quinta-feira, 10 de agosto de 2023

 “UM CORAÇÃO

DE VAN GOGH”

ou

(DA REALIDADE

À FICÇÃO,

O RETRATO DA VIDA E DA ALMA

DE UM ARTISTA.)

 


 




       Quando alguém se propõe a montar um espetáculo de TEATRO e não dispõe de um sólido aporte financeiro nem patrocínios, mas, se tiver em mãos um bom texto e conseguir reunir, numa FICHA TÉCNICA nomes de gente que ama TEATRO, é competente e se dedica a seu nobre ofício, o resultado pode ser positivo, como é o caso da montagem sobre a qual vou discorrer, com bastante prazer.



        A   peça em questão é “UM CORAÇÃO DE VAN GOGH”, que faz temporada no Teatro Laura Alvim, dentro da Casa de Cultura que leva o mesmo nome dessa mecenas. Tive a oportunidade de assistir ao espetáculo, na noite do último domingo (06 de agosto de 2023). É inevitável, para mim, ir a um Teatro com uma expectativa, a melhor delas, o que penso acontecer a todos. Matematicamente falando, ela sempre será “X”, porém, terminada a sessão, poderá continuar a mesma ou se transformar em “X+” ou “X-”. Quando o resultado é o segundo, não há como fugir ao arrependimento, embora não adiante nada, visto que “Inês é morta”. Se, ao contrário, for o primeiro, agradeço aos DEUSES DO TEATRO, por terem me conduzido até uma de suas casas.



    Saí do Teatro, naquela noite, de um domingo “morno” – Existem domingos que não sejam “mornos”, já que antecedem uma segunda-feira? – com a certeza de que valera a pena ter aceitado o convite que recebi de RACHEL ALMEIDA, que cuida da assessoria de imprensa do espetáculo.



 

 SINOPSE:

Thuja (DANIEL ERICSSON) é um pintor francês, da “belle époque”, e vive à margem da sociedade, recebendo a ajuda de um “mecenas”, Otto (XANDO GRAÇA), para progredir na carreira.

“Pari passu”, envolve-se com duas mulheres: Sylvie (RENATA GASPARIM), uma moça leviana e ambiciosa, por quem ele se diz loucamente apaixonado, e Lua (VITÓRIA FURTADO), uma prostituta.

 

 

 


    Por definição, “SINOPSE” é “um relato breve, uma síntese, um sumário”, entretanto, em muitos casos, chegam-me às mãos “sinopses” que pouco dizem sobre o enredo da peça; ou melhor, são omitidas informações que, certamente, poderiam influenciar as pessoas, no sentido de lhes provocar a vontade de assistir ao espetáculo. Pode, sim, ocorrer de uma excessiva “economia de palavras e dados do enredo”, numa delas, não incentivar o público a conferir o espetáculo. A “SINOPSE” acima é muito “pobre”, considerando-se o peso dramático do espetáculo e a quantidade de conflitos nele existentes. No meu caso, como crítico, recebo, das assessorias de imprensa, um “release” com muito mais informações sobre a montagem, as quais não estão contidas na "SINOPSE" enviada, como ocorreu aqui. Levo, então, uma certa vantagem sobre o público “comum”. Foi de posse disso tudo que fui ao Teatro Laura Alvim, sempre com vontade de gostar daquilo a que me propus assistir. E gostei. Um pouco mais, até, do que eu pensava. Segue um trecho do referido “release” ao qual chamarei de “SINOPSE 2”:


 


SINOSE 2:

A peça acompanha a vida de Thuja (DANIEL ERICSSON), pintor francês da “belle époque”, miserável, maníaco-depressivo e que ama demais.

Um gênio que vive à margem da sociedade.

Faz uso abusivo de álcool e drogas.

Está em crise, às voltas com o tratamento psiquiátrico da época.

Falta-lhe tudo: inspiração, amor, equilíbrio emocional e dinheiro.

Só não lhe falta sexo, que consegue pagando a prostitutas, com o dinheiro de Otto (XANDO GRAÇA), um célebre homem das artes, que, encantado com a sua obra, decide ser seu “mecenas”.

Vive em um apartamento, em Montmartre, reduto dos artistas e boêmios de Paris, alugado por Otto, de quem depende, financeiramente, e em quem deposita a esperança de alcançar visibilidade e, principalmente, o dinheiro necessário para abandonar a vida miserável.

Mas Thuja põe tudo a perder, quando cisma com Sylvie (RENATA GASPARIM), uma moça leviana e ambiciosa, e se envolve com Lua (VITÓRIA FURTADO), uma prostituta.


 



       Agradou-me o texto, que alterna ótimos momentos com outros nem tanto. Mais aqueles que estes, o que garante um saldo positivo. É sempre bom falar do que se passa no universo dos artistas, sejam suas glórias, sejam seus fracassos. Jogar luz nas dificuldades de sobrevivência para quem escolhe se dedicar à e viver (da) ARTE é sempre um tema instigante. Enganam-se os que ainda pensam que a vida de um artista, no caso, aqui, um pintor, é um manancial de “glamour”. RÔMULO PACHECO, dramaturgo da peça, foi feliz, ao escolher escrever sobre um artista que luta por dignidade e reconhecimento, ao mesmo tempo que, movido pela paixão, pelos ímpetos do coração e por sua natureza utópica entrega-se ao vício do absinto e aos prazeres carnais, de forma desenfreada, incontrolável.



        PACHECO inspirou-se na biografia do grande pintor holandês Vincent van Gogh (1853 - 1890), considerado uma das figuras mais famosas e influentes da história da arte ocidental, que criou mais de dois mil trabalhos, ao longo de pouco mais de uma década, grande parte das quais, concluída nos seus últimos dois anos de vida. Ao longo dos anos, enfrentou problemas de saúde e solidão, passando por episódios psicóticos e delírios, temendo por sua estabilidade mental e negligenciando, frequentemente, a sua saúde física, por um lado, ao não manter uma alimentação regular e, por outro lado, bebendo muito. Não tendo obtido sucesso nem reconhecimento durante sua vida, Van Gogh era encarado como um louco e um fracassado, conquistando alguma fama apenas após seu suicídio. O artista passou a existir, na imaginação pública, como a essência do gênio incompreendido, como tantos outros. Destarte, o dramaturgo criou a “persona” de Thuja, como, de certa forma, um espelho de Van Gogh, com muitos pontos de convergência entre um e outro. Ambos conheceram conflitos emocionais, uma vida desregrada, pontuada por atos passionais, distúrbios psiquiátricos e dificuldades financeiras. Thuja guarda as características e a alma de Van Gogh. O papel é bem interpretado por DANIEL ERICSSON.



        Os demais personagens são vividos por XANDO GRAÇA, RENATA GASPARIM e VITÓRIA FURTADO. Não sei se seria a intenção do autor do texto, mas pareceu-me que XANDO construiu seu personagem de modo a deixar transparecer que o “mecenato” de Otto era uma pura “fachada” de quem ambicionava ganhar muito dinheiro, explorando a arte de um homem frágil e fácil de ser “domado”, como Thuja. Foi essa a impressão que levei, observando, detidamente, o comportamento dos dois personagens. Não vi nada de filantropia desinteressada em Otto, uma ótima composição do ator. RENATA e VITÓRIA também se comportam com acerto, em suas bem diferentes personagens, com destaque em algumas cenas.








        Contando com a colaboração dos excelentes artistas de criação dos quais se cercou, TICIANA STUDART assina uma direção "limpa", bem ajustada às propostas do texto. Paralelamente ao trabalho interno dos atores, na construção dos personagens, TICIANA, demonstrando ter decodificado, com precisão, as intenções do dramaturgo, no que ele escreveu e no que foi sugerido, nas entrelinhas, no subtexto, conseguiu extrair um bom rendimento de seu elenco.



       Logo que adentrei o auditório do Teatro, chamou-me a atenção aquilo que considero o ponto alto da peça, a cenografia, digna de premiação, trabalho de MARCELO MARQUES, um artista de grande sensibilidade e bom gosto, que soube reproduzir, em detalhes, um deplorável quarto, retrato ou reflexo do interior do personagem que o habita. O cenário é bem valorizado pelo desenho de luz, criado, com precisão cirúrgica, por ANA LUZIA DE SIMONI, a qual, a cada novo trabalho, mais honra o nome de seu pai, o velho e querido Aurélio, com quem ANA aprendeu sua profissão. Há um entrosamento perfeito entre cenografia e iluminação e, por conta disso, a “cereja do bolo”, neste conjunto cenográfico, uma janela, espécie de basculante, com um vitral, que fica na parede à qual está encostado um catre, é superlativada, proporcionando-nos imagens belíssimas.











        MARCELO também assina os ótimos figurinos. Embora eu entenda, perfeitamente, sinto que todos os personagens usem sempre os mesmos trajes, em vários dias em que a trama acontece. Nos figurinos, chamou-me a atenção um detalhe bem interessante: a aparência de velhos e usados, creio que um detalhe proposital.



    Merecem, igualmente, aplausos, por suas participações no projeto, MARCELO ALONSO NEVES, responsável pela trilha sonora, BIANCA ANDREOLI, que assina a direção de movimento, e ULYSSES RABELO e REGINA GUIMARÃES, pelo visagismo.

 

 


 


FICHA TÉCNICA:

Texto: Rômulo Pacheco

Direção: Ticiana Studart

 

Elenco: Daniel Ericsson (Thuja), Xando Graça (Otto), Vitória Furtado (Lua) e Renata Gasparim (Sylvie)

 

Cenografia: Marcelo Marques

Figurinos: Marcelo Marques

Iluminação: Ana Luzia de Simoni

Trilha Sonora: Marcelo Alonso Neves

Visagismo: Ulysses Rabelo e Regina Guimarães

Direção de Movimento: Bianca Andreoli

Assessoria de Imprensa: Rachel Almeida (Racca Comunicação)

Gestão de Mídias Sociais: Lucas Studart

Fotos: Andrea Rocha e Dalton Valério

Projeto Gráfico: Deko Mello.

RP: Jaci Oliveira

Diretor Assistente: Francisco Paz

Coordenação Geral: Maria Vitória Furtado

Direção de Produção: Juliana Cabral

Produção Executiva: Luiza Toré

Assistência de Produção: PV Israel

Realização: Vitória Produções

 

 


(Van Gogh.

Autorretrato com Chapéu de Palha.)



SERVIÇO:

Temporada: De 29 de julho a 20 de agosto de 2023.

Local: Teatro Laura Alvim (Casa de Cultura Laura Alvim).

Endereço: Avenida Vieira Souto, nº 176 – Ipanema – Rio de Janeiro.

Telefone: (21)2332-2016.

Dias e Horários: Sexta-feira e sábado, às 20h; domingo, às 19h.

Valor dos Ingressos: R$50,00 (inteira) e R$25,00 (meia-entrada).

Lotação: 190 lugares.

Duração: 90 minutos.

Classificação Etária: 16 anos.

Venda de ingressos: Bilheteria do Teatro ou no site https://funarj.eleventickets.com


  



      O consagrado ator, dramaturgo, diretor e produtos, um pleno HOMEM DE TEATRO, e meu querido amigo, Aderbal Freire-Filho, que acaba de nos deixar, costumava dizer, lá em suas palavras, que o TEATRO não acontece só no palco, mas também na imaginação do público, potencializando as emoções deste. "UM CORAÇÃO DE VAN GOGH" é um exemplo concreto disso.



        Por tudo o que escrevi, RECOMENDO o espetáculo.

 

 

 


FOTOS: ANDREA ROCHA

e

DALTON VALÉRIO

 

 


GALERIA PARTICULAR:

 

 

 

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