segunda-feira, 28 de agosto de 2017


TUBARÕES
 
(“A VIDA É UMA BRUTAL TRANSFORMAÇÃO”.
ou
QUANDO O PASSADO
LÁ DEVERIA TER FICADO.)

 OU NÃO?!)



 

 
            Em final de temporada, na Sala Multiuso do SESC Copacabana, está em cartaz o espetáculo “TUBARÕES”, um texto coletivo, escrito pelos seis atores que compõem o elenco (ALEXANDRE VARELLA, ALONSO ZERBINATO, BEATRIZ BERTU, BIANCA JOY PORTE, CHRISTIAN LANDI e CIRILLO LUNA), além de DANIELA PEREIRA DE CARVALHO e MICHEL BLOIS, este também responsável pela direção da peça.

Quando dez mãos atuam na criação de uma dramaturgia, seria aceitável, até, que se esperasse nebulosidade e falta de transparência, no mínimo, na trama, o que, entretanto, não ocorre neste texto, a não ser um único detalhe, sobre o qual falarei mais tarde, talvez nem tanto enigmático assim.

            O texto conta a história de um trio de amigos inseparáveis, no passado, que se reencontra, vinte anos depois, numa casa onde viveu suas experiências mais marcantes da juventude. Uma sinopse mais ampliada aqui está:








 
SINOPSE:
 
Depois de afastados por vinte anos, os três amigos STELLA (BIANCA JOY PORTE)CÍCERO (CHRISTIAN LANDI) e MURILLO (ALEXANDRE VARELLA) se reencontram, para passar um final de semana em uma casa de praia, onde viveram boa parte da juventude, onde vivenciaram profundas emoções, amores e descobertas.
 
Cada qual seguiu distintos rumos em suas vidas: STELLA é uma advogada poderosa e independente, casada com BERNARDO (ALONSO ZERBINATO)CÍCERO é professor de cinema, homossexual, e mora fora do Brasil, há anos, casado com o biólogo marinho DANIEL (CIRILLO LUNA); MURILLO administra a fortuna que herdou de seu pai e namora CLARISSE (BEATRIZ BERTU), uma menina quase vinte anos mais nova e bastante submissa. 
 
Nesse reencontro, os amigos estão acompanhados de seus atuais cônjuges, que, por sua vez, pouco ou nada conhecem sobre as histórias vividas pelo trio, no passado.
 
O confinamento naquele espaço, repleto de memórias, torna-se um disparador, deflagra sentimentos represados e precipita acontecimentos que transformarão cada um dos seis personagens.
 


 


 


            O detalhe “opaco” que o texto registra, o que, porém, funciona como um excelente exercício para instigar a imaginação do público, é o não esclarecimento, totalmente explícito, do que ocorreu, entre o trio de amigos, no passado, rompendo o cordão que os unia, fazendo com que cada um se afastasse tanto do outro e por que ninguém voltou a procurar ninguém, durante vinte anos, até que STELLA, que conseguira comprar aquela casa, promovesse o encontro dos três, então acompanhados de seus pares, sabendo-se que a verdadeira intenção desse encontro era o desejo de STELLA reencontrar MURILLO.

Há uma cena que sugere (Ou deixaria claro?) ter havido o rompimento pela formação de um triângulo amoroso: STELLA, MURILLO e CÍCERO. Esse detalhe pode parecer óbvio ou não. Os três voltam a se beijar, ardentemente, vinte anos depois. Seria isso suficiente para um rompimento tão drástico e prolongado? O que mais poderia haver além disso?

            A estrutura do texto lembra, bem grosso modo, o confinamento que ocorre em programas do tipo “reality show”, quando, inevitavelmente, a falta de contato com o mundo exterior e a relação dia a dia com as mesmas pessoas representam um caldo de cultura para o desenvolvimento de amor e ódio, medo e desconfiança, intolerância e preconceitos, que acabam desaguando em “impactos, causados pelo transbordamento dos desejos reprimidos e dos projetos de vida frustrados”.

            Não sei se STELLA tinha noção do “tsunâmi” que poderia causar com aquela ideia. Talvez, até, fosse esse o seu real desejo: jogar todas as fichas sobre a mesa e esperar que, dali, saísse um vencedor; ela, de preferência. Um grande ajuste de contas, talvez.
 
 


            Sobre a peça, explica seu diretor, MICHEL BLOIS: “Alguma vez você já foi a Jerusalém? À Chapada dos Veadeiros? À Índia? Fez o caminho de Santiago de Compostela? Ou qualquer outra viagem em que o lugar é capaz de, por si só, te proporcionar transformações? Em ‘TUBARÕES’, uma casa de praia cumpre essa função. Três amigos de adolescência se reencontram, 20 anos depois de terem passado férias nessa mesma casa, e acabam perdendo a noção de realidade, misturando-se com seu passado, suas projeções de futuro e ponderando seus fracassos. Seus respectivos cônjuges, embora sem lembranças com a casa, também se confrontam com as expectativas que tinham e têm sobre si mesmos.”.

            Nada mais do que isso está presente no texto, entretanto esse “nada” não significa que seja “pouco”; muito pelo contrário. Há, por demais, o que ser refletido sobre tudo que o foi dito e vivido, naquele espaço, naquela casa de praia (Praia dos Amigos, se não me equivoco, dito na peça), durante um fim de semana.

            As idiossincrasias se confrontam, quer entre os seis indivíduos, quer entre o próprio grupo, uma vez que o termo se encaixa, perfeitamente, às duas situações: “Idiossincrasia é uma característica de comportamento peculiar de um indivíduo ou de um determinado grupo”.

            O espetáculo é bastante instigante e prende a atenção da plateia, durante seus 80 minutos de duração, ainda que, a meu juízo, pudesse sofrer um pequeno “enxugamento”; não com a supressão de nenhuma cena (todas são imprescindíveis), porém com o encurtamento de alguns diálogos e “bifes”.

            Talvez eu até possa vir, futuramente, a me arrepender de abordar um aspecto, dentro da avaliação deste espetáculo, partindo do seu título, porém, após uma superficial pesquisa sobre os tubarões, resolvi estabelecer algumas comparações e paralelismos, tomando como ponto de partida alguns símiles, para apostar em determinadas metáforas, o que, também, pode não passar de uma grande “viagem” da minha parte. Proporcionou-me, porem, uma grata satisfação ter mergulhado nesse exercício. É, praticamente, óbvio que nada do que eu vou dizer nessas minhas "ilações" passou por perto das cabeças de algum dos oito redatores do texto, menos ainda da direção.
 
 


            A imagem do tubarão é, imediatamente, associada a medo e perigo. Aquele reencontro não escondia o medo das pessoas, pelos desdobramentos que ele poderia causar, com os subsequentes perigos movidos pela experiência.

            “O tubarão, ou cação, é o nome dado, vulgarmente, aos peixes de esqueleto cartilaginoso e um corpo hidrodinâmico. Os primeiros tubarões conhecidos viveram há aproximadamente 400 milhões de anos”. Parece-me haver, nos seis personagens a ausência de um “esqueleto” sólido, forte, resistente, feito de ossos, para sustentar o peso de um passado e de tantas frustrações, dores e arrependimentos. Também, assim como o tempo de surgimento dos tubarões, a realidade da temática de que trata a peça parece quase ter a mesma idade do ser humano na Terra.

            “Os tubarões se diversificaram em, aproximadamente, 375 espécies. E o que dizer das incomensuráveis “espécies” de seres humanos? Ali, cada um dos seis personagens poderia corresponder a uma variedade de tubarão.

            “A maioria dos tubarões é ‘sangue frio’, ou, mais precisamente, poiquilotérmicos, o que significa que a temperatura interna do seu corpo não difere da temperatura de seu ambiente”. “Sangue frio” foi o que não faltou à personagem STELLA, para engendrar aquela situação. Um pouco de “sangue frio” também foi necessário para reprimir, um pouco, de certa forma, as esperadas reações dos demais personagens, diante daquele inusitado encontro.

            “A digestão do tubarão pode levar um longo tempo. A comida se move desde a boca até o estômago, em forma de J, onde é armazenada e a digestão inicial ocorre. Itens indesejados podem nunca passar pelo estômago e, ao invés de o tubarão vomitar, ele vira seu estômago do avesso e ejeta itens indesejados de sua boca”. Mas não é isso o que se vê em cena? Uma “digestão” que durou vinte anos. Os fantasmas do passado, os “corpos estranhos” àquela “digestão” sendo expulsos, pelas bocas dos personagens?

            “O olfato do tubarão é extremamente apurado, permitindo-lhe identificar substâncias bastante diluídas na água, como concentrações de sangue abaixo de uma parte por milhão, o que equivale a perceberem uma gota de sangue a 300m de distância, em pleno oceano. Quando detectam o cheiro de sangue ou de corpos em decomposição, facilmente encontram o local de origem, utilizando principalmente o seu olfato (ou a visão para distâncias inferiores a 30m)”. STELLA é próprio tubarão.

“Alguns cientistas creem que, como muitos outros peixes, os tubarões são míopes, estando a sua visão adaptada apenas para distâncias entre 2 e 3 metros, embora possa ser utilizada para distâncias de até 30m, com um menor grau de definição”. Isso justificaria tanto tempo, para ser enxergada uma certa “necessidade” de um ajuste de contas ou uma definição para os próximos vinte anos de vida de cada personagem.

“Os tubarões podem ser altamente sociais, mantendo-se em grandes grupos. Pode, também, haver hierarquia entre as diferentes espécies. Quando são pressionados, alguns tubarões promulgam um sinal de ameaça, para avisar, ao grupo, da chegada do predador”. Assistam à peça e atentem para esse detalhe!
 
 


            A montagem é bastante interessante, com destaques para a boa direção, de MICHEL BLOIS, assim como a ótima e equilibrada atuação do elenco. Cada ator / atriz conseguiu construir um personagem que não deixa dúvidas quanto à sua estrutura emocional.

ALEXANDRE VARELLA (MURILLO) tem uma ótima atuação, como alguém completamente dividido entre a razão e a emoção. Vive de administrar a herança familiar. O ator sabe aproveitar os momentos em que o texto lhe é favorável.

ALONSO ZERBINATO, como BERNARDO, marido de STELA se apresenta, aparentemente, como meio alienado ao que está acontecendo, entretanto parece apenas fingir isso, talvez porque o faça sofrer menos, diante do que lhe soa muito claro.

BEATRIZ BERTU (CLARISSE) é uma jovem, de aparência frágil, que demonstra ciúmes de MURILLO, bem mais velho que ela, e que parece perceber o jogo de sedução de STELLA. A personagem foi  muito bem contruída pela atriz, com destaque para a sua submissão, em função da pouca idade e por ignorar, até sua chegada à casa, o passado daqueles três amigos.  

BIANCA JOY PORTE (STELLA) tem grandes momentos de atuação, fruto da riqueza de sua personagem e de seu talento de atriz. Convida DANIEL para ficar morando na casa, em princípio, por ter percebido o interesse do rapaz pelo contato com o mar e a possibilidade de poder desenvolver estudos sobre os tubarões, mas é possível se depreender, também, que havia uma outra intenção, pessoal, de interesse pelo marido do amigo CÍCERO.

CHRISTIAN LANDI (CÍCERO), em boa atuação, professor de cinema, havia feito vídeos do tempo em que ele, STELLA e MURILLO eram grandes amigos, na casa, e insiste em mostrá-los aos outros, assim como fazer novos registros de imagens, no que é contrariado pelos cinco. Aparenta ser um tanto “descolado” e à parte da situação, mas, no fundo, é um dos que mais se incomodam com aquele reencontro. Demonstra muito carinho e cuidado para com o marido, Daniel, com quem briga, porém, por este ter aceitado o convite de STELLA.

CIRILLO LUNA (DANIEL) é um biólogo marinho, apaixonado pela vida dos tubarões e que estava muito feliz, por se ver naquele lugar, tão marcado pela presença daqueles animais. É portador do virus HIV, entretanto sabe lidar com a doença e demonstra força, coragem e esperança no futuro. CIRILLO sempre dá conta de seus personagens; aqui, não foge à regra.
 
 


            Para mim, ganhou destaque, nesta montagem, a bela ideia da concepção do cenário (Leia-se ANTÔNIO GUEDES e SANDRO VIEIRA), que se resume à casa de praia, com um jardim ao fundo, e um pouco da própria praia.

A casa não tem paredes e sua configuração é obtida pelo emprego de canos de PVC, traçando os seus contornos. As paredes não existem, intencionalmente, para que o púbico possa estar totalmente ligado ao que se passa dentro dela.
Também se trata de uma casa vazia, oca, não habitada fazia um longo tempo. Ela traz lembranças a todos, mesmo, paradoxalmente, aos que não a conheciam anteriormente. Lembranças do que não se viveu, mas que se pode imaginar.
O espaço físico vazio do seu interior vai sendo, pobremente, preenchido por objetos de cena, trazidos, aos poucos, pelos próprios atores, principalmente provisões, para um final de semana.
Do lado externo da casa, apenas dois sacos de areia, duas cadeiras de praia e tocos de madeira, para a construção cênica do pequeno balneário, impróprio ao banho de mar, em função dos constantes ataques de tubarões. Uma casa de praia que não pode ser utilizada para os seus fins específicos. Um lugar inóspito, para um reencontro de velhos amigos.
 
            Uma prática, atualmente, bem explorada em alguma encenações, é o fato de a luz, aqui assinada por TOMÁS RIBAS, e o som, cuja trilha sonora, criada por ALINE MOHAMAD e CAROLINA GODINHO, serem operados, em cena, pelos próprios atores. Gosto da proposta. Tenho visto, como em “TUBARÕES”, ótimos resultados nesse sentido.

            Os figurinos, de ANTÔNIO GUEDES, não merecem nenhum comentário especial, mas também não apresentam desajustes. Enquadram-se na proposta da peça.


  
 
 

 

 
FICHA TÉCNICA:
 
DramaturgiaDaniela Pereira de Carvalho, Alexandre Varella, Alonso Zerbinato, Beatriz Bertu, Bianca Joy Porte, Christian Landi, Cirillo Luna e Michel Blois
Direção: Michel Blois

Elenco
Alexandre Varella (Murillo), Alonso Zerbinato (Bernardo), Beatriz Bertu (Clarisse), Bianca Joy Porte (Stella), Christian Landi (Cicero) e Cirillo Luna (Daniel)
 
Iluminação: Tomás Ribas
Cenário: Antônio Guedes e Sandro Vieira
Figurinos: Antônio Guedes
Trilha Sonora: Aline Mohamad e Carolina Godinho
Programação Visual, Fotos e Filmagem: Rodrigo Turazzi
Fotos: Camila Koschdoski
Direção de Produção: Luísa Barros
Produção Executiva: Ana Studart
Administração: Amanda Cezarina
Mobilização de Recursos: Marcela Rosário
Mídias Sociais: Rafael Teixeira
Idealização: Christian Landi e Daniela Pereira de Carvalho
Realização: Santo 7 & Cena e SESC Rio
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação - João Pontes e Stella Stephany
 






 



 
SERVIÇO:
 
Temporada: De 11 de agosto a 3 de setembro de 2017.
Local: Sala Multiuso do SESC Copacabana.
Endereço: Rua Domingos Ferreira, 160, Copacabana – Rio de Janeiro.
Telefone: (21) 2547-0156.
Dias e Horários: 6ª feira e sábado, às 19h; domingo, às 18h.
Duração: 80 minutos.
Valor do Ingresso: R$25,00 (inteira), R$12,00 (meia entrada) e R$6,00 (associados do Sesc).
Horário de Funcionamento da Bilheteria: 2ª feira, das 9h às 16h; de 3ª a 6ª feira, das 9h às 21h; aos sábados, das 13h às 21h; aos domingos, das 13h às 20h.
Classificação Indicativa: 14 anos.
Gênero: Drama.
 


 
 

            Um detalhe interessante da direção é a utilização dos tocos de madeira, que, antes, serviam a uma fogueira, para a formação de um esqueleto de tubarão, ao qual é agregada uma cabeça do animal, com um destacado par de mandíbulas e dentes afiados, imagem que tem uma grande importância para o final da trama.
Após uma conversa com MURILLO, um acerto final de contas, STELLA, que o havia proibido de adentrar o mar, naquela praia, por temer ser ele atacado por um tubarão, o que representaria perdê-lo definitivamente, autoriza-o a fazê-lo. É como se ela o libertasse para fazer uso de seu livre arbítrio.
Todos resolvem voltar às suas origens, à exceção de DANIEL, que lá permanece, e a cena final deixa a peça em aberto, quando MURILLO caminha até o esqueleto e para, imóvel, bem perto da cabeça do animal, olhando para aquela "instalação". 
Assistam à peça e tirem suas conclusões!
“TUBARÕES” merece ser visto e discutido, nem tanto pela qualidade do texto, como um todo, mas para reflexões que ele propõe, acerca do que se deve preservar do passado, o quanto isso deve ou não ser valorizado, e da necessidade de novas escolhas, novos caminhos, novas “praias”, e de não temer o que o futuro nos reserva
Quem sabe, dali a mais vinte anos, todos estariam reunidos, naquele mesmo lugar, acompanhados de novos cônjuges, para outros acertos de contas?


 
 

(FOTOS: RODRIGO TURAZZI
e
CAMILA KOSCHDOSKI.)
 
 
 
 

 



 

 

 

 

 

 

 
 
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 
 
 

sexta-feira, 25 de agosto de 2017


NA SELVA DAS CIDADES
– EM OBRAS

 

(BRAVO!

BRAVA!

BRAVI!)

 
 
 


            Assistir a uma peça de TEATRO já é um bom motivo para sair do Recreio dos Bandeirantes e me deslocar até o Centro do Rio de Janeiro (Largo da Carioca), numa noite de 4ª feira. Quando três são os motivos, aí não há o que pensar. E são eles: um texto de BRECHET, uma direção de CIBELE FORJAZ e a atuação da MUNDANA COMPANHIA. Não há como resistir!!!

            Os três elementos, reunidos, estavam gerando, em mim, uma ansiedade e uma curiosidade imensas, para quem estava no exterior, em férias, querendo ver o espetáculo e sabendo que a temporada seria curta. Felizmente, voltei a tempo de me deliciar com o conjunto da obra.

            O título do espetáculo já é extremamente instigante, uma vez que reporta a uma montagem que não poderia ser, apenas, “mais uma”, desse, que é um dos melhores e mais conhecidos textos do grande dramaturgo alemão, que revolucionou o TEATRO moderno, com sua técnica, o seu “TEATRO épico” e a abordagem de temas tão próximos ao homem comum. BRECHET (1898 / 1956) está vivo, entre nós, porque suas obras se tornaram atemporais. A “selva” (de pedra), representada pelas grandes cidades, está aí, para nos sufocar com seus problemas, suas injustiças, suas mentiras, suas explorações, suas corrupções...

            BELTOT BRECHET influenciou, substancialmente, os autores do TEATRO contemporâneo, tornando-se, mundialmente, conhecido e respeitado por seus pares e seguidores. Com seus textos e suas montagens, é considerado um dos dramaturgos fundamentais do século passado – e continua sendo neste – por ter revolucionado a teoria e a prática da dramaturgia e da encenação, mudando, completamente, a função e o sentido social do teatro, usando-o como arma de conscientização e politização.

            Arrisco dizer que todas as suas peças, ainda que escritas há quase um século, são extremamente atuais, e “NA SELVA DAS CIDADES” (“IM DICKICHT STÄDTE”), escrita entre 1921 e 1927, não é uma exceção, se enxergada com olhos do momento atual, por “alinhar exclusão social aos poderes da vida em sociedade”, segundo o ”release” da peça, enviado por MÔNICA RIANI, assessora de imprensa do espetáculo, no Rio de Janeiro.

 



 
 
 



 
SINOPSE:
“NA SELVA DAS CIDADES – EM OBRAS” narra a “luta” entre dois homens, numa metrópole americana, Chicago, e a duração da trama vai de 1912 a 1915.
Nas extremidades dessa “luta”, encontramos dois tipos completamente opostos: um rico comerciante de madeiras malaio, SHLINK (AURY PORTO) e um pobre balconista de uma livraria (sebo), GEORGE GARGA (WASHINGTON LUIZ GONZALES), que migrou com sua família, do campo para a cidade grande, em busca de novas e melhores condições de vida, sonho de qualquer pessoa.
No enredo, não ficam claros os motivos que levam os dois homens ao embate, porém tudo (família, amores, parceiros, amigos, justiça, polícia e negócios) em torno deles vai sendo envolvido, até que a narrativa acaba por englobar toda a cidade.
            É disso que trata o enredo da peça. Ganham foco, no texto, a ambição e o contraste social, numa metrópole; a decadência da moral e da ética.
            SHLINK, sob a mentirosa desculpa de que estaria interessado na compra de livros, vai à já referida livraria e oferece dinheiro ao jovem vendedor, para que este lhe dê sua opinião acerca de um livro de histórias de mistérios. “Quanto vale a sua opinião?”.
            GARGA recusa-se a fazê-lo, alegando que suas opiniões não estariam à venda, reação que já seria esperada por SHLINK, o qual, na verdade, só estava à procura de um motivo para o início da contenda.
Esse diálogo vai gerar uma sucessão de fatos acumulativos e reprováveis, tais como o comerciante e seus comparsas transformarem JANE LERY (papel cuja titular é LUIZA LEMMERTZ, mas que, na sessão a que assisti, foi interpretado por NANA YAZBEK), uma espécie de amante/namorada de GARGA, e a irmã deste, MARIE (LUAH GUIMARÃEZ), em prostitutas, sendo que JANE acaba por se casar com GEORGE, enquanto MARIE desenvolve uma infrutífera paixão por SHLINK, o qual não lhe retribui o amor.
No desenrolar da trama, de forma meio nebulosa, SHLINK transfere seus negócios a GEORGE GARGA, que não consegue se sair bem nas atividades comerciais, envolvendo-se em corrupção, por meio de uma venda dupla de madeiras.
Preso, por três anos, como vingança, durante o tempo passado na cadeia, GEORGE denuncia SHLINK, como o verdadeiro desonesto e planeja que este seja severamente castigado, com um linchamento público, físico e moral.
 



 
 
 
 
O espetáculo recebeu uma indicação ao Prêmio Shell de Teatro, de São Paulo, no ano em curso, na categoria inovação. Deveria, a meu juízo, ter recebido outras indicações, a despeito de eu não ser um profundo conhecedor do universo teatral da capital paulista; assisti, lá, a poucos espetáculos, este ano.
            Foi, entretanto, muito bem feita a indicação na categoria “inovação”, uma vez que todo o processo de construção do espetáculo parece-me inédito, salvo engano, no TEATRO BRASILEIRO.

            CIBELE FORJAZ, de cujo trabalho sou fã incondicional, superou-se, junto com seus magníficos atores, na busca de um caminho para a identificação do espetáculo. Partiram para um laboratório muito mais arrojado; trabalharam em cima de “incursões”. O espetáculo é aquilo que se pode chamar, sem nenhum medo de ser cometido um engano, de um trabalho “coletivo”. Se o TEATRO é uma arte plural, que só se faz em conjunto, coletivamente, “NA SELVA DAS CIDADES – EM OBRAS” é mais que isso; é um trabalho de total doação coletiva, com descobertas constantes e sucessivas, resultando tudo numa belíssima obra-prima do TEATRO BRASILEIRO

O inusitado deste trabalho é que, em cada ocupação, ou seja, a cada nova temporada, ou mesmo um pequeno número de apresentações, num determinado espaço, ou uma única, que seja, o espetáculo é outro, surge uma nova concepção cênica, que irá “depender da relação direta com o espaço ocupado, sua história, economia, política e as várias relações sociais implicadas no trabalho, a cada momento”.

O acréscimo, ao título original, da expressão “EM OBRAS” justifica o projeto. Sempre “EM OBRAS”; nunca concluído. Cada apresentação pode ser considerada uma nova estreia. Que presente para o elenco!!!
 
 
 

E o que significa isso? Simplesmente, “o cenário propõe sempre uma nova intervenção, com novas configurações de luz, vídeo, figurinos e objetos de cena. O trabalho dos atores também não tem marcas fixas, mas regras que determinam a movimentação e o desenho da cena”. E isso é mais que fantástico!!!

A pesquisa para a montagem da peça deu origem a um belíssimo livro, que será um eterno documento desse magnífico projeto. Ele é distribuído, gratuitamente, para escolas e instituições de TEATRO de todo o país. Tive o privilégio de ser agraciado com um exemplar, de mais de trezentas páginas, contendo fotos artísticas e textos brilhantes, de todas as fases do projeto, imersão a imersão. Foram, ao todo, 14 imersões, em pontos distintos de São Paulo, captando elementos para a montagem, e mais quatro meses de ensaios, entre julho e outubro de 2015.

            Fora de São Paulo, é a primeira ocupação do espetáculo no Rio de Janeiro. Esperamos que haja outras.
 
 


            Dos trabalhos da MUNDANA COMPANHIA, já tinha tido o prazer e o privilégio de ter assistido a dois: O Idiota”, uma novela teatral (2010), com sete horas de duração (assisti ao espetáculo três vezes), realizado a partir da obra homônima de Fiódor Dostoievsky, e “O Duelo” (2013), criado a partir da novela de Tchekhov; a primeira também com direção de CIBELE FORJAZ e a segunda sob a direção de Georgette Fadel.


 


 
 
 
 


 
FICHA TÉCNICA:

Equipe Propositora da Ocupação: Aury Porto, Cibele Forjaz e Luiza Lemmertz
 
Texto: Bertolt Brecht
Tradução: Christine Röhrig
Direção / Treinamento Cênico: Cibele Forjaz
Assistente de Direção: Gabriel Máximo
Direção de Cena: Renato Banti 
 
Elenco (por ordem alfabética): Aury Porto – Shlink; Guilherme Calzavara – O Verme; João Bresser – John Garga; Luah Guimarãez – Marie Garga; Luiza Lemmertz – Jane Lary; Mariano Mattos Martins – O Babuíno; Sylvia Prado e Carol Badra (revezando-se) – Mãe Garga; Vinícius Meloni – Skinny e Pat Manky; Washington Luiz Gonzales – George Garga
 
Treinamento Corporal: Lu Favoreto
Treinamento Vocal Interpretativo: Lúcia Gayotto
Arte / Cenografia: Flora Belotti
Assistente de Arte / Cenografia: Júlia Reis
Figurinos: Diogo Costa, Joana Porto e Rogério Pinto
Camareiro: Rogério Pinto
Luz: Alessandra Domingues
Assistência / Operação de Luz: Laiza Menegassi
Criação Musical: Guilherme Calzavara
Músico: Marcelo Castilha
Vídeos:Yghor Boy
Fotos: Renato Mangolin e Yghor Boy
Programação Visual: Mariano Mattos Martins
Assessoria de Imprensa (Rio de Janeiro): Mônica Riani
Manutenção do Site: Yghor Boy
Idealização do Projeto / Coordenação de Produção: Aury Porto
Assistente de Produção: Mariana Oliveira e Lucas Cândido
Produção Executiva: Bia Fonseca
Patrocínio: Caixa Econômica Federal e Governo Federal
 


 





 


Tudo o que eu disser sobre “NA SELVA DAS CIDADES – EM OBRAS” não haverá de descrever, com total precisão, o que esta montagem representa para o TEATRO BRASILEIRO. É para ser visto – e com urgência!!!

Creio que não me resta muito a dizer sobre a altíssima qualidade deste espetáculo, a não ser acrescentar alguns comentários sobre determinados pontos de destaque da peça, a começar pela inventiva e desafiadora direção de CIBELE FORJAZ. Mais palavras sobre seu trabalho tornar-se-iam redundantes.

            A despeito do ótimo funcionamento de todos os elementos técnicos desta montagem, meu destaque vai para a cenografia, extremamente simples e igualmente significativa e funcional. No centro da arena, apenas um tablado, em forma de octógono (ideia genial), que nos reporta, modernamente, ao espaço onde se trava a barbárie das lutas de MMA e, no passado, às arenas romanas, lavadas pelo sangue dos gladiadores ou dos cristãos, vítimas da fúria e fome insaciável de leões. Desse equipamento, abrem-se tampas, de onde saem atores e também são trazidos, ao palco, objetos cênicos; a cada momento, uma surpresa.

Acima do octógono, bem ao centro, quatro aparelhos de TV vão oferecendo, aos espectadores, informações sobre cada quadro da peça, o que facilita muito a compreensão da obra, considerada uma das mais difíceis de assimilação para o grande público, aquele menos informado e/ou que não desenvolveu, ainda, o salutar hábito de assistir, com frequência, a espetáculos teatrais.
 
Também vale destacar o fato de todo o espetáculo ser sublinhado por uma incrível trilha sonora, executada ao vivo ou em gravações. Outro ponto alto do espetáculo.
 
 


            O elenco, na sua totalidade, se comporta de forma irretocável, irrepreensível, num grau de homogeneidade poucas vezes visto num palco, com destaque, por força do protagonismo exigido pelo texto, para AURY PORTO e WASHINGTON LUIZ GONZALES, que, assim como os demais colegas, sempre que estão em cena, atraem a atenção do público, de modo a não permitir que o espetáculo desabe, em nenhum momento. 

 
 



 
 
 
 


 
SERVIÇO:
 
Local: Caixa Cultural Rio de Janeiro – Teatro de Arena.
Endereço: Avenida Almirante Barroso, 25, Centro (Metrô e VLT: Estação Carioca).
Telefone: (21) 3980-3815.
Horário de Funcionamento da Bilheteria: De terça-feira a domingo, das 10h às 20h.
Datas: De 11 a 26 de agosto (de terça-feira a domingo, exceto nas quintas-feiras).
Horários: Terças, quartas e sextas-feiras, às 19h; sábados e domingos, às 18h.
 
OBSERVAÇÃO: ENTRADA FRANCA (Ingressos distribuídos na bilheteria, uma hora antes de cada apresentação).
 
Lotação: 200 lugares (mais 4 para cadeirantes).
Classificação Indicativa: 14 anos.
Acesso para pessoas com deficiência.
Duração: 150 minutos.
 
Assessoria de Imprensa:
Mônica Riani (21) 98898-5575 | 2235-5575
Assessoria de Imprensa da Caixa Cultural Rio de Janeiro (RJ)
(21) 3980-3096 | 4097
www.caixacultural.gov.br | @imprensaCAIXA
 


 




 


            Por último – este recado tem como endereço as pessoas mais velhas – não poderia deixar de dizer que, em que pese a genialidade da montagem do mesmo texto, no seu original, pelo emblemático Teatro Oficina, em 1969, com direção de José Celso Martinez Corrêa, não se deve comparar as duas montagens, que obedeceram a distintas propostas de trabalho.

E quanto vale a sua opinião, meu caro leitor?

 
 
 



(FOTOS: RENATO MANGOLIN

e

YGHOR BOY.)