“31º FESTIVAL
DE CURITIBA”
“SQUARE / PRAÇA”
ou
(A PRAÇA É MEU PAÍS.)
ou
(MEXE COM OS CINCO SENTIDOS, MEXE COM O CORAÇÃO.)
(NOTA: Em função da grande quantidade de críticas a serem escritas, entre espetáculos que fizeram parte do “31º FESTIVAL DE CURITIBA” e outros, assistidos no Rio de Janeiro e em São Paulo, por algum tempo, fugirei à minha característica principal, como crítico, de mergulhar, “abissalmente”, nos espetáculos, e vou me propor a ser o mais objetivo e sucinto possível, numa abordagem mais “na superfície”, até que seja atingido o fluxo normal de espetáculos a serem analisados.
“A
Praça Castro Alves é do povo, como o céu é do avião.” (Caetano Veloso). Da
mesma forma, a Praça Santos Andrade, no Centro de Curitiba,
pertence aos curitibanos. E por que não, também, “ao mundo”?
Durante o “31º FESTIVAL DE CURITIBA”, aquele lindo
espaço público, extremamente bem cuidado, pela Prefeitura local,
com o suntuoso prédio da Universidade Federal do Paraná, num dos seus extremos, e, no outro, um dos maiores motivos de
orgulho daquela cidade, o Teatro Guaíra, carinhosamente chamado
de “Guairão”, com 2173 lugares, foi palco de alguns
trabalhos que faziam parte do “FESTIVAL”. No perímetro da Praça,
alguns restaurantes, lojas comerciais, o Hotel Mabu, que serviu
de sede para o “FESTIVAL”, a sede dos Correios
e Telégrafos e
alguns prédios comerciais.
Aquele
logradouro público recebe, diariamente, um grande fluxo de transeuntes, muitos
dos quais passam longo tempo sentados nos bancos da Praça, onde podem sentir o
grande e delicioso “astral” que aquele ambiente oferece. Também,
quem desejar, pode prestar atenção em outras pessoas à sua volta e, até mesmo,
fazer um exercício de imaginação, sobre quem são elas, o que fazem ali e chegar
a outras ilações. Pelas quatro ruas que dão acesso a ela (XV de Novembro,
a mais importante, Alfredo Bufren, João Negrão e Conselheiro
Laurindo), muitos automóveis e algumas linhas de transporte público
trafegam dia e noite.
Esse
aprazível local público foi o escolhido, pela companhia holandesa “ACTEURSGROUEP
WUNDERBAUM”, para apresentar
sua produção, “SQUARE/PRAÇA”, uma estreia
nacional de um espetáculo internacional. Para isso, os membros da trupe
responsável por esta “performance” contaram com a valiosíssima colaboração
de dois atores brasileiros, MONIQUE VAILLÉ e PEDRO UCHÔA,
funcionando como intermediários entre os holandeses, que não falam português,
com os artistas e as pessoas locais que participariam do evento.
A
relação de MONIQUE e PEDRO com os artistas holandeses já vem de
seis anos, quando, em 2016, conheceram o trabalho da companhia durante a
realização de “Tempo Festival” ou “Festival Internacional de
Artes Cênicas do Rio De Janeiro”, uma mostra que consegue reunir
excelentes trabalho teatrais. O espetáculo de então era “Vamos Fazer Nós
Mesmos”, apresentado, posteriormente, em 2018, no “FESTIVAL
DE CURITIBA”, já contando com os dois artistas brasileiros.
Depois,
VAILLÉ e UCHÔA participaram de uma oficina, ministrada pelos
atores do grupo, no OI Futuro, Rio de Janeiro. Daí, os
laços foram se estreitando, cada vez mais, e chegaram a criar um trabalho “on-line”,
durante a pandemia de Covid-19. Muito interessados naquela ARTE
holandesa, os dois, em janeiro de 2019, passaram quinze dias em Rotterdam,
na Holanda, onde fica a sede da companhia, para conhecer melhor o seu
trabalho e já pensar numa nova produção, para 2020, que seria exatamente
“SQUARE/PRAÇA”, projeto, infelizmente, abortado, por motivos que dispensam explicações.
Para montar a estrutura desta experiência, no “FESTIVAL”, MONIQUE e PEDRO passaram quatro dias em Curitiba, arrebanhando pessoas que se dispusessem a participar do evento, contando, ainda, com outras, que chegaram aos dois por conta de um convite público, feito pelo próprio “FESTIVAL”, para o mesmo fim. Foram muitas entrevistas, até que se fechasse o “elenco”. Também fizeram contato com músicos locais, para que formassem uma enorme banda, dividida em duas, nas apresentações, procurando abranger um bom recorte social bem diverso.
SINOPSE:
É
muito difícil criar uma SINOPSE deste espetáculo.
Não
se trata, propriamente, de uma peça teatral; “SQUARE/PRAÇA” é uma “performance”
que envolve artistas e pessoas do povo.
Trata-se
de uma experiência sensorial e sonora ao ar livre.
A
proposta procura saber o que é uma praça ideal.
Um
local de passagem ou, também, paragem para muitos encontros ou desencontros do
dia a dia, trocas de experiências, início de relacionamentos...?
No fundo, a experiência pode ser classificada, também, em função das reações de quem participa dela, como actante ou espectador, como uma “comédia musical” (?).
Assistindo
a alguns espetáculos dentro do “FESTIVAL DE CURITIBA”, fui tomado de
grande emoção, conseguindo conter as lágrimas, entretanto – estou, até agora,
tentando entender o porquê –, quando participei do segundo dia de
apresentação de “SQUARE/PRAÇA”, em 1º de abril próximo passado, não
consegui dominar a vontade de chorar, o que fiz, até de forma meio compulsiva,
entre momentos de risos e gargalhadas também. Acho que se passou, na minha cabeça,
um filme de quando eu era jovem, estudante de Letras, da UFRJ. Enquanto esperava o ônibus que me levaria para casa, fiquei, muitas vezes,
sentado no Passeio Público do Rio de Janeiro, no Centro
Histórico da cidade, observando os animais silvestres e o movimento dos
passantes e de quem ocupava outros bancos daquela praça. Era ali também que eu
me questionava se deveria abandonar a faculdade e me dedicar, unicamente, ao TEATRO,
como ator, ou se tentava conciliar as duas coisas, o que fiz, até onde
consegui. O magistério me “ganhou”, porque garantia a minha
barriga cheia e minhas contas pagas. Em compensação, eu também “ganhei”...
...frustação. Mas isso é fruto de uma divagação que vivenciei agora, enquanto
pressionava as teclas do computador.
A
sensação de liberdade que se sente, numa experiência como esta, é
indescritível, como “sair das nossas próprias bolhas” e dividir o
espaço com outros semelhantes, de variadas idades, gêneros, crenças, posições
políticas, interesses... Uma “Babel antropológica”.
“SQUARE/PRAÇA” provoca muitas e variadas reflexões
acerca do ser humano, do “de onde vim, para onde vou”, do papel
de uma sociedade nos dias modernos, suas dificuldades, esperanças e
idiossincrasias.
Na Santos
Andrade, o Homem se confunde com a “urbis”, num “amálgama
resgatador”. A Praça se transforma num “palco”,
porque a vida pode ser levada como um grande TEATRO. É só querer.
“A praça é o espaço mais democrático possível. É onde a gente se
cruza, sem saber em quem votou, quem conhece o quê. A praça é de todo mundo”, ouvi da boca de MONIQUE VAILLÉ, atriz brasileira
incorporada ao projeto, durante uma entrevista coletiva, programada pelo “FESTIVAL”.
Afirmações semelhantes fizeram os artistas estrangeiros, durante aquele
encontro.
O “modus operandi” da experiência reúne quatro
atores vindos da Holanda - JENS BOUTERRYN, “a música em forma
de gente” (este, belga; os demais holandeses.), MAARTJE REMMERS,
WALTER BART e MARLEEN SCHOLTEN -; uma parafernália eletrônica "de fazer inveja"; os dois atores brasileiros, MONIQUE
VAILLÉ e PEDRO UCHÔA; e várias pessoas da cidade – não sei
exatamente quantas, talvez de 30 a 40 -; contatadas, previamente, e que se propuseram a aceitar o
desafio de “ser artista por um dia”, numa representação, embora
dirigida, de si mesmas. Eram, por exemplo, uma travesti, que recordava a flor dos seus 18 anos, quando, voltando das "baladas", quase ao amanhecer, fazia um "pit stop" ali e uma mulher que se lembrava de, quando criança, pobre, ser levada até ali por uma tia e que,
hoje, socióloga, salvo engano, leva a filha, pequena, até a Praça.
O excepcional multi-instrumentista JENS BOUTERRY, em todo o
decorrer da experiência, é o “maestro” de tudo, ainda que as
instruções sejam passadas pela diretora, LINDA VISSER, as quais eu
ouvia, em função de estar, por engano, mas graças aos DEUSES DO TEATRO,
com um fone de ouvido que recebia os seus comandos: “Fulano, go (vá)!
Beltrano, run (corra)! Cicrano, stop (pare)!”. Ela observava tudo do
alto da escadaria do prédio da UFPR. Não sei o que os demais
espectadores ouviam nos seus “headphones”. Não havia, ainda, passado
a informação de que cada espectador, que chegasse cedo ao local, recebia um par
de fones de ouvido, para acompanhar a experiência (Eram em número limitado), o
que não quer dizer que os que não conseguissem o seu não pudessem participar da
experiência, porém de outra forma, mais “limitada”, digamos, ou “menos
completa”.
(Foto: Monique Vaillé)
Também não havia escrito que BOUTERRY tinha uma grande
quantidade de fios e microfones presos ao corpo, para que pudessem captar toda
sorte de sons, inclusive o de suas baquetas batucando, literalmente, na Praça,
ou seja, provocando sons e ritmos, “tocando” em tudo o que lhe
aparecesse pela frente. Os outros atores também portavam microfones escondidos.
É interessante acrescentar que o público que assistia a tudo, por
vezes, ficava sem entender se o que estavam vendo foi ensaiado ou é “real”,
se as pessoas que desfilavam diante dos seus olhos eram “da peça”
ou, simplesmente, “pessoas do povo, na Praça”, incluindo um gari,
que varria sempre no mesmo lugar.
(Foto: Monique Vaillé)
Um dos mais marcantes momentos da experiência se deu quando um artista
de rua, de Curitiba, muito conhecido por lá, que atende pelo
apelido de Plá, chegou à Praça, em sua bicicleta ”especial”,
integrando-se ao grupo e fazendo um dueto com JENS BOUTERRY. Num determinado momento, Plá
cantou o refrão de uma de suas músicas – “Mais bicicletas, menos carros””
-, no que foi seguido, e muito aplaudido, pela assistência.
Para mim, aquele experimento não apresentou um único clímax. Era tudo tão relevante, tão verdadeiro, tão lírico, tão ingênuo, que o coração era mexido, minuto a minuto.
(Foto: Monique Vaillé)
E, ao final de 75 minutos, aproximadamente, tudo terminou
num grande “happening”, com todos, artistas, “artistas”
e público se abraçando, dançando e cantado, ao som de músicos que iam chegando,
como num bloco de carnaval. O suprassumo da delícia e da felicidade! E
não é que eu chorei mais ainda?!
(Foto: Monique Vaillé)
FICHA TÉCNICA:
Companhia Wunderbaunm
Elenco (Criação e “Performance”): Maartje Remmers, Marleen
Scholten, Monique Vaillé, Pedro Uchoa e Walter Bart
Música ao vivo: Jens Bouttery
Som: Jens Bakker
Produção Brasil: Monique Vaillé, Pedro Uchoa, Lud Picosque e Corpo
Rastreado
Direção de Produção: Linda Visser
Realização: Acteursgrouep Wunderbaum
Correalização: Theater Rotterdam
Fotos Curitiba: Daniel Sorrentino
Consultoria de Figurino: Lotte Goos
Apoio Cultural: Fonds Podiumkunsten e Consulado dos Reinos dos
Paises Baixos
Banda Convidada: Audryn Souza, Luís Fernando Diogo, Emilyn Shayane
trombone, Menandro Souza, David Santos, Marcela Zanette, Silvia Rolim, Levi,
Vinicius Pinheiro, Halana Aguiar, Thata, Gabriela Bruel, Denusa Castellain,
Kauhana Aguiar, Dharma Jhaz, Dayane Naeser, Welington Miranda, Abdiel Freire,
Victor Estevão e Ricardo Salmazo
Participantes Curitiba: Alessandra Costa, Alessandra Gabriel,
Amanda Soares, Bruna Danyella, Bruno Sanctus, Chico Pennafiel, Danille
Avelleda, Dekka Santos, Ellen Borgo, Erê, Gabbiel, Gil Alves, Glayson Cintra,
Guima Guimarães, Luca Ramos, Luce Scettro, Rafa, Marianna Holtz, Marina
Gobetti, Matheus Bertucci, Patty Sozzi, Renata Castro, Renata Ingrata, Salomão
Azevedo, Selene Cristina, Telma Mello, Will Amaral
Participação Especial: Elisama Koppe e Plá
Técnica de Som Brasil: Jo
Mistinguett
Figurinista Curitiba: Daniela Carvalho
Assistente de Figurino em Curitiba: Lucí Guerra
Production Local: Vida Santos
(Foto: Monique Vaillé)
Depois de Curitiba, a experiência
será apresentada em outras ”squares”, pelo mundo, sendo que já está
agendada um exibição, em setembro próximo, no conhecido “Festival de TEATRO
de Rotterdam”.
Talvez seja até difícil, para quem me lê, “visualizar” essa experiência, e eu até entendo, porque “SQUARE/PRAÇA” é algo quase indescritível, e não é para ser visto; é para ser sentido. Rendo toda a minha admiração a esses fantásticos e talentososs artistas e, considerando o Brasil como “minha casa”, digo-lhes que as portas estão abertas para outras visitas.
FOTOS: GILBERTO BARTHOLO
VAMOS AO TEATRO,
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