domingo, 14 de janeiro de 2024

“RIOBALDO” 

ou

(UM "AULÃO" DE TALENTO

E BRASILIDADE.)




        

              No ano passado, aplaudi, com muito entusiasmo, o trabalho de GILSON DE BARROS, idealizador do projeto Trilogia Grande Sertão: Veredas”, em seu solo “RIOBALDO”, o primeiro de três de um projeto, pelo tanto que o monólogo me tocou. Meu entusiasmo me levou a escrever uma crítica, que não chegou a ser publicada, por algum motivo do qual, sinceramente, não me lembro e pelo que me penitencio, só me dando conta disso há bem pouco tempo. Ficaria muito aborrecido, se não tentasse me livrar da “culpa” de não ter registrado a minha apreciação sobre a obra. E já estava me programando para rever o espetáculo, até fora do Rio de Janeiro, se fosse o caso, e escrever sobre ele, até que, depois de ter feito um estrondoso sucesso em outras cidades, a peça voltou ao cartaz, na Sala Eletroacústica da Cidade das Artes (Ver SERVIÇO.).



      Considero um desafio muito grande, para qualquer um, e uma responsabilidade imensa “invadir” o universo de uma OBRA-PRIMA, como “Grande Sertão: Veredas”, que saiu da genialidade incontida numa cabeça privilegiada, como a de João Guimarães Rosa, com o objetivo de transpor partes dela para o TEATRO. Muitos já o tentaram e apenas poucos mereceram a minha aprovação. O solo aqui analisado é um desses bons exemplos.




 

 SINOPSE:

Personagem central do romance “Grande Sertão: Veredas”, de João Guimarães Rosa, o ex-jagunço Riobaldo relembra seus três grandes amores: Diadorim, Nhorinhá e Otacília.

O incompreendido amor por Diadorim, o amigo que lhe apresentou a vida de jagunço e lhe abriu as portas do conhecimento da natureza e do humano, levando-o ao pacto fáustico(*); o amor carnal e sem julgamentos pela prostituta Nhorinhá; e o amor purificador por Otacília, a esposa, que o resgatou daquele pacto e o converteu em “homem de bem”.

(*) Relativo a Fausto, personagem literário e dramático que vende a alma ao diabo em troca de poder e privilégios, celebrizada pelo escritor Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832).

 

 



          Um país que serviu de berço para o nascimento de dois gênios da pena, da literatura universal, sem falso ufanismo, Machado de Assis e João Guimarães Rosa, pode dizer que, pelo menos, por isso tem que ser respeitado. Jamais escondi a minha paixão pelos dois, de estilos completamente diferentes, porém equiparados no talento de escritores. Vez por outra, tenho a oportunidade de ver alguma obra deles transposta para o palco, como a que aqui mereceu uma análise crítica, focada na OBRA-PRIMA de Rosa, o “fazedor de palavras”. Refiro-me a Grande Sertão: Veredas”, publicado em 1956, romance que revolucionou os “dogmas” da literatura brasileira, que já havia sofrido um grande impacto, com a “Semana de Arte Moderna”, de 1922, “ao explorar a linguagem popular e oferecer uma perspectiva única do sertão”. João Guimarães Rosa foi um mestre no mergulho nas profundezas da alma humana, utilizando a riqueza e ousadia da língua para discutir aspectos metafísicos do homem de forma universal.




          GILSON DE BARROS e AMIR HADDAD, dois consagrados artistas, de profundo talento e sensibilidade apurada, se uniram, para criar um conjunto de três obras, a que batizaram como “Trilogia Grande Sertão: Veredas”, formada por três monólogos: “RIOBALDO”, alvo desta crítica; “O Diabo na Rua, no Meio do Redemunho”, também em cartaz na Sala Eletroacústica da Cidade das Artes, aos domingos; e um terceiro, em produção, para estrear em julho deste ano. “RIOBALDO” estreou em março de 2020, no Espaço Cultural Sérgio Porto, no Rio de Janeiro, mas, infelizmente, teve sua temporada abortada, uma semana depois da primeira sessão, devido à pandemia de COVID-19. Em 2021, retomou suas temporadas presenciais em locais como a Casa de Cultura Laura Alvim, a Cidade das Artes e o Teatro Glaucio Gill, sempre com casas lotadas e a aprovação do público e da crítica especializada. No ano seguinte, iniciou uma turnê pelo país, passando por São Paulo, Belo Horizonte e cidades mineiras do “Circuito Guimarães Rosa”, além de percorrer bairros da cidade de São Paulo e 18 cidades do interior, encerrando o ano em Brasília. No ano passado, a peça retornou a Belo Horizonte e realizou novas temporadas em São Paulo, Porto Alegre e Florianópolis, sempre recebendo uma ótima receptividade do público. Uma jornada vitoriosa!" Para o ano em curso, o projeto voará para países da EuropaPortugal, França e Alemanha.





               Pela segunda vez, desde quando teve início, recentemente, a temporada teatral de 2024, no Rio de Janeiro, deixei um Teatro “em total estado de graça”, leve, “quase flutuando”, de tanta felicidade e orgulho do artista brasileiro. “RIOBALDO” é uma prova, mais que concreta, de que um TEATRO de altíssima qualidade pode abrir mão de recursos tecnológicos e plásticos e agradar profundamente a qualquer plateia. Defendo uma teoria, aplicada a “shows” musicais, que também estendo às tábuas do TEATRO. Tanto me emociono assistindo a um “show” “pirotécnico”, uma superprodução, que utiliza os mais sofisticados recursos da mais moderna tecnologia, quanto nas vezes em que estou diante de um grande artista que se apresenta na base do “um banquinho e um violão”. Sim, isso é possível, e existe.



            No TEATRO, dá-se o mesmo; seja numa sofisticada produção, na “linha Broadway”, com um super elenco, orçada em muitos cifrões, ou numa modesta montagem de um solo, com mínimos recursos da tecnologia e da plasticidade; ou, praticamente, sem nenhum deles. “RIOBALDO” é um espetáculo do tipo “um banquinho e um violão”, que arrebata e encanta o espectador, do primeiro ao último minuto.



               GILSON e AMIR se propõem a traçar um recorte das memórias dos amores do personagem protagonista, atendo-se à originalidade do livro, mormente com relação à linguagem criativa e poética de Rosa, seus neologismos e estruturas sintáticas absurdamente interessantes.  E o conseguem, de forma brilhante, numa OBRA-PRIMA, na qual o banquinho é trocado por um modesto banco de jardim e o violão cede a vez a uma caneca. Sentado, durante 80 minutos, nesse banco, o ator, num tom bem intimista, a poucos metros da plateia, dirige-se a esta, contando “causos”, falando de seus sentimentos, como se estivéssemos diante, de verdade, daquele personagem. Tudo muito naturalmente e sem deixar que se crie um minuto sequer de “barriga”. Ao contrário, o público se sente hipnotizado pelas mágicas palavras  que pululam da boca de Riobaldo.



            Não existe, praticamente, cenário, a não ser os objetos a que me referi no parágrafo acima. O figurino é simples, roupa do dia a dia, e um toque de regionalismo é marcado por um chapéu. Não há variações de luz; e nem era preciso. Luz branca, na mesma intensidade, da primeira à última cena. Ali, diante de nós, apenas um texto magnífico e um ATOR, com todas as maiúsculas, conduzindo um espetáculo inesquecível, poético, vibrante, lírico, engraçado... Um texto escrito em “linguagem de dia comum” com pinceladas de “falares de feriado”, na qual sobra espaço para regionalismos do “mineirês”, doce e brejeiro. O texto, ainda que tenha sido escrito por Guimarães Rosa, considerado, por muitos, um escritor “hermético”“nos desce fácil, pela goela, aveludadamente, feito manteiga derretida”, dito, com muita propriedade e com total entrega, por GILSON DE BARROS. É muito comovente o seu trabalho. Ele se emociona com tudo o que diz e transfere para o público seus sentimentos. GILSON nos contagia até o mais profundo de nossas almas.





(Foto: Gilberto Bartholo.)


             Assistir a “RIOBALDO” é se permitir viajar por uma Minas Gerais bela e ingênua e mergulhar num universo para cuja descrição Guimarães Rosa se transformou no maior neologista da língua portuguesa, um criador de palavras “com sabores”, o pai dos “vocábulos mágicos”.

 


 

 FICHA TÉCNICA: 

A partir do livro “Grande Sertão: Veredas”, de João Guimarães Rosa 

Recorte: Gilson de Barros

Direção: Amir Haddad

 

Atuação: Gilson de Barros

 

Cenário: Karlla de Luca

Figurinos: Karlla de Luca

Iluminação: Aurélio de Simoni

Programação Visual: Guilherme Rocha, Mikey Vieira e Pedro Azamor

Assessoria de Imprensa: Júlio Luz

Técnicos: Mikey Vieira e Pedro Azamor

Fotos e Vídeos: Renato Mangolin

Realização: Barros Produções Artísticas Ltda.

 

 

 





 SERVIÇO: 

Temporada: De 13 a 27 de janeiro (Aos sábados.).

Local: Cidade das Artes (Sala Eletroacústica).

Endereço: Avenida das Américas, nº 5300 - Barra da Tijuca – Rio de Janeiro.

Acessibilidade: SIM.

Amplo estacionamento, GRÁTIS, no local.

Informações: Telefone (21)3328-5300.

Ingressos: R$ 30 (meia-entrada) e R$ 60 (inteira).

Capacidade: 100 lugares.

Duração: 80 minutos.

Classificação Etária: 16 anos. 

Venda pela Sympla: https://bileto.sympla.com.br/event/89653/d/230977 G

Gênero: Monólogo.


 

 


    Creio que eu seja uma das raras exceções de gente que passou a se interessar por Guimarães Rosa muito cedo. Fui apresentado à sua incomparável obra muito jovem, lá pelos meus 16 ou 17 anos, o que me levou a conquistar o honroso 2º lugar, num concurso estadual sobre a vida e a obra de Rosa, pelo que recebi, como prêmio (E que prêmio!) das mãos de Dona Vilma Guimarães Rosa, filha do escritor, a obra completa de seu pai e um exemplar do livro que ela escreveu – Dona Vilma herdou o ofício paterno. -, publicado em 1968“Em Memória de João Guimarães Rosa”, republicado em 1983, com o novo título de “Relembramentos: João Guimarães Rosa, Meu Pai (Memórias Biográficas)", leitura obrigatória para os que desejam entender o conjunto da obra de João. Infelizmente, Dona Vilma faleceu em 2022, aos 90 anos.



      Guimarães Rosa cunhou muitas frases que se tornaram icônicas, como As pessoas não morrem; ficam encantadas.”. Parecia que estava “escrevendo em causa própria”. Sim, querido Rosa“As coisas mudam no devagar depressa dos tempos.” e Cada criatura é um rascunho a ser retocado sem cessar.”“Viver é muito perigoso”. Eu sei e concordo com isso. Quase que nada sei, mas desconfio de muita coisa.” E é preciso mesmo jamais parar de desconfiar, porque Viver é plural”.



            Para terminar, um detalhe muito curioso e poético: Guimarães Rosa, que morreu, no dia 19 de novembro de 1967, vítima de um enfarte, aos 59 anos de idadetrês dias após ter tomado posse da cadeira nº 02, na Academia Brasileira de Letras, cujo patrono era Álvares de Azevedo, pediu, à família, para ser enterrado de óculos, no que foi atendido. Segundo consta, a justificativa do pedido: porque era muito míope e queria enxergar melhor sabe-se lá o quê. A verdade ou a face de Deus?



         Se eu recomendo o espetáculo? E é preciso “desenhar”?


 

 

 

FOTOS: RENATO MANGOLIN.

 

 

GALERIA PARTICULAR:

(FOTO: LORENA DA SILVA.)

 


Com Gilson de Barros.

 


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