“RIOBALDO”
ou
(UM "AULÃO" DE
TALENTO
E
BRASILIDADE.)
No ano
passado, aplaudi, com muito entusiasmo, o trabalho de GILSON DE BARROS, idealizador do projeto “Trilogia
Grande Sertão: Veredas”, em
seu solo “RIOBALDO”, o primeiro de três de um projeto, pelo tanto que o monólogo me
tocou. Meu entusiasmo me levou a escrever uma crítica, que não chegou a ser
publicada, por algum motivo do qual, sinceramente, não me lembro e pelo que me
penitencio, só me dando conta disso há bem pouco tempo. Ficaria muito aborrecido, se não tentasse me livrar da “culpa”
de não ter registrado a minha apreciação sobre a obra. E já estava me
programando para rever o espetáculo, até fora do Rio de Janeiro, se fosse o caso, e escrever sobre ele, até que,
depois de ter feito um estrondoso sucesso em outras cidades, a peça voltou ao cartaz,
na Sala Eletroacústica da Cidade das Artes (Ver SERVIÇO.).
Considero um desafio muito grande, para qualquer um, e uma responsabilidade imensa “invadir” o universo de uma OBRA-PRIMA, como “Grande Sertão: Veredas”, que saiu da genialidade incontida numa cabeça privilegiada, como a de João Guimarães Rosa, com o objetivo de transpor partes dela para o TEATRO. Muitos já o tentaram e apenas poucos mereceram a minha aprovação. O solo aqui analisado é um desses bons exemplos.
Personagem central do romance “Grande
Sertão: Veredas”, de João Guimarães Rosa, o ex-jagunço Riobaldo
relembra seus três grandes amores: Diadorim, Nhorinhá e Otacília.
O incompreendido amor por Diadorim, o amigo que lhe apresentou a vida de jagunço e lhe abriu as portas do conhecimento da natureza e do humano, levando-o ao pacto fáustico(*); o amor carnal e sem julgamentos pela prostituta Nhorinhá; e o amor purificador por Otacília, a esposa, que o resgatou daquele pacto e o converteu em “homem de bem”.
(*) Relativo a Fausto, personagem literário e dramático que vende a alma ao diabo em troca de poder e privilégios, celebrizada pelo escritor Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832).
Um
país que serviu de berço para o nascimento de dois gênios da pena, da literatura
universal, sem falso ufanismo, Machado de Assis e João
Guimarães Rosa, pode dizer que, pelo menos, por isso tem que ser
respeitado. Jamais escondi a minha paixão pelos dois, de estilos completamente
diferentes, porém equiparados no talento de escritores. Vez por outra, tenho a
oportunidade de ver alguma obra deles transposta para o palco, como a que aqui
mereceu uma análise crítica, focada na OBRA-PRIMA de Rosa, o “fazedor de palavras”. Refiro-me a “Grande Sertão: Veredas”, publicado em 1956,
romance que revolucionou os “dogmas” da literatura brasileira,
que já havia sofrido um grande impacto, com a “Semana de Arte Moderna”,
de 1922,
“ao
explorar a linguagem popular e oferecer uma perspectiva única do sertão”.
João
Guimarães Rosa foi um mestre no mergulho nas profundezas da alma
humana, utilizando a riqueza e ousadia da língua para discutir aspectos
metafísicos do homem de forma universal.
GILSON DE BARROS e AMIR HADDAD, dois consagrados artistas, de profundo talento e
sensibilidade apurada, se uniram, para criar um conjunto de três obras, a que
batizaram como “Trilogia Grande Sertão: Veredas”, formada por três monólogos: “RIOBALDO”, alvo desta crítica; “O
Diabo na Rua, no Meio do Redemunho”, também em cartaz na Sala
Eletroacústica da Cidade das Artes, aos domingos; e um terceiro, em
produção, para estrear em julho deste ano. “RIOBALDO”
estreou em março de 2020, no Espaço Cultural Sérgio Porto, no Rio de Janeiro, mas,
infelizmente, teve sua temporada abortada, uma semana depois da primeira
sessão, devido à pandemia de COVID-19. Em 2021, retomou suas
temporadas presenciais em locais como a Casa de Cultura Laura Alvim, a Cidade
das Artes e o Teatro Glaucio Gill, sempre com
casas lotadas e a aprovação do público e da crítica especializada. No ano
seguinte, iniciou uma turnê pelo país, passando por São Paulo, Belo
Horizonte e cidades mineiras do “Circuito Guimarães Rosa”, além de
percorrer bairros da cidade de São Paulo e 18 cidades do interior, encerrando
o ano em Brasília. No ano passado, a peça retornou a Belo
Horizonte e realizou novas temporadas em São Paulo, Porto
Alegre e Florianópolis, sempre recebendo uma ótima receptividade do
público. Uma jornada vitoriosa!" Para o ano em curso, o projeto voará para países da Europa: Portugal, França e Alemanha.
Pela segunda vez, desde quando teve
início, recentemente, a temporada teatral de 2024, no Rio
de Janeiro, deixei um Teatro “em total estado de graça”,
leve, “quase flutuando”, de tanta felicidade e orgulho do artista
brasileiro. “RIOBALDO” é uma prova,
mais que concreta, de que um TEATRO
de altíssima qualidade pode abrir mão de recursos tecnológicos e plásticos e
agradar profundamente a qualquer plateia. Defendo uma teoria, aplicada a “shows”
musicais, que também estendo às tábuas do TEATRO.
Tanto me emociono assistindo a um “show” “pirotécnico”, uma
superprodução, que utiliza os mais sofisticados recursos da mais moderna
tecnologia, quanto nas vezes em que estou diante de um grande artista que se
apresenta na base do “um banquinho e um violão”. Sim,
isso é possível, e existe.
No TEATRO, dá-se o mesmo; seja numa sofisticada produção, na “linha
Broadway”, com um super elenco, orçada em muitos cifrões, ou numa modesta
montagem de um solo, com mínimos recursos da tecnologia e da plasticidade; ou,
praticamente, sem nenhum deles. “RIOBALDO”
é um espetáculo do tipo “um banquinho e um violão”, que arrebata
e encanta o espectador, do primeiro ao último minuto.
GILSON
e AMIR se propõem a traçar um
recorte das memórias dos amores do personagem protagonista, atendo-se à
originalidade do livro, mormente com relação à linguagem criativa e poética de Rosa,
seus neologismos e estruturas sintáticas absurdamente interessantes. E o conseguem, de forma brilhante, numa OBRA-PRIMA,
na qual o banquinho é trocado por um modesto banco de jardim e o violão cede a
vez a uma caneca. Sentado, durante 80 minutos, nesse banco, o ator, num
tom bem intimista, a poucos metros da plateia, dirige-se a esta, contando “causos”,
falando de seus sentimentos, como se estivéssemos diante, de verdade, daquele
personagem. Tudo muito naturalmente e sem deixar que se crie um minuto sequer
de “barriga”.
Ao contrário, o público se sente hipnotizado pelas mágicas palavras que pululam da boca de Riobaldo.
Não existe, praticamente, cenário,
a não ser os objetos a que me referi no parágrafo acima. O figurino é simples, roupa
do dia a dia, e um toque de regionalismo é marcado por um chapéu. Não há
variações de luz; e nem era preciso. Luz branca, na mesma intensidade, da
primeira à última cena. Ali, diante de nós, apenas um texto magnífico e um ATOR,
com todas as maiúsculas, conduzindo um espetáculo inesquecível, poético,
vibrante, lírico, engraçado... Um texto escrito em “linguagem de dia
comum” com pinceladas de “falares de feriado”,
na qual sobra espaço para regionalismos do “mineirês”, doce
e brejeiro. O texto, ainda que tenha sido escrito por Guimarães Rosa,
considerado, por muitos, um escritor “hermético”, “nos desce
fácil, pela goela, aveludadamente, feito manteiga derretida”, dito, com
muita propriedade e com total entrega, por GILSON DE BARROS. É
muito comovente o seu trabalho. Ele se emociona com tudo o que diz e transfere
para o público seus sentimentos. GILSON nos contagia até o
mais profundo de nossas almas.
Assistir a “RIOBALDO” é
se permitir viajar por uma Minas Gerais bela e ingênua e
mergulhar num universo para cuja descrição Guimarães Rosa se
transformou no maior neologista da língua portuguesa, um criador de
palavras “com sabores”, o pai dos “vocábulos
mágicos”.
A partir do livro “Grande Sertão: Veredas”, de João Guimarães Rosa
Recorte:
Gilson de Barros
Direção:
Amir Haddad
Atuação:
Gilson de Barros
Cenário:
Karlla de Luca
Figurinos:
Karlla de Luca
Iluminação:
Aurélio de Simoni
Programação
Visual: Guilherme Rocha, Mikey Vieira e Pedro Azamor
Assessoria
de Imprensa: Júlio Luz
Técnicos:
Mikey Vieira e Pedro Azamor
Fotos e Vídeos:
Renato Mangolin
Realização:
Barros Produções Artísticas Ltda.
Temporada: De 13 a 27 de janeiro (Aos
sábados.).
Local: Cidade das Artes (Sala Eletroacústica).
Endereço:
Avenida das Américas, nº 5300 - Barra da Tijuca – Rio de Janeiro.
Acessibilidade: SIM.
Amplo estacionamento, GRÁTIS, no local.
Informações:
Telefone (21)3328-5300.
Ingressos:
R$ 30 (meia-entrada) e R$ 60 (inteira).
Capacidade:
100 lugares.
Duração: 80 minutos.
Classificação
Etária: 16 anos.
Venda pela Sympla: https://bileto.sympla.com.br/event/89653/d/230977 G
Gênero: Monólogo.
Creio que
eu seja uma das raras exceções de gente que passou a se interessar por Guimarães
Rosa muito cedo. Fui apresentado à sua incomparável obra muito jovem,
lá pelos meus 16 ou 17 anos, o que me levou a conquistar o
honroso 2º lugar, num concurso estadual sobre a vida e a obra
de Rosa, pelo que recebi, como prêmio (E que
prêmio!) das mãos de Dona Vilma Guimarães Rosa,
filha do escritor, a obra completa de seu pai e um exemplar do livro que ela
escreveu – Dona Vilma herdou o ofício paterno. -, publicado em 1968, “Em
Memória de João Guimarães Rosa”, republicado em 1983, com o
novo título de “Relembramentos: João
Guimarães Rosa, Meu Pai (Memórias Biográficas)", leitura obrigatória para os que desejam entender o
conjunto da obra de João. Infelizmente, Dona
Vilma faleceu em 2022, aos 90 anos.
Guimarães Rosa cunhou
muitas frases que se tornaram icônicas, como “As pessoas não morrem; ficam encantadas.”. Parecia que estava “escrevendo em causa própria”.
Sim, querido Rosa, “As coisas mudam no devagar
depressa dos tempos.” e “Cada criatura é um rascunho a ser retocado sem cessar.”. “Viver é muito perigoso”. Eu sei e concordo com
isso. “Quase que nada sei,
mas desconfio de muita coisa.” E é preciso
mesmo jamais parar de desconfiar, porque “Viver é plural”.
Para
terminar, um detalhe muito curioso e poético: Guimarães Rosa,
que morreu, no dia 19 de novembro de 1967, vítima de um enfarte,
aos 59 anos de idade, três dias após ter tomado posse da
cadeira nº 02, na Academia Brasileira de Letras, cujo patrono era Álvares
de Azevedo, pediu, à família, para ser enterrado de óculos, no que foi
atendido. Segundo consta, a justificativa do pedido: porque era muito míope e queria
enxergar melhor sabe-se lá o quê. A verdade ou a face de Deus?
Se eu recomendo o espetáculo? E é
preciso “desenhar”?
FOTOS: RENATO MANGOLIN.
GALERIA PARTICULAR:
(FOTO: LORENA DA
SILVA.)
VAMOS AO TEATRO!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE
ESPETÁCULO DO BRASIL!
A ARTE EDUCA E CONSTRÓI, SEMPRE; E SALVA!
RESISTAMOS SEMPRE MAIS!
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JUNTOS, POSSAMOS DIVULGAR O QUE HÁ DE MELHOR NO TEATRO BRASILEIRO!
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