quinta-feira, 3 de agosto de 2017


ENTONCES BAILEMOS
 

(DANÇAR É O MELHOR REMÉDIO, PARA ALGUNS MALES.

ou

COMO É POSSÍVEL RIR
DO SÉRIO E DO TRÁGICO.)

 

 

 

            Terminou, no último domingo (31 de agosto de 2017), uma curta e vitoriosa temporada, no SESC Copacabana, de um espetáculo simples, na sua montagem, e, certamente, um dos melhores, até agora, que passaram pelo Rio de Janeiro, neste ano. Felizmente, está de malas prontas para outra casa. Vai estrear a segunda temporada, no próximo sábado, dia 5 de agosto, no Centro Cultural Municipal Sérgio Porto (VER SERVIÇO.).

            De acordo com o “release”, enviado pela assessoria de imprensa - JSPONTES COMUNICAÇÃO (JOÃO PONTES e STELLA STEPHANY), a peça é classificada, quanto ao gênero, como “Teatro Contemporâneo”, o que, antes de ter assistido ao espetáculo pela primeira vez (vi duas; a segunda, no último domingo), me causou uma enorme curiosidade e a maior apreensão, já que, repetidas vezes, me arrependi de ter ido ao Teatro, para assistir a propostas que recebiam a mesma classificação – Teatro Contemporâneo” - e eram incomensuráveis bobagens, apelações, coisas da pior qualidade; tudo em nome de uma (falsa) “arte”. Tudo, menos TEATRO. Na minha visão, pelo menos.

            Fui muito cético, para conferir “ENTONCES BAILEMOS”, um texto do premiadíssimo dramaturgo argentino MARTÍN FLORES CÁRDENAS, que veio ao Brasil, e aqui ficou por quase dois meses, como o fez em outros países, como México e Chile, com o objetivo de dirigir a montagem local, tendo recebido, o seu texto, aqui, uma ótima tradução, de PALOMA VIDAL.

De acordo com o já mencionado “release”, “a peça fala sobre as relações humanas, de amor e sexo e de como ambos deflagram uma ligação estreita entre a dor, o desejo e a agressividade. As histórias, contadas pelos personagens, sobre diferentes formas de amar e se relacionar, são relatos logo reconhecidos pelo público, que poderá se identificar com muitas delas”. Isso é o que mais acontece, a julgar pelos comentários ouvidos, à saída do Teatro. Eu mesmo me vi, direta ou indiretamente, um pouco representado no palco.

 




 

 
SINOPSE:
 
Dois atores e duas atrizes, acompanhados por um músico “cowboy”, narram diferentes histórias de amor e dor, de perdas e ganhos, da solidão e da eterna busca do outro, do ideal e da felicidade.
 
Os relatos são permeados por canções, embaladas por aquele músico e sua guitarra acústica.
 
Histórias que poderão ser compreendidas, por diferentes pontos de vista, pelo público. Anedotas anônimas, sobre memórias de amores frustrados, casais à deriva e relacionamentos à beira do fracasso.
 



 
 
 
 


            O autor/diretor fez questão de que a montagem brasileira fosse exatamente igual à argentina, como também nos outros países em que foi apresentada a peça, em todos os sentidos, mudando, evidentemente, o foco que cada ator local dá às ações de que participa, como nem poderia ser diferente. Para nosso orgulho, porém não sendo nenhuma novidade para mim, disse MARTÍN, num debate, após o espetáculo, na primeira vez em que vi a peça, que os nossos protagonistas "atuam de forma muito parecida com os argentinos" e que "foi muito fácil trabalhar com o ótimo elenco brasileiro".

Que orgulho para nós!!!

Parabéns, GUSTAVO FALCÃO, ELISA PINHEIRO, LEONARDO NETTO e MARINA VIANNA!!!

            O espetáculo nos chega já detentor de vários prêmios, na Argentina e fora dela, por sua indiscutível qualidade.

            Extraído do “release”: A encenação contemporânea usa a narração como um artifício de comunicação com o público e traz a metalinguagem, usando, também, os atores como plateia. Cria-se, assim, espaço para que o olhar do público identifique os personagens de cada narrativa. Embora as palavras destilem ironia e as ações resultantes provoquem o riso, o que é dito e feito em cena não perderá sua crueza”.

            Por ter uma estética minimalista, o espetáculo funciona muito bem em espaços pequenos, com os atores bem próximos à plateia, a qual atua como uma espécie de “voyeur”, quase dentro da cena. Isso gera uma comunicação instantânea e total com o público.
 
 
 
 


            A estrutura dramatúrgica do espetáculo não obedece a uma única trama. Na verdade, são vários esquetes – podemos assim dizer – soltos, sob a forma de narrações e diálogos, sem nenhuma ligação entre si, as histórias, propriamente ditas, a não ser o fato de estarem todas girando em torno dos encontros e desencontros entre homens e mulheres, o complicado universo dos “humanos”.

            Aparentemente (“Aparentemente”, eu disse.), os textos não são tão importantes, ou significativos. Só que não!!! O que está escrito e, portanto, é dito, pelos atores, pode parecer supérfluo, entretanto as mensagens, camufladas, nas entrelinhas, que as frases e ações contêm, são inúmeras, abrindo, ao público, vários tipos de leitura.

            Os personagens – quase todos, à exceção de uma, salvo engano - não têm nomes nem há referências a tempo ou espaço específico. É para expandir mesmo a nossa imaginação, a nossa capacidade de entrar no jogo dos atores/personagens.

            Imagine, por exemplo, a história, contada por GUSTAVO FALCÃO, de um sujeito que, um dia, numa praia, encontra um colega de trabalho, que o convida para ir à sua casa e... (Sem “spoiler”.). Dez anos depois, encontram-se, numa festa de aniversário. Os dois não trabalham mais juntos e aquele mesmo convite é feito, e aceito. E então... (Sem “spoiler”.).

            Se preferir, embarque numa história, contada por ELISA PINHEIRO, que fala de seu encontro com uma amiga (Essa tem nome: JÚLIA.) e elas vão passear de barco, a remo, até que... (Sem “spoiler”.).
 
 
 

            Ninguém está ficando aborrecido, só porque não conto o final das histórias, com a única intenção de provocar o seu interesse em assistir a este excelente espetáculo, não é? Espero que sim!!!

            ELISA e GUSTAVO protagonizam uma cena bizarra, que termina com uma frase: “EU POSSO VIVER SEM VOCÊ”, a qual, dita fora de um contexto, não significa, absolutamente, quase nada, além do sentido que cada palavra encerra, entretanto, como coroamento de uma cena patética, ganha uma força de humor, que provoca risos, em função de uma determinada e sugerida decodificação; mas, também, pode gerar outras. Ótima cena! Por trás do humor, revela-se uma violência doméstica, uma tentativa de subordinar a mulher ao homem.

            As cenas terminam, quase sempre, de forma abrupta e, para não ficar dúvida quanto ao seu encerramento, um dos atores, via de regra, anuncia: “OUTRA!”. É a "senha", a fim de que a plateia se prepare para nova surpresa.

            MARINA VIANNA protagoniza, sozinha, uma cena em que a personagem se revela uma compulsiva do sexo. O interessante do texto dessa cena é o emprego de metáforas, formando uma alegoria, com relação ao funcionamento de um automóvel. Muito inteligente o texto e otimamente representado pela atriz.

            Todos os atores, atuando em solo ou em conjunto, têm seus momentos de brilho.
 
 
O elenco: (da esquerda para a direita):
Leonardo Netto, Elisa pinheiro,
Ricco Viana, Marina Vianna e Gustavo Falcão.


            Há um esquete, dos mais longos, considerando que é curto o tempo de duração de cada um, em que o personagem de LEONARDO NETTO decide ir embora de casa, depois de cinco anos de um casamento fracassado. É o seu momento maior de destaque na peça e uma cena que se pode chamar de tensa, costurada com minúcias, na narração, conduzindo o espectador a um raciocínio, que se desfaz, com o seu término. Aqui, o fator surpresa é bastante interessante. A atitude de tentar romper com o casamento, de propor, a si próprio, uma mudança, saindo de casa, representada pela saída, propriamente dita, e a raspagem da barba, que usava fazia tempo, e o retorno ao “lar”, depois, de barba feita, para surpresa da esposa, é um detalhe que merece a sua atenção, no texto e na cena. Realidade e/ou ficção misturam-se, na narrativa, regada com um pouco de humor ácido, quase negro.






 
            Pense bastante, a respeito de uma narrativa de ELISA, quando fala de um homem que dividiu a cama com a personagem e que a deixou impressionada, pela maneira gentil e humana como a tratava. Ela, ao que tudo indica, é uma prostituta, acostumada a vender o corpo, a não usufruir dos prazeres do sexo e a não ser respeitada.  Poderia, também, ser uma mulher "recatada e do lar", extremamente passiva, até atingir seu limite de tolerância acerca de sua submissão. Atentem para a conclusão da história e se perguntem sobre o porquê da reação da personagem, ao final, não se esquecendo de que os dois personagens são seres “humanos”.

            O “nonsense”, a toda prova, se faz representar por uma cena em que LEONARDO e MARINA discutem a relação, por conta do ciúme doentio dele, um quase masoquismo. O texto é tão bizarro, eles discutem sem sentido, um colocando palavras na boca do outro e intenções que, aparentemente, não existiam, que o público ri, até sem vontade. Essa cena guarda um final inesperado e completamente “fora da ordem”.

            E o que dizer de uma cena, entre GUSTAVO e MARINA, em que o “macho”, diante de uma “fêmea” bêbada, tenta praticar sexo com ela, não conseguindo atingir seu intento, em função do estado etílico da mulher? Praticamente, não há texto verbal. Quase toda a ação se desenvolve por meio de gestos e ações, que fazem lembrar um par de “clowns” – ótimos, por sinal -, ao quais arrancam os maiores aplausos e gargalhadas da plateia. Mas é preciso conter um pouco o riso e tentar entender o que está errado, por trás daquela cena hilária. Função das entrelinhas.
 
 
 
 
 
 
 
 
            E assim sucessivamente...

            Não perderei mais tempo e espaço, para falar do excelente rendimento do quarteto de atores. Todos esbanjam o talento já conhecido e exposto em trabalhos anteriores.

            Também acho desnecessário fazer comentários esmiuçados sobre a magnífica direção de CÁRDENAS.

            Um texto excelente e uma direção idem, a serviço de um ótimo elenco, são capazes de sustentar um espetáculo sem grandes apelos dos chamados elementos técnicos da peça. Assim acontece aqui.

            O cenário, original, de ALICIA LELOUTRE, por exemplo, é simplicíssimo, representado, apenas, por colchões, como se fosse uma cama “box”, dois embaixo, de solteiro, e um, de casal, sobre os dois. Despojamento total.

            A iluminação, também original, assinada por MATIAS SENDÓN, segue a linha da simplicidade, com algumas lâmpadas fluorescentes, dentro de uma caixa retangular, acima dos colchões, luz fria, produzindo, segundo o “release” da peça, “a sensação de uma sala de cirurgia”, e refletores, também de luz branca, de intensidade média, à volta de todo o espaço cênico.

            Os figurinos ganharam uma versão brasileira, de MARCELO OLINTO; simples, roupas do dia a dia, sem maiores intenções, a não ser a de “vestir os nus”.

            Há uma trilha sonora original, de responsabilidade de JULIÁN RODRIGUEZ RONA, que segue a linha da música “country” americana, todas as canções executadas e cantadas, irretocavelmente, por RICCO VIANA, excelente musicista e também compositor, de já tão comprovada capacidade em espetáculos anteriores, aqui aparecendo como um quinto ator do elenco, com ótimas participações.

           





 



FICHA TÉCNICA:
Dramaturgia e Direção: Martín Flores Cárdenas
Tradução: Paloma Vidal
Diretora Assistente: Kika Freire
 
Elenco (por ordem alfabética): Gustavo Falcão, Elisa Pinheiro, Leonardo Netto e Marina Vianna
Músico Convidado: Ricco Viana
 
Figurinos Versão Brasileira: Marcelo Olinto
Cenário Original: Alicia Leloutre
Música Original: Julián Rodriguez Rona
Coreografia Original: Manuel Atwell
Iluminação Original: Matias Sendón
Fotos: Dalton  Valério
Programação Visual: Rico e Renato Vilarouca
Operador de Luz: Aline Operti
Montagem de Luz: Equipe Art Light
Camareira: Sílvia Oliveira
Assessoria Jurídica – CRS Advogados - Paulo Rodrigues
Direção de Produção: Letícia Reis
Assistente de Produção: Thalita Paulino
Idealização: Paulo Cesar Medeiros
Realização: SESC Rio
Assessoria de Imprensa – JSPontes Comunicação - João Pontes e Stella Stephany
 

 
 


 



 
SERVIÇO:
 
Temporada: de 05 a 27 de julho de 2017.
Local: Espaço Cultural Municipal Sérgio Porto.
Endereço: Rua Humaitá, 163 – Humaitá – Rio de Janeiro (Entrada pela Rua Visconde de Silva).
Telefone: (21) 2535-3846.
Dias e Horários: Sábados e 2ªs feiras, às 21h; domingos, às 20h.
Valor do Ingresso: R$40,00 (inteira); R$20,00 (meia entrada); R$15,00 (lista amiga).
Classificação Indicativa: 12 anos.
Duração: 60 minutos.
Gênero: Teatro Contemporâneo.
 

 
 



 

            Sinto-me muito feliz e gratificado, quando assisto a um espetáculo de que gosto e que me faz voltar para a minha casa, refletindo sobre ele, e, até mesmo, por bastante tempo depois.

            "ENTONCES BAILEMOS" é desse tipo: para rir e refletir.

            Reitero que o espetáculo é um dos melhores da atual safra, no Rio de Janeiro, motivo que me leva a recomendá-lo, com o maior empenho, e a homenagear todos os envolvidos no projeto, a começar por PAULO CÉSAR MEDEIROS, seu idealizador, sem o qual não teríamos a oportunidade de conhecer a obra.

 

 



 



(FOTOS: DALTON VALÉRIO.)
 
 
 
 
 
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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