“THE BOYS
IN THE BAND”
(SEMPRE ATUAL
E
INDISPENSÁVEL.)
ou
(PANFLETÁRIO
(?),
ATÉ A PÁGINA
5, TALVEZ;
LIBERTÁRIO, PORÉM,
ATÉ O FINAL.)
Em 1970, houve, no Brasil, a montagem de uma
peça que deu o que falar, na época. Era “Os Rapazes da Banda” (“The
Boys in the Band”, no original.), de certa forma, um marco no Teatro
Brasileiro, por sua ousadia, reunindo alguns dos maiores atores, já
naquela época, e outros que viriam a se tornar nomes consagrados dos palcos e
das telas, alguns, felizmente, ainda em atividade e outros já falecidos: Raul Cortez, Walmor Chagas, John
Herbert, Otávio Augusto, Roberto Maya, Paulo César Pereio, Gésio
Amadeu, Benedito Corsi, Paulo Adário, Antônio Pitanga, Dennis
Carvalho e outros (A peça tem 9 personagens, porém, durante a
longa temporada, houve substituições no elenco, como também ocorreu na montagem em tela.), sob a direção de Maurice
Vaneau, um diretor belga, muito festejado, naquela época, e que fez uma
profícua passagem pelo Brasil. Infelizmente, não pude
assistir àquela encenação, visto que estava em cartaz, de 3ª feira a domingo (Que
saudade de fazer 9 sessões por semana!), no elenco da primeira montagem
de “Hair”,
no Brasil,
outro espetáculo pioneiro, na “arte de subverter a ordem estabelecida”.
Por tratar de um assunto deveras ousado, para os padrões morais da época – a ação se passa durante uma festa que reuniu amigos homossexuais, na qual o anfitrião “presenteia” o aniversariante com um garoto de programa, vestido de "cowboy" –, a primeira montagem da peça, há meio século, escrita pelo dramaturgo norte-americano MART CROWLEY (1935 – 2020), dividiu bastante a opinião pública: os que a amaram e os que a odiaram. A crítica, de uma forma geral, aceitou bem a proposta, mas não faltaram opiniões negativas sobre a encenação.
Estreou, no circuito “off-Broadway”, em 14 de
abril de 1968 e teve uma série de 1.000 apresentações. A
atual encenação brasileira é a terceira, oficial, porque, além da primeira, de 1970,
já mencionada, produzida pelo casal Eva Wilma e John Herbert, no Teatro
Maison de France, Rio de Janeiro (atualmente fechado; mais um)
e, depois, em São Paulo, no Teatro Cacilda Becker, num primeiro
momento, transferida, depois, para o Teatro Oficina, quando Lima
Duarte passou a fazer parte do elenco, no papel de Harold, ainda houve
outra, em 1978, uma versão bastante “underground”, realizada no Café
Teatro Odeon, em São Paulo. Após cada sessão, o
espaço voltava a abrigar a boate “Gay Club”.
Embora, como já disse, não
tivesse, antes, assistido à peça, conhecia a história por ter tido acesso a
dois filmes, duas adaptações do texto original para a telona. O primeiro, no
cinema, produzido em 1970, que fez grande sucesso, e o
segundo, na TV, uma produção da Netflix, de 2020, que vi duas vezes,
recentemente, para ter a certeza de que minha preferência recai sobre a
primeira versão. Achei a segunda bastante “pasteurizada” e comercial.
Há histórias que “caem
bem” em qualquer momento, porque são atemporais e sempre acrescentam
valores positivos ao “establishment”. O texto de “THE BOYS IN THE BAND” (Na primeira montagem,
o título foi, quase literalmente, traduzido para o português – “da”
no lugar de “na”; na atual, foi mantido o título original.) provoca, no espectador,
muitas gargalhadas, por ser uma boa COMÉDIA, entretanto, como “todo
humor é crítico”, também provoca reflexões e emociona, principalmente
ao final da peça (Não darei “spoiler”. Confiram!).
Não
foi só no Brasil que a peça causou um certo “frisson”, em 1970.
Quando estreou, no circuito “off-Broadway”,
dois anos antes, “THE BOYS IN THE BAND” também
desafiou a sociedade norte-americana, tão pudica e recatada, uma vez que, pela “primeira
vez, a experiência de homens homoafetivos aparecia como ponto de partida para a
história de uma peça de TEATRO”. Na verdade, não se trata,
simplesmente, de uma peça, uma COMÉDIA, sobre homossexuais, feita para
provocar o riso, por meio dos estereótipos. Não é para explorar clichês nem
para agredir e fazer críticas ao comportamento dos “gays”, mostrando,
simplesmente, isso; é muito mais: ela se apoia no universo homossexual, no seu
estilo de vida, como qualquer outro, para mostrar mais uma experiência humana
de vida “NORMAL”, “diferente”, válida e que tem
que ser respeitada. Concordo com um consagrado crítico teatral
norte-americano, quando, ao se referir a “THE
BOYS IN THE BAND”, disse que “é uma peça homossexual, não uma peça sobre
homossexualidade”.
Gosto
do texto, muito bem traduzido e adaptado por CAIO EVANGELISTA, que
também integra o elenco. Agrada-me a história, do seu enredo à carpintaria
dramatúrgica. MART CROWLEY, um homem
“gay”
assumido, foi muito corajoso e cirúrgico na escrita de seu texto, porque ele
próprio bem poderia ser qualquer um dos ricos personagens de sua peça e sabia,
com total conhecimento de causa, como percorrer os meandros desse universo tão
covardemente massacrado, até hoje, infelizmente – menos, é verdade, do que há 50
anos – pelo preconceito e a perseguição por parte dos homofóbicos de
plantão. É um texto povoado de referências verbais do universo LGBTQIAP+,
explorando, da primeira a quase a última cena, o humor cáustico, irreverente,
inteligente e, por vezes, até perverso dos personagens. Uma sucessão de “alfinetadas”
hilárias e contundentes, que divertem e também fazem pensar. “A
intenção de CROWLEY, em usar o palco para mudar a visão do público sobre ‘gays’
(e por extensão, lésbicas e bissexuais) não poderia ser mais clara.”.
Concordo, plenamente, com essa frase, que li em algum lugar.
SINOPSE:
A história se passa no decorrer de uma única
noite e gira em torno de um grupo de amigos, todos “gays”, reunidos no
apartamento de Michael (MATEUS
RIBEIRO), na Nova Iorque dos anos 1960, para celebrar o aniversário de
Harold (EDGAR CARDOSO), mas o aniversariante está atrasado, e o que era
para ser uma noite divertida e leve se torna um momento tenso, após a chegada
inesperada do amigo de faculdade de Michael, Alan (CAIO PADUAN), um
homem extremamente heterossexual e conservador.
Por meio do humor exacerbado e de uma grande honestidade, ao retratar seus personagens, “THE BOYS IN THE BAND” versa sobre o peso de se viver uma vida inteira ambígua, “dentro do armário”, e o como o custo disso pode ser tão alto para pessoas homoafetivas, atuando, de forma decisiva e “castradora” no comportamento de cada um que se vê naquela situação.
Julgo oportuno dizer que
a peça foi escrita apenas um ano antes da “Revolta de Stonewall”, “um
momento representativo para a comunidade ‘gay’ e sua luta por direitos básicos”.
Para economizar tempo e espaço, sugiro, para os que não sabem de que se trata,
uma pesquisa, chamando o “Tio Google”, sobre esse episódio
tão importante, principalmente, para a comunidade “gay”. E para todos os
simpatizantes ou, simplesmente, para os que respeitam os direitos humanos. Hoje, a
despeito de alguns avanços, nas últimas cinco décadas, com relação a uma
pequena diminuição do “perigo” de se assumir “gay”,
não se pode deixar de lembrar quão mais complicado era essa admissão naquele
momento, quando a aceitação da homossexualidade era limitada e as lutas pelos
direitos LGBTQIAP+ ainda engatinhavam. Era uma época em que se sofria
muito, na busca de aceitação e respeito, ante uma sociedade reacionária e
violenta, mais do que hoje, que marginaliza tudo aquilo que não atendia aos
padrões estabelecidos. Lá, aqui e em qualquer lugar. A peça não é “datada”;
é universal e atemporal, e essas observações justificam o subtítulo desta
crítica: “SEMPRE ATUAL E INDISPENSÁVEL”, dado que, por mais que as pessoas toquem no assunto e se lancem numa
luta pelo direito de igualdade entre todos os seres humanos, independentemente
da orientação sexual de cada um, é sempre bom reforçar essa batalha, informando o
público, em, geral, sobre o universo LGBTQIAP+, sem “varrer nada para debaixo do
tapete”.
Alguns pontos de destaque, no texto, recaem sobre certos fatores, como o se sentir “enclausurado
no armário”, explodindo de desejo de se assumir e ser feliz por
completo, porém escravo do medo das sanções impostas por uma sociedade
hipócrita. Mas também há espaço para se falar sobre a amizade tóxica e abusiva,
o preconceito racial, dos diferentes tipos de homossexuais e da luta pelos
direitos sociais, o que motivou CAIO
EVANGELISTA a querer muito encenar o texto de MART CROWLEY. Para ele, “fazer ‘The Boys...’ é um ato de cidadania, uma realização como
artista”. Parabéns pela iniciativa!
A direção, de RICARDO GRASSON, é muito boa. Grande parte do fato de uma história
contada há meio século interessar, até hoje, tocar o público da maneira como
toca, deve-se ao diretor desta peça. Dirigir um elenco numeroso e colocar todos em cena,
durante um bom tempo da encenação, requer muito cuidado e domínio de uma visão
periférica, nas marcações, de modo a não permitir que o bom ritmo do espetáculo
esmoreça nem que este ou aquele ator fique deslocado em cena, sem função, sem
ter o que fazer. Todos, até os que não estão diretamente participando de uma
determinada cena, dela fazem parte, com seus “silêncios verbais expressivos”. É louvável, da mesma forma, a preocupação
do diretor em trazer, para os dias atuais, uma temática já bastante desgastada,
mas não totalmente explorada, de modo a pintá-la com tintas hodiernas. Um belo
trabalho de direção de atores.
Ricardo Grasson
(Foto: fonte desconhecida.)
Não é todos os dias que encontramos, num elenco tão
profuso (9 atores), uma homogeneidade nas atuações, um nivelamento bem
pelo topo, todos sabendo como colocar seus tijolinhos, para a construção
daquele “edifício de muitos andares”, ainda que possa parecer uma peça “bobinha”,
uma COMÉDIA “digestiva”, só para
distrair e divertir. Independentemente da importância dos personagens, de sua
maior ou menor participação na trama, todos os atores, alguns com “anos
de janela” e outros mais incipientes na carreira, dizem a que vieram,
com destaques para MATEUS RIBEIRO, que
interpreta o anfitrião, Michael, com suas idiossincrasias e
perturbações pessoais. Acostumado a vê-lo sempre brilhando em musicais, estava
curioso por conhecer seu trabalho no “TEATRO declamado”, e, mais ainda,
numa COMÉDIA,
e a última coisa que eu faria era poupar elogios ao seu irretocável trabalho.
Outro nome, acostumado a protagonizar grandes papéis em musicais, no Brasil
e no exterior, é TIAGO BARBOSA, que
está no palco para provar o que já deveria ser sabido de todos: não há pequenos
papéis para grandes atores. Seu personagem, Bernard, o único negro do
grupo de amigos, que sofre preconceito racial, dentro de um grupo que é
massacrado pela discriminação, pelo enjeitamento e execração, por conta de um “desvio
de gênero”, persona de importância mediana na trama, acaba sendo
superdimensionado, graças à excelente interpretação do ator. Mas quem arranca
as maiores gargalhadas do público, pela natureza de seu personagem,
extravagante, que não mede as palavras e diz o que bem quer, de forma
histriônica e hilária, é JULIO OLIVEIRA,
com seu personagem Emory, extraordinariamente exagerado, aquele cujo
comportamento, em cena, mais se aproxima do nefasto estereótipo da “bicha
louca”, afetada, expansiva nos gestos desmunhecados e na voz. O ator
também é um “habitué” dos musicais.
Quantos aos artistas de criação, afirmo que cada um
executou a sua parte com total competência e criatividade. Assim se deu com a cenografia,
de MARCO LIMA, que reproduz uma
sala de estar de um típico apartamento nova-iorquino, classe média, da época. O
mesmo padrão de verossimilhança e adequação seguiu MARCOS
VALADÃO, na escolha das peças que formam o conjunto dos figurinos,
ajustados a cada personagem, de acordo com suas características pessoais,
dentro dos padrões de moda daquele tempo, com interessantes toques de
contemporaneidade. Um “craque” da iluminação, CESAR PIVETTI, um premiado artista,
assina um desenho de luz que não apresenta nenhuma considerável novidade,
seguindo a máxima do “menos é mais”, sendo sempre “mais”,
da primeira à última cena. Para garantir uma sonoridade perfeita, que permitisse,
ao espectador, ouvir tudo os que os atores dizem, em qualquer parte do palco,
entra em cena o correto trabalho de L.P.
DANIEL. Completa a lista dos artistas de criação o nome de LOUISE HELENE, responsável pelo visagismo
da peça.
Gostei muito, e aplaudo, empolgadamente, a excelente ideia da direção de acrescentar à peça um prólogo, reunindo um ótimo texto, de ADALBERTO NETO, e muitas imagens de arquivos, mostrando fatos que marcaram a década de 1960, em todo o mundo e sobre tudo o que se possa imaginar, como conquistas e descobertas do Homem no campo das ciências, atividades artísticas e culturais, guerras e conflitos humanos, fatos políticos etc.. É, na verdade, uma forma de situar o público, mormente os mais jovens, na época em que se passa a história, não só criando um “clima”, para receber o enredo, como também servindo de base para a compreensão dos conflitos que desfilam no palco.
Texto original: Mart Crowley
Versão Brasileira: Caio Evangelista
Direção: Ricardo Grasson
Assistência de Direção: Heitor Garcia
Elenco: Tiago Barbosa (Bernard), Caio Evangelista (Lary), Caio Paduan (Alan), Gabriel Santana (Cowboy),
Júlio Oliveira (Emory), Edgar
Cardoso (Harold), Heitor Garcia (Donald),
Mateus Ribeiro (Michael) e Fabricio
Pietro (Hank)
“Stand in”: Robson Catalunha
Prólogo: Adalberto Neto
Cenografia: Marco Lima
Figurino: Marcos Valadão
Desenho de Luz: Cesar Pivetti
Desenho de Som: L.P. Daniel
Direção de Movimento: Pedro Alonso
Visagismo: Louise Helene
Identidade Visual: Henrique Nottoli
Produção Executiva: Zuza Ribeiro, Claudia Odorissio, Jeana Kamil e Erica Cardoso
Direção de Produção: Zuza Ribeiro
"Marketing": Higor Gonçalves
Assessoria de Imprensa: Leandro
Evangelista
Redes Sociais: Pedro Caldeira
Fotos: @gatufilmes e @fotosgutierrez
Idealização: ZR Produções Artísticas
SERVIÇO:
Temporada: De 10 de janeiro a 02 de fevereiro de
2024.
Local: Teatro Procópio Ferreira.
Endereço: Rua Augusta, nº
2.823 – Cerqueira César - São Paulo.
Telefone: (11)3083-4475.
Dias e Horários: Às 4ªs,
5ªs e 6ªs feiras, às 20h30min.
Valor dos Ingressos: De
R$ 75 a R$ 150.
Vendas pela internet (https://bileto.sympla.com.br/event/87491) ou na Bilheteria do Teatro, nos seguintes
horários: 3ª e 4ªs feira, das 14h às 19h; de 5ª feira a domingo, das 14h até o
início do espetáculo.
Aceitam-se todos os
cartões de crédito. Não é aceito pagamento em cheque. Não são feitas reservas.
Abertura da casa: 1 hora
antes do espetáculo.
Capacidade: 624 lugares, COM
ACESSIBILIDADE: 7 poltronas adaptadas para obesos e mais 12 lugares reservados para
cadeirantes.
Duração: 90 minutos.
Classificação Indicativa: 16 anos.
Gênero: COMÉDIA.
Um aspecto que pode passar despercebido para alguns é o fato
de que mais premente, na peça, do que “sair do armário” é se libertar de uma
“autoLGBTfobia”,
a “não
aceitação de si próprio”, um sentimento internalizado, que, infelizmente,
chega a levar alguns indivíduos ao extremo de um suicídio, por exemplo, o que
não ocorre na peça.
Se
“THE BOYS IN THE BAND” é considerada uma obra importante na
história do TEATRO LGBTQIAP+, que
teve um impacto significativo na representação e discussão da comunidade “gay”,
há meio século, não é menos importante nesta segunda década do século XXI.
É
mais que oportuna esta remontagem, depois de termos passado por um quatriênio
de trevas, quando, mais do que nunca, a população LGBTQIAP+ foi perseguida
e violentada, com o incentivo de uma “ameba ambulante”, que dizia, alto e
bom som, publicamente, que “prefiro ter um filho ladrão do que (SIC)
viado (SIC)”. Como está escrito no “release” da peça, que recebi de LEANDRO EVANGELISTA, assessor de
imprensa do espetáculo, “THE BOYS IN THE BAND” é “para exorcizar a onda conservadora, os ataques à
cultura e à população LGBTQIAP+”.
É
uma pena que esta segunda temporada (A primeira foi no ano passado.) já
terminará no próximo dia 02 de fevereiro (2024). Se ficasse
mais tempo em cartaz, certamente, continuaria merecendo o público que vem
superlotando o Teatro Procópio Ferreira, em São Paulo. E como eu gostaria
de que os cariocas também pudessem aplaudir o espetáculo, como eu tive a oportunidade e o prazer de fazer!
(Foto: Gilberto Bartholo.)
FOTOS: @gatufilmes
e @fotosgutierrez
GALERIA PARTICULAR
(Fotos: Leonardo Soares Braga.)
Com Mateus Ribeiro.
Com Tiago Barbosa.
Com Júlio Oliveira.
VAMOS AO TEATRO!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!
A ARTE EDUCA E CONSTRÓI, SEMPRE; E SALVA!
RESISTAMOS SEMPRE MAIS!
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