“A INQUILINA”
ou
(MUDAR É
PRECISO,
PORQUE VIVER
É MAIS AINDA.)
ou
(NUNCA É TARDE
PARA SE
REINVENTAR
E SER FELIZ.)
Quando
crio muita expectativa para assistir a alguma peça, sei que estou correndo um
grave risco de me frustrar, se o espetáculo ficar aquém do que eu imaginava e
esperava. Por outro lado, se o resultado é positivo, ou mais que positivo, o
prazer e a alegria são sempre potencializados. Sempre que isso acontece, ou
seja, quando o resultado de uma montagem teatral vai além, ou muito além,
daquilo por que eu ansiava tanto, costumo dizer que saí do Teatro “em
total estado de graça”, pensando na grande Clarice Lispector, que,
com seu inquestionável talento, numa de suas crônicas, cujo título é,
exatamente “Estado de Graça”, puxando para a metafísica, procura “definir”
os sintomas de tal condição: “Quem já conheceu o estado de
graça reconhecerá o que vou dizer. Não me refiro à inspiração, que é uma graça
especial, que, tantas vezes, acontece aos que lidam com arte. O estado de graça
de que falo não é usado para nada. É como se viesse apenas para que se soubesse
que, realmente, se existe. Neste estado, além da tranquila felicidade que se
irradia de pessoas e coisas, há uma lucidez que só chamo de leve, porque, na
graça, tudo é tão, tão leve... É uma lucidez de quem não advinha mais: sem
esforço, sabe. Apenas isto: sabe. (...) sem esforço, sabe-se. (...) As
descobertas, nesse estado, são indizíveis e incomunicáveis. (...).
Quando uma peça me deixa em estado de graça, já sei
que será difícil escrever uma crítica sobre ela, pois a sensação que tenho é a de
que tal estado de contemplação, paralelamente, “emburrece as pessoas”,
no sentido de lhes roubar o dom da escrita; talvez, até mesmo, lhes embotar o
raciocínio e a concatenação das ideias. Mas eu não me entrego facilmente e cá
estou, com o firme propósito de registrar o que que senti ao final da sessão de
estreia de “A INQUILINA”, que veio para
cumprir uma pequena temporada, no Teatro II do Centro Cultural Banco do Brasil
– Rio de Janeiro (CCBB – RJ) (VER SERVIÇO.)
Era meu desejo já ter assistido
à peça, quando de sua temporada em São Paulo, porém, na
última vez em que estive na capital paulista, não consegui disponibilidade, na
agenda, para conferir aquilo que era comentário unânime, do público e da
crítica; “a peça é excelente”. Isso só fez inchar a minha curiosidade e torcer
para que não demorasse muito a aportar no Rio de Janeiro. Não foi tanto tempo
assim, deu para suportar bem a ansiedade e valeu a pena a espera. A peça é
muito mais do que ouvi dizer sobre ela e,
como me deixou em estado de graça, farei um esforço bem grande para discorrer
sobre “A INQUILINA”, codificar, em
palavras, meus sentimentos.
Começando pelo texto, a espinha dorsal de qualquer montagem
teatral, fiquei encantado com sua arquitetura dramática. Não conhecia nenhum
trabalho de JEN SILVERMAN, até
porque esta é sua primeira peça encenada no Brasil. JEN é dramaturga, romancista, poeta e
roteirista norte-americana. Suas peças já foram produzidas nos Estados
Unidos e em países ao redor do mundo, como Austrália, República
Thecha, Suíça e Espanha. A obra aqui analisada, cujo
título original é “The Roommate”, estreou em Chicago, no renomado Teatro
Steppenwolf, tendo recebido ótimas críticas, como a do “Chicago
Tribune”, com relação ao texto: “JEN SILVERMAN, em sua peça “The Roommate”, demonstra ser uma escritora atenta, poética, e gentil, generosa com suas
personagens e sem ser condescendente em sua escrita.”. Associo-me a
esse comentário, visto que, com sua linguagem, percebi que, a despeito da pouca
idade, a autora se apresenta de forma bem madura, pesando, cuidadosamente, as
palavras dos diálogos, criando uma atmosfera de mistério e expectativa,
surpreendendo o público a cada nova cena. A jovem autora já foi premiada nas
seguintes láureas: “The Helen Merril Award”, “The Yale Drama Series Award” e “The
Lilly Award”. JEN também escreve para TV;
é a roteirista, por exemplo, de “Tales of the City”, minissérie
disponível em “streaming” (Netflix).
Por
não conhecer a história no original, apoio-me na tradução de DIEGO TEZA, que julgo excelente. Sei
que DIEGO vive a garimpar textos de
dramaturgos estrangeiros, muitos deles autores incipientes, e os traduz e
adapta, de forma magnífica, ao gosto brasileiro, como já se deu em “O
Camareiro”; “O Jornal – The Rolling Stone”; “As Crianças”, que voltou
ao cartaz, no presente momento; “Todas As Coisas Maravilhosas”; e “Órfãos”,
reapresentada recentemente, apenas para citar algumas das que mais me
impactaram. DIEGO, em seu trabalho
de pesquisa, lê um texto, em inglês e, se gosta dele e caso sinta que tem potencial para
ser encenado no Brasil, parte para a sua tradução e mantém uma espécie de “acervo”,
engavetado, pronto para servir a quem se interessar pela montagem.
SINOPSE:
Sharon (LUISA
THIRÉ), 53 anos, dona de casa, divorciada, conservadora, solitária e
sem perspectivas, mãe de um filho distante, vive sozinha, numa zona rural, numa
cidade do interior norte-americano, sem perspectivas ou recursos para se
manter.
Decide, então, alugar um quarto de sua casa e
dividir as despesas.
Sua inquilina é Robyn (CAROLYNA AGUIAR), 53 anos, uma nova-iorquina,
cosmopolita, vegana, lésbica e, igualmente, mãe de uma filha,
que a evita.
Robyn precisa de um lugar para se esconder de seu
misterioso passado e tentar recomeçar.
Tudo, na inquilina, desperta curiosidade
avassaladora em Sharon, que, quando começa a desvendar seus segredos,
cria coragem para dar uma virada radical na sua vida.
“A INQUILINA” é
um espetáculo irretocável, em todos os aspectos, sendo que atribuo mais peso à direção
e à interpretação
das duas atrizes. O “maestro” da encenação é FERNANDO
PHILBERT, que, já de há algum tempo, deixou de ser reconhecido como o
competente assistente de direção de alguns dos mais notáveis diretores de TEATRO
brasileiros, como Domingos Oliveira, Gilberto Gawronski e Aderbal Freire-Filho,
com destaque para os muitos trabalhos que fez com este, durante
15 anos. PHILBERT,
hoje, já conseguiu, como muito mérito próprio, figurar na seleta “casta” dos
grandes encenadores brasileiros, emendando um trabalho no outro, de tão
requisitado que é, por atores e produtores, sempre com muita modéstia e cem por
cento de aprovação. Nunca deixei de elogiar nenhum de seus trabalhosa de
direção, e neste PHILBERT foi
cirúrgico, nas marcações e em detalhes de direção de atores. Aos olhos do
público leigo, tais detalhes podem passar despercebidos, entretanto, para quem
tem conhecimento técnico e a vivência de mais de 50
anos de dedicação ao TEATRO,
cada uma daquelas minúcias é percebida como algo bastante estudado e muito bem
pensado, milimetricamente construído, para justificar a fala ou a atitude de
cada personagem. Sem querer dar “spoiler”,
mas apenas querendo dividir, com quem ainda assistirá à peça, um prazer final,
sugiro que prestem total atenção à personagem Robyn, na
última cena, enquanto Sharon
dança em cima de uma mesa. Dentre seus mais importantes trabalhos autônomos de
direção, destaco, dos que consegui assistir, “Três Mulheres Altas”, a
premiadíssima “O Escândalo Philippe Dussaert”, “O Topo da Montanha”, “Três
Mulheres Altas”, “Contos Negreiros do Brasil”, “Diário
do Farol” e “O Corpo da Mulher como Campo de Batalha”, entre tantos outros.
Que
liga perfeita existe entre LUISA THIRÉ e CAROLYNA AGUIAR! A
forma como “uma levanta a bola, para a outra cortar” nunca
falha, sempre desembocando num ponto garantido. O resultado positivo da peça é
fruto da conjunção de muitos fatores, entretanto penso que um dos principais é
na existência de uma boa coxia. A harmonia sobre as tábuas é a continuidade do
espírito de camaradagem e empatia que deve existir entre colegas de trabalho.
No caso de LUISA e CAROLYNA, a
grande afinidade entre elas vem dos bancos escolares, uma amizade que foi se
solidificando a cada dia, a ponto de a cumplicidade entre as duas, em cena, ter levado a
que se entendam, totalmente, até pelos olhares e pelos silêncios.
Já
na primeira cena, o espectador identifica uma visível distância entre as duas personagens,
com a mesma idade, em termos de maneiras de enxergar o mundo. Enquanto Sharon optou
– não por vontade própria; no fundo, porém, mais por acomodação e medo do novo –
por viver isolada, num “claustro”
particular, vivendo para dentro, Robyn se
mostra uma mulher corajosa, destemida, subversiva da ordem estabelecida; uma
mulher que vive para fora, a qual, porém, precisava sepultar um passado
misterioso, que, depois vem à tona. Por definição, inquilino é aquele que
reside num imóvel que não lhe pertence e, ainda que a condição de locatário
seja consensual, na peça, é como se Robyn invadisse a intimidade de Sharon
“para
causar”. E como causou!!!
No fundo, ambas precisavam uma da outra e provocavam-se,
mutuamente, uma curiosidade profunda, muito mais para cada uma se conhecer
melhor e descobrir o que estava submerso num oceano interior de si próprias,
principalmente Sharon, do que uma decifrar a outra. Fruto de uma criação
severa, Sharon precisava se libertar de suas amarras, deixar de viver
engessada e se permitir conhecer novos horizontes, o que acabou encontrando
naquela forasteira que foi dar à sua casa. É extrema e incrivelmente
interessante ver a transformação de Sharon, tão refratária e desconfiada,
a princípio, em alguém que consegue dar seu grito de liberdade e “sair
do seu armário”. Afinal de contas, nunca é tarde para se reinventar e tentar
ser feliz, seja de que maneira for. Indubitavelmente, estamos diante de duas
magníficas interpretações, com “um nariz de vantagem” para LUISA THIRÉ. Só uns poucos centímetros
mesmo.
BELI ARAÚJO
assina uma cenografia totalmente integrada à peça. Como as ações se passam
em apenas duas locações, a cozinha e uma varanda da casa, a cenógrafa encontrou
uma maneira simples e inteligente de trazer, simultaneamente, os dois ambientes
ao palco, com poucos elementos cênicos, porém muito necessários e
significativos. Chamou-me a atenção, tão logo me acomodei na minha poltrona, no
centro da segunda fila, uma cerquinha, bem baixa, no proscênio, a qual, evidentemente,
não estava ali apenas “para enfeitar”. Ao mesmo tempo que
serve para guardar e proteger algo, permite que os espectadores se sintam “voyeurs”,
ou “stalkers”,
já que a peça foi escrita por uma autora em língua inglesa. De fato, ela representa
uma metáfora a ser desvendada na última cena, durante o ápice da transformação
de um ser humano em outro.
(Fotos: Gilberto Bartholo.)
TEATRO se faz de
forma coletiva e nenhum artista de criação pode trabalhar isoladamente. Com
relação a três elementos, principalmente, cenografia, figurinos e iluminação,
um deve dar suporte aos outros dois, e o trio tem de ser afinado no mesmo
diapasão. Os figurinos, criados por KAREN
BRUSTTOLIN, são um detalhe merecedor de destaque, principalmente os da personagem
Sharon.
Seus trajes vão sendo mudados, para mais “descolados”, acompanhando,
esteticamente, por fora, a transformação interior da personagem.
Este é trigésimo trabalho, como iluminador, de VILMAR OLOS com FERNANDO PHILBERT. A parceria sempre deu muito certo, e não seria
agora que “o bolo iria desandar”. O desenho de luz criado por VILMAR cai como uma luva, para pôr em
evidência o que de mais importante existe naquele espaço cênico e variar de acordo com a intensidade dramática de cada cena.
RODRIGO PENNA também
pôs seu dedo na construção deste espetáculo, participando com uma agradável e
ajustada trilha sonora, que comporta um clássico “hit”, como “New
York, New York” e abre espaço para inserções da “techno music”.
FICHA TÉCNICA:
Texto: Jen Silverman
Tradução: Diego Teza
Direção: Fernando Philbert
Assistência de Direção: Glauce Guima
Elenco: Luisa Thiré e Carolyna Aguiar
Cenografia: Beli Araújo
Figurino: Karen Brusttolin
Iluminação: Vilmar Olos
Trilha Sonora: Rodrigo Penna.
Direção de Movimento: Toni Rodrigues
Fotos: Pino Gomes, Erik Almeida e Cristina Granato
Programação Visual: Estúdio Mirante
Direção de Produção: Bárbara Montes Claros
Idealização e Produção: Luisa Thiré Produções e 8 Tempos Produções
Artísticas
Assessoria de Imprensa - JSPontes Comunicação - João Pontes e Stella Stephany
SERVIÇO:
Temporada: De 11 de
janeiro a 04 de fevereiro de 2024.
Local: Centro Cultural Banco do Brasil – Rio de
Janeiro (CCBB – RJ).
Endereço: Rua Primeiro de Março, nº 65 –
Candelária, Centro – Rio de Janeiro.
Dias e Horários: De 5ª feira a sábado, às 19h;
domingo, às 18h.
Valor dos Ingressos: R$ 30 e R$ 15 (meia-entrada),
na bilheteria do CCBB ou no site: bb.com.br/cultura
Duração: 75 minutos.
Capacidade: 153 lugares.
Acessibilidade: SIM.
Classificação Etária: 16 anos.
Gênero: COMÉDIA Dramática.
“A INQUILINA” é uma peça que deve ser
vista como um convite aos recomeços, às desconstruções e o início de novas
construções; ao apagar do marasmo, da acomodação; e um desafio a que se perca o
medo do novo, ao mesmo tempo que chama a atenção para isso dentro da temática
da estupidez do etarismo, que não deve, nem pode, ser visto como um obstáculo a
que se possa olhar para a frente e de cabeça erguida, em busca de um ideal de
vida, um novo “way of life”. E também serve para mostrar que, por mais
diferentes que possam parecer duas criaturas, sempre haverá um ponto de
convergência entre elas. Aqui, no caso, são duas mulheres acima dos 50 anos, que querem dar uma virada na vida; mais
que isso, precisam. Ambas percebem que, em comum, são solitárias e
livres para pensar e desejar, sem ter que dar satisfações a quem quer que seja,
maridos e filhos. Em resumo “A INQUILINA”, espetáculo que muito me agradou e que eu
recomendo, com o máximo de empenho, é sobre a capacidade de duas
mulheres maduras se reinventarem e se aceitarem.
FOTOS: PINO GOMES,
ERIK ALMEIDA
e
CRISTINA GRANATO.
GALERIA PARTICULAR:
(FOTOS: JOÃO PEDRO
BARTHOLO)
Com Fernando Philbert.
Com Luisa Thiré.
Idem.
VAMOS AO TEATRO!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE
ESPETÁCULO DO BRASIL!
A ARTE EDUCA E CONSTRÓI, SEMPRE; E SALVA!
RESISTAMOS SEMPRE MAIS!
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