TUBARÕES
(“A VIDA É UMA BRUTAL TRANSFORMAÇÃO”.
ou
QUANDO O PASSADO
LÁ DEVERIA
TER FICADO.)
OU NÃO?!)
Em
final de temporada, na Sala Multiuso do
SESC Copacabana, está em cartaz o espetáculo “TUBARÕES”, um texto
coletivo, escrito pelos seis atores que compõem o elenco (ALEXANDRE VARELLA, ALONSO ZERBINATO, BEATRIZ BERTU, BIANCA JOY
PORTE, CHRISTIAN LANDI e CIRILLO LUNA), além de DANIELA PEREIRA DE CARVALHO e MICHEL BLOIS, este também responsável
pela direção da peça.
Quando dez
mãos atuam na criação de uma dramaturgia,
seria aceitável, até, que se esperasse nebulosidade e falta de transparência,
no mínimo, na trama, o que, entretanto, não ocorre neste texto, a não ser um único detalhe, sobre o qual falarei mais tarde,
talvez nem tanto enigmático assim.
O texto
conta a história de um trio de amigos inseparáveis, no passado, que se
reencontra, vinte anos depois, numa casa onde viveu suas experiências mais
marcantes da juventude. Uma sinopse
mais ampliada aqui está:
SINOPSE:
Depois de afastados por
vinte anos, os três amigos STELLA
(BIANCA JOY PORTE), CÍCERO
(CHRISTIAN LANDI) e MURILLO
(ALEXANDRE VARELLA) se reencontram, para passar um final de semana em
uma casa de praia, onde viveram boa parte da juventude, onde vivenciaram
profundas emoções, amores e descobertas.
Cada qual seguiu distintos
rumos em suas vidas: STELLA é uma
advogada poderosa e independente, casada com BERNARDO (ALONSO ZERBINATO); CÍCERO é professor de cinema, homossexual, e mora fora do Brasil,
há anos, casado com o biólogo marinho DANIEL
(CIRILLO LUNA); MURILLO
administra a fortuna que herdou de seu pai e namora CLARISSE (BEATRIZ BERTU), uma menina quase vinte anos mais nova e
bastante submissa.
Nesse reencontro, os
amigos estão acompanhados de seus atuais cônjuges, que, por sua vez, pouco ou
nada conhecem sobre as histórias vividas pelo trio, no passado.
O confinamento naquele
espaço, repleto de memórias, torna-se um disparador, deflagra sentimentos
represados e precipita acontecimentos que transformarão cada um dos seis
personagens.
O
detalhe “opaco” que o texto
registra, o que, porém, funciona como um excelente exercício para instigar a
imaginação do público, é o não esclarecimento, totalmente explícito, do que
ocorreu, entre o trio de amigos, no passado, rompendo o cordão que os unia,
fazendo com que cada um se afastasse tanto do outro e por que ninguém voltou a
procurar ninguém, durante vinte anos, até que STELLA, que conseguira comprar aquela casa, promovesse o encontro
dos três, então acompanhados de seus pares, sabendo-se que a verdadeira
intenção desse encontro era o desejo de STELLA
reencontrar MURILLO.
Há uma cena
que sugere (Ou deixaria claro?) ter
havido o rompimento pela formação de um triângulo amoroso: STELLA, MURILLO e CÍCERO. Esse detalhe pode parecer óbvio
ou não. Os três voltam a se beijar, ardentemente, vinte anos depois. Seria isso
suficiente para um rompimento tão drástico e prolongado? O que mais poderia
haver além disso?
A
estrutura do texto lembra, bem
grosso modo, o confinamento que ocorre em programas do tipo “reality show”, quando, inevitavelmente,
a falta de contato com o mundo exterior e a relação dia a dia com as mesmas
pessoas representam um caldo de cultura para o desenvolvimento de amor e ódio,
medo e desconfiança, intolerância e preconceitos, que acabam desaguando em “impactos,
causados pelo transbordamento dos desejos reprimidos e dos projetos de vida
frustrados”.
Não
sei se STELLA tinha noção do “tsunâmi”
que poderia causar com aquela ideia. Talvez, até, fosse esse o seu real desejo:
jogar todas as fichas sobre a mesa e esperar que, dali, saísse um vencedor;
ela, de preferência. Um grande ajuste de contas, talvez.
Sobre
a peça, explica seu diretor, MICHEL BLOIS: “Alguma vez você já foi a Jerusalém? À Chapada dos Veadeiros? À
Índia? Fez o caminho de Santiago de Compostela? Ou qualquer outra viagem em que
o lugar é capaz de, por si só, te proporcionar transformações? Em ‘TUBARÕES’,
uma casa de praia cumpre essa função. Três amigos de adolescência se
reencontram, 20 anos depois de terem passado férias nessa mesma casa, e acabam
perdendo a noção de realidade, misturando-se com seu passado, suas projeções de
futuro e ponderando seus fracassos. Seus respectivos cônjuges, embora sem
lembranças com a casa, também se confrontam com as expectativas que tinham e
têm sobre si mesmos.”.
Nada mais do que isso
está presente no texto, entretanto
esse “nada” não significa que seja “pouco”; muito pelo contrário. Há, por
demais, o que ser refletido sobre tudo que o foi dito e vivido, naquele espaço,
naquela casa de praia (Praia dos Amigos,
se não me equivoco, dito na peça), durante um fim de semana.
As idiossincrasias se
confrontam, quer entre os seis indivíduos, quer entre o próprio grupo, uma vez
que o termo se encaixa, perfeitamente, às duas situações: “Idiossincrasia é
uma característica de comportamento peculiar de
um indivíduo ou de um determinado grupo”.
O espetáculo é bastante instigante e
prende a atenção da plateia, durante seus 80
minutos de duração, ainda que, a meu juízo, pudesse sofrer um pequeno “enxugamento”;
não com a supressão de nenhuma cena (todas são imprescindíveis), porém com o
encurtamento de alguns diálogos e “bifes”.
Talvez eu até possa vir,
futuramente, a me arrepender de abordar um aspecto, dentro da avaliação deste
espetáculo, partindo do seu título, porém, após uma superficial pesquisa sobre
os tubarões, resolvi estabelecer
algumas comparações e paralelismos, tomando como ponto de partida alguns símiles, para apostar em determinadas metáforas, o que, também, pode não passar
de uma grande “viagem” da minha parte. Proporcionou-me, porem, uma grata
satisfação ter mergulhado nesse exercício. É, praticamente, óbvio que nada do que eu vou dizer nessas minhas "ilações" passou por perto das cabeças de algum dos oito redatores do texto, menos ainda da direção.
A imagem do tubarão é, imediatamente, associada a medo e perigo. Aquele
reencontro não escondia o medo das pessoas, pelos desdobramentos que ele
poderia causar, com os subsequentes perigos movidos pela experiência.
“O tubarão, ou cação, é o nome dado, vulgarmente,
aos peixes de esqueleto cartilaginoso e
um corpo hidrodinâmico. Os primeiros tubarões conhecidos viveram
há aproximadamente 400 milhões de anos”. Parece-me haver, nos seis
personagens a ausência de um “esqueleto”
sólido, forte, resistente, feito de ossos, para sustentar o peso de um passado
e de tantas frustrações, dores e arrependimentos. Também, assim como o tempo de
surgimento dos tubarões, a realidade da temática de que trata a peça parece quase
ter a mesma idade do ser humano na Terra.
“Os tubarões se diversificaram em,
aproximadamente, 375 espécies”. E o que dizer
das incomensuráveis “espécies” de
seres humanos? Ali, cada um dos seis personagens poderia corresponder a uma
variedade de tubarão.
“A maioria dos tubarões é ‘sangue frio’, ou,
mais precisamente, poiquilotérmicos, o que significa que a temperatura interna do seu corpo não difere da
temperatura de seu ambiente”. “Sangue
frio” foi o que não faltou à personagem STELLA, para engendrar aquela situação. Um pouco de “sangue frio” também foi necessário
para reprimir, um pouco, de certa forma, as esperadas reações dos demais
personagens, diante daquele inusitado encontro.
“A digestão do tubarão pode levar um longo
tempo. A comida se move desde a boca até o estômago, em forma de J, onde é
armazenada e a digestão inicial ocorre. Itens indesejados podem nunca passar
pelo estômago e, ao invés de o tubarão vomitar, ele vira seu estômago do avesso
e ejeta itens indesejados de sua boca”. Mas não é isso o que se vê em
cena? Uma “digestão” que durou vinte
anos. Os fantasmas do passado, os “corpos
estranhos” àquela “digestão”
sendo expulsos, pelas bocas dos personagens?
“O olfato do
tubarão é extremamente apurado, permitindo-lhe identificar substâncias bastante
diluídas na água, como concentrações de sangue abaixo de uma parte por milhão, o que equivale a perceberem uma
gota de sangue a 300m de distância, em pleno oceano. Quando detectam o cheiro
de sangue ou de corpos em decomposição, facilmente encontram o local de origem,
utilizando principalmente o seu olfato (ou a visão para distâncias inferiores a
30m )”.
STELLA é próprio tubarão.
“Alguns cientistas creem que, como muitos outros peixes, os tubarões
são míopes,
estando a sua visão adaptada apenas para distâncias entre 2 e 3 metros , embora possa ser
utilizada para distâncias de até 30m, com um menor grau de definição”. Isso
justificaria tanto tempo, para ser enxergada uma certa “necessidade” de um
ajuste de contas ou uma definição para os próximos vinte anos de vida de cada
personagem.
“Os tubarões podem ser altamente sociais, mantendo-se em grandes
grupos. Pode, também, haver hierarquia entre as diferentes espécies. Quando são
pressionados, alguns tubarões promulgam um sinal de ameaça, para avisar, ao
grupo, da chegada do predador”. Assistam à peça e atentem para esse
detalhe!
A montagem é bastante interessante,
com destaques para a boa direção, de
MICHEL BLOIS, assim como a ótima e
equilibrada atuação do elenco. Cada ator / atriz conseguiu construir um
personagem que não deixa dúvidas quanto à sua estrutura emocional.
ALEXANDRE VARELLA (MURILLO) tem uma ótima atuação, como alguém completamente
dividido entre a razão e a emoção. Vive de administrar a herança familiar. O
ator sabe aproveitar os momentos em que o texto
lhe é favorável.
ALONSO ZERBINATO, como BERNARDO,
marido de STELA se apresenta,
aparentemente, como meio alienado ao que está acontecendo, entretanto parece
apenas fingir isso, talvez porque o faça sofrer menos, diante do que lhe soa
muito claro.
BEATRIZ BERTU (CLARISSE) é uma jovem, de aparência frágil,
que demonstra ciúmes de MURILLO, bem
mais velho que ela, e que parece perceber o jogo de sedução de STELLA. A personagem foi muito bem contruída pela atriz, com destaque
para a sua submissão, em função da pouca idade e por ignorar, até sua chegada à
casa, o passado daqueles três amigos.
BIANCA JOY PORTE (STELLA) tem grandes momentos de atuação,
fruto da riqueza de sua personagem e de seu talento de atriz. Convida DANIEL para ficar morando na casa, em
princípio, por ter percebido o interesse do rapaz pelo contato com o mar e a
possibilidade de poder desenvolver estudos sobre os tubarões, mas é possível se depreender, também, que havia uma outra
intenção, pessoal, de interesse pelo marido do amigo CÍCERO.
CHRISTIAN LANDI (CÍCERO), em boa atuação, professor de
cinema, havia feito vídeos do tempo em que ele, STELLA e MURILLO eram
grandes amigos, na casa, e insiste em mostrá-los aos outros, assim como fazer novos registros
de imagens, no que é contrariado pelos cinco. Aparenta ser um tanto “descolado” e à
parte da situação, mas, no fundo, é um dos que mais se incomodam com aquele
reencontro. Demonstra muito carinho e cuidado para com o marido, Daniel, com quem briga, porém, por este ter
aceitado o convite de STELLA.
CIRILLO LUNA (DANIEL) é um biólogo marinho, apaixonado
pela vida dos tubarões e que estava muito
feliz, por se ver naquele lugar, tão marcado pela presença daqueles animais. É
portador do virus HIV, entretanto
sabe lidar com a doença e demonstra força, coragem e esperança no futuro. CIRILLO sempre dá conta de seus
personagens; aqui, não foge à regra.
Para mim, ganhou destaque, nesta
montagem, a bela ideia da concepção do cenário
(Leia-se ANTÔNIO GUEDES e SANDRO VIEIRA), que se resume à casa
de praia, com um jardim ao fundo, e um pouco da própria praia.
A casa não tem paredes e sua configuração é obtida pelo emprego de canos
de PVC, traçando os seus contornos. As paredes não existem, intencionalmente,
para que o púbico possa estar totalmente ligado ao que se passa dentro dela.
Também se trata de
uma casa vazia, oca, não habitada fazia um longo tempo. Ela traz lembranças a
todos, mesmo, paradoxalmente, aos que não a conheciam anteriormente. Lembranças
do que não se viveu, mas que se pode imaginar.
O espaço físico
vazio do seu interior vai sendo, pobremente, preenchido por objetos de cena, trazidos,
aos poucos, pelos próprios atores, principalmente provisões, para um final de
semana.
Do lado externo da casa, apenas dois sacos de areia, duas cadeiras de
praia e tocos de madeira, para a construção cênica do pequeno balneário,
impróprio ao banho de mar, em função dos constantes ataques de tubarões. Uma
casa de praia que não pode ser utilizada para os seus fins específicos. Um
lugar inóspito, para um reencontro de velhos amigos.
Uma prática, atualmente, bem
explorada em alguma encenações, é o fato de a luz, aqui assinada por TOMÁS
RIBAS, e o som, cuja trilha sonora, criada por ALINE MOHAMAD e CAROLINA GODINHO, serem operados, em cena,
pelos próprios atores. Gosto da proposta. Tenho visto, como em “TUBARÕES”, ótimos resultados nesse
sentido.
Os figurinos, de ANTÔNIO GUEDES,
não merecem nenhum comentário especial, mas também não apresentam desajustes.
Enquadram-se na proposta da peça.
FICHA TÉCNICA:
Dramaturgia: Daniela Pereira de Carvalho, Alexandre Varella,
Alonso Zerbinato, Beatriz Bertu, Bianca Joy Porte, Christian Landi, Cirillo
Luna e Michel Blois
Direção: Michel Blois
Elenco: Alexandre Varella (Murillo), Alonso Zerbinato (Bernardo), Beatriz Bertu (Clarisse), Bianca Joy Porte (Stella), Christian Landi (Cicero) e Cirillo Luna (Daniel)
Iluminação: Tomás Ribas
Cenário: Antônio Guedes e Sandro Vieira
Figurinos: Antônio Guedes
Trilha Sonora: Aline Mohamad e Carolina Godinho
Trilha Sonora: Aline Mohamad e Carolina Godinho
Programação Visual, Fotos e Filmagem: Rodrigo Turazzi
Fotos: Camila Koschdoski
Direção de Produção: Luísa Barros
Produção Executiva: Ana Studart
Administração: Amanda Cezarina
Mobilização de Recursos: Marcela Rosário
Mídias Sociais: Rafael Teixeira
Idealização: Christian Landi e Daniela Pereira de Carvalho
Realização: Santo 7 & Cena e SESC Rio
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação - João Pontes e Stella Stephany
Administração: Amanda Cezarina
Mobilização de Recursos: Marcela Rosário
Mídias Sociais: Rafael Teixeira
Idealização: Christian Landi e Daniela Pereira de Carvalho
Realização: Santo 7 & Cena e SESC Rio
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação - João Pontes e Stella Stephany
SERVIÇO:
Temporada:
De 11 de agosto a 3 de setembro de 2017.
Local:
Sala Multiuso do SESC Copacabana.
Endereço:
Rua Domingos Ferreira, 160, Copacabana – Rio de Janeiro.
Telefone:
(21) 2547-0156.
Dias
e Horários: 6ª feira e sábado, às 19h; domingo, às 18h.
Duração:
80 minutos.
Valor
do Ingresso: R$25,00 (inteira), R$12,00 (meia entrada) e R$6,00 (associados do
Sesc).
Horário
de Funcionamento da Bilheteria: 2ª feira, das 9h às 16h; de 3ª a 6ª feira, das
9h às 21h; aos sábados, das 13h às 21h; aos domingos, das 13h às 20h.
Classificação
Indicativa: 14 anos.
Gênero:
Drama.
Um
detalhe interessante da direção é a
utilização dos tocos de madeira, que, antes, serviam a uma fogueira, para a formação de um
esqueleto de tubarão, ao qual é agregada uma cabeça do animal, com um destacado
par de mandíbulas e dentes afiados, imagem que tem uma grande importância para
o final da trama.
Após uma conversa
com MURILLO, um acerto final de
contas, STELLA, que o havia proibido
de adentrar o mar, naquela praia, por temer ser ele atacado por um tubarão, o que representaria perdê-lo
definitivamente, autoriza-o a fazê-lo. É como se ela o libertasse para fazer
uso de seu livre arbítrio.
Todos resolvem
voltar às suas origens, à exceção de DANIEL,
que lá permanece, e a cena final deixa a peça em aberto, quando MURILLO caminha até o esqueleto e para,
imóvel, bem perto da cabeça do animal, olhando para aquela "instalação".
Assistam à peça e tirem
suas conclusões!
“TUBARÕES” merece ser visto e
discutido, nem tanto pela qualidade do texto,
como um todo, mas para reflexões que ele propõe, acerca do que se deve
preservar do passado, o quanto isso deve ou não ser valorizado, e da
necessidade de novas escolhas, novos caminhos, novas “praias”, e de não temer o
que o futuro nos reserva
Quem sabe, dali a
mais vinte anos, todos estariam reunidos, naquele mesmo lugar, acompanhados de
novos cônjuges, para outros acertos de contas?
(FOTOS:
RODRIGO TURAZZI
e
CAMILA KOSCHDOSKI.)