terça-feira, 30 de janeiro de 2024

“THE BOYS

IN THE BAND”

(SEMPRE ATUAL

E INDISPENSÁVEL.)

ou

(PANFLETÁRIO (?),

ATÉ A PÁGINA 5, TALVEZ;

LIBERTÁRIO, PORÉM, 

ATÉ O FINAL.)

 


Em 1970, houve, no Brasil, a montagem de uma peça que deu o que falar, na época. Era “Os Rapazes da Banda” (“The Boys in the Band”, no original.), de certa forma, um marco no Teatro Brasileiro, por sua ousadia, reunindo alguns dos maiores atores, já naquela época, e outros que viriam a se tornar nomes consagrados dos palcos e das telas, alguns, felizmente, ainda em atividade e outros já falecidos: Raul Cortez, Walmor Chagas, John Herbert, Otávio Augusto, Roberto Maya, Paulo César Pereio, Gésio Amadeu, Benedito Corsi, Paulo Adário, Antônio Pitanga, Dennis Carvalho e outros (A peça tem 9 personagens, porém, durante a longa temporada, houve substituições no elenco, como também ocorreu na montagem em tela.), sob a direção de Maurice Vaneau, um diretor belga, muito festejado, naquela época, e que fez uma profícua passagem pelo Brasil. Infelizmente, não pude assistir àquela encenação, visto que estava em cartaz, de 3ª feira a domingo (Que saudade de fazer 9 sessões por semana!), no elenco da primeira montagem de “Hair”, no Brasil, outro espetáculo pioneiro, na “arte de subverter a ordem estabelecida”.



Por tratar de um assunto deveras ousado, para os padrões morais da época – a ação se passa durante uma festa que reuniu amigos homossexuais, na qual o anfitrião “presenteia” o aniversariante com um garoto de programa, vestido de "cowboy" –, a primeira montagem da peça, há meio século, escrita pelo dramaturgo norte-americano MART CROWLEY (1935 – 2020), dividiu bastante a opinião pública: os que a amaram e os que a odiaram. A crítica, de uma forma geral, aceitou bem a proposta, mas não faltaram opiniões negativas sobre a encenação.




Estreou, no circuito “off-Broadway”, em 14 de abril de 1968 e teve uma série de 1.000 apresentações. A atual encenação brasileira é a terceira, oficial, porque, além da primeira, de 1970, já mencionada, produzida pelo casal Eva Wilma e John Herbert, no Teatro Maison de France, Rio de Janeiro (atualmente fechado; mais um) e, depois, em São Paulo, no Teatro Cacilda Becker, num primeiro momento, transferida, depois, para o Teatro Oficina, quando Lima Duarte passou a fazer parte do elenco, no papel de Harold, ainda houve outra, em 1978, uma versão bastante “underground”, realizada no Café Teatro Odeon, em São Paulo. Após cada sessão, o espaço voltava a abrigar a boate “Gay Club”.



Embora, como já disse, não tivesse, antes, assistido à peça, conhecia a história por ter tido acesso a dois filmes, duas adaptações do texto original para a telona. O primeiro, no cinema, produzido em 1970, que fez grande sucesso, e o segundo, na TV, uma produção da Netflix, de 2020, que vi duas vezes, recentemente, para ter a certeza de que minha preferência recai sobre a primeira versão. Achei a segunda bastante “pasteurizada” e comercial.



Há histórias que “caem bem” em qualquer momento, porque são atemporais e sempre acrescentam valores positivos ao “establishment”. O texto de “THE BOYS IN THE BAND” (Na primeira montagem, o título foi, quase literalmente, traduzido para o português – “da” no lugar de “na”; na atual, foi mantido o título original.) provoca, no espectador, muitas gargalhadas, por ser uma boa COMÉDIA, entretanto, como “todo humor é crítico”, também provoca reflexões e emociona, principalmente ao final da peça (Não darei “spoiler”. Confiram!).



Não foi só no Brasil que a peça causou um certo “frisson”, em 1970. Quando estreou, no circuito “off-Broadway”, dois anos antes, THE BOYS IN THE BAND” também desafiou a sociedade norte-americana, tão pudica e recatada, uma vez que, pela “primeira vez, a experiência de homens homoafetivos aparecia como ponto de partida para a história de uma peça de TEATRO”. Na verdade, não se trata, simplesmente, de uma peça, uma COMÉDIA, sobre homossexuais, feita para provocar o riso, por meio dos estereótipos. Não é para explorar clichês nem para agredir e fazer críticas ao comportamento dos “gays”, mostrando, simplesmente, isso; é muito mais: ela se apoia no universo homossexual, no seu estilo de vida, como qualquer outro, para mostrar mais uma experiência humana de vida “NORMAL”, “diferente”, válida e que tem que ser respeitada. Concordo com um consagrado crítico teatral norte-americano, quando, ao se referir a “THE BOYS IN THE BAND”, disse que “é uma peça homossexual, não uma peça sobre homossexualidade”.



Gosto do texto, muito bem traduzido e adaptado por CAIO EVANGELISTA, que também integra o elenco. Agrada-me a história, do seu enredo à carpintaria dramatúrgica. MART CROWLEY, um homem “gay” assumido, foi muito corajoso e cirúrgico na escrita de seu texto, porque ele próprio bem poderia ser qualquer um dos ricos personagens de sua peça e sabia, com total conhecimento de causa, como percorrer os meandros desse universo tão covardemente massacrado, até hoje, infelizmente – menos, é verdade, do que há 50 anos – pelo preconceito e a perseguição por parte dos homofóbicos de plantão. É um texto povoado de referências verbais do universo LGBTQIAP+, explorando, da primeira a quase a última cena, o humor cáustico, irreverente, inteligente e, por vezes, até perverso dos personagens. Uma sucessão de “alfinetadas” hilárias e contundentes, que divertem e também fazem pensar. A intenção de CROWLEY, em usar o palco para mudar a visão do público sobre ‘gays’ (e por extensão, lésbicas e bissexuais) não poderia ser mais clara.”. Concordo, plenamente, com essa frase, que li em algum lugar.

 

 





SINOPSE:

A história se passa no decorrer de uma única noite e gira em torno de um grupo de amigos, todos “gays”, reunidos no apartamento de Michael (MATEUS RIBEIRO), na Nova Iorque dos anos 1960, para celebrar o aniversário de Harold (EDGAR CARDOSO), mas o aniversariante está atrasado, e o que era para ser uma noite divertida e leve se torna um momento tenso, após a chegada inesperada do amigo de faculdade de Michael, Alan (CAIO PADUAN), um homem extremamente heterossexual e conservador.

Por meio do humor exacerbado e de uma grande honestidade, ao retratar seus personagens, THE BOYS IN THE BAND” versa sobre o peso de se viver uma vida inteira ambígua, “dentro do armário”, e o como o custo disso pode ser tão alto para pessoas homoafetivas, atuando, de forma decisiva e “castradora” no comportamento de cada um que se vê naquela situação.

 

 



Julgo oportuno dizer que a peça foi escrita apenas um ano antes da “Revolta de Stonewall”, “um momento representativo para a comunidade ‘gay’ e sua luta por direitos básicos”. Para economizar tempo e espaço, sugiro, para os que não sabem de que se trata, uma pesquisa, chamando o “Tio Google”, sobre esse episódio tão importante, principalmente, para a comunidade “gay”. E para todos os simpatizantes ou, simplesmente, para os que respeitam os direitos humanos. Hoje, a despeito de alguns avanços, nas últimas cinco décadas, com relação a uma pequena diminuição do “perigo” de se assumir “gay”, não se pode deixar de lembrar quão mais complicado era essa admissão naquele momento, quando a aceitação da homossexualidade era limitada e as lutas pelos direitos LGBTQIAP+ ainda engatinhavam. Era uma época em que se sofria muito, na busca de aceitação e respeito, ante uma sociedade reacionária e violenta, mais do que hoje, que marginaliza tudo aquilo que não atendia aos padrões estabelecidos. Lá, aqui e em qualquer lugar. A peça não é “datada”; é universal e atemporal, e essas observações justificam o subtítulo desta crítica: “SEMPRE ATUAL E INDISPENSÁVEL”, dado que, por mais que as pessoas toquem no assunto e se lancem numa luta pelo direito de igualdade entre todos os seres humanos, independentemente da orientação sexual de cada um, é sempre bom reforçar essa batalha, informando o público, em, geral, sobre o universo LGBTQIAP+, sem “varrer nada para debaixo do tapete”.



Alguns pontos de destaque, no texto, recaem sobre certos fatores, como o se sentir “enclausurado no armário”, explodindo de desejo de se assumir e ser feliz por completo, porém escravo do medo das sanções impostas por uma sociedade hipócrita. Mas também há espaço para se falar sobre a amizade tóxica e abusiva, o preconceito racial, dos diferentes tipos de homossexuais e da luta pelos direitos sociais, o que motivou CAIO EVANGELISTA a querer muito encenar o texto de MART CROWLEY. Para ele, “fazer ‘The Boys...’ é um ato de cidadania, uma realização como artista”. Parabéns pela iniciativa!



A direção, de RICARDO GRASSON, é muito boa. Grande parte do fato de uma história contada há meio século interessar, até hoje, tocar o público da maneira como toca, deve-se ao diretor desta peça. Dirigir um elenco numeroso e colocar todos em cena, durante um bom tempo da encenação, requer muito cuidado e domínio de uma visão periférica, nas marcações, de modo a não permitir que o bom ritmo do espetáculo esmoreça nem que este ou aquele ator fique deslocado em cena, sem função, sem ter o que fazer. Todos, até os que não estão diretamente participando de uma determinada cena, dela fazem parte, com seus “silêncios verbais expressivos”. É louvável, da mesma forma, a preocupação do diretor em trazer, para os dias atuais, uma temática já bastante desgastada, mas não totalmente explorada, de modo a pintá-la com tintas hodiernas. Um belo trabalho de direção de atores.


Ricardo Grasson

(Foto: fonte desconhecida.)


Não é todos os dias que encontramos, num elenco tão profuso (9 atores), uma homogeneidade nas atuações, um nivelamento bem pelo topo, todos sabendo como colocar seus tijolinhos, para a construção daquele “edifício de muitos andares”, ainda que possa parecer uma peça “bobinha”, uma COMÉDIA “digestiva”, só para distrair e divertir. Independentemente da importância dos personagens, de sua maior ou menor participação na trama, todos os atores, alguns com “anos de janela” e outros mais incipientes na carreira, dizem a que vieram, com destaques para MATEUS RIBEIRO, que interpreta o anfitrião, Michael, com suas idiossincrasias e perturbações pessoais. Acostumado a vê-lo sempre brilhando em musicais, estava curioso por conhecer seu trabalho no “TEATRO declamado”, e, mais ainda, numa COMÉDIA, e a última coisa que eu faria era poupar elogios ao seu irretocável trabalho. Outro nome, acostumado a protagonizar grandes papéis em musicais, no Brasil e no exterior, é TIAGO BARBOSA, que está no palco para provar o que já deveria ser sabido de todos: não há pequenos papéis para grandes atores. Seu personagem, Bernard, o único negro do grupo de amigos, que sofre preconceito racial, dentro de um grupo que é massacrado pela discriminação, pelo enjeitamento e execração, por conta de um “desvio de gênero”, persona de importância mediana na trama, acaba sendo superdimensionado, graças à excelente interpretação do ator. Mas quem arranca as maiores gargalhadas do público, pela natureza de seu personagem, extravagante, que não mede as palavras e diz o que bem quer, de forma histriônica e hilária, é JULIO OLIVEIRA, com seu personagem Emory, extraordinariamente exagerado, aquele cujo comportamento, em cena, mais se aproxima do nefasto estereótipo da “bicha louca”, afetada, expansiva nos gestos desmunhecados e na voz. O ator também é um “habitué” dos musicais.  




Quantos aos artistas de criação, afirmo que cada um executou a sua parte com total competência e criatividade. Assim se deu com a cenografia, de MARCO LIMA, que reproduz uma sala de estar de um típico apartamento nova-iorquino, classe média, da época. O mesmo padrão de verossimilhança e adequação seguiu MARCOS VALADÃO, na escolha das peças que formam o conjunto dos figurinos, ajustados a cada personagem, de acordo com suas características pessoais, dentro dos padrões de moda daquele tempo, com interessantes toques de contemporaneidade. Um “craque” da iluminação, CESAR PIVETTI, um premiado artista, assina um desenho de luz que não apresenta nenhuma considerável novidade, seguindo a máxima do “menos é mais”, sendo sempre “mais”, da primeira à última cena. Para garantir uma sonoridade perfeita, que permitisse, ao espectador, ouvir tudo os que os atores dizem, em qualquer parte do palco, entra em cena o correto trabalho de L.P. DANIEL. Completa a lista dos artistas de criação o nome de LOUISE HELENE, responsável pelo visagismo da peça.




Gostei muito, e aplaudo, empolgadamente, a excelente ideia da direção de acrescentar à peça um prólogo, reunindo um ótimo texto, de ADALBERTO NETO, e muitas imagens de arquivos, mostrando fatos que marcaram a década de 1960, em todo o mundo e sobre tudo o que se possa imaginar, como conquistas e descobertas do Homem no campo das ciências, atividades artísticas e culturais, guerras e conflitos humanos, fatos políticos etc.. É, na verdade, uma forma de situar o público, mormente os mais jovens, na época em que se passa a história, não só criando um “clima”, para receber o enredo, como também servindo de base para a compreensão dos conflitos que desfilam no palco.   




 

 FICHA TÉCNICA:

Texto original: Mart Crowley

Versão Brasileira: Caio Evangelista

Direção: Ricardo Grasson

Assistência de Direção: Heitor Garcia

 

Elenco: Tiago Barbosa (Bernard), Caio Evangelista (Lary), Caio Paduan (Alan), Gabriel Santana (Cowboy), Júlio Oliveira (Emory), Edgar Cardoso (Harold), Heitor Garcia (Donald), Mateus Ribeiro (Michael) e Fabricio Pietro (Hank)

“Stand in”: Robson Catalunha


Prólogo: Adalberto Neto

Cenografia: Marco Lima

Figurino: Marcos Valadão

Desenho de Luz: Cesar Pivetti

Desenho de Som: L.P. Daniel

Direção de Movimento: Pedro Alonso

Visagismo: Louise Helene

Identidade Visual: Henrique Nottoli

Produção Executiva: Zuza Ribeiro, Claudia Odorissio, Jeana Kamil e Erica Cardoso

Direção de Produção: Zuza Ribeiro

"Marketing"Higor Gonçalves

Assessoria de Imprensa: Leandro Evangelista

Redes Sociais: Pedro Caldeira

Fotos: @gatufilmes e @fotosgutierrez 

Idealização: ZR Produções Artísticas


 

 



 

SERVIÇO:

Temporada: De 10 de janeiro a 02 de fevereiro de 2024.

Local: Teatro Procópio Ferreira.

Endereço: Rua Augusta, nº 2.823 – Cerqueira César - São Paulo.

Telefone: (11)3083-4475.

Dias e Horários: Às 4ªs, 5ªs e 6ªs feiras, às 20h30min.

Valor dos Ingressos: De R$ 75 a R$ 150.

Vendas pela internet (https://bileto.sympla.com.br/event/87491) ou na Bilheteria do Teatro, nos seguintes horários: 3ª e 4ªs feira, das 14h às 19h; de 5ª feira a domingo, das 14h até o início do espetáculo. 

Aceitam-se todos os cartões de crédito. Não é aceito pagamento em cheque. Não são feitas reservas.

Abertura da casa: 1 hora antes do espetáculo.

Capacidade: 624 lugares, COM ACESSIBILIDADE: 7 poltronas adaptadas para obesos e mais 12 lugares reservados para cadeirantes.

Duração: 90 minutos.

Classificação Indicativa: 16 anos.

Gênero: COMÉDIA.

 

 



         Um aspecto que pode passar despercebido para alguns é o fato de que mais premente, na peça, do que “sair do armário” é se libertar de uma “autoLGBTfobia”, a “não aceitação de si próprio”, um sentimento internalizado, que, infelizmente, chega a levar alguns indivíduos ao extremo de um suicídio, por exemplo, o que não ocorre na peça.



Se “THE BOYS IN THE BAND” é considerada uma obra importante na história do TEATRO LGBTQIAP+, que teve um impacto significativo na representação e discussão da comunidade “gay”, há meio século, não é menos importante nesta segunda década do século XXI.



É mais que oportuna esta remontagem, depois de termos passado por um quatriênio de trevas, quando, mais do que nunca, a população LGBTQIAP+ foi perseguida e violentada, com o incentivo de uma “ameba ambulante”, que dizia, alto e bom som, publicamente, que “prefiro ter um filho ladrão do que (SIC) viado (SIC)”. Como está escrito no “release” da peça, que recebi de LEANDRO EVANGELISTA, assessor de imprensa do espetáculo, “THE BOYS IN THE BAND” é para exorcizar a onda conservadora, os ataques à cultura e à população LGBTQIAP+”.



É uma pena que esta segunda temporada (A primeira foi no ano passado.) já terminará no próximo dia 02 de fevereiro (2024). Se ficasse mais tempo em cartaz, certamente, continuaria merecendo o público que vem superlotando o Teatro Procópio Ferreira, em São Paulo. E como eu gostaria de que os cariocas também pudessem aplaudir o espetáculo, como eu tive a oportunidade e o prazer de fazer!

 



(Foto: Gilberto Bartholo.)


 

FOTOS: @gatufilmes

e @fotosgutierrez

 

 

GALERIA PARTICULAR

(Fotos: Leonardo Soares Braga.) 


Com Mateus Ribeiro.


Com Tiago Barbosa.


Com Júlio Oliveira.




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