segunda-feira, 23 de agosto de 2021

 

“ELA & EU

– VESPERAL COM CHUVA”

ou

“AI, A SOLIDÃO VAI

ACABAR COMIGO!”

(Dolores Duran)


 

        Ainda temendo, e muito, a pandemia, mesmo correndo os riscos de uma contaminação, por essa terrível variante delta, por saber de todos os cuidados do Teatro PetraGold, seguindo os protocolos impostos, muito corretamente, pelas autoridades sanitárias, e com todos os meus cuidados pessoais, decidi que “precisava” ir aquele Teatro, para assistir a um espetáculo. Era a minha sexta saída nesse sentido, durante esta maldita pandemia. Havia a possibilidade de ter acesso a ele, de casa, via “on-line”, mas eu não poderia perder a oportunidade de ver, mais uma vez, atuando, num palco, uma das grandiosas atrizes da velha geração, dessas que, como o vinho, com o passar do tempo, se valorizam mais ainda.

 

        Refiro-me à DONA SUELY FRANCO (O “DONA” é por conta de como trato as grandes atrizes do TEATRO, de idade mais avançada, como uma homenagem, uma reverência, sejam elas minhas amigas pessoais ou não.), uma das grandes damas do TEATRO BRASILEIRO, uma diva, que sempre mereceu ser aplaudida de pé. E não é diferente neste espetáculo, um solo: “EU & ELA – VESPERAL COM CHUVA”, seu primeiro monólogo, em mais de 60 anos de carreira.

 

        Trata-se de uma adaptação do conto “Vesperal com Chuva”, de Lúcia Benedetti, feita por ROGÉRIA GOMES, idealizadora do projeto, e RÔMULO RODRIGUES. ROGÉRIA ainda é a responsável pela direção do espetáculo, e RÔMULO acumula a função de direção de produção. CLAUDIO LINS faz a supervisão geral da peça e é o responsável por sua direção musical.



 


 

SINOPSE:

 

O espetáculo traz à cena histórias de uma senhora, DONA COTINHA (SUELY FRANCO), a qual, numa tarde chuvosa, ao esperar uma amiga, que não chega nunca (Será que ela existe?), para um "habitual café", relembra, com sensibilidade e humor, passagens felizes, difíceis e engraçadas de sua vida.

 

A peça é uma “colcha de retalhos” da alma humana, um espetáculo delicado, acolhedor e mais que necessário, num tempo em que o ser humano precisa reconectar-se com sua humanidade.

 

 




        O texto é bastante simples, no sentido de “singelo” e, visto superficialmente, não chama muito a atenção do espectador menos atento, aquele que não enxerga as entrelinhas de um texto, qualquer que seja o seu gênero. No TEATRO, os dramaturgos costumam utilizar muito esse recurso de dizer “fora das palavras escritas”, podendo provocar, no espectador, uma sensação de estar diante de uma escrita que pode parecer “bobinha”, “para fazer passar o tempo”, uma “mera distração, entretenimento apenas”. Mas não é assim. Não conheço o conto, mas, é claro, posso falar, e devo, do texto dito pela personagem.

 

        DONA COTINHA não surgiu do nada nem está ali por acaso. E, para justificar essa minha informação, retomo a sinopse, quando diz, no final, que “A peça é uma ‘colcha de retalhos’ da alma humana, um espetáculo delicado, acolhedor e mais que necessário, num tempo em que o ser humano precisa reconectar-se com sua humanidade”. Sim, todos temos nossa porção “DONA COTINHA” e todos vivemos - uns mais, outros menos - o que motiva a personagem a disparar seus “tiros”, em todas as direções. E como se chama essa motivação, ou justificativa, para isso? Uma só palavra define: SOLIDÃO. A personagem não quebra, intencionalmente, a quarta parede, porém faz ameaças disso. Na verdade, ela está sozinha e solitária, que são duas coisas bem distintas. Eu posso estar sozinho, porém não solitário (Só depende de mim.), assim como posso estar cercado de gente, não sozinho, portanto, porém mergulhado numa profunda solidão (Penso que também possa se tratar de uma escolha de minha parte.). Isso para provocar uma reflexão.

 

        DONA COTINHA “pensa alto”, utiliza-se de solilóquios, fala com ela mesma, em qualquer que seja a recordação da vez. Ela, contudo, nos representa. É só prestar atenção às entrelinhas e sair do Teatro disposto a, no mínimo, refletir sobre o que viu e ouviu, e tomar um rumo, na vida. Pode ser ficar estático, permanecer como está, se acha que isso lhe é confortável (DUVIDO!!!), ou escolher uma nova rota para seguir. Tenho certeza de uma coisa: cada um de nós tem, sim, principalmente com relação ao momento que estamos vivendo, sob todos os pontos de vista, que partir para uma reconexão consigo mesmo, praticando a empatia, pois isso será benéfico a toda a Humanidade. Não há outra alternativa. Penso ser a única saída para que o dito ser “humano” não venha a desaparecer da face da Terra, num tempo nem tão distante de agora.

 

        E é DONA COTINHA, com as histórias de sua vida, suas memórias, os sonhos de quando era jovem, seus desencantos, suas fragilidades, suas alegrias, decepções e medos, quem chama a nossa atenção para a necessidade, urgente, da já referida reconexão. E faz tudo isso com muita suavidade, humor e uma pitada de nostalgia.

 

SUELY FRANCO nada mais faz do que “dar vida a um texto sensível, que fala de como o ser humano lida com suas emoções cotidianas”. Esse “nada mais faz” não tem a menor intenção de dizer que se trata de uma tarefa fácil, para qualquer atriz incipiente; muito pelo contrário. O espetáculo só ganha o patamar em que se encontra por conta do grande talento da veterana atriz, a qual “se entrega à personagem, com leveza e imponência...”.



 


“Nunca me convidaram para um monólogo. Quando eu iniciei, não tinha muito isso. O maior desafio está sendo decorar. Representar, para mim, é divertimento puro!” – diz SUELY FRANCO sobre a estreia em seu primeiro monólogo. Para encerrar os comentários sobre o comportamento da atriz, em cena, só preciso dizer que, por acompanhar sua brilhante carreira, há décadas, posso afirmar que seu desempenho é dos melhores que já vi, da parte dela, como não esperaria eu outra coisa. Aplaudi-a de pé e com bastante entusiasmo.

 

Reflexo das dificuldades financeiras por que todos estamos passando, principalmente os corajosos e destemidos, os “da resistência”, que insistem em fazer ARTE, principalmente quando se trata de TEATRO, a montagem é bem “franciscana”, o que não significa dizer que não seja bonita, bem cuidada, com todos os setores funcionando corretamente.

 

    Isso se aplica ao texto, sobre o qual já esgotei minhas observações, e aos demais pilares de sustentação deste solo, começando pela cenografia, assinada por um dos melhores cenógrafos brasileiros: JOSÉ DIAS. DIAS executa seus trabalhos, sempre de forma satisfatória, se tem em mãos um orçamento polpudo, para produções “ricas”, ou se o dinheiro de que pode dispor é pouco, nas “pobres”. Ele consegue, aqui, com sua inteligência e sensibilidade, criar um cenário composto por apenas três peças, que, embora fixadas, quase coladas, no centro do palco, dão a impressão de ocupar todo o espaço cênico disponível. Três móveis de estilo clássico, de outra época, porém atemporais, na minha visão, compondo um ambiente romântico. Uma cadeira de balanço, ao centro; um abajur de pé, à esquerda da cadeira; à direita desta, uma espécie de porta-revistas, ou algo que o valha, de onde a personagem retira alguns poucos objetos de cena, com destaque para um bastidor para bordar, o que ela faz durante boa parte do tempo, enquanto “dá o texto”. No chão, um gigantesco tapete redondo e, acima, uma construção transparente, fazendo as vezes de um teto, muito explorado pela iluminação, esta desenhada por DJALMA AMARAL, num bom trabalho, valorizando bastante algumas cenas, incluindo os efeitos de uma chuva lá fora.

 

        PATRÍCIA MUNIZ acertou no figurino e o mesmo posso dizer sobre VÁLTER ROCHA, o criador de um ótimo visagismo, deixando, os dois, a personagem com uma ótima aparência, apesar de bem idosa. Por alguns momentos, pensei estar diante de uma “Dona Benta”, a avozinha do “Sítio do Pica-Pau Amarelo”.

 

     Ainda colaboram para o bom resultado do espetáculo, RODRIGO PARCIAS, na composição de uma trilha sonora original e na assistência de direção musical; SUELI GUERRA, na direção de movimento/coreografia; e AGNES MENDES, na programação visual, além de outros nomes.  

 


 



 

FICHA TÉCNICA:

 

Inspirado no conto “Vesperal Com Chuva”, de Lúcia Benedetti

Idealização: Rogéria Gomes

Texto: Rogéria Gomes e Rômulo Rodrigues

Direção: Rogéria Gomes

Supervisão Geral: Cláudio Lins

 

Elenco: (DONA) SUELY FRANCO

 

Direção Musical: Cláudio Lins

Assistente de Direção Musical e Trilha Sonora Original: Rodrigo Parcias

Cenografia: José Dias

Figurino: Patrícia Muniz

Iluminação: Djalma Amaral

Visagismo: Válter Rocha

Direção de Produção: Rômulo Rodrigues

Direção de Movimento/Coreografia: Sueli Guerra

Assistente de Coreografia: Marcus Anoli

Fotografia: Luciana Mesquita

Produção Executiva: Rogéria Gomes e Rômulo Rodrigues

Coordenação Administrativa Financeira: Lourisinha Fernandes

Realização: PRAMA COMUNICAÇÃO

 

 

 

 

 


 

SERVIÇO:

 

Temporada: De 07 a 28 de agosto/21

Local: Teatro PetraGold

Endereço: Rua Conde de Bernadotte, 26 - Leblon, Rio de Janeiro

Telefone: (21) 2529-7700

https://www.teatropetragold.com.br

Dias e Horários: Somente aos sábados, às 19h

Classificação: Livre

Duração: 50 minutos

 

TEMPORADA PRESENCIAL E “ON-LINE”, COM TRANSMISSÃO AO VIVO.

 

 


 




        Ver SUELY FRANCO, aos 81 anos de idade, lépida e fagueira, deslocando-se, sozinha, em cena, de lá para cá, daqui para lá, dançando num palco, numa excelente atuação, é, para mim e para todos os que seguirem a minha recomendação de assistir ao espetáculo “ELA & EU – VESPERAL COM CHUVA”, por cinquenta minutos, presencialmente ou via “on-line”, um grande privilégio e uma experiência muito encantadora para os espectadores.

 

 

E VAMOS AO TEATRO,

COM TODOS OS CUIDADOS!!!

 

OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO

 DO BRASIL,

COM TODOS OS CUIDADOS!!! 

 

A ARTE EDUCA E CONSTRÓI, SEMPRE!!!

 

RESISTAMOS, SEMPRE MAIS!!! 

 

COMPARTILHEM ESTE TEXTO,

PARA QUE, JUNTOS,

POSSAMOS DIVULGAR

O QUE HÁ DE MELHOR NO

TEATRO BRASILEIRO!!!




GALERIA PARTICULAR (FOTOS "AFETIVAS E DOMÉSTICAS")



Com a divina SUELY FRANCO.




Com a querida anfitriã, ROGÉRIA GOMES.




Com queridos amigos (da esquerda para a direita: RÔMULO RODRIGUES, JOSÉ DIAS, (DONA) SUELY FRANCO, (SENHOR) EMILIANO QUEIROZ e ROGÉRIA GOMES.



Com esta "entidade": (SENHOR) EMILIANO QUEIROZ



Com o querido amigo JOSÉ DIAS.


 Com a querida amiga ADRIANA GUSMÃO, que sempre nos recebe, com muito carinho e generosidade, no Teatro PetraGold.




Programa da peça (o primeiro que recebi em espetáculos presenciais).






domingo, 15 de agosto de 2021

“MEU FILHO

SÓ ANDA

UM POUCO

MAIS LENTO”

ou

PROTAGONISMO PLURAL

NUMA SÓ OBRA-PRIMA

DE TEATRO.

(TEATRO?)


 


Nunca imaginei que, na tarde de uma terça-feira, às 13h, em plena pandemia de COVID-19, eu estaria, no Centro Cultural OI Futuro, como um dos sete convidados, para um “sessão” (não sei como chamar aquilo) de um “experimento” (A melhor denominação, talvez.), que brotou e cresceu na mente privilegiada de um queridíssimo, e para lá de talentoso amigo, RODRIGO PORTELLA: “MEU FILHO SÓ ANDA UM POUCO MAIS LENTO”, que teve o saudoso ROBERTO GUIMARÃES, que ainda era o gestor daquele local, pouco antes de quando teve início o período de gestação da obra, como grande parceiro (Ele nos deixou, há dois meses, infelizmente, depois de fazer do Centro Cultural OI FUTURO um  dos pontos mais importantes para a arte e a cultura, no Rio de Janeiro e no Brasil, e não chegou a ver a concretização do projeto. Ou será que está vendo, todos os dias? Acredito que sim. Prefiro acreditar, porque isso me faz bem, alivia a minha alma. Tomara que tenha caminhado ao meu lado o tempo todo! Como eu gostava dele!)



Roberto Guimarães (fotógrafo desconhecido).

São apenas sete espectadores por vez, e eu tive a honra e o privilégio de ser o primeiro a conhecer aquele trabalho, o número 01 dos poucos felizardos que sentirão o mesmo prazer que senti. Fui o primeiro a adentrar o labirinto.


Eu, na minha "viagem". (Foto: SS)


Tudo obedece aos maiores critérios e protocolos de proteção, contra a epidemia que nos assola, devidamente impostos pelas autoridades sanitárias, o que me levou a aceitar o convite, como um dos motivos para isso, e, agora, serve de incentivo para que eu indique uma ida àquele espaço, sem nenhum medo ou desconforto.


(Foto: SS)


(Foto: SS)


 (Foto: SS)


        Em toda a proposta, inédita, criativa e instigante, não há nada a ser retirado ou acrescentado. “MEU FILHO SÓ ANDA UM POUCO MAIS LENTO” é uma OBRA-PRIMA.


O elenco (Foto: DB)


        O trabalho foi inspirado na peça “MEU FILHO SÓ ANDA UM POUCO MAIS LENTO”, de IVOR MARTINIĆ, um jovem e talentoso dramaturgo e roteirista croata, de apenas 37 anos, sendo esta sua obra mais notável, cuja montagem, em outros países, já lhe rendeu vários prêmios, incluindo o Prêmio Laurel de Ouro, no MESS Festival, em Sarajevo; o Prêmio da Associação Croata de Artistas Dramáticos; e o Prêmio Marul; todos de Melhor Peça.


 Todos os envolvidos no projeto. (O elenco (Foto: DB)

 

SINOPSE:

O texto explora três gerações de uma família, porém se concentra em um jovem, BRANKO (FELIPE FRAZÃO), o qual vive em uma cadeira de rodas. O relacionamento central é entre um filho e sua mãe, MIA (SIMONE MAZZER), que “tenta manter o ânimo e viver em negação”.

BRANKO está completando 25 anos. Ele tem uma doença degenerativa, que, aos poucos, foi tornando-o dependente de uma cadeira de rodas.  Sua mãe está preparando uma festa de aniversário, enquanto tenta não aceitar que BRANKO não anda mais, que ele “só anda um pouco mais lento”. Estamos diante de uma uma radiografia, poética e bem humorada, das complexas relações de uma família, que tenta seguir em frente, mas parece emperrada em suas próprias memórias, nas quais tropeçam, a todo instante, sem, às vezes, nem perceber. 

 Na verdade, há um grande abismo, não intencional, porém inevitável, entre os dois, filho e mãe, por conta da maneira como cada um encara a condição de impossível mobilidade natural do jovem e a necessidade de BRANKO “caminhar por si só”, ou seja, descobrir como sobreviver, com o fantasma da restrição ao ato de se movimentar normalmente, como qualquer outro ser humano, porém com sua “independência” limitada, que lhe dá a cadeira de rodas. 

Esses problemas se avolumam, tornam-se mais robustos, pelo envolvimento com os demais membros de uma família, que se pode dizer “disfuncional”, e de outros amigos, que deles se aproximam, por algumas contingências.

O mais, o grande peso e o valor dos signos, impostos, por vezes, muito discretamente, por cada um dos personagens, quer pelo texto, quer pelas atitudes e comportamentos, só mesmo assistindo ao trabalho.


       

 



É preciso que se minuciem os detalhes do projeto, que se fale de como se dá, na prática, o lindo e interessante “experimento”. A obra do autor croata, pouco conhecido no Brasil, a peça, foi filmada, integralmente, em cenas internas e externas, tecnicamente de forma perfeita, e, depois, foi dividida em partes, mais ou menos independentes, por RODRIGO PORTELLA, idealizador do projeto, seu roteirista e diretor geral, como cenas com princípio, meio e fim definidos, porém interligadas, exibida aos “estilhaços”, os quais, PORTELLA preferiu chamar de “estilhas”, palavra já existente no nosso léxico, porém de raríssimo uso, um processo de redução de um termo muito comum (estilhaço), aplicado a algo tão inventivo e desafiador, o que seria muito mais próprio mesmo do que o vocábulo de conhecimento de todos. Essas “estilhas” são de extensões diferentes, duram mais ou menos, reproduzidas em 24 telas (grandes monitores, numerados de 1 a 24), que ocupam todo o quarto pavimento do OI FUTURO, em ordem aleatória, formando um labirinto narrativo, no qual o visitante poderá “navegar” livremente, “editando” seu próprio filme. É uma experiência formidável, que experimentarei novamente, o mais breve possível. Todo o trabalho foi executado em cerca de seis meses.



 

Além do magnífico texto, da qualidade da produção, da genialidade do diretor e do incomensurável talento do elenco (SIMONE MAZZER, FELIPE FRAZÃO, ELISA LUCINDA, MARIA ESMERALDA FORTE, CAMILA MOURA, VERÔNICA ROCHA, ANTÔNIO PITANGA, ENRIQUE DÍAZ, LEANDRO SANTANNA e HIPÓLYTO), a questão de “cada um espectador fazer o seu ‘mesmo’ filme”, é o outro grande atrativo, o grande diferencial neste trabalho, que, aqui, sim, podemos dizer que se trata de TEATRO/Cinema, algo completamente diferente do que se vê, de casa, pelas telas, via “streaming”, porque o público vai ao espaço cênico, desloca-se, do conforto de sua casa, sai da sua zona de conforto, parte para um “desconhecido”, e percorre todo um enorme labirinto, de surpresas e deleite.


(Foto: SS)


(Foto: SS)


Não ficaria em paz comigo mesmo, se não dissesse que aplaudiria, bastante, todo o elenco, muito conscientemente, mas deixaria escapar repetidos gritos de “BRAVO!” e “BRAVA” e me levantaria, para ovacionar as impecáveis interpretações de SIMONE MAZZER, FELIPE FRAZÃO, MARIA ESMERALDA FORTE, ELISA LUCINDA, VERÔNICA ROCHA e CAMILA MOURA, que me emocionaram muito e que, de forma quase infantil, ou totalmente, eu diria que me provocaram uma vontade de colocá-los no colo, os personagens (Que isso fique bem claro!), e levá-los para a minha casa. A personagem de LUCINDA nem tanto, assim como a de CAMILA. Não sei se é fraqueza da minha parte ou empatia em excesso, mas eu gosto de, ao sentir pena de um personagem sofrido,  fazer tudo por sua felicidade, como se ele fosse real. E há muitos deles por aí, fora da ficção, andando pelas calçadas...


(Foto: SS)


(Foto: SS)


SIMONE me levou às lágrimas, com sua personagem “polianesca”, que conhece a verdade, sofre muito com ela; mais ainda, porém, por não conseguir convencer BRANKO da sua fantasia, de sua visão “turva” da realidade. O olhar, sem querer ver. Na verdade, MIA criou um mecanismo de defesa, para conseguir lidar com a triste sorte que o destino reservou a seu amado filho. O título da peça é brilhante e cada palavra nele contida parece ter sido escolhida a dedo, principalmente o “...SÓ ANDA UM POUCO MAIS LENTO” (“Mas ele é normal!!!”) Admirável o trabalho de SIMONE!


Simone Mazzer (Foto: DB)


FELIPE! Ah! Como eu gosto do trabalho desse rapaz! Nunca me arrependerei de já tê-lo aplaudido, em montagens anteriores! A cada “big close” ou “close-up” que a câmera lhe dava, no rosto, aproximando-o ao máximo, ampliando-lhe os detalhes, eu conseguia enxergar, no fundo dos seus olhos, de uma expressividade sem limites, um misto de revolta e resignação, de coragem e de medo também, de uma aparente felicidade e uma estampada tristeza. O personagem, riquissimamente valorizado pelo talento do ator, nos cativa e nos tornamos, em pouco tempo, íntimos e “cúmplices” dele, a ponto de acompanhá-lo ao banheiro, para sermos “voyeurs” de seu banho ou de suas necessidades fisiológicas. Tudo isso sem nenhuma apelação, sexual ou escatológica, e considero essas cenas uma ideia genial do diretor, pelo fato de levar as pessoas a conhecer as dificuldades de um paraplégico, que não se vitimiza e tenta levar uma vida sozinho, independente. E que tem seus desejos sexuais, tão próprios da idade. Adorei ver o que eu já sabia: um cadeirante não é um pária, um inútil, que vive à margem da sociedade; ele é um ser humano. E que ser humano lindo é o BRANKO!


Felipe Frazão (Foto: DB)


Tenho dificuldade de expressar a minha admiração, de tão grande que ela é, por ESMERALDA, uma atriz cativante, versátil, da excelente antiga geração, que já vi em papéis os mais diversos possíveis e que, agora, nos brinda com uma avó (VÓ ANA), que sofre de “mal de Alzheimer”, doença progressiva, degenerativa e irreversível, que destrói a memória e outras funções mentais importantes de uma pessoa. Fiz questão de dar um tom meio didático, na descrição da doença, para poder explicar até que ponto um mal pode se tornar um bem, na vida de qualquer um. Sim, é certo que ela vive num outro mundo, dependente dos cuidados dos que a cercam, principalmente da filha MIA, com quem mora, e recebe o maior carinho e cuidado de seu neto BRANKO. Por outro lado, podemos, também, compreender que a sua falta de percepção do real lhe traz um certo conforto, por não tomar conhecimento das dificuldades por que passa a família e, muito menos, de como alguns de seus membros a tratam. Ela é incapaz, por conta do “Alzeheimer”, de enxergar e, muito menos, compreender o drama do neto. A personagem, que aparece muito segurando, de forma bem infantilizada, alguns balões de gás, desses de decoração de festas, por conta de suas características, quase não tem texto, falado, mas preenche todas as cenas de que faz parte, com um silêncio “ouvido no mais alto volume”. Quanta expressividade e talento concentrados numa só atriz!


Maria esmeralda Forte (Foto: DB)


Gosto do trabalho de LUCINDA, num palco, e já assisti a alguns que me agradaram, porém confesso que me deixei enfeitiçar pela construção de sua personagem, tão profunda e séria deve ter sido a sua pesquisa, para sua composição e atuação. Ela é RITA, a outra filha da VÓ ANA, e, consequentemente, irmã de MIA e tia de BRANKO. Diametralmente oposta à irmã, que luta muito, para sobreviver e garantir a subsistência dos que dela dependem, RITA é casada com MICHAEL (ENRIQUE DÍAZ), um comerciante, e vive, completamente “fora da caixinha”. Ela faz parte da ala “rica”, bem-sucedida, da família, e sua afetação e exagerado grau de superficialidade, habitante de uma bolha de supérfluos, fazem dela uma personagem caricaturesca ao extremo. Ela é patética e nos conduz à sensação da dúvida: é para rir ou para chorar? Seu total desinteresse pela família, o desprezo e um proposital despercebimento dos problemas da mãe, da irmã e do sobrinho, principalmente, incomoda-nos, sobremaneira. Eu ri muito com ela, confesso (Mas acho que foi por nervosismo.), porém também senti pena de sua rasa condição, como representante da raça humana. O forte de seu trabalho de atriz se concentra nas caras e bocas que faz, percebidas pelo muitos “closes” que lhe dão, e por uma voz totalmente artificial, de quem faz questão de “arrotar o caviar que come”. (Come? Uma metáfora, apenas.). Merece destaque, no visual da personagem, o excelente trabalho de visagismo e maquiagem, obra de DIEGO NARDES. Brilhante interpretação! 


   

Elisa Lucinda (Foto: DB)


VERÔNICA ROCHA é uma atriz cuja carreira acompanho desde seu início, creio, e não me recordo de nenhum trabalho seu em que tenha deixado a desejar; muito ao contrário, já a aplaudi, com bastante entusiasmo, em algumas das montagens de que participou, entretanto confesso que, desta vez, ela, que dá conta de papéis mais ou menos sérios, interpreta uma SARA encantadora, ingênua, romântica, uma jovem que, a princípio, me deixou um pouco confuso, quanto à sua índole e seu papel naquela trama, entretanto, a cada cena de que ela participava, eu ia descobrindo traços de sua personalidade, muito bem configurados, graças ao talento dessa grande atriz. É comovente a demonstração de amor que ela expressa por BRANKO, o qual não lhe é retribuído por ele; por insegurança psicológica e emocional, talvez. Confesso que, por um pequeno tempo, julguei que houvesse, naquele afeto de SARA um quê de piedade, de comiseração, pelo estado do rapaz, no entanto, o brilho de seus olhos, a doçura de seu sorriso, a sua aura reluzente, quando está próximo a ele e lhe declara seu sentimento não deixam dúvida de que ela o desejava, sim, e muito, como companheiro, o grande amor de sua vida e como amante. Ela via BRANKO como “alguém que andava” e tinha grande afeto e desejo sexual por ele. Muitos aplausos para a querida VERÔNICA!


Verônica Rocha (Foto: DB)



“Last, but not least”, quero realçar o trabalho de uma boa atriz, desconhecida do grande público, uma jovem que eu nunca havia visto atuando, e que já apresenta seu cartão de visitas nesta produção. Guardem seu nome! Não sei como chegou ou foi levada ao elenco desta produção, mas acho que foi uma acertada investida de RODRIGO PORTELLA colocá-la ao lado de consagrados nomes do TEATRO BRASILEIRO. Falo de CAMILA MOURA, DORIS, na história, a irmã mais jovem de BRANKO; uma boa irmã e companheira. CAMILA faz questão de se apresentar como “cria da Maré”, um complexo de favelas, no Rio de Janeiro, onde tenho conhecimento de que há vários núcleos de TEATRO amador de boa qualidade. Ainda é estudante de TEATRO, na Escola Técnica Estadual de Teatro Martins Penna e faz parte da equipe de colaboradores do “Museu da Maré”, onde atua no setor educativo da instituição, como contadora de histórias. Apesar da pouca experiência nos palcos – e este me parece ser seu primeiro trabalho de grande envergadura -, sua dedicação à arte de representar faz com que ela se encaixe, perfeitamente, no papel que representa, neste “experimento”, e o execute de forma discreta, porém marcante. Atualmente, também desenvolve uma pesquisa contínua sobre as narrativas que envolvem seu território, o Complexo de Favelas da Maré.


Camila Moura (Foto: DB)



O espectador pode iniciar sua “viagem” por qualquer número, de 1 a 24, e ir construindo a sua maneira de ver uma mesma história sendo contada, uma vez que, ao final de cada exibição, aparecem duas alternativas, sugerindo o novo passo, para ele seguir, que, em outras palavras, seriam: Se deseja ver “sei lá o quê”, vá para a “estilha” “X”; se quiser ver “outra coisa”, dirija-se à “estilha” “Z”. Qualquer que seja a ordem que o espectador for escolhendo, ele verá, em cerca de duas horas (Eu demorei mais tempo, por conta de só haver sete pessoas no ambiente.), toda a história, observando uma gama incomensurável de detalhes, que não podem ficar imperceptíveis. Uma curiosidade: “São 625 combinações possíveis, para acompanhar a história criada por MARTINIĆ. Dá vontade de ver todos os dias.


Enrique Díaz (Foto: DB)


O criador admirando a sua obra (Foto: DB)


O criador, com seu controle remoto, participando do "experimento". (Foto: DB)

 

Não é possível (Para mim, pelo menos.) escrever uma crítica sobre algo que NÃO É TEATRO, por motivos que, tantas vezes, já expliquei e não vou repeti-los agora, entretanto não pude me furtar a escrever este texto crítico sobre uma obra híbrida, pelo tanto de fantástica que ela é e pelo muito que me emocionou e me arrebatou.


Antônio Pitanga (Foto: DB)


A história, o texto, a dramaturgia, é um elemento que, montado num palco, com as devidas adaptações, teria tudo para conquistar prêmios, embora a obra, naquela adaptação, tenha sido concebida para a o formato como nos é apresentada, motivo pelo qual não será encenada num palco, quando houvesse condições para isso, segundo o que me disse o RODRIGO, quando lhe fiz a pergunta. É, portanto, uma obra, uma “instalação”, que, como um filme, como já que está pronta, pode ser montada, simultaneamente, em várias cidades, mundo afora.


Leandro Santanna (Foto: DB)


Não dá para fazer uma análise técnica, “comme il faut”, dos cenários, dos figurinos, da iluminação, da trilha sonora, da maquiagem, por exemplo, como quando escrevo sobre uma peça de TEATRO, a que assisto presencialmente, entretanto, posso resumir que todos esses elementos técnicos, indispensáveis a qualquer boa montagem teatral, e cinematográfica, foram muito bem executados, pelos mais conceituados profissionais, cada um na sua área, com o acréscimo de outros, que são necessários, exclusivamente, para a produção de um filme. Tudo funciona a contento, mesmo, de verdade; como deveria ser. Meus olhos de lince não acusaram falhas. Isso foi o que eu disse ao RODRIGO PORTELLA, um dos melhores diretores de sua geração, preocupadíssimo com a perfeição, o que muito aprecio num profissional, quando ele, em conversa comigo, ao nos despedirmos, me pediu que lhe dissesse a minha opinião sobre seu trabalho e que eu lhe apontasse em que, ou como, ele poderia torná-lo melhor, o que muito me honrou. E eu, simplesmente, lhe respondi: FAZENDO MAIS NADA. ESTÁ UM TRABALHO PERFEITO. TRATA-SE DE UMA OBRA-PRIMA. E, agora, acrescento, em tom de blague: “SE MELHORAR, ESTRAGA.”.


Hypólito (Foto: DB)


Extraído do “release”, que me foi enviado por STELLA STEPHANY, a quem agradeço por algumas dicas para a redação desta crítica, (JSPONTES – COMUNICAÇÃO – JOÃO PONTES E STELLA STEPHANY): “Definida, pelo diretor, como uma experiência intercênica, a obra poderia ser descrita, apenas, como cinema interativo, se não tivesse o TEATRO no eixo da criação. É uma das poucas atividades cênicas da atualidade em que os atores não estarão presentes, mas o público sim, talvez, marcando uma fase de transição para o retorno aos eventos artísticos presenciais.


(Foto: DB)


Criador e criatura (Foto: DB)


Um outro interessantíssimo detalhe: além do que já foi dito acerca do que é apresentado, no quarto andar do prédio do Centro Cultural OI FUTURO, o visitante terá, ainda, a seu dispor, no quinto andar, uma exposição, com projeções, em dez telas. São dez retratos, em vídeo (retratos animados), dos personagens da peça. Tanto faz começar pelo quarto ou pelo quinto pavimento, mas acho que o melhor é iniciar a sua viagem pelo quarto.


(Foto: DB)


Mais um bom trecho, retirado do já referido “release”: Diante das grandes transformações do mundo contemporâneo, especialmente a partir da pandemia, as artes da cena, principalmente, precisaram se reinventar. As linguagens estão se (con)fundindo em busca de novos caminhos e, possivelmente, este experimento (inter)cênico de RODRIGO PORTELLA, como tantos, hoje, não se enquadre, perfeitamente, em nenhuma das linguagens artísticas que conhecemos. Como o próprio diretor tenta conceituar, talvez esta obra se mova “nas frestas que separam o inseparável, no ‘entre’, no meio, no intervalo, na cola; não como definição, mas como uma perspectiva: intertexto, intermeio, intercena”.


(Foto: DB)

 



FICHA TÉCNICA:


Idealização, roteiro e direção geral: Rodrigo Portella

A partir da peça homônima de Ivor Martinić

Interlocução artística: Júlia Deccache

Fotografia e montagem: Pedro Murad

Coordenação geral do projeto: Cláudia Marques


Elenco / personagem

Simone Mazzer – Mia

Felipe Frazão - Branko

Elisa Lucinda - Rita

Maria Esmeralda Forte – Ana

Camila Moura - Doris

Verônica Rocha – Sara

Antônio Pitanga – Oliver

Enrique Diaz – Michael

Leandro Santanna – Roberto

Hipólyto – Tim


Tradução: 1) De croata para espanhol: Nikolina Židek. 2) de espanhol para português: Celso Curi

Direção de arte: Júlia Deccache

Trilha sonora original: Federico Puppi

Colaboração para a trilha sonora: Marcelo H

Música “Let’s Die Together”: composição de Milla Fernandez e Federico Puppi

Som direto e mixagem: Tiago Picado

Figurino: Valéria Stefan

Visagismo e maquiagem: Diego Nardes

Iluminação: Leandro Barreto

Direção de fotografia aérea: Roberto Tascheri

Assistente de direção: Anaxi Altamiranda

Assistente de câmera: Felipe Carvalho

Assistente de edição: Luiza Castagna

Assistente de iluminação: Wesley Torquato

Assistente de figurino: Mariana Fernandes

Assistente de visagismo e cabeleireiro: Lucas Souza

Camareira: Maria Helena Ferreira

Assessoria de imprensa: JSPontes Comunicação - João Pontes e Stella Stephany

Projeto gráfico: Felipe Braga

Fotos e vídeos / still: Daniel Barboza e Anaxi Studio

Redes sociais: Breno Motta

Tráfego de redes sociais: Gabriela Saboya e Rodrigo Gonzaga

Coordenação técnica (galerias): Hugo da Matta e José Luiz Júnior

Cenotécnico: André Sales

Contrarregra: Márcio Gomes

Pintura de arte: Carla Ferraz

Equipe de montagem de cenário: Jayro Botelho, Renato Darin e Juliana Moreira

Produtor executivo: Rafael Lydio

Produção de “set”: Rogério Garcia

Transporte: Fernanda Prates

Alimentação: Cezarin Sabor e Saúde

Coordenação administrativa / prestação de contas: Fomenta Consultoria

Direção de produção: Cláudia Marques

Realização: Fábrica de Eventos

 

 

(Foto: DB)


(Foto: DB)



 

SERVIÇO:

 

Abertura para convidados: 11 de agosto, a partir das 12h

Visitação: de 12 de agosto a 10 de outubro / 2021

Local: Centro Cultural OI FUTURO (4º e 5º andares) 

Endereço: Rua Dois de Dezembro, nº 63, Flamengo – Rio de Janeiro  

Telefone: (21) 3131-3060 

Horários de visitação: de 4ª feira a domingo (incluindo feriados), das 12h às 13h30min, de 14h às 15h30min e de 16h às 18h 

ENTRADA GRATUITA, mediante agendamento no site https://oifuturo.org.br/agendamentocentrocultural/

Classificação Indicativa: 14 anos

 

 

(Foto: DB)


“MEU FILHO SÓ ANDA UM POUCO MAIS LENTO” tem o patrocínio da OI, do Governo do Estado do Rio de Janeiro, da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa, através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura e Correalização do OI FUTURO.


(Foto: DB)


Faço questão de externar meus agradecimentos, pelo fato de ter sido convidado para uma sessão especialíssima e restrita, antes mesmo da que foi dedicada a convidados, nas pessoas de STELLA STEPHANY e RODRIGO PORTELLA, e, também, deixar o meu “muito obrigado” à CLÁUDIA MARQUES, pela generosa receptividade e assistência que o trio me dedicou e pela maneira e como fui tratado.


Cláudia Marques (Foto: DB)


Todos os registros fotográficos foram feitos por DANIEL BARBOZA (DB) e STELLA STEPHANY (SS), os quais, gentilmente, os cederam a mim, para ilustrar esta crítica.

 









 




FOTOS DE BASTIDORES (DANIEL BARBOZA)
































GALERIA PARTICULAR (FOTO: DANIEL BARBOZA.)





Com o querido amigo Rodrigo Portella, sorrindo, por trás das máscaras.




E VAMOS AO TEATRO, COM TODOS OS CUIDADOS!!!


OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL, COM TODOS OS CUIDADOS!!! 


A ARTE EDUCA E CONSTRÓI, SEMPRE!!!


RESISTAMOS, SEMPRE MAIS!!! 


COMPARTILHEM ESTE TEXTO,

PARA QUE, JUNTOS, POSSAMOS DIVULGAR

O QUE HÁ DE MELHOR NO

TEATRO BRASILEIRO!!!