GOD
(DEUS /
MIGUEL FALABELLA /
CACO ANTIBES.
E DAÍ: QUE MAL HÁ NISSO?)
Eu
não pensava, em hipótese alguma, em iniciar, da forma como inicio, a minha
crítica a “GOD”, espetáculo que
estava em cartaz no Teatro OI Casa
Grande (infelizmente, terminou a temporada no último domingo, dia
29/10/2017), mas, depois de ter lido muitas críticas negativas ao
espetáculo, embora respeite a opinião alheia e não me considere dono da
verdade, não posso deixar de fazê-lo de outra forma.
A maioria reclama de ter visto um DEUS / MIGUEL FALABELLA / CACO ANTIBES
no palco. E que mal há nisso?!
Será
que as pessoas, depois de tantos anos de “janela”, não conhecem MIGUEL FALABELLA; seu estilo, seu jeito
irreverente, sua maneira de ser, que pode agradar a uns e desagradar a outros?
Eu até entendo isso.
Será que ele
não tem o direito de explorar o personagem que o tornou uma celebridade?
Será que as
pessoas não leem uma sinopse ou uma simples notícia, ou entrevista, sobre o
espetáculo que as aguarda?
Alguma vez,
por acaso, FALABELLA disse a alguém
que faria, em português, o que foi feito, em inglês, na Broadway? A mesma coisa?
Será que essas
pessoas se deram o trabalho de ler, na ficha
técnica, que se trata de uma “versão
brasileira”, do próprio FALABELLA?
“Ingenuidade” dessas pessoas, para
utilizar um eufemismo.
Vi
a peça em São Paulo e me diverti
bastante, porque não esperava outra coisa, em termos de encenação e de
interpretação do ator. O texto,
bastante inteligente, assim como a ideia da peça, eu não conhecia, mas esperava
que fosse bom. Sim, é bom!!! Sim, é
muito bom!!! Não é uma comédia? Então, é para fazer rir. A peça faz rir, e
muito.
Não vi a
montagem da Broadway e não sei qual
era a proposta lá, porém sabia, muito bem, antes de escolher ver a peça, qual
era a intenção de FALABELLA, porque me informei, e poderia imaginar,
sem muito esforço, o que eu veria no palco.
Não
tive a oportunidade de escrever sobre o espetáculo, da primeira vez em que assisti a
ele, no Teatro Procópio Ferreira, e fiquei na esperança de poder dar a minha opinião sobre a montagem / versão brasileira, quando
ela fosse trazida para o Rio, ainda
que após o término da temporada carioca, como está acontecendo agora, na expectativa
de que venha outra. Público não faltará.
Assisti
a “GOD”, pela segunda vez, na penúltima
semana, e, se me fosse possível, veria uma terceira. Estou precisando me
divertir muito, com um bom humor, feito por quem tem competência para tal.
Minha
crítica, publicada pós-temporada, não vai contribuir para aumentar o borderô –
nem seria minha pretensão -, da mesma forma como todas as negativas, escritas
sobre o espetáculo, não foram capazes de diminuir a frequência do público, em
todos os teatros brasileiros por onde a peça tem passado. Foram duas temporadas
em São Paulo, no Teatro Procópio Ferreira e viagens pelo
nordeste, sul, Minas Gerais , Goiânia, Anápolis e várias outras cidades na chamada “Turnê Mambembe” . Será que o público leva a crítica a sério?
SINOPSE:
Quando alguma coisa está
errada, pode confiar: DEUS toma as
devidas providências. E, dessa vez, o Todo-Poderoso,
Rei do Universo, autor do espaço e
do tempo, decide vir à Terra,
pessoalmente... ou quase isso.
Cansado dos Dez Mandamentos, por não serem respeitados
por suas criaturas, e de toda a incerteza que eles vêm gerando à humanidade, o Criador toma forma humana, através de MIGUEL FALABELLA, para propor novas
leis e esclarecer qualquer mal-entendido a seu respeito. E o resultado disso é
hilário!!!
No espetáculo, ele e seus
dois arcanjos dedicados, MIGUEL (MAGNO
BANDARZ) e GABRIEL (ELDER GATTELY),
respondem a algumas das questões mais profundas que têm atormentado a
humanidade, desde a Criação, em
apenas 90 minutos.
De uma forma muito
particular, o DEUS de FALABELLA vem, para arrancar muitas
risadas do público e desvendar os maiores segredos do universo ou, pelo menos,
do Brasil.
Afinal, Deus não é brasileiro?
O espetáculo “An Act of God”,
no original (“Um Ato de Deus”), escrito
por DAVID JAVERBAUM, recebeu versão brasileira e direção de FALABELLA, contando com a codireção
de FERNANDA CHAMMA, de grande e
notório saber no mundo dos musicais, principalmente como grande coreógrafa que é.
Na Broadway, o espetáculo
foi aclamado e premiado, tendo sido uma das grandes atrações locais, durante o
tempo em que esteve em cartaz, tendo recebido, do respeitado jornal The New York Times, o comentário de “delirantemente,
divinamente engraçado".
Longe, bem longe mesmo, da ultrapassada teoria de que “o que é bom para os Estados Unidos é bom
para o Brasil”, sou obrigado a concordar com tal afirmação, no que se
refere a “GOD”. Foi bom lá e é bom aqui. Tenho a plena certeza de que, lá, as
piadas e as críticas estavam voltadas para a cultura local, e por isso funcionavam.
E o que fez, inteligentemente, FALABELLA?
Exatamente o mesmo. Manteve a estrutura da peça, mas, obviamente, foi levado a
trocar piadas e a inserir elementos que levam o público às gargalhadas, quando
este reconhece as mazelas do nosso povo, dos nossos “mandatários”, da cultura
brasileira. E nem poderia ser de outra forma.
Lembro-me, sempre, de não achar graça em muitas piadas feitas pelos
apresentadores da festa do “Oscar”,
exatamente, por não entendê-las, porque são piadas locais, que só funcionam
para os americanos; muitas vezes, são comentários críticos sobre fatos muito
recentes, ocorridos naquele mesmo dia, até horas antes de o espetáculo ser
transmitido.
A ideia da peça não é tão original, admito, mas é interessante e,
vestida com o texto “que cobre suas
vergonhas”, a peça se torna genial.
O DEUS encarnado em FALABELLA é “hight tech”, moderníssimo, que troca as tábuas sagradas e a Bíblia por iPads. É um ser “antenado”, que, por exemplo, conhece,
profundamente, as restrições ao glúten e às gorduras trans, assuntos que
dominam a mídia dos nossos dias, e está por dentro de todas as canalhices praticadas
pela grande maioria dos políticos brasileiros. Sua onisciência está focada no Brasil, durante o tempo de duração da
peça, que poderia ser classificada como um misto de monólogo cômico e “stand up”.
Não se trata, exatamente, de um monólogo,
pois, a despeito de o ator ficar em cena, durante uma hora e meia, falando sem
parar, ele também contracena, raramente, com os dois atores que lhe servem de
“escada”, os dois anjos, GABRIEL (ELDER
GATTELY) e MIGUEL (MAGNO BANDARZ). Por outro lado, foge da
total classificação como “stand up”,
uma vez que existem cenário, figurino e texto, mas não deixa de apresentar os cacos e as muitas improvisações,
que só um ator da inteligência de MIGUEL
FALABELLA sabe fazer.
A estrutura do espetáculo é bem simples: em “off”, DEUS, em conversa
com seus anjos, estes já em cena, anuncia que está farto do que está ocorrendo
na Terra, ninguém obedecendo aos seus mandamentos, considerados, até por Ele, meio ultrapassados, e avisa que
descerá a ela, para pregar novos mandamentos. Pede, então, aos anjos, que
escolham uma pessoa da plateia, para lhe servir de “cavalo”. Propõem-lhe que
assuma a forma de um ator, meio “decadente”, chamado MIGUEL FALABELLA. Ele aceita a sugestão e a peça começa.
E DEUS surge, deslumbrante,
na forma humana, louro e de olhos azuis, descendo uma escadaria que liga o céu à
Terra, ou vice-versa.
Cada novo mandamento é apresentado e, sobre ele, chovem comentários e
instruções, tudo da forma mais engraçada, escrachada, anárquica, possível,
entretanto, no fundo, contendo bastantes verdades. Humor crítico, o melhor de
todos.
Alguns dos antigos mandamentos são, até, mantidos, mas “repaginados”.
Dentre os novos, há, por exemplo, “Separar-me-ás
do Estado”, durante o qual DEUS
aproveita, bastante, o gancho, para tecer críticas sobre a influência das
religiões, mormente a evangélica, na política atual, deixando bem clara a posição de
que vivemos num Estado laico.
Outro bem interessante é “Não me
dirás o que devo fazer”, durante cuja explanação critica o que as pessoas “exigem”
de DEUS.
Também merece um destaque muito especial, por ser atualíssimo, um novo
mandamento, que diz, em outras palavras, que “DEUS não se importa com quem as pessoas transam”, uma, mais que
explícita, crítica à homofobia. Chega, inclusive, ao “absurdo” extremo, para a
desaprovação de muitos religiosos (sou cristão e adorei a blague), de desconstruir
a história de Adão e Eva, para dizer que esta era, antes, um
homem, chamado Jéfferson, que “fazia
companhia” a Adão, no Paraíso. Ambos eram amantes e viviam na
maior paz, no maior “love”, entretanto a “maldita” serpente os fez comer do fruto
proibido e os dois, muito levianamente, se deixaram “seduzir pela cobra”. Como
castigo pela desobediência, DEUS
submeteu Jéfferson a uma cirurgia de
redesignação sexual, o que, no fundo, equivale dizer que Eva era trans, aumentando o mistério da prole que os dois tiveram.
É claro que esse tipo de piada subverte, completamente, a teoria, chata e
engessada, do “politicamente correto”, mas não vejo nada de errado nela e me
diverti muito, durante a”contação” (criei um neologismo) dessa história.
A propósito, muitas outras passagens bíblicas recebem roupagem nova, na
versão do DEUS falabelliano.
O
ator está completamente à vontade em cena, dominando o “timing” exigido para o
humor, enriquecendo o texto, “original”, com seus cacos e nunca perdendo a
oportunidade de criticar os “pobres”, marca registrada de seu eterno personagem
Caco Antibes; excelente, por sinal.
Os
dois atores em papéis coadjuvantes cumprem sua função com dignidade.
FERNANDA CHAMMA, dentro da sua
especialidade, fez um excelente trabalho de coreografia, em menor escala, e direção de movimento, com a proposta de fazer com que os dois anjos
(ou arcanjos; não entendo da hierarquia celeste) assumam diversas posições,
como estátuas, lembrando poses de pintores e escultores famosos. É um detalhe
que poucas pessoas, penso eu, percebem e que é muito interessante.
O cenário da peça é muito bonito,
bastante “clean”, com predominância do branco. MARCO PACHECO pôs em cena uma escadaria (Ora, se poderia faltar uma
para MIGUEL FALABELLA!!! E para DEUS também, é claro!!!). Um detalhe
importante sobre essa escada é que ela é alta e com degraus diminuindo, de
acordo com a altura, para criar uma profundidade.
No
palco, um grande sofá branco, para DEUS,
de vez em quando, dar uma descansadinha e conversar com a plateia (Afinal,
ninguém é de ferro; nem Ele.).
Nenhuma alusão ao sofá da Hebe, sem
querer ousar fazer concorrência ao humor de FALABELLA.
Nas laterais,
duas pequenas colunas gregas, jônicas, em material que imita mármore branco.
Servem de base, de apoio, aos dois anjos.
Ao fundo, no
alto, uma tela, em forma de círculo, serve a várias excelentes projeções (Ótimo
trabalho de videografismo, não
assinalado, infelizmente, na ficha técnica.),
inclusive a de cada novo mandamento.
MARCO PACHECO também assina os ótimos e
lindos figurinos. O dos anjos
mistura elementos clássicos, reconhecidos nas representações iconográficas, com
toques modernos, como a calça, de um tipo de material plastificado e elástico,
e os tênis pretos, com aplicações de “spikes”, que fazem parte do estilo “punk” e que
consistem em tachas, que reluzem com a luz dos refletores.
Para
DEUS, o figurinista caprichou no visual. MIGUEL usa uma lindíssimo e bem talhado terno branco,
impecavelmente passado, seguindo as tendências dos cortes modernos, com uma
gravata num tom azul, de encantar.
Nos
pés, tênis, como os dos anjos, porém imaculadamente brancos.
A
iluminação, de ADRIANA ORTIZ, põe em destaque toda a beleza plástica que se vê em
cena.
A
trilha sonora, de LENADRO LAPAGESSE, segue a proposta do
espetáculo e varia, adequadamente, de acordo com cada cena.
FICHA TÉCNICA:
Texto:
David Javerbaum
Versão
Brasileira e Direção: Miguel Falabella
Codireção:
Fernanda Chamma
Elenco:
Miguel Falabella, Elder Gattely e Magno Bandarz
Voz,
em off, de Deus: Bruno Garcia
Cenário
e Figurino: Marco Pacheco
Iluminação:
Adriana Ortiz
Trilha
Sonora: Leandro Lapagesse
Visagismo:
Dicko Lourenço
Produção
Geral: Sandro Chaim
Transportadora
Oficial: Avianca
Promoção:
Globo
Realização:
Aveia Cômica e Chaim Produções
Assessoria
de Imprensa: Mattoni Comunicação
“GOD” é o que se pode chamar de um bom
entretenimento e tenho a certeza de que agradou à grande maioria dos que
conseguiram assistir ao espetáculo.
Homem
de tantos projetos e ocupações, um multiartista, não sei se FALABELLA tem planos para uma outra
temporada no Rio de Janeiro, mas
torço para que isso possa vir a se tornar realidade.
E VAMOS AO TEATRO!!!
OCUPEMOS OS TEATROS!!!
(FOTOS: DIVULGAÇÃO.)