A
HISTÓRIA DAS HISTÓRIAS
(NEM OITO, NEM OITENTA;
“NO PONTO”.)
Regra
geral, de cada dez espetáculos infantis que são montados, no Rio de Janeiro, com todo respeito a todos os envolvidos nos projetos, já que são
boas as intenções, infelizmente, a realidade se traduz, numa média, em um excelente, dois bons,
dois razoáveis e cinco ruins ou muito ruins, aos quais eu não levaria meus netos, para que eles
não ficassem traumatizados e desistissem do TEATRO. E olha que precisamos formar muitos espectadores!!!
Ultimamente,
como jurado do Prêmio Botequim Cultural,
que abraça o TEATRO INFANTOJUVENIL,
em sete categorias, tenho ido, com
muita frequência, a peças destinadas a crianças e adolescentes e o que tenho
percebido é que os espetáculos podem ser divididos em três categorias, que eu
criei, para classificá-los e denominá-los: “bobinhos”,
“no ponto” e “eruditos”.
Vamos
a cada um deles:
Os “bobinhos” são aqueles muito ruins, que
utilizam fórmulas mais do que ultrapassadas, sem nenhuma criatividade e
inteligência, tratando as crianças como se deficientes mentais fossem. Muita
gente os chama de “caça-níqueis”.
Não chego a tal agressividade, mas penso que deveriam ser proibidos, pelo
desserviço prestado ao TEATRO.
Para fugir a
esse tipo de “trash”, muitas pessoas
que trabalham com TEATRO INFANTOJUVENIL,
para não cometer tais desastres, pulam para o outro extremo. Vão do 8 ao 80. Isso vem ocorrendo
bastante, nos últimos tempos. Produzem espetáculos que estão muito acima do
nível de compreensão e de interesse do público a que deveriam se destinar. São
os “eruditos”, que se valem de temas
“pesados”, mal desenvolvidos, utilizando um vocabulário muito além do acessível
ao público-alvo, herméticos, longos, por vezes, tornando-se, por isso “chatos”, embora
possam até ser de boa qualidade plástica. “Chatos”, para as crianças/adolescentes
e seus pais.
Os
chamados “no ponto” são aqueles
produzidos, visando a atingir filhos e pais. Sim, porque é preciso que os pais
também sintam prazer em assistir à peça e fiquem felizes, vendo seus filhos
reagindo, favoravelmente, àquilo que estão vendo. São os espetáculos que não são
“chão” nem “céu”. São os que podem ser entendidos por todos, cujas mensagens
são assimiladas, fácil e prazerosamente, por qualquer idade.
“A HISTÒRIA DAS HISTÓRIAS” é um dos melhores
“no ponto" a que assisti este
ano, pelo fato de a montagem “misturar TEATRO físico, música, poesia e
palhaçaria, em uma narrativa lúdica, sobre a necessidade humana de se comunicar
e recriar a própria vida, através de histórias”.
SINOPSE:
Para narrar essa aventura,
entram em cena os intrépidos e atrapalhados contadores de histórias, os jovens MAROSA (ALINE MAROSA) e CAZU (CAIO PASSOS), assistentes da
incrível DOUTORA RIVÂNIA MAGNUS AUTOREUM, uma
mistura de anjo, fada, guerreira e professora, que já leu todos os livros
(“os que foram escritos e os que ainda nem foram escritos”), em uma volta ao
mundo em 80 páginas.
Os três fazem parte de uma
caravana milenar e tradicional de contadores longínquos, que já visitaram todos
os lugares do mundo, os de “verdade verdadeira e os de verdade imaginada”, como
Xanadu, Pasárgada e o Triângulo das
Bermudas.
Personagens que todos
juram ter saído das páginas de um livro fantástico, cheio de aventuras e
histórias universais. São criaturas que rompem o tempo e o espaço, feitos de
pura poesia.
As peripécias têm início
quando os dois, como de praxe, abrem as apresentações com muita alegria e
música. Mas, nesse dia, o inesperado acontece e a MESTRA RIVÂNIA, pela primeira vez, não aparece, para contar suas
histórias incríveis, e, assim, seus fiéis aprendizes se veem com uma grande e
importante missão nas mãos: encontrar RIVÂNIA
e continuar compartilhando o amor pelos livros, através de suas histórias.
Para isso, recorrem ao Livro Secreto para Situações de Emergência,
que, para espanto deles, está com as páginas em branco. A única saída que eles
encontram é usar a imaginação, a memória afetiva e a influência de histórias
universais, para contar, viver e, até, recriar suas próprias histórias,
assumindo, dessa forma, o protagonismo de suas vidas.
A partir daí, os
contadores interagem com o público, através da metalinguagem, para dividir suas
inseguranças, lembranças, emoções, desejos, dores, alegrias, aventuras e
travessuras.
O espetáculo é “leve, lindo e solto”, poético e muito divertido,
valorizando o jogo cênico, a empatia com a plateia, o diálogo dos olhares –
umas das principais técnicas da palhaçaria – e o “misè-en-scene” que vem do
teatro de rua.
A peça conta, ainda, com recursos cênicos, como máscara, bonecos e
outras formas animadas, que são uma espécie de marca registrada dos trabalhos
de FLÁVIA LOPES, que, há 20 anos, exerce suas pesquisas na linguagem em Teatro Animação, Palhaçaria,
Bufonaria e Comicidade e que põe tudo isso em prática num excelente trabalho de
direção, inventivo, explorando, ao
máximo, o grande talento da dupla de atores/palhaços,
ambos dos melhores que já vi nas minhas incursões pelo TEATRO INFANTOJUVENIL. (Extraído
do “release”, com adaptações e opiniões pessoais.)
Se, em qualquer tipo ou gênero de TEATRO,
o texto é a espinha dorsal do
espetáculo, quando se trata de uma peça voltada para o público infantojuvenil,
ele deve ser claro, inteligível, descomplicado e interessante. Todas essas
qualidades estão presentes na dramaturgia
dessa “...HISTÓRIA...”.
Em geral, trabalhos dramatúrgicos, surgidos de propostas de criação coletiva, costumam deixar alguns
“furos”, o que não ocorre aqui, graças a uma grande cumplicidade que parece
existir entre os três que escreveram o texto: a diretora
e a dupla de atores. Esse pontapé
inicial para a produção deste
espetáculo é, sem dúvida, responsável, em boa parte, pelo seu sucesso. Os três
formam um grupo teatral que tem tudo
para emplacar tantos outros sucessos, o Grupo
“Os Sanzussô – Povo de Teatro”.
Povinho para entender da coisa!!!
Peço licença, para transcrever o
pensamento de FLÁVIA LOPES, uma das autoras e diretora da peça, o que ajudará o leitor a mergulhar no enredo e a
se interessar mais por assistir a esta montagem: “Acredito que o TEATRO precisa falar sobre aquilo que nos move,
intriga e incomoda. No momento, quero falar sobre a imaginação e como é
importante criar, contar e ouvir histórias. Através deste trabalho, falo, sem
falar, em como a imaginação é uma ferramenta de transformação de humanos mais
humanizados. Acredito que a falta de empatia tem gerado danos profundos nas
grandes e pequenas histórias sociais. E é por isso que acredito que a
imaginação é o caminho para transformar realidades, transmutar a dor e recriar
sua própria história”.
Ainda, segundo o “release”, “A
montagem traz uma curiosidade: o nome “Rivânia” é uma homenagem à pequena
Rivânia, que, numa recente enchente, na cidade de São José da Coroa Grande, em
Pernambuco, ao ver sua casa inundada, salvou o que tinha de mais importante:
seus livros e cadernos da escola”.
E continua FLÁVIA: “Meu
coração ficou apertado, pela situação da menina, e, ao mesmo tempo, se encheu
de esperança e desejos de uma vida melhor e mais justa. É impossível não ficar
mexida, já que sou professora da rede pública do município e do estado do Rio.
Dou aulas para grupos que vivem em situações desfavorecidas. Em cada um dos
meus alunos, reconheço uma menina Rivânia”.
Além da excelência do texto,
da ótima direção e da interpretação, irrepreensível, da dupla ALINE MOROSA e CAIO PASSOS, ganham
relevo, no espetáculo, o cenário, os
figurinos, a iluminação, a trilha sonora,
o visagismo e a direção de movimento.
Tudo começa com o palco nu. Após o que seria uma espécie de prólogo, os atores vão trazendo, para o espaço cênico, os objetos que irão compor
o cenário (CARLOS ALBERTO NUNES): o palco se transforma num pequeno picadeiro,
com um tapete redondo, ao centro, duas malas antigas, uma maior e outra menor,
e mais alguns objetos de cena, como máscaras e instrumentos musicais. Sempre me
agrada essa ideia de utilizar o elemento surpresa, na construção do cenário. Cada saída e entrada, de/em cena,
de cada personagem aguça a curiosidade do espectador, de qualquer idade, ávido
por saber o que ele/ela trará para a construção do cenário. Todos ficam muito atentos a isso. Do teto, a partir de um determinado momento, pendem livros, sustentados por fios.
Os figurinos, também de NUNES, são lindos e interessantíssimos,
os quais, combinados ao correto trabalho de visagismo, de MONA MAGALHÃES,
geram dois tipos muito curiosos, engraçados e carismáticos, com destaque para
as duas cabeças, os dois tipos de cabelo, sendo que o penteado de CAIO é uma atração à parte, oculto,
durante um tempo, por um estranho chapéu, que só será entendido, quando o
personagem o retira da cabeça. Uma engraçada surpresa para o público.
No conjunto cenário/figurinos,
merecem uma boa menção os bonecos e adereços (CARLOS ALBERTO NUNES,
ARLETE RUA e CARLA COSTA) e as máscaras (FLÁVIA LOPES, MARISE
NOGUERA e IGOR BERNARDO).
ANA LUISA MOLINARI DE SIMONI,
há muito, deixou de ser assistente de iluminação e a filha do mestre Aurélio e assumiu, de vez, o seu
papel de grande “profissional da luz”.
Aqui, ela, com a assistência de JOÃO GIOIA. sabe explorar os tons e intensidades que deverão pôr em relevo o que
existe para ser visto e admirado.
O espetáculo, por exigência, precisa de uma boa trilha sonora. A que embala algumas das cenas da peça é inspirada
na cultura popular brasileira e suas influências, executada, de forma mecânica
e, também, ao vivo, pelos atores, que, além dos instrumentos musicais (ukulele,
flauta transversa, sopros, pandeiro, chocalho e percussão), usam o próprio
corpo para a sonoplastia. É um trabalho que deve ser bem observado e admirado. A
direção musical é assinada por KARINA NEVES.
Pensei em não falar mais do talento
de ALINE e CAIO, em cena, entretanto não poderia deixar de fazer menção ao
excelente trabalho corporal da
dupla, fator importantíssimo, nesta montagem. Eles sabem como falar com o corpo
e com as expressões faciais.
FICHA TÉCNICA:
Dramaturgia: Aline Marosa, Caio Passos e Flávia Lopes
Direção: Flávia
Lopes
Atuação: Aline
Marosa e Caio Passos
Colaboração Dramatúrgica: Carlos Alberto Nunes e Marcos Guimarães
Direção Musical: Karina Neves
Assistente de Direção Musical: Jonas Correa
Cenógrafo
e Figurinista: Carlos Alberto Nunes
Cenógrafa
e Figurinista Assistente: Arlete Rua
Confecção
de Figurinos: Carla Costa
Bonecos
e Adereços: Carlos Alberto Nunes, Arlete Rua e Carla Costa
Máscaras: Flávia
Lopes, Marise Nogueira e Igor Bernardo.
Iluminação: Ana Luzia Molinari de Simoni
Assistente de Iluminação: João Gioia
Visagismo: Mona Magalhães
Gravação, Mixagem, Violão e Percussão: Pedro Carneiro
Bombardino e Trombone: Jonas Correa
Letra das Músicas: Aline Marosa, Caio Passos e Flávia Lopes
Preparação
Vocal: Verônica Machado
Instrutora
de Yoga: Nina Kriguer
Assessoria
de Imprensa: Lyvia Rodrigues (Aquela que Divulga)
Design
Gráfico: Leo Dutra (Rangabuana Design)
Fotos: Rodrigo
Menezes
Direção
de Produção: Pagu Produções Culturais
Coordenação
de Produção: Bárbara Galvão, Carolina Bellardi, Fernanda Pascoal
Produção
Executiva: Juliana Soares
SERVIÇO:
Temporada: De 07 a 29 de outubro de 2017.
Local: Sesc Tijuca (Teatro I).
Endereço: Rua Barão de Mesquita, 539 – Tijuca – Rio de Janeiro.
Telefone: (21) 3238-2139.
Dias e Horários: Sábado e domingo, às 16h.
Valor do Ingresso: R$10,00 (inteira) e R$5,00 (meia entrada).
Além
dos casos previstos em lei, associados SESC pagam meia entrada.
Para
crianças e adolescentes com idade até 16 anos, a entrada é GRATUITA.
Duração: 60 minutos.
Capacidade: 228 lugares.
Classificação Etária: Livre.
Tudo
funciona bem, neste espetáculo, que não me deixou nenhum motivo para alguma crítica
negativa.
O
trabalho de palhaçaria, quando bem feito, me emociona muito. Eu me emocionei.
O
fato de o texto fazer referências a obras e personagens do universo
infantojuvenil também me trouxe boas lembranças. Eu me emocionei.
Algumas
resoluções de direção me marcaram bastante (podem parecer bobagens, mas,
para mim, não o são), como o Livro Secreto das Possibilidades sair de uma velha mala iluminada por dentro, de um viajante das minhas memórias,
e as ilustrações, que vão sendo apresentadas, durante uma história, contada por
MAROSA, passarem, uma a uma, dentro de uma maleta, o que me lembrou um
velho livro/brinquedo que ganhei na infância e, infelizmente, não sei que
destino mereceu. Eu me emocionei.
É tão bom, e raro,
assistir a uma peça infantojuvenil de qualidade, no Rio de Janeiro! “A HISTÓRIA
DAS HISTÓRIAS” é uma delícia de espetáculo! Diversão garantida, para os
pequenos e toda a família.
E fica uma grande lição,
aprendida na peça: "SE NÃO TEMOS UMA HISTÓRIA
PARA CONTAR, PODEMOS SER AUTORES DA NOSSA PRÓPRIA HISTÓRIA".
(FOTOS:
RODRIGO MENEZES.)
GALERIA PARTICULAR:
FOTOS: GILBERTO BARTHOLO.)
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