sexta-feira, 31 de julho de 2015


SANTA
 
 
(PARA QUEM APRECIA A BELEZA ESTÉTICA.)
 
 
 
 
 
 
 
            Aos que se deleitam com a beleza estética, recomendo o espetáculo “SANTA”, em cartaz no Teatro Tom Jobim, dentro do Jardim Botânico, com ÂNGELA VIEIRA e GUILHERME LEME GARCIA, no elenco. 
 
Aos que vão à procura de TEATRO, puro, tradicional, eu não o recomendaria, porque ele, que mistura TEATRO e dança, em proporções diferentes, mais este que aquele, não deve ser considerado um espetáculo teatral.  Também não se trata de uma simples “performance”.  Acho que um neologismo deveria surgir, para denominar esta bela encenação.  Talvez “danceatro”.
 
            Assisti ao espetáculo com uma determinada expectativa, que não se concretizou, porém não me causou nenhuma frustração.  Talvez tenha sido um equívoco de minha parte.
 
            Um espetáculo com dramaturgia de DIOGO LIBERANO já é mais do que suficiente para me atrair a um teatro, uma vez que o considero um dos mais competentes e criativos dramaturgos de sua (novíssima) geração.  Tem apenas 28 anos de idade e muitos excelentes textos já encenados, sucessos de público e de crítica.  Desta vez, porém, acho que faltou texto.  Pelo menos, faltou o suficiente, para que o público pudesse entender a mensagem que o autor desejava passar.  Acho que apenas a dança e os demais movimentos, associados ao pouco texto explícito, não são suficientes para que o público embarque na proposta e entenda o que está vendo.  Ou seria uma deficiência de minha parte?
 
 
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O princípio: juntos.
 
 
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Dois corpos num só.  E as almas?
 
 
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Rompimento?
 
 
            De acordo com o “release” (adaptado) do espetáculo, enviado pela assessoria de imprensa:
 
“Uma mulher, uma casa vazia e suas lembranças.  Esse é o ponto de partida de ‘SANTA’.  Construída através de um processo colaborativo, a peça propõe um cruzamento das diversas linguagens artísticas.  Uma obra em processo, que revela, no seu decorrer, a complexidade humana de lidar com a solidão, com o outro e com o cotidiano, através das palavras e do corpo.  Um poema sensorial em que luz, som, texto, movimento, espacialidade, cenário e figurino se integram, a fim de causar uma experiência sinestésica para o espectador.”
 
Um pouco complexo, para ser entendido, mas fácil de ser sentido, bastando ver o espetáculo.
 
            Lendo a continuação do “release”, fica-se sabendo como uma ideia se tornou concreta, ganhou forma:
 
“Tudo começou por um desejo.  Em 2011, ÂNGELA e GUILHERME criaram e apresentaram o espetáculo ‘O Matador de Santas’, mas a vontade de trabalhar juntos não se saciou aí.  ‘SANTA’ nasce a partir deste novo encontro: dois artistas, que se lançam na criação de um espetáculo com uma proposta de processo desafiante para ambos.  “Queria sair da minha zona de conforto”, diz ÂNGELA VIEIRA.  A ideia de trabalhar com a dança era uma premissa tanto para GUILHERME quanto para ÂNGELA, que foi bailarina profissional, durante quase uma década, no Corpo de Baile do Teatro Municipal.  Convidaram, então, DIOGO LIBERANO, jovem dramaturgo, para escrever o texto, que, por sua vez, convidou GUNNAR e LUAR para completar a equipe, proporcionando um rico encontro de gerações.
 
A solidão foi o mote para o percurso dramatúrgico e cênico de ‘SANTA’, porém uma solidão não vinculada fundamentalmente à ideia de tristeza, abandono ou dor, mas a de agir livremente, como quando ninguém nos vê.  A partir desse sentimento, texto e coreografia foram sendo pensados juntos.  ‘Na construção do solo da ÂNGELA, por exemplo, a tentativa era de transpor, para o movimento, a sensação de uma mulher que, sozinha, repensa seu passado e revisita suas escolhas.  O DIOGO (autor), sempre que visitava a sala de ensaio, pedia para ver o solo e, a partir do que via, gerava modificações no texto que estava escrevendo’, explica LUAR.”
 
 
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Atentem, agora, para o “modus operandi” que deu origem ao espetáculo:
 
“Esse processo colaborativo permeou a peça em todos os âmbitos, desde a luz, passando pelo cenário e direção. ‘Partimos do zero e levantamos hipóteses, sem nos preocupar, ‘a priori’, com um sentido prévio para o que estava sendo feito.  Após algum tempo, acumulamos várias formas, que foram sendo coladas, semelhante a um processo de edição cinematográfica.  Fomos cortando, colando e recombinando a ordem de cada um desses materiais, até chegar a um roteiro que contemplasse nossos desejos estéticos e narrativos’, diz GUNNAR.”
 
E, agora, sobre o objetivo da proposta:
 
“A intenção era de unir todas as linguagens de maneira orgânica, criando uma unicidade. Nesse sentido, o desafio foi trabalhar a dança não como uma linguagem à parte, mas como uma linguagem que, apesar de silenciosa, se integrasse à construção de sentido da cena.  Isto é, o texto não dito, que se materializa na força cênica dos atores, no tom sugerido pela trilha sonora de MARCELLO H e MARCELO VIG; no jogo de sombras e luzes, criado por TOMÁS RIBAS; no figurino de palheta acinzentada e tecidos leves, de RUI CORTEZ; e na imensa instalação cenográfica, idealizada por BIA JUNQUEIRA.  Todos esses elementos, somados, compõem uma única e grande instalação artística, onde público e atores se encontram.  ‘Nas primeiras conversas, alguns desejos e motivações já se colocaram como premissas: amplitude, composições sensoriais,  movimentos.  A partir daí, busquei criar uma dramaturgia espacial de um lugar habitado por memórias, afetos, encontros, despedidas, mudanças e perspectivas.  Uma instalação, onde luz, ar e movimento são agentes desse universo’, explica BIA JUNQUEIRA.
 
 
 
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Guilherme Leme Garcia.
 
 
Em cena, ÂNGELA VIEIRA e GUILHERME LEME GARCIA fazem uma grande ‘performance’, em que interpretam e dançam, para dar vida às recordações dessa mulher, que quer se reinventar, depois da perda de um grande amor.  A palavra ‘SANTA’ remete à ideia de uma mulher sacralizada, imaculada - uma figura que se absteve dos seus próprios desejos, para seguir outro propósito de vida.  No espetáculo, este espaço sacro é justamente onde esta mulher não quer se colocar.  Ela se vê inerte, parada, sozinha, feito santa no altar, por ter tido que abdicar dessa relação, em prol de sua busca interior.  ‘Fui embora porque precisava me encontrar’, diz o texto.  Aqui, ‘SANTA’ é a mulher dona de seus próprios desejos, que quer se lançar no mundo, conhecer pessoas, outros amores, se relacionar, se reinventar; ou seja, quer se profanar.”
 
 
 
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            Depois de tudo isso dito, não há como sentir o espetáculo de outra forma.  Mas ainda prefiro a obra de arte que não precisa ser explicada pelo artista.  O “Estou querendo dizer que...”, ou “A minha intenção é...” não contam muito com a minha simpatia.  Eu deveria ter lido o “release”, antes de ter assistido à encenação.  Não que fosse mudar muito a impressão com que fiquei do que me foi permitido ver, mas poderia me fazer menos “perdido”, durante os 50 ou 60 minutos, mais ou menos, de duração daquele “danceatro”.
 
            Resumindo, acho que o espetáculo, do ponto de vista da magnífica plasticidade e da atuação de ÂNGELA e GUILHERME, é belíssimo.  Um verdadeiro poema plástico!
 
            Contribui, e muito, para esse encantamento o belo e criativo cenário, “clean” e “light”, de BIA JUNQUEIRA, que utilizou, segundo ÂNGELA VIEIRA, em entrevista a uma emissora de TV, 1500 metros (Pensei que fosse mais.) de um plástico leve, translúcido, à semelhança de um papel fino, formando construções, “esculturas”, móveis de incrível beleza.  Na verdade, trata-se de uma instalação cênica, que ocupa todo o desconstruído espaço do Teatro Tom Jobim.  O palco e as cadeiras foram retirados e o público, em quantidade pequena – 92 espectadores apenas – ocupa o espaço, antes, destinado ao palco, ficando toda a área, normalmente, ocupada pela plateia, para a ação, que ainda se estende a uma sala que precede o auditório, num total rompimento com o convencional, um ousado desafio do e para os artistas.  Paradoxalmente, há um grande distanciamento físico, entre atores e público, entretanto todos nos sentimos muito próximos, como se dentro de uma grande bolha.  O trabalho de BIA é um dos mais lindos que já vi em TEATRO, digno de entrar para os anais da cenografia brasileira.  Em função dessa proposta de espaços, torna-se, praticamente, impossível transpor o espetáculo para outro local, a não ser que se reformule toda a proposta espacial.
 
 
Detalhe do cenário.
 
 
            Outro aspecto que contribui para o belíssimo efeito plástico do espetáculo é a linda e corretíssima luz, de um dos melhores profissionais do ramo, TOMÁS RIBAS, que explora mais as luzes “frias”, criando, propositalmente, creio eu, um ambiente de pouca nitidez, refletindo o processo interior, de tentativa de mudança, por parte da personagem de ÂNGELA.  As cenas em que GUILHERME é mais atuante acabam merecendo mais iluminação, já que o personagem parece ser mais lúcido e decidido do que a mulher.
 
 
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Detalhe da luz.
 
 
            A trilha sonora, assinada, a quatro mãos, por MARCELLO H, que também é responsável pela direção musical, e MARCELO VIG, é muito boa, e o grande destaque vai para a canção “Solidão”, cuja letra, vertida, para o português, por Miguel Paiva, e a melodia são belíssimas e embalam o magnífico solo coreográfico de ÂNGELA VIEIRA, soberana, em cena, e em plena forma física, deslizando, com classe e suavidade, num dos mais belos e expressivos momentos do espetáculo.
 
            A ótima coreografia, de LUAR MARIA, também responsável pela direção de movimento, torna-se valorizada por conta dos efeitos produzidos pelo lindo figurino, de RUI CORTEZ, confeccionado com tecidos leves, em tom cinzento, o de ÂNGELA, e preto, o de GUILHERME.
 
 
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Ângela Vieira – solo 1.
 
 
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Ângela Vieira – solo 2.
 
 
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Ângela Vieira – solo 3.
 
 
            GULHERME LEME GARCIA também surpreende, não só como bom ator e diretor (Divide a direção com GUNNAR BORGES.), o que já é sabido, mas também como dançarino (Ou bailarino, como queiram.).  Sem ser profissional da dança, realiza um belo trabalho, tanto fazendo par com ÂNGELA, como no seu momento solo. 
 
 
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Guilherme Leme Garcia – solo 1.
 
 
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Guilherme Leme Garcia – solo 2.
 
 
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Guilherme Leme Garcia – solo 3.
 
 
Muitos espetáculos a que tenho assistido ultimamente fogem aos padrões convencionais de uma montagem, na qual cada um tem uma função definida na sua produção, “cada macaco no seu galho”, e isso tem gerado excelentes resultados.  Há gosto para tudo e espaço para todos.  O tal “espetáculo em processo” ou “espetáculo em processo colaborativo” é uma proposta que já pode ser considerada vitoriosa.  Não é bem o que me representa, mas, aberto a tudo o que possa mexer com a minha emoção e provocar reflexões, recomendo, com as devidas advertências “SANTA”.
 
            Abandone a ideia de assistir a uma “peça de TEATRO” e vá ao Teatro Tom Jobim, para ver “SANTA”, uma bela apresentação de “danceatro”, que fica em cartaz, numa longa temporada (tão raro, ultimamente), até o dia 4 de outubro (2015).  
 
 
 
                    
FICHA TÉCNICA:
 
Elenco: Ângela Vieira e Guilherme Leme Garcia (Antônio Negreiros, em setembro)
 
Dramaturgia: Diogo Liberano
 
Instalação / Cenografia: Bia Junqueira
 
Iluminação: Tomás Ribas
 
Figurino: Rui Cortez
 
Concepção e Direção: Guilherme Leme Garcia
 
Codireção: Gunnar Borges
 
Direção de Movimento e Coreografia: Luar Maria
 
Direção Musical: Marcello H
 
Trilha Sonora: Marcello H e Marcelo Vig
 
Programação Visual: Alexandre de Castro
 
Assessoria de Imprensa: LAGE Assessoria – Fernanda Lacombe
 
Fotos: Dário Jr. Foto e Artes e Pedro Damásio
 
Música “Solidão”: Intérprete – Mart’nália; Versão – Miguel Paiva; Arranjo – Bruce Henry
 
Criação Solo Guilherme / Antônio: Gunnar Borges e Guilherme Leme Garcia
 
Assistente de Cenografia: Zoé Martin-Gousset
 
Assistente de Figurino: Cláudia Sin
 
Assistente de Produção: Pyetro Ribeiro
 
Realização da Cenografia: Zoé Martin-Goussetr e Bruno Jacomino
 
Operação de Luz: Leandro Alves
 
Design e Operação de Som: André Cavalcanti
 
Contrarregra: Pyetro Ribeiro e Thiago Hortala
 
Camareira: Maria Lúcia Belchior
 
Produção Executiva: Maria Albergaria
 
Direção de Produção: Sérgio Saboya
 
 
 
 
 
SERVIÇO:
 
Temporada: Até 4 de outubro (2015).
 
Dias e Horários: Sábado, às 21h, e domingo, às 19h.
 
Teatro Tom Jobim (Endereço: Dentro do Parque Jardim Botânico - R. Jardim Botânico, 1008 - Jardim Botânico, Rio de Janeiro - RJ, 22470-050).
 
Valor do Ingresso: R$40,00 (inteira) R$20,00 (meia).
 
Telefone: (21) 2274-7012.
 
Capacidade: 92 pessoas.
 
Censura: Livre.
 
Tempo: 60 minutos.
 
Horários da bilheteria: Segunda-feira: Não abre.  De terça à quinta-feira: das 14h às 18h (Caso haja espetáculo, aberta até o horário de seu início).  Sexta-feira, sábado e domingo: Das 14h até o horário de início do espetáculo.
Venda também pelo site ingresso.com: 24 horas.
 
 
 
 
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Final.
 
 
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“E la nave va!”
 
 
 
(FOTOS: DÁRIO JR. e PEDRO DAMÁSIO.)