“31º FESTIVAL
DE CURITIBA”
“KARAÍBA: UM MUSICAL ORIGINÁRIO”
ou
(RADIOGRAFIA
DE UM EXTERMÍNIO.)
ou
(RESGATE DE UMA ANCESTRALIDADE
TORNADA INVISÍVEL.)
(NOTA: Em função da grande
quantidade de críticas a serem escritas, no presente momento, entre espetáculos que fizeram parte do
“31º FESTIVAL DE CURITIBA” e outros, assistidos no Rio de Janeiro e em São
Paulo, por algum tempo, fugirei à minha característica principal, como crítico,
de mergulhar, “abissalmente”, nos espetáculos e vou me propor a ser o mais
objetivo e sucinto possível, numa abordagem mais “na superfície”, até que seja atingido o fluxo normal de espetáculos a serem analisados e a escritura das
críticas.)
O primeiro espetáculo do “31º FESTIVAL DE
CURITIBA” a me arrebatar, cobrindo-me de alegria, a ponto de sentir um
orgulho muito grande de um quarteto de artistas foi “KARAÍBA: UM MUSICAL
ORIGINÁRIO”, baseado no livro infantojuvenil “Karaíba – Uma História
do Pré-Brasil”, de Daniel Munduruku, de etnia indígena, escritor, professor e ativista, voltado à causa da sua gente.
Suas obras literárias, que já atingiram a marca de 52 títulos, são,
sobretudo, dirigidas ao público infantojuvenil e têm, como tema principal,
a cultura indígena. Daniel é Doutor em Educação,
pela USP, Pós-Doutor em Literatura, pela Universidade
de São Carlos, além de muitos outros títulos acadêmicos.
SINOPSE:
O musical, cuja ação se situa nos dias que antecedem a chegada de Pedro Álvares Cabral, e sua esquadra, à Baía Cabrália, conta uma história da chegada dos colonizadores portugueses ao Brasil, mas na visão dos povos originários e colocando os “descobridores” no seu devido lugar, de “monstros”, que viriam a ser as caravelas lusitanas, os quais, segundo um sonho premonitório de um sábio – o Karaíba –destruiriam a tudo e a todos.
Então, três aldeias, de diferentes povos, precisam decidir como enfrentarão o inimigo, sendo que cada uma delas faz uma leitura diferente da dita profecia, o que as coloca numa luta entre si.
Ainda que
não tenha lido o livro, penso que a transposição do conteúdo de suas páginas
para um palco de TEATRO foi feita com o maior cuidado e critério, por IDYLLA
SILMAROVI, e o
espetáculo ganha uma amplitude incomensurável, atingindo pessoas de todas as
idades, resultando num texto “enxuto”, de fácil compreensão e até
cheio de momentos poéticos, naquele universo de horrores praticados contra os
verdadeiros donos da “terra brasilis”.
A direção da peça, assinada por RAFAEL
BACELAR, é impecável. O diretor encontrou soluções simples, mas de efeito
superlativo para todas as cenas, sabendo explorar o talento de dois casais de
jovens atores, DANILO CANINDÉ, JÉSSICA MEIRELES, LUDIMILA
D’ANGELIS e YUMO APURINÃ, todos da etnia de povos oriundos.
Não consegui enxergar um único protagonismo, naquele palco; vi, sim, quatro
artistas bastante talentosos, empenhados em contar a verdadeira história de
seus ancestrais, de uma forma leve, sem “varrer para baixo do tapete”
toda a sorte de crueldade e desumanidade praticada pelos colonizadores sobre
seus antecessores.
A propósito, um dado que me deixou bastante
surpreso, na mesma proporção em que fez acender, em mim, uma esperança de ver,
num futuro próximo, a total redenção de uma raça, o resgate de sua dignidade, a
justiça que lhe devemos, processo já iniciado pelo governo federal que assumiu
as rédeas do país, há pouco mais de uma centena de dias, pondo em prática uma
política totalmente oposta à que vinha sendo praticada por um MONTRO que esteve no “comando” do
país, pelos quatro anos anteriores: das 27 pessoas envolvidas no
projeto, mais da metade, 17, são descendentes dos povos originários.
Como a “estrela desta peça” se
concentra na importância do seu texto, obviamente que muito bem decodificado
pelo diretor e belissimamente interpretado pelos atores, a cenografia torna-se
até um item desnecessário. Palco nu e muita ação; à espera de ações; ou
reações. Sob a rubrica de “direção de arte”, mínimos elementos fazem parte do cenário.
(Foto: Gilberto Bartholo)
E nos quesitos "simplicidade" e "funcionalideade", o mesmo se pode dizer acerca dos figurinos, criados por WANGLÊYS MENDONÇA: trajes simples, na cor preta, que facilitam os muitos movimentos do elenco.
E já que falei em “movimento”
faz-se necessário elogiar o excelente trabalho do(a) profissional que se ocupou
dessa tarefa, ainda que seu nome não conste na FICHA TÉCNICA.
A iluminação do espetáculo é um elemento que merece
destaque e foi criada por LILIAN DA TERRA. Além de belíssima,a luz parece dialogar com os
atores e ela mesma.
Por se
tratar de um musical, alguém teria que se ocupar da direção musical. Fquei feliz por essa tarefa ter sido confiada a um profissional a quem respeito muito nesse ofício,
FELIPE STORINO,
que, mais uma vez, soube mostrar seu talento. É bom dizer, também, que, das
seis canções que ilustram o musical, cinco foram compostas pelo próprio elenco,
em criação coletiva.
A
idealização do espetáculo é de JULIANA GONÇALVES e surgiu num determinado momento da pandemia de Covid-19, quando travou
contato com o livro de Daniel
Munduruku, tendo, imediatamente,
entrado em contato com o autor, para lhe apresentar a proposta de encenação de
sua obra. JÉSSICA viu ali uma grande possibilidade de mostrar
a história de um país da forma como ela deve ser contada e de uma maneira dinâmica,
direta e, acima de tudo, com um compromisso com a mais pura verdade. E o
resultado deu muito certo.
Ainda que o texto não possa deixar de falar em morte
e luto, pressionando, com um dedo forte, as chagas do genocídio dos povos indígenas, ele apresenta uma mensagem de resistência
contra um tipo de apagamento. Seu propósito maior é levar a plateia a refletir e reconhecer
a identidade e o pertencimento dos povos originários. E, como um todo, posso
afirmar que, de uma forma ou de outra, o espectador não consegue sair do Teatro
SESC da Esquina, onde o espetáculo foi encenado, nos dias 28 e 29 de
março de 2023, dentro da “Mostra Lucia Camargo”, sem sofrer
um pouco de modificação quanto ao seu conhecimento dos anais da nossa história,
da construção do Brasil, como nação. Assim espero.
FICHA TÉCNICA:
Idealização: Juliana Gonçalves
Dramaturgia: Idylla Silmarovi
Direção: Rafael Bacelar
Assistentes de Direção: David Maurity e Marcus
Liberato
Direção Musical: Felipe Storino
Elenco: Danilo Canindé, Jéssica Meireles, Ludimila
D’Angelis e Yumo Apurinã - Atriz convidada / em voz “off”: Carolina
Virgüez
Direção de Arte: Winona Evelyn
Figurinos: Wanglêys Mendonça
Iluminação: Lilian da Terra
Visagismo: Luísa Kwarahy
Identidade Visual: Isza Santos
Grafismos: Sandro Akroa e Urutau Guajajara
Direção de Produção: Juliana Gonçalves
Produção Executiva: Marcus Liberato
Assistente de Produção: Tainá Campos
Arte Digital: Wanessa Ribeiro
Assessoria de Comunicação: Uma Terra
Assessoria jurídica: Mariana Gonçalves
Não resta a menor dúvida de que “KARAÍBA: UM MUSICAL ORIGINÁRIO” não é para ser encarado como um mero entretenimento, mas como um vetor de caráter político e de denúncia, como também de cobrança. Já está na hora de o povo brasileiro conhecer a verdadeira história de sua formação.
Não tive a oportunidade de assistir à peça, quando de sua temporada, no ano passado, no Rio de Janeiro, o que me leva a agradecer ao "FESTIVAL DE CURITIBA", por esse grato prazer.
(Foto: Gilberto Bartholo)
(Foto: Gilberto Bartholo)
Ainda que seja meio avesso a "listas", não tenho a menor dúvida de que este espetáculo ocupa uma posição na minha relação de "TOP 6".
Fotos: Divulgação.
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