BEIJA-ME
COMO NOS LIVROS
(BELO
ESPETÁCULO PARA ENCERRAR UMA TRILOGIA SOBRE O AMOR.)
Nunca
escondi de ninguém que sou fã incondicional de IVAN SUGAHARA e de seus DEZEQUILIBRADOS,
desde o primeiro trabalho, assinado por ele, a que assisti: “Vida, O Filme”, encenado, à
meia-noite, no saguão de um cinema, em Botafogo. De lá para cá, não deixei de ver nenhum de
seus espetáculos e, quando não os aplaudi de pé, não tive motivos para deixar
de recomendá-los.
O TEATRO é algo mágico, que mexe com as emoções, das mais diversas
formas e em todas as intensidades.
Para
os que esperam assistir a uma peça e entender uma história linear, contada por
ator(es), da maneira mais simples e clara possível, o espetáculo aqui comentado
não é, certamente, o indicado. Mas os
que enxergam, numa encenação teatral, muito mais do que uma boa história, com
princípio, meio e fim, nos moldes tradicionais das narrativas, hão de aplaudir,
de pé, este excelente trabalho, um profundo exercício de representação teatral.
Muita gente não tem o hábito de ler
os programas das peças ou, ao menos, as sinopses, antes de vê-las, preferindo
contar com o fator surpresa. Não faço
parte desse grupo. E acho que a minha
preferência por ler bastante sobre a peça, antes de assistir a ela, deveria ser
seguida por todos os que se propõem a ver “BEIJA-ME
COMO NOS LIVROS”, em cartaz no Teatro
I do Centro Cultural Banco do Brasil (Rio de Janeiro), até 16 de agosto (2015).
Conhecendo a “coragem criativa” de SUGAHARA, sei que sempre posso me
surpreender com alguma nova ideia, alguma proposta inovadora, até
revolucionária, razão pela qual não me surpreendi tanto com o que vi no palco
do Teatro I do CCBB (Rio de Janeiro). Disse “tanto”,
porque, de certa forma, confesso, demorei um pouco a entrar no clima da peça e a
comprar aquela ideia genial.
Por
acaso...
Da
esquerda para a direita: José Karini, Júlio Adrião, Ângela Câmara e Cláudia Mele.
Minueto.
Nem
sempre o que se faz, em TEATRO, é
para se entender. O “sentir”, muitas vezes, fala mais alto. Aqui, este é mais importante que aquele.
É
assim que resolvi iniciar, com estes rabiscos, uma modesta análise sobre o mais
recente, e excelente, espetáculo dirigido pelo IVAN SUGAHARA, cuja originalidade já se inicia na escolha do
título, que poderia ser decodificado como “Aja,
no mundo real, como na fantasia dos escritores”. Ou “Traga,
para o mundo concreto, o abstrato, traduzido em palavras”. Ou, ainda, “Faça-me experimentar, no corpo e na alma, a sensação do amor”...
Trata-se
da terceira peça que a companhia OS
DEZEQUILIBRADOS está apresentando, para fechar, com chave de ouro, uma trilogia
que tem o amor como tema, em
comemoração aos seus 18 anos de existência.
As outras duas, também excelentes, foram “Amores”, de Domingos de
Oliveira, encenada na Sede das Cias,
e “Fala Comigo Como a Chuva e Me Deixa Ouvir”,
espetáculo itinerante, de Tennessee
Williams, que teve a Casa da Glória,
um casarão do século XVIII (1770), como local de encenação, ambas em 2014, as
três dirigidas por IVAN SUGAHARA, um
dos fundadores da companhia, em 1996, com quase duas décadas de reconhecido e
merecido sucesso, e que também assina a dramaturgia deste “BEIJA-ME COMO NOS LIVROS.” Sugiro que leiam, neste blogue, as críticas às
outras duas peças que compõem a trilogia.
No elenco, dois atores da companhia,
desde a sua fundação, os formidáveis JOSÉ
KARIN e ÂNGELA CÂMARA, e dois
ilustres convidados, CLÁUDIA MELE e JÚLIO ADRIÃO, este, pela primeira vez,
no palco, com um espetáculo inédito, após dez anos de sucesso, com seu magnífico
“A Descoberta das Américas”.
Cenas simultâneas.
Erotismo.
Segundo o “release” que me foi encaminhado, feitas algumas adaptações:
“‘BEIJA-ME COMO NOS LIVROS’ procura
retratar o relacionamento amoroso e o seu desenvolvimento ao longo dos tempos,
por meio de uma linguagem cênica criativa, amparada na expressividade corporal
e vocal.
A peça tem como premissa
pensar o amor, não como algo biológico e inerente à natureza humana, conforme
costuma ser visto, mas como mais uma invenção do ser humano, sujeita a
constantes alterações ao sabor das mudanças na política, na religião e na
economia.
É fato que a relação
afetiva entre duas pessoas se modificou profundamente através dos séculos, até
se estabelecer como a entendemos e a praticamos nos dias de hoje.
Para se chegar à concepção
do espetáculo, houve uma profunda pesquisa sobre o tema – o amor -, que começou
na pré-história, quando a palavra ‘amor’
ainda nem existia, mas já se podiam observar traços de um comportamento amoroso
entre os seres humanos.
A partir daí, o grupo
investigou momentos importantes da história do homem ocidental, como a Grécia
Clássica, o Império Romano, a Renascença, o Romantismo, o Século XX, até chegar
aos dias de hoje.
A partir dessa pesquisa,
optou-se por um recorte, que passa por quatro períodos históricos: a Idade
Média, a Renascença, o Iluminismo e o Romantismo.
No meio da Era Medieval,
precisamente no século XII, estabelece-se a prática do amor cortês, praticado
pelos cavaleiros e damas da corte, no qual se verificam as bases do que viria a
ser o amor romântico. A partir daí, o
espetáculo se propõe a atravessar os sete séculos em que se dá a formação do
amor romântico, consolidado no Romantismo, dos séculos XVIII e XIX.
Para estruturar a peça, a
companhia selecionou quatro mitos amorosos, que, em alguma medida, representam
a forma de amar praticada em cada um dos quatro momentos históricos abordados e
também os locais em que essas épocas foram mais expressivas: ‘Tristão e Isolda’, simbolizando o
período medieval inglês; ‘Romeu e
Julieta’, o Renascimento italiano; ‘Dom
Juan’, o Iluminismo francês; e ‘Werther’,
o Romantismo alemão.
Cenas desses mitos se
alternam com uma trama amorosa contemporânea, entre dois casais.
Para contar essa espécie
de História do Amor Romântico, o corpo e a voz são elementos determinantes.
No caso da voz, a
comunicação não se dá por meio do sentido das palavras, mas pela sonoridade da
fala. Criamos um ‘gromelô’, isto é, uma língua
teatral, própria do espetáculo. Ou,
ainda, criamos cinco línguas, uma para cada um dos quatros mitos e outra para a
trama contemporânea.
Para a instrumentalização
do corpo, como elemento fundamental da comunicação, pesquisamos a linguagem da
dança e do cinema mudo. O diálogo com a
linguagem cinematográfica é uma constante nos trabalhos do grupo. Em ‘BEIJA-ME
COMO NOS LIVROS’, assim como já ocorrera em ‘Fala Comigo Como a Chuva e
Me Deixa Ouvir’, investigamos, também, a teatralização de recursos
audiovisuais, como o ‘rewind’, o ‘fast forward’ e a observação de uma mesma cena de
pontos de vista diferentes.
O objetivo final de tudo
foi a construção de uma dramaturgia cênica vigorosa, que mostre como a poética
amorosa se deu em tempos passados, procurando oferecer uma reflexão sobre o
atual estágio de amadurecimento (ou não) das relações afetivas.”
Fazendo a corte.
SINOPSE:
As questões e traições de
dois casais contemporâneos alternam-se com cenas de mitos amorosos, como “Tristão e Isolda”, “Romeu e Julieta”, “Dom Juan” e “Werther”,
evidenciando o fato de que o nosso modo de amar é uma construção cultural e o
quanto seguimos repetindo padrões pré-estabelecidos.
José Karini e Cláudia Mele.
Apesar
de ser um excelente espetáculo, não o considero o melhor da já referida
trilogia, a despeito de cada uma delas apresentar um diferencial marcante,
estético ou de outra ordem, o que torna difícil a tarefa de compará-las, mesmo
que um elemento comum – o amor –
permeie as três.
Aqui,
parece-me que o foco central da encenação concentra-se na brilhante atuação do
quarteto de atores, na valorização de uma linguagem inventada, numa perfeita
harmonia entre dois balés: o dos sons e o dos movimentos corporais, fruto de um
extenuante trabalho de pesquisa e criação, que consumiu nove meses de ensaios,
com um destaque para RICARDO GÓES,
na direção vocal e pesquisa fonética, e DUDA MAIA, na direção de movimento e preparação
corporal, além, é claro, de toda a criatividade da direção.
Não sei se
seria exagero afirmar estarmos diante de uma tripla direção, tão importantes são os trabalhos de RICARDO e DUDA. Com relação a esta,
não tenho a menor dúvida de que foi o melhor trabalho de corpo que já vi em
toda a minha trajetória teatral, digno de premiação. O que os atores conseguem comunicar pelos
sinais expressos pelo corpo, pela sincronia dos gestos, pela precisão das
marcações é algo digno de todos os elogios, fruto do brilhante trabalho da DUDA.
Júlio, Ângela e Cláudia.
Cláudia, Júlio e Karini.
Desnecessário
é falar que, mais uma vez, IVAN SUGAHARA
demonstra muita sensibilidade e talento na direção
de um espetáculo. Falar de amor, sem cair no lugar comum e acabar
numa parceria com o trivial, o corriqueiro, o banal, não é, convenhamos, uma
tarefa muito fácil. Explorar, como tema,
a mola propulsora do ser humano de forma criativa, desafiadora, sem a
preocupação de ser “entendido” pela massa espectadora, já credencia o diretor a
um reconhecimento do público e da crítica, como vem ocorrendo, desde a estreia do
espetáculo.
Para
que a peça pudesse atingir o nível de perfeição como se apresenta no palco,
seria necessária uma dedicação total por parte dos atores, honrando a profissão. Acertou em cheio a direção na escolha do elenco, verdadeiros parceiros no projeto. ÂNGELA, JOSÉ, CLÁUDIA e JÚLIO
mergulharam de cabeça, até a região abissal, para nos brindar com um magnífico
trabalho de interpretação, respondendo, os quatro, com sucesso, aos muitos
desafios que a montagem impõe.
Apesar de ser
considerado um drama, o texto apresenta alguns poucos momentos de descontração,
dando oportunidade ao quarteto de atores de mostrar sua habilidade em provocar
risos. Sem nenhum destaque, os quatro
dividem o mesmo pódio, o mais alto de todos.
O
bom cenário, de ANDRÉ SANCHES, é muito simples e interessante, adequando-se, os
elementos de cena (cama, mesas e cadeiras), aos diversos ambientes,
independentemente das épocas retratadas.
Detalhe do cenário.
RENATO MACHADO, outro grande parceiro dOS DEZEQUILIBRADOS, faz um bom trabalho
na iluminação, alternando
intensidade de luz e cores, que valorizam cada cena.
Os
figurinos de BRUNO PERLATTO são bonitos, criativos e variam, de acordo com as
diferentes épocas, além de serem práticos, para facilitar as muitas trocas de
roupa, em espaços curtos de tempo.
Detalhe do figurino.
Por
várias vezes, SUGAHARA assina as
trilhas sonoras de seus espetáculos, sempre com muito bom gosto e
precisão. Não está sendo diferente neste
espetáculo.
Assisti
ao espetáculo em meados de junho, durante o evento “Cena Brasil Internacional”, no próprio CCBB, antes de o espetáculo estrear oficialmente, entrando em
temporada. Gostei muito, fiquei bastante
tocado pelo trabalho que me foi dado conhecer, entretanto o diretor e o elenco me convidaram a revê-lo, passado algum tempo após aquele
dia, alegando “não estar ainda totalmente
pronto”. Aceitei o convite e ratifiquei
uma opinião já formada, quando da primeira vez em que assisti à peça: são
profissionais do maior gabarito, perfeccionistas, que sempre estão achando que
podem melhorar o que já está bom. Isso é
formidável! Isso se chama profissionalismo e respeito ao público. Mas, cá para nós, o espetáculo já estava
pronto, sim! Prontíssimo!!!
Recomendo,
com todo o meu empenho, “BEIJA-ME COMO
NOS LIVROS”. Mesmo que você não entenda
o que os atores estão falando, as suas palavras, aquele “idioma”, certamente,
haverá de se emocionar com o sentimento que eles passam e se tornará seus cúmplices.
O patético, no bom sentido, da cena final.
FICHA TÉCNICA:
Direção
e Dramaturgia: Ivan Sugahara
Elenco:
Ângela Câmara, Cláudia Mele, José Karini e Júlio Adrião
Assistência
de Direção: Lívia Paiva
Direção
de Movimento e Preparação Corporal: Duda Maia
Direção
Vocal e Pesquisa Fonética: Ricardo Góes
Dramaturgismo:
Juliana Pamplona
Criação
Dramatúrgica: Ângela Câmara, Cláudia Mele, Ivan Sugahara, José Karini, Júlio
Adrião e Lívia Paiva
Cenário:
André Sanches
Iluminação:
Renato Machado
Figurino:
Bruno Perlatto
Trilha
Sonora: Ivan Sugahara
Assessoria
de Imprensa: Daniella Cavalcanti
Programação
Visual: Luciano Cian
Fotografia:
Dalton Valério
Coordenação
de Produção: Tárik Puggina
Direção
de Produção: Carla Torrez Azevedo
Produção
Executiva: Aline Mohamad e Marcelo Chaffim
Administração
Financeira: Amanda Cezarina
Realização:
Os Dezequilibrados e Nevaxca Produções
Cenas concomitantes, que se complementam.
Ângela, Júlio e Karini.
SERVIÇO:
Temporada: Até 16 de agosto de 2015.
Dias e Horários: De 4ª feira a domingo, às
19h.
Local: Teatro I do Centro Cultural Banco do
Brasil (Rua Primeiro de Março, 66, Centro – Rio de Janeiro).
Informações: 3808-2020.
Ingresso: R$10,00 (ingteira).
Horário de funcionamento da bilheteria: de
4ª a 2ª feira, das 9h às 21h.
Gênero: Drama.
Duração: 90
minutos.
Capacidade: 175 lugares.
Classificação indicativa: Não recomendado
para menores de 14 anos.
(FOTOS: DALTON
VALÉRIO.)
Fiquei encantada é super tocada com a linguagem cênica, demorei um pouco a engrenar, mas depois que me deixei levar pelo coração entendi todos os idiomas e amei😘 Sugahara é um gênio 😍
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