“MACACOS”
ou
(“O ‘MACACO’
TÁ CERTO”*.)
(*Bordão do
programa humorístico
"O Planeta
dos Homens", exibido,
de 1976 a 1982,
pela TV Globo.)
(NOTA: Em função da grande quantidade de
críticas a serem escritas, entre espetáculos que fizeram parte do “31º FESTIVAL
DE CURITIBA” e outros, assistidos no Rio de Janeiro e em São Paulo, por algum
tempo, fugirei à minha característica principal, como crítico, de
mergulhar, “abissalmente”, nos espetáculos, e vou me propor a ser o
mais objetivo e sucinto possível, numa abordagem mais “na superfície”,
até que seja atingido o fluxo normal de espetáculos a serem analisados.)
Saí de casa, ontem, no início da noite, para ir a um Teatro,
mais propriamente, o Teatro Ipanema, mas, sem querer, fui parar numa
carteira da “Escola 2-18 Irmã Zélia”, do “Colégio Estadual Professor
Clóvis Monteiro” ou da “Faculdade de Letras da UFRJ” e, durante 140
minutos, que equivalem, aproximadamente, a quase três tempos de aula,
aprendi o que me foi negado saber durante 73 anos, embora, de muita
coisa, eu já desconfiasse. Tive a mais completa aula de História do Brasil,
de HUMANIDADE, de Justiça Social, de Cidadania e de tantas
outras “disciplinas” que nunca pensei, um dia, ter.
Logo no início do espetáculo “MACACOS”, em cartaz, numa
temporada relâmpago, infelizmente, no Teatro Ipanema, Rio de Janeiro, CLAYTON
NASCIMENTO, que escreveu o texto, dirigiu a si mesmo e, obviamente, atua,
diz que ali, naquele palco, naquele momento, ele seria o que bem entendesse, o quisesse
ser, e, dentre tantas profissões e personalidades listadas, estava o “PROFESSOR”,
que foi, exatamente, como ele se comportou durante toda a encenação.
Sempre
achei que o professor, ofício que abracei, há 50 anos, e no qual me
mantive durante 47, do início da manhã até o final da noite, chovesse ou
fizesse sol, diariamente – inclusive aos sábados e domingos, às vezes -, é uma
espécie de ator, porque tem um “texto decorado”, para ser passado
adiante, independentemente de estar bem ou mal de saúde ou com problemas pessoais
ou não.
Se notarem, na FICHA TÉCNICA mais abaixo, verão que,
nela, não constam nomes de artistas de criação responsáveis pela cenografia e o
figurino da peça. O motivo é muito simples: o palco está nu e o ator/professor
usa apenas uma bermuda de moletom, preta. Aqueles dois elementos são totalmente
dispensáveis numa "aula" sem “parafernálias tecnológicas”, ministrada
na base do “cuspe e giz”; na verdade, apenas "cuspe e batom".
O “release” da peça, que me chegou às mãos via ALESSANDRA
COSTA (AC Assessoria de Imprensa e Comunicação) diz que “O apagamento das memórias e
ancestralidades negras dão a tônica no espetáculo...”. Sim, é disso que o solo trata,
mas não apenas; ou todas as provocações que partem do palco para a plateia são
fruto desse “apagamento”.
SINOPSE:
O
espetáculo aborda a estruturação do racismo no Brasil, a partir do relato de um
homem negro em busca outros espaços para ocupar, diante do adjetivo MACACO,
que nomeia a obra.
O
ator, diretor e dramaturgo CLAYTON NASCIMENTO lembra que, em muitos casos,
o adjetivo é utilizado como xingamento ao povo negro.
Além
disso, a peça trata sobre episódios da História Geral do país, até
chegar aos relatos e estatísticas das mães e famílias dos jovens negros presos
ou executados pela Polícia Militar, no Brasil, de 1500 até 2021.
Confesso que, sempre que assisto a um espetáculo teatral que
trata de qualquer questão de forma muito panfletária, deixo o Teatro incomodado,
o que, absolutamente, aconteceu depois de ter assistido a “MACACOS” - não por esse motivo, pelo menos -, simplesmente porque CLAYTON NASCIMENTO disse tudo o que deveria mesmo
ser dito, porém de uma forma clara, didática, sem nenhum subterfúgio ou
intenção oculta ou, até mesmo, escusa, nas entrelinhas, porém sem deixar de
exigir uma reflexão do público, de predominância branca, sobre os direitos de
seus pares e uma reparação por conta de tudo quanto os prejudica até hoje. Justiça
e igualdade acima de tudo. Deixei o Teatro Ipanema, isso sim, totalmente
impactado com aquela “AULA MAGNA” e muito feliz por ter ampliado os meus
horizontes e ratificar muitas informações.
O espetáculo começou a ser desenhado, por CLAYTON, em 2015,
só tendo, porém, chegado ao grande público, começando a conquistar a visibilidade
de que desfruta hoje, em 2020, por ocasião do “Festival Verão Sem Censura” e pelo “Festival Farofa”,
ambos em São Paulo, realizados um mês antes da pandemia da Covid-19, que fez
com que a carreira da peça fosse interrompida. De lá, ela já foi vista por
plateias de Minas Gerais, Espírito Santo, Ceará, Pernambuco, Brasília e
Amazonas, fez temporadas recentes na capital paulista e, agora, volta aos
palcos cariocas. Por que “volta”? Em 2016, o Rio de
Janeiro já teve a oportunidade de conhecer “MACACOS”, numa versão
mais curta, por um único dia – 02 de dezembro -, no “20º Festival de Teatro do Rio”, na Sala Baden Powell, com entrada gratuita. Infelizmente, eu não estava lá.
Além de um grande intérprete, que conquistou os prêmios de MELHOR
ATOR no “Prêmio SHELL – São Paulo” e no “Prêmio da APCA”
(Associação Paulista de Críticos Teatrais), ambos no ano em
curso, além de outros, ele e a peça, desde 2016 até hoje, CLAYTON se mostrou um
excelente dramaturgo, que, como bom estudioso, mergulhou profundamente e de
forma obstinada, em pesquisas e estudos, para que nada de importante ficasse de
fora, no seu “microscópio”.
ULISSES DIAS, diretor da BARÁ PRODUÇÕES e produtor geral do espetáculo, é muito preciso, quando diz que “‘MACACOS” é uma montagem que conta somente com um ator e um batom e trata do preconceito contra os povos pretos, a partir do relato de um homem preto que busca respostas para o racismo que rodeia seu cotidiano e a história de sua comunidade”.
É CLAYTON quem afirma: “Os
questionamentos desse homem negro convidam o público a pensar e debater sobre
os preconceitos mascarados que existem na estruturação e no cotidiano
brasileiro. Com a pandemia do COVID-19, esses números se agravam e aumentam,
evidenciando, assim, o grande desequilíbrio social no qual nossa nação está
estruturada”. E prossegue: “A obra se desenrola num fluxo de
pensamentos, desabafos e elucidações, que surgem em cenas pautadas em nossa
história geral, como também em situações vividas por grandes artistas negros -
Elza Soares, Machado de Assis e Bessie Smith -, até alcançar relatos e
estatísticas de jovens negros presos e executados pela Polícia Militar, no
Brasil de ontem e de 2021”. Sim, é exatamente isso o que vemos no
palco do Teatro Ipanema.
O homem/ator CLAYTON NASCIMENTO é
muito “poderoso”. Se não o fosse e “abusasse” do
direito de ser carismático e da capacidade de fácil comunicação com pessoas,
não conseguiria, num monólogo, ser o alvo das atenções de uma plateia lotada,
durante mais de duas horas, plateia esta que, ao final da apresentação, não se
cansa de aplaudir o trabalho daquele ator, com o acréscimo de muitos brados de “BRAVO!”.
Em mais de 50 anos de total dedicação ao TEATRO, não me recordo de ter
assistido a um solo com tal duração. Via de regra, monólogos giram em torno de
uma hora. CLAYTON é muito corajoso, ousado, com a sua proposta de apresentar
um monólogo autointitulado de “peça-denúncia”, mas o faz, certamente,
porque “confia no seu taco”, tem consciência de seu talento e da importância
de “MACACOS”, principalmente nos dias atuais, depois de quatro anos de
trevas em que o país esteve mergulhado.
De forma muito inteligente, sabedor de que o humor, por excelência, é crítico, um “vetor” para se atingir a denúncia, CLAYTON não dispensa essa maneira de atingir o público, até como uma forma de atenuar um pouco o peso da temática questionada.
À sequência de verdades históricas que, determinadamente,
vêm sendo “varridas para debaixo do tapete”, nos livros e nas salas
de aula, por décadas e séculos, o dramaturgo acrescenta detalhes de
sua vida pessoal e de sua trajetória como estudante carente, bolsista, por boa
parte de sua vida, dos 8 aos 23 anos, em busca de saber, como base para
atingir a condição de cidadão. “MACACOS” é produto de uma imensa
valorização da EDUCAÇÃO, na qual CLAYTON, acertadamente, “aposta
todas as suas fichas”.
Em seu profundo trabalho de pesquisa, o dramaturgo não deixou
passar a oportunidade de tocar na estúpida contradição que há na letra do “Hino
da Proclamação da República”, escrita por José Joaquim de Campos da Costa de Medeiros e Albuquerque, em 1890, um pouco mais de um ano após a "libertação dos escravos", ou seja, a assinatura de um documento, pela Princesa Isabel, "A Redentora, que, até hoje, é tido como o que determinou, e efetivou, a libertação dos escravizados. No mesmo hino que contém os versos "Liberdade! Liberade! Abre as asas sobre nós! Das lutas na tempestade / Dá que ouçamos tua voz!", o letrista em a "cara de pau" de escrever “Nós nem cremos que
escravos outrora / Tenha havido em tão nobre País.”, da
mesma forma como alguns “cretinos” negacionistas afirmam não ter havido o holocausto.
Aproveitando o “gancho”, chamo a atenção para o
fato de, por várias vezes, no texto, aparecer o vocábulo “genocídio”,
referindo-se à morte maciça de negros no Brasil. Creio ser útil esclarecer que o
dramaturgo, ao utilizar tal palavra, está se referindo a um processo que vem se
arrastando desde a chegada dos primeiros escravizados, trazidos da
África e, de forma mais expressiva, após a “Lei Áurea”.
Geralmente, as pessoas – eu também pensava assim – acham que o termo se ajusta
ao “extermínio
deliberado, parcial ou total, de uma comunidade, grupo étnico, racial ou
religioso”, NUM
DETERMINADO MOMENTO, APENAS, normalmente apresentando o já citado holocausto
como exemplo, ocorrido de 30
de janeiro de 1933 a 08 de maio
de 1945. Para sensibilizar
melhor as pessoas, é sempre oportuno lembrar que o genocídio é um conceito aplicado
a qualquer tentativa de exterminar um grupo de pessoas, por conta de sua etnia,
raça, religião ou nacionalidade, considerado um crime contra a
humanidade, por meio de uma determinação realizada pela ONU, em 1948.
No palco do Teatro Ipanema, vi um
homem negro, um ator visceral, de superlativas possibilidades e qualidades,
numa atuação “verbo-corporal” de ideias e sentimentos. CLAYTON se
expressa por meio dos fonemas que saem de sua boca e pelos múltiplos
movimentos de seu corpo, como ferramenta de trabalho, que ele domina e “doma”
com total perfeição. O trabalho de direção de movimento, feito por ANINHA
MARIA MIRANDA, é excelente e exige muita dedicação, esforço e resistência,
por parte do ator.
Se, dos elementos de criação, nada de expressivo há a ser
dito sobre cenografia e figurinos, não posso deixar de tecer um elogio ao
brilhante trabalho proposto por DANIELE
MEIRELLES, em seu desenho de luz, digno
de premiações, na minha modesta opinião. A iluminação tem uma importância imensa
nesta teatralização. Os efeitos de “black-out” e as variações de
cores e intensidade enriquecem, sobremaneira, a plasticidade da encenação, deixando, sempre, o espectador esperando novas e agradáveis surpresas.
Uma boa parte da duração do espetáculo é
destinada à abordagem do brutal assassinato de menino Eduardo de Jesus,
então com apenas 6 anos de idade, em
2015, no Complexo do Alemão, Rio de Janeiro, por PMs, durante
uma operação policial, quando, inocentemente, brincava com um carrinho, na
porta de casa. A criança recebeu um tiro certeiro de fuzil, na cabeça. Terezinha
Maria de Jesus, sua mãe, ao tentar, desesperada e inutilmente, socorrê-lo,
além de ter uma arma apontada para a sua cabeça, teve que ouvir, do policial
assassino, que ele havia matado “um filho de bandido” e que poderia
fazer o mesmo com ela. As cenas causam uma grande comoção no público e algumas
pessoas chegam às lágrimas. Esse caso foi julgado apenas em 2016 e os
policiais que participaram dessa desprezível operação foram considerados
inocentes e, consequentemente, absolvidos. Em sua defesa, os frios assassinos
alegaram ter confundido o brinquedo da criança com uma arma. Fecha o pano!
FICHA TÉCNICA:
Dramaturgia:
Clayton Nascimento
Direção:
Clayton Nascimento
Direção
Técnica: Danielle Meirelles
Provocação
Cênica: Ailton Graça
Atuação:
Clayton Nascimento
Direção
de Movimento: Aninha Maria Miranda
Iluminação:
Danielle Meirelles
Fotos:
Mariana Ricci
Produção
Geral: Ulisses Dias (Bará Produções)
SERVIÇO:
Temporada:
De 28 de abril a 07 de maio de 2023.
Local:
Teatro Ipanema.
Endereço:
Rua Prudente de Morais, 824, Ipanema – Rio de Janeiro.
Capacidade:
192 lugares.
Dias
e Horários: 6ª feira e sábado, às 20h; domingo, às 19h.
Valor
dos Ingressos: R$80,00 e R$40,00 (meia entrada).
Ingressos
à venda pela plataforma Sympla.
Indicação
Etária: 14 anos.
Gênero: Monólogo Dramático.
“MACACOS” é apresentado pela "CIA. DO SAL",
grupo que surgiu na ocasião de sua
estreia, em 2016, formado por atores e atrizes pesquisadores da cena,
vindos da “Escola de Arte Dramática da USP – EAD”, “Escola
Livre de Teatro de Santo André – ELT” e Célia Helena Centro
de Artes e Educação. Em seu corpo, a CIA. DO SAL conta com artistas
negros, brancos, trans, “gays”, héteros,
paulistanos, cariocas e nordestinos, “que pesquisam
seus anseios dentro do coletivo. A principal ideia é contar, junto ao povo,
fatias e memórias da nossa história.”. “SAL” dá origem à palavra “salário”,
e Brecht dizia: “O sal do suor do operário é o que tempera
a comida do patrão.”. Isso dá margem a uma boa reflexão.
NOTA: A íntegra do texto de “MACACOS” foi recém-publicada pela “Cobogó”,
editora do Rio de Janeiro (Adquiri, no Teatro Ipanema, o meu
exemplar.), e a obra fará parte do conteúdo didático de escolas públicas da
cidade de São Paulo, a partir de 2023.
RECOMENDO, COM TODO O MEU EMPENHO, ESTE
MAGNÍFICO ESPETÁCULO!
FOTOS: MARIANA RICCI
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