ENTONCES
BAILEMOS
(DANÇAR É O MELHOR REMÉDIO,
PARA ALGUNS MALES.
ou
COMO É POSSÍVEL RIR
DO SÉRIO
E DO TRÁGICO.)
Terminou, no último domingo (31 de agosto de 2017), uma curta e
vitoriosa temporada, no SESC Copacabana,
de um espetáculo simples, na sua montagem, e, certamente, um dos melhores, até
agora, que passaram pelo Rio de Janeiro,
neste ano. Felizmente, está de malas prontas para outra casa. Vai estrear a
segunda temporada, no próximo sábado,
dia 5 de agosto, no Centro Cultural Municipal Sérgio Porto (VER
SERVIÇO.).
De acordo com o “release”, enviado pela assessoria
de imprensa - JSPONTES COMUNICAÇÃO
(JOÃO PONTES e STELLA
STEPHANY), a peça é classificada, quanto ao gênero, como “Teatro Contemporâneo”, o que, antes de
ter assistido ao espetáculo pela primeira vez (vi duas; a segunda, no último
domingo), me causou uma enorme curiosidade e a maior apreensão, já que,
repetidas vezes, me arrependi de ter ido ao Teatro, para assistir a propostas que recebiam a mesma
classificação – Teatro Contemporâneo”
- e eram incomensuráveis bobagens, apelações, coisas da pior qualidade; tudo em
nome de uma (falsa) “arte”. Tudo,
menos TEATRO. Na minha visão, pelo
menos.
Fui muito cético, para conferir “ENTONCES BAILEMOS”, um texto do premiadíssimo dramaturgo argentino MARTÍN FLORES CÁRDENAS, que veio ao Brasil, e aqui ficou por quase dois
meses, como o fez em outros países, como México
e Chile, com o objetivo de dirigir a montagem local, tendo
recebido, o seu texto, aqui, uma
ótima tradução, de PALOMA VIDAL.
De acordo com o já mencionado “release”,
“a
peça fala sobre as relações
humanas, de amor e sexo e de como ambos deflagram uma ligação estreita entre
a dor, o desejo e a agressividade. As histórias, contadas pelos
personagens, sobre diferentes formas de amar e se relacionar, são relatos logo
reconhecidos pelo público, que poderá se identificar com muitas delas”.
Isso é o que mais acontece, a julgar pelos comentários ouvidos, à saída do Teatro. Eu mesmo me vi, direta ou
indiretamente, um pouco representado no palco.
SINOPSE:
Dois atores e duas atrizes, acompanhados por um músico “cowboy”, narram diferentes histórias
de amor e dor, de perdas e ganhos, da solidão e da eterna busca do outro, do
ideal e da felicidade.
Os relatos são permeados
por canções, embaladas por aquele músico e sua guitarra acústica.
Histórias que poderão ser
compreendidas, por diferentes pontos de vista, pelo público. Anedotas anônimas,
sobre memórias de amores frustrados, casais à deriva e relacionamentos à
beira do fracasso.
O
autor/diretor fez questão de que a montagem brasileira fosse exatamente
igual à argentina, como também nos outros países em que foi apresentada a peça, em
todos os sentidos, mudando, evidentemente, o foco que cada ator local dá às
ações de que participa, como nem poderia ser diferente. Para nosso orgulho,
porém não sendo nenhuma novidade para mim, disse MARTÍN, num debate,
após o espetáculo, na primeira vez em que vi a peça, que os nossos
protagonistas "atuam de forma muito parecida com os argentinos" e que "foi muito
fácil trabalhar com o ótimo elenco brasileiro".
Que orgulho para nós!!!
Parabéns, GUSTAVO FALCÃO,
ELISA PINHEIRO, LEONARDO NET TO
e MARINA VIANNA!!!
O
espetáculo nos chega já detentor de vários prêmios, na Argentina e fora
dela, por sua indiscutível qualidade.
Extraído
do “release”: “A
encenação contemporânea usa a narração como um artifício de comunicação
com o público e traz a metalinguagem, usando, também, os atores como plateia.
Cria-se, assim, espaço para que o olhar do público identifique os personagens
de cada narrativa. Embora as palavras destilem ironia e as ações resultantes
provoquem o riso, o que é dito e feito em cena não perderá sua crueza”.
Por ter uma estética minimalista, o espetáculo funciona muito bem em espaços
pequenos, com os atores bem próximos à plateia, a qual atua como uma espécie de
“voyeur”, quase dentro da cena. Isso
gera uma comunicação instantânea e total com o público.
A estrutura dramatúrgica do espetáculo não obedece a uma única trama.
Na verdade, são vários esquetes –
podemos assim dizer – soltos, sob a forma de narrações e diálogos, sem nenhuma
ligação entre si, as histórias, propriamente ditas, a não ser o fato de estarem
todas girando em torno dos encontros e desencontros entre homens e mulheres, o
complicado universo dos “humanos”.
Aparentemente (“Aparentemente”, eu disse.), os textos não são tão importantes, ou significativos. Só que não!!! O que está escrito e,
portanto, é dito, pelos atores, pode parecer supérfluo, entretanto as mensagens,
camufladas, nas entrelinhas, que as frases e ações contêm, são inúmeras, abrindo,
ao público, vários tipos de leitura.
Os personagens – quase todos, à exceção de uma, salvo engano - não têm
nomes nem há referências a tempo ou espaço específico. É para expandir mesmo a
nossa imaginação, a nossa capacidade de entrar no jogo dos atores/personagens.
Imagine, por exemplo, a história,
contada por GUSTAVO FALCÃO, de um
sujeito que, um dia, numa praia, encontra um colega de trabalho, que o convida
para ir à sua casa e... (Sem “spoiler”.).
Dez anos depois, encontram-se, numa festa de aniversário. Os dois não trabalham
mais juntos e aquele mesmo convite é feito, e aceito. E então... (Sem “spoiler”.).
Se preferir, embarque numa história,
contada por ELISA PINHEIRO, que fala
de seu encontro com uma amiga (Essa tem nome: JÚLIA.) e elas vão passear de barco, a remo, até que... (Sem “spoiler”.).
Ninguém está ficando aborrecido, só
porque não conto o final das histórias, com a única intenção de provocar o seu
interesse em assistir a este excelente espetáculo, não é? Espero que sim!!!
ELISA
e GUSTAVO protagonizam uma cena bizarra,
que termina com uma frase: “EU POSSO
VIVER SEM VOCÊ”, a qual, dita fora de um contexto, não significa,
absolutamente, quase nada, além do sentido que cada palavra encerra,
entretanto, como coroamento de uma cena patética, ganha uma força de humor, que
provoca risos, em função de uma determinada e sugerida decodificação; mas,
também, pode gerar outras. Ótima cena! Por trás do humor, revela-se uma
violência doméstica, uma tentativa de subordinar a mulher ao homem.
As cenas terminam, quase sempre, de
forma abrupta e, para não ficar dúvida quanto ao seu encerramento, um dos
atores, via de regra, anuncia: “OUTRA!”. É a "senha", a fim de que a plateia se prepare para nova surpresa.
MARINA
VIANNA protagoniza, sozinha, uma cena em que a personagem se revela uma compulsiva do
sexo. O interessante do texto dessa
cena é o emprego de metáforas,
formando uma alegoria, com relação
ao funcionamento de um automóvel. Muito inteligente o texto e otimamente representado pela atriz.
Todos
os atores, atuando em solo ou em conjunto, têm seus momentos de brilho.
Há
um esquete, dos mais longos, considerando que é curto o tempo de duração de cada
um, em que o personagem de LEONARDO
NET TO decide ir embora de casa, depois de
cinco anos de um casamento fracassado. É o seu momento maior de destaque na
peça e uma cena que se pode chamar de tensa, costurada com minúcias, na
narração, conduzindo o espectador a um raciocínio, que se desfaz, com o seu
término. Aqui, o fator surpresa é bastante interessante. A atitude de tentar
romper com o casamento, de propor, a si próprio, uma mudança, saindo de casa,
representada pela saída, propriamente dita, e a raspagem da barba, que usava
fazia tempo, e o retorno ao “lar”, depois, de barba feita, para surpresa da esposa, é um detalhe que
merece a sua atenção, no texto e na cena.
Realidade e/ou ficção misturam-se, na narrativa, regada com um pouco de humor
ácido, quase negro.
Pense bastante, a respeito de uma
narrativa de ELISA, quando fala de
um homem que dividiu a cama com a personagem e que a deixou impressionada, pela maneira
gentil e humana como a tratava. Ela, ao que tudo indica, é uma
prostituta, acostumada a vender o corpo, a não usufruir dos prazeres do sexo e
a não ser respeitada. Poderia, também, ser uma mulher "recatada e do lar", extremamente passiva, até atingir seu limite de tolerância acerca de sua submissão. Atentem para a
conclusão da história e se perguntem sobre o porquê da reação da personagem, ao
final, não se esquecendo de que os dois personagens são seres “humanos”.
O
“nonsense”, a toda prova, se faz
representar por uma cena em que LEONARDO
e MARINA discutem a relação, por
conta do ciúme doentio dele, um quase masoquismo. O texto é tão bizarro, eles discutem sem sentido, um colocando
palavras na boca do outro e intenções que, aparentemente, não existiam, que o
público ri, até sem vontade. Essa cena guarda um final inesperado e
completamente “fora da ordem”.
E
o que dizer de uma cena, entre GUSTAVO e MARINA, em que o “macho”, diante de
uma “fêmea” bêbada, tenta praticar sexo com ela, não conseguindo atingir seu
intento, em função do estado etílico da mulher? Praticamente, não há texto verbal. Quase toda a ação se
desenvolve por meio de gestos e ações, que fazem lembrar um par de “clowns” – ótimos, por sinal -, ao quais
arrancam os maiores aplausos e gargalhadas da plateia. Mas é preciso conter um
pouco o riso e tentar entender o que está errado, por trás daquela cena hilária.
Função das entrelinhas.
E
assim sucessivamente...
Não
perderei mais tempo e espaço, para falar do excelente rendimento do quarteto de
atores. Todos esbanjam o talento já conhecido e exposto em trabalhos
anteriores.
Também
acho desnecessário fazer comentários esmiuçados sobre a magnífica direção de CÁRDENAS.
Um
texto excelente e uma direção idem, a serviço de um ótimo elenco, são capazes de sustentar um
espetáculo sem grandes apelos dos chamados elementos
técnicos da peça. Assim acontece aqui.
O
cenário, original, de ALICIA LELOUTRE, por exemplo, é simplicíssimo,
representado, apenas, por colchões, como se fosse uma cama “box”, dois embaixo,
de solteiro, e um, de casal, sobre os dois. Despojamento total.
A
iluminação, também original, assinada
por MATIAS SENDÓN, segue a linha da
simplicidade, com algumas lâmpadas fluorescentes, dentro de uma caixa retangular,
acima dos colchões, luz fria, produzindo, segundo o “release” da peça, “a sensação de uma sala de cirurgia”,
e refletores, também de luz branca, de intensidade média, à volta de todo o
espaço cênico.
Os
figurinos ganharam uma versão brasileira, de MARCELO OLINTO; simples, roupas do dia
a dia, sem maiores intenções, a não ser a de “vestir os nus”.
Há
uma trilha sonora original, de
responsabilidade de JULIÁN RODRIGUEZ RONA, que segue a linha da música “country” americana, todas as canções
executadas e cantadas, irretocavelmente, por RICCO VIANA, excelente
musicista e também compositor, de já tão comprovada capacidade em espetáculos
anteriores, aqui aparecendo como um quinto ator do elenco, com ótimas participações.
FICHA TÉCNICA:
Dramaturgia
e Direção: Martín Flores Cárdenas
Tradução: Paloma Vidal
Diretora
Assistente: Kika Freire
Elenco
(por ordem alfabética): Gustavo Falcão,
Elisa Pinheiro, Leonardo Netto e Marina Vianna
Músico
Convidado: Ricco Viana
Figurinos
Versão Brasileira: Marcelo Olinto
Cenário
Original: Alicia Leloutre
Música
Original: Julián Rodriguez Rona
Coreografia
Original: Manuel Atwell
Iluminação
Original: Matias Sendón
Fotos: Dalton Valério
Programação
Visual: Rico e Renato Vilarouca
Operador de Luz: Aline Operti
Montagem de Luz: Equipe Art Light
Camareira: Sílvia Oliveira
Assessoria
Jurídica – CRS Advogados - Paulo
Rodrigues
Direção
de Produção: Letícia Reis
Assistente
de Produção: Thalita Paulino
Idealização: Paulo Cesar Medeiros
Realização: SESC Rio
Assessoria
de Imprensa – JSPontes Comunicação
- João Pontes e Stella Stephany
SERVIÇO:
Temporada: de 05 a 27 de julho de 2017.
Endereço: Rua Humaitá, 163 – Humaitá
– Rio de Janeiro (Entrada pela Rua Visconde de Silva).
Telefone: (21) 2535-3846.
Dias
e Horários: Sábados e 2ªs feiras, às 21h; domingos, às 20h.
Valor
do Ingresso: R$40,00 (inteira); R$20,00 (meia entrada); R$15,00 (lista amiga).
Classificação
Indicativa: 12 anos.
Duração:
60 minutos.
Gênero:
Teatro Contemporâneo.
Sinto-me muito feliz e gratificado, quando assisto a um espetáculo de que gosto e que me faz voltar para a minha casa, refletindo sobre ele, e, até mesmo, por bastante tempo depois.
"ENTONCES BAILEMOS" é desse tipo: para rir e refletir.
Reitero que o espetáculo é um dos melhores da atual safra, no Rio de Janeiro, motivo que me leva a
recomendá-lo, com o maior empenho, e a homenagear todos os envolvidos no
projeto, a começar por PAULO CÉSAR MEDEIROS,
seu idealizador, sem o qual não teríamos
a oportunidade de conhecer a obra.
(FOTOS:
DALTON VALÉRIO.)
Que bom nova temporada.
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