticar o homem e não uma
instituição milenar.
É muito
providencial e objetiva a atuação de DOMINGOS
MONTAGNER, no início do espetáculo, dirigindo-se à plateia, como um
narrador, para dar explicações sobre o que o público verá em cena. Também, nos intervalos entre uma história e
outra, isso ocorre e é muito bem-vindo, para clarear algumas mentes que
poderiam se distanciar da compreensão do espetáculo. Da mesma forma, merece destaque, tanto nessas
intervenções como durante os textos das próprias histórias, a inclusão de termos
da linguagem atual e de citações de fatos e personagens que frequentam a mídia
de hoje, o que, longe de descaracterizar o projeto, mais ainda o valoriza, levando
o público a refletir sobre as mazelas político-sociais do nosso dia a dia.
A
identificação do público com o que ouve e vê é muito grande, cria-se uma
incomensurável empatia entre atores e plateia, muito pelo fato de as narrativas
girarem em torno de temas universais, que fazem parte da realidade de qualquer
ser pensante, como fé, crença no desconhecido, esperança, mistérios da vida e
da morte, críticas...
A direção do espetáculo não poderia estar
em melhores mãos. NEYDE VENEZIANO é estudiosa da obra de DARIO FO, especialista no trabalho do consagrado dramaturgo, fez
pós-doutorado, durante um ano, em Milano e Bologna (Università di Bologna),
pesquisando e trabalhando ao lado do próprio DARIO. De volta ao Brasil,
defendeu Livre Docência na USP, sobre o mesmo tema, e publicou o único livro em
língua portuguesa sobre a obra de FO:
A Cena de Dario Fo: o Exercício da Imaginação.
Seu trabalho,
na condução dos atores, neste espetáculo, é irretocável, pois adapta a
teatralidade essencial do autor italiano à linguagem circense dos palhaços,
explorada pelos atores há mais de 20 anos, dando-lhes liberdade em cena.
“Eu serei tuas pernas e tu serás meus olhos.”
As atuações de
DOMINGOS MONTAGNER, FERNANDO SAMPAIO e FERNANDO PAZ são de uma perfeição invejável. Os três exploram, de forma brilhante, o rico
texto de FO e o enriquecem com
máscaras, mímicas, pantomimas maravilhosamente expressivas, trazendo, para o
palco, ou melhor, para a arena, do Teatro
Poeira, o tom e o clima de um picadeiro.
Se, um dia, eu
tivesse de dirigir, à TV Globo, um agradecimento, certamente o faria pelo fato
de ela ter revelado, ao grande público, o talento de um excelente ator, DOMINGOS MONTAGNER, até então, apreciado
apenas por um público mais restrito, numericamente falando, que vai a circos e
teatros. Seu biotipo está mais para o
galã da novela das sete, mas seu talento de ator e de artista circense é
estupendo e emociona qualquer plateia, ávida de, ou por, grandes emoções.
Já FERNANDO SAMPAIO, em termos de imagem
física, não deixa a menor suspeita de ser cria das lonas. Comporta-se, durante todo o tempo, como um
palhaço, principalmente no jeito de andar e na exploração de mil expressões
faciais, que falam por si sós. Pelo seu
rosto, transitam as mais variadas máscaras, da comédia e do drama, com predominância
daquelas.
Quanto ao
terceiro elemento do elenco, FERNANDO
PAZ, é de suma importância a sua participação, pois, atuando como o chamado
“contra-Augusto”, uma espécie de “escada” para o palhaço principal, revela um
grande talento nessa arte, como também ao executar diversos instrumentos
musicais e produzir sons diversos, como um sonoplasta, os quais sublinham e
enriquecem, sobremaneira, as cenas.
“Com quatro mãos, fica mais fácil pedir
esmolas”.
Torna-se quase
desnecessário falar de DARIO FO e de
seu texto. Autor de dezenas de peças
consagradas, reconhecido e respeitado no mundo inteiro, recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1997, por
ter dado aos jograis, em sua obra, a mesma estatura das grandes correntes da
Literatura Universal.
Crítico
ferrenho das “coisas tortas”, nesta peça, DARIO
não poderia deixar de ser político, mesmo quando toma por base a Idade Média, imitando a maneira como os
jograis interpretavam a Bíblia e o Evangelho, para encenar suas parábolas
do comportamento do poder e de quem está submetido a este. Em todas as suas obras - e esta não poderia
ser uma exceção - FO se posiciona contra
os sistemas opressores e corruptos, que tomam conta do poder, usurpam-no e
tentam lá se estabelecer “ad aeternum”, à custa de mentiras, negociatas e muita
corrupção.
Os
figurinos são de INÊS SACAY. Bastante coloridos e lembrando vestes
medievais, na primeira aparição dos atores, ainda que contenham alguns
elementos modernos, são dispensados, logo após uma espécie de prólogo,
substituídos por roupas mais confortáveis e propícias aos exercícios circenses:
uma calça simples e larga e uma camiseta branca, de malha, manga longa, com um
quase imperceptível detalhe em vermelho.
O
cenário, assinado por DOMINGOS MONTAGNER, praticamente,
inexiste. E não faz a menor falta. Há, apenas, um pequeno praticável, para pôr
em evidência o conjunto de instrumentos musicais e alguns objetos de cena. Na última cena, são utilizados um falso
piano, que será alvo de um truque de mágico, propositalmente grosseiro, e um
pequeno canhão multicolorido.
Cena final.
A
postura dos bufões basta para identificá-los como palhaços, sem a utilização do
visagismo tão peculiar a eles, como pinturas no rosto e o tradicional nariz vermelho. Ótima ideia da direção.
A iluminação, de WAGNER
FREIRE, cumpre, perfeitamente, sua função.
A direção musical é assinada por MARCELO PELLEGRINI, e inclui uma interpretação
da canção “Romance de uma Caveira”,
da dupla sertaneja Alvarenga e Ranchinho, muito popular entre os anos 20 e 60,
e cuja letra hilária provoca muitos risos na plateia.
Trata-se de um
espetáculo divertido, crítico e onde o talento do artista brasileiro, até o mais
popular, se evidencia, pelo brilhante trabalho do trio de atores/palhaços.
E viva o Teatro!!!
E viva o CIRCO!!!
FICHA TÉCNICA:
Autor:
Dario Fo
Concepção:
La Mínima e Neyde Veneziano
Direção:
Neyde Veneziano
Assistência
de Direção: André Carrico e Ioneis Lima
Tradução:
Neyde Veneziano e André Carrico
Elenco:
Domingos Montagner, Fernando Sampaio e Fernando Paz
Iluminação:
Wagner Freire
Cenografia:
Domingos Montagner
Confecção
de Cenografia e Arte: Maria Cecília Meyer
Figurino:
Inês Sacay
Direção
Musical / Música Originalmente Composta: Marcelo Pellegrini
Direção
Mímica: Álvaro Assad
Direção
de Produção e Administração: Luciana Lima
Coprodução:
Turbilhão de Ideias – Cultura e Entretenimento
Fotos:
José Maria Matheus, Lidia Ueta, Carlos Gueller, Thiago Henrique
Secretária:
Catarina Capelossi
Produtor
Original: SESI-SP
Realização:
La Mínima
Assessoria
de Imprensa: JSPontes Comunicação – João Pontes e Stella Stephany
O elenco e a diretora.
SERVIÇO:
TEATRO
POEIRA: Rua São João Batista, 104, Botafogo – RJ
Tel.:
(21) 2537-8053
HORÁRIOS: 3ªs e 4ªs feiras, às 21h
DURAÇÃO: 75 minutos
INGRESSOS: R$50,00 e R$25,00 (meia) (Formas de Pagamento: dinheiro e todos
os cartões de débito e crédito. Não
aceita cheque. Vendas: ingresso.com
CAPACIDADE: 145 espectadores
CLASSIFICAÇÃO: 16 anos
GÊNERO: Comédia
CURTA TEMPORADA: de 10 de março a 1º de abril
(FOTOS: JOSÉ MARIA MATHEUS,
LÍDIA UETA, CARLOS GUELLER e THIAGO HENRIQUE)