quinta-feira, 30 de janeiro de 2020


AUTO
DE
JOÃO DA CRUZ

(UM “FAUSTO” À BRASILEIRA,
SEM MUITO FAUSTO,
MAS COM O TALENTO MARCANTE
DE UM MESTRE DAS PALAVRAS
E A CHANCELA GARANTIDA
DE UMA GRANDE 
COMPANHIA DE TEATRO.)





            Mas é impressionante o grau de “visionarismo” (Oficialmente, o vocábulo não é registrado no VOLPVocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado pela Academia Brasileira de Letras, publicação oficial do nosso léxico, entretanto vários autores o empregam e ele muito me agrada também. Sejamos, pois, “subversivos”!) que certas pessoas, geniais, desenvolvem, ou desenvolveram, na vida, como é o caso aqui, com relação à peça ora analisada. O grande mestre ARIANO SUASSUNA, um dos meus gurus, do qual trago guardado, na memória e no coração, um dos melhores encontros que a vida me proporcionou, demonstrou ser um grande visionário, há 70 anos, ao escrever o texto da peça “AUTO DE JOÃO DA CRUZ”, espetáculo em cartaz no Teatro FIRJAN SESI Centro, Rio de Janeiro) (Ver SERVIÇO), escolhido e apresentado pela Cia. OmondÉ, para comemorar seus 10 anos de atividades e excelentes serviços prestados ao TEATRO BRASILEIRO.






           A OmondÉ foi “criada em 2009, a partir de um encontro teatral, que resultou na montagem de ‘As Conchambranças de Quaderna’, de ARIANO SUASSUNA (...) é a concretização de um desejo que a atriz e diretora INEZ VIANA nutriu por mais de duas décadas. Naquela ocasião, movidos pela vontade de compartilhar processos e criar, em colaboração, nove atores, de diferentes lugares do Brasil, e INEZ iniciaram uma pesquisa, dialogando com diferentes recursos do TEATRO e da dança contemporâneos, que se mantêm presentes nas obras atuais da companhia. A OmondÉ tem, em seu repertório, sete peças, todas de autores brasileiros, clássicos e contemporâneos, como ARIANO SUASSUNA, Nelson Rodrigues, Grace Passô, Jô Bilac, Alcione Araújo, e segue, na busca de uma linguagem cênica que dialoga com temas vigentes, contribuindo para a reflexão sobre o papel do artista na sociedade”, todas, sem exceção, dirigidas por INEZ VIANA. (Texto extraído do “release”, enviado por PAULA CATUNDA - Assessoria de Imprensa - completado por mim.).




JOÃO DA CRUZ é o protagonista da história, o “herói”, e AUTO (do latim actu = ação, ato) é uma composição do subgênero da literatura dramática, surgida na Idade Média, na Espanha, por volta do século XII. De linguagem simples e essencialmente popular, que integra vocabulário e expressões consagradas pelo povo, com extensão curta (normalmente, compõe-se de um único ato). Os autos, em sua maioria, focalizam temas religiosos e profanos, contendo elementos cômicos ou intenção moralizadora. Seus personagens simbolizam as virtudes, os pecados, ou representam anjosdemônios e santos. É só se lembrar, para uma associação com esse gênero, de uma das maiores OBRAS-PRIMAS do TEATRO BRASILEIRO, “O AUTO DA COMPADECIDA”, saído da genialidade do mesmo ARIANO SUASSUNA - Ariano Vilar Suassuna, seu “nome de pia”.






            A peça, inédita até agora (Sabe-se que houve uma única encenação, apenas, em 1958, no Recife, levada à cena por um grupo amador.), foi escrita em 1950 e custou, ao consagrado dramaturgo, romancista, ensaísta, poeta e professor, 33 anos de pesquisa e trabalho, para ser dada como pronta. Trata-se de uma história, pode-se dizer, que corresponde a uma “adaptação” do “Fausto”, uma das grandes obras do poeta alemão Göethe, e do cordel “A História do Estudante que Vendeu a Alma ao Diabo”, de um cordelista desconhecido.






SINOPSE:

A peça conta a história de JOÃO DE DEUS, jovem ambicioso que, inconformado com a ausência do pai e com a miséria em que vive, resolve sair de casa, deixando tudo para trás, em busca de riquezas.

O GUIA, que funciona como se fosse o diretor da peça, e o CEGO, representação simbólica do Diabo, fazem, então, uma aposta pela alma do pobre protagonista, o qual, completamente iludido, passa a ter tudo que deseja, após um pacto com o Tinhoso.

Há uma aposta entre Deus e o Diabo, na disputa pela alma do desditoso jovem. 

À proporção que vai perdendo sua condição humana, tornando-se frio, perverso e apático, em relação ao outro, o personagem vai se distanciando da família e dos amigos, da sua própria humanidade, e se transforma num homem frívolo, amargo e cruel, até certo ponto, egocêntrico.

Ainda em vida, ele é sentenciado por seus atos, no mesmo local onde os mortos são julgados, em uma antecipação icônica de “O Auto da Compadecida”, que viria a ser escrito cinco anos depois (1955).

Quando, enfim, recobra a consciência, JOÃO tenta se redimir, mas já é tarde demais para se arrepender dos males que causou.








           O texto, mais um primor de dramaturgia, que, a nós, foi legado por ARIANO SUASSUNA, nos leva a reflexões de elevada relevância: Até que ponto o homem se vende, para conseguir o que quer? Qual é o mínimo para ser feliz? O que você seria capaz de fazer, para conquistar os bens materiais que deseja? Como e por que o homem consegue “pisar” no seu semelhante, humilhando-o, desrespeitando-o, para alcançar o poder e usufruir deste? Para responder a essas perguntas, não podemos deixar de olhar ao nosso redor e ver quão hodierno é o tema geral da peça. Basta que nos lembremos das vis atitudes dos políticos brasileiros, se não todos, a esmagadora maioria, quando, diariamente, nos chegam, via todas as mídias, notícias das “maracutaias” de que são capazes aqueles “probos senhores”, para garantir proveito próprio, em detrimento do bem-estar da população, para o que teriam de lutar e trabalhar, se honrados e honestos fossem. Predomina o “Toma lá, dá cá!”; o “Farinha pouca, meu pirão primeiro!”, o “Se eu tiver de favorecer um filho meu, por que não fazer?”. É a “política” das “arrumações”, das “armações”, das tramoias, dos trambiques, das decisões tomadas na calada da noite, dos conchavos imorais...






            De acordo com as palavras de INEZ VIANA, as quais endosso totalmente, “SUASSUNA é eterno, atemporal, nunca sairá de moda. A história desta peça é sobre a insana ambição humana, que pode levar o homem a se perder de seus valores mais profundos e a cometer os piores crimes. Infelizmente, é um texto extremamente atual”. Só troco, nessa afirmação, o adjetivo “atual” por sua forma superlativa, “ATUALÍSSIMO”, que acho mais apropriada.




Entre INEZ e SUASSUNA havia uma amizade e uma parceria, que durou 16 anos, até a morte do grande escritor e “intelectual do povo”, e foi graças a ela que consegui chegar até ele. Mas isso não vem ao caso. Só não posso deixar de dizer que serei sempre grato à querida INEZ por aqueles 15 ou 20 minutos de colóquio particular com o grande MESTRE, num evento promovido por ela.




            De início, o espectador que não conheça a obra e o estilo de ARIANO pode encontrar um pouco de dificuldade para entender a história, para o que contribuem, também, todas as soluções, ótimas, diga-se de passagem, encontradas pela direção, para transformar palavras em gestos e ações. Mas isso só dura pouco tempo. Logo, o espectador “toma tento” e caminha, ao lado de JOÃO DA CRUZ, na sua saga, em busca do ambicionado poder, conseguindo decodificar tudo o que vê e ouve em cena.




O autor e a diretora não nos poupam de símbolos, imagens e metáforas, tudo muito bem encadeado, provocando e aguçando o interesse da plateia. Nada, no texto é gratuito; menos, ainda, na encenação. Todos os diálogos são imprescindíveis e convergem para um único objetivo: ilustrar, com uma narrativa, o potencial de corrupção e de ingenuidade a que se submete um ser humano, quando sua ambição atinge o nível da patologia, cegando-o até das humilhações a que é submetido.






            Como em todos os trabalhos de direção, nos demais espetáculos do repertório da Cia. OmondÉ, INEZ VIANA demonstra muita sensibilidade e criatividade, não desperdiçando nada do texto e, ainda, praticamente, acabando por poder ser, até, considerada uma “coautora”, uma vez que, pontual e certeiramente, vai introduzindo elementos que enriquecem a dramaturgia, sem falar na sua capacidade de administrar e direcionar o talento de cada um de seus atores, os da sua companhia. E, aqui, podemos incluir, o ator ANDRÉ SENNA e as atrizes ELISA BARBOSA e TATI LIMA, convidados para esta montagem, com os quais a diretora trabalha pela primeira vez.



(Inez Viana.)







            INEZ sempre nos surpreende, a cada montagem, encontrando, e pondo em prática, ideias simples e geniais, na mesma proporção, como é o caso da utilização do material de cena sobre o qual falarei adiante. Que belos efeitos plásticos e significativos ela consegue com o manuseio desse material!




            O elenco atua da forma mais afinada possível, com um destaque para ZÉ WENDELL, que vive o protagonista, e JUNIOR DANTAS. Aquele, pela importância do personagem, na trama, muitíssimo bem representado pelo ator; este pelo aspecto jocoso como seu personagem se comporta, um toque de leveza e humor ao espetáculo. Mas que fique bem claro que nenhum dos outros seis, do elenco, dá o mínimo motivo para qualquer crítica negativa. Muito pelo contrário!!! Todos deixam suas marcas nas cenas das quais participam.












            Na ficha técnica do espetáculo, não consta o nome de um cenógrafo, mas aparece o de NELLO MARRESE, por uma “consultoria cenográfica”. Não entendi bem o que isso significa, mas, seja lá o que for, devo dizer que a ideia de um palco, praticamente nu, com apenas dois elementos cênicos, concretos, representados por um par de grandes feixes, amontoados, de galhos secos, além de uma considerável quantidade de varas de bambu, espalhadas pelo palco e que, também, servem como material de cena, aos quais me referi, dois parágrafos acima, traduzem bem a aridez do ambiente em que se dão as ações, o agreste nordestino.




São bastante curiosos e criativos os figurinos, de FLAVIO SOUZA, com a utilização de peças simples, do dia a dia, customizadas e combinadas de uma forma lúdica, gerando um interessante efeito visual.




ANA LUZIA DE SIMONI assina uma perfeita iluminação, capaz de preencher, abstratamente, por meio, apenas, de cores e sombras, o vazio do palco, a ausência de elementos cênicos, valorizando os poucos que existem e determinados detalhes de algumas cenas.






Muito próximo ao trabalho INEZ VIANA, correndo de forma paralela a ele – é o que tudo indica – merece ser exaltada a excelente direção de movimento, proposta por DENISE STUTZ, a qual explora bastante o rendimento dos atores em suas expressões corporais.







FICHA TÉCNICA:


Texto: Ariano Suassuna
Direção: Inez Viana
Assistente de Direção: Joel Tavares

Elenco (por ordem alfabética): André Senna (ator convidado), Elisa Barbosa (atriz convidada), Iano Salomão, Junior Dantas, Leonardo Bricio, Luis Antonio Fortes, Tati Lima (atriz convidada) e Zé Wendell

Direção de Movimento: Denise Stutz
Iluminação: Ana Luzia de Simoni
Figurino: Flavio Souza
Consultoria Cenográfica: Nello Marrese
Cenotécnico: André Salles
Consultoria Musical: Fábio Campos
Assessoria Dramatúrgica: Carlos Newton Jr.
Programação Visual: André Senna
Fotografia, Vídeo e Redes Sociais: Rodrigo Menezes
Assessoria de Imprensa: Paula Catunda e Catharina Rocha
Produção: Eu + Ela Produções Artísticas e Pé de Vento Produções
Direção de Produção: Douglas Resende
Produção Executiva: João Paulo Rodrigues
Diretor de Palco: Mateus Ribeiro
Realização: Cia OmondÉ









SERVIÇO:

Temporada: De 16 de janeiro a 16 fevereiro de 2020.
Dias e Horários: De 5ª feira a sábado, às 19h; domingo, às 18h.
Local:
Teatro Firjan SESI Centro.
Endereço: Rua Graça Aranha, nº 1 – Centro – Rio de Janeiro – RJ.
Informações: (21) 2563-4163.
Capacidade: 350 lugares.
Ingressos: R$40,00 (inteira) e R$20,00 (meia entrada).
Ingressos “on line”: sympla.com.br
Horário de Funcionamento da Bilheteria: De 2ª a 6ª feira, das 11h30min às 19h30min; aos sábados e domingos, quando há espetáculo em cartaz, duas horas antes do seu início.
Classificação Etária: 14 anos.
Duração: 90 minutos.
Gênero: Tragicomédia.








            Como instigação, para uma boa reflexão, tanto para quem já assistiu à peça quanto para os que ainda a verão, julgo interessante transcrever algumas palavras de ARIANO SUASSUNA, em tom de confissão: “Em quase todo o meu TEATRO, um pouco por causa da natureza da sátira, mas também um pouco, parece, por causa da minha formação calvinista, eu passo o tempo todo julgando os outros e a mim mesmo, absolvendo ou condenando os bons e os maus.[...] Talvez, no supra-moralismo do Deus dos Profetas, caibam não só as vítimas, mas os chicotes, as espadas, aqueles que os empunharam e até o chefe de todos eles, o Demônio, cujo papel e cuja missão só Deus pode entender. Em suma, dentro da minha cegueira, o que acho é que Deus, para nós, é um arquejo, uma aspiração...”.




            Mais uma vez, acertou a Cia. OmondÉ na escolha do texto a ser encenado e a na condução da montagem. Ainda que estejamos no início do atual ano teatral, “AUTO DE JOÃO DA CRUZ” tem tudo para ser considerada uma das melhores encenações, da temporada do ano em curso, quando da apuração dos melhores espetáculos DE 2020, o que me leva a recomendar bastante a peça.



 
 (FOTO: Gilberto Bartholo.)

  
(FOTOS: RODRIGO MENEZES.)






E VAMOS AO TEATRO!!!


OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!


A ARTE EDUCA E CONSTRÓI!!!


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