“UM CORAÇÃO
DE VAN GOGH”
ou
(DA REALIDADE
À FICÇÃO,
O RETRATO DA VIDA E DA ALMA
DE UM ARTISTA.)
Quando alguém se propõe a montar um espetáculo de TEATRO
e não dispõe de um sólido aporte financeiro nem patrocínios, mas, se tiver em
mãos um bom texto e conseguir reunir, numa FICHA TÉCNICA nomes de gente que ama TEATRO, é competente e se dedica a seu
nobre ofício, o resultado pode ser positivo, como é o caso da montagem sobre a
qual vou discorrer, com bastante prazer.
A peça em questão é “UM
CORAÇÃO DE VAN GOGH”, que faz temporada no Teatro Laura Alvim,
dentro da Casa de Cultura que leva o mesmo nome dessa mecenas. Tive
a oportunidade de assistir ao espetáculo, na noite do último domingo (06
de agosto de 2023). É inevitável, para mim, ir a um Teatro
com uma expectativa, a melhor delas, o que penso acontecer a todos. Matematicamente
falando, ela sempre será “X”, porém, terminada a sessão, poderá
continuar a mesma ou se transformar em “X+” ou “X-”.
Quando o resultado é o segundo, não há como fugir ao arrependimento, embora não
adiante nada, visto que “Inês é morta”. Se, ao contrário, for o
primeiro, agradeço aos DEUSES DO TEATRO, por terem me conduzido até uma
de suas casas.
Saí do Teatro, naquela noite, de um domingo “morno”
– Existem domingos que não sejam “mornos”, já que antecedem uma
segunda-feira? – com a certeza de que valera a pena ter aceitado o
convite que recebi de RACHEL ALMEIDA, que cuida da assessoria de
imprensa do espetáculo.
SINOPSE:
Thuja (DANIEL ERICSSON) é um pintor
francês, da “belle époque”, e vive à margem da sociedade, recebendo
a ajuda de um “mecenas”, Otto (XANDO GRAÇA),
para progredir na carreira.
“Pari passu”, envolve-se com duas mulheres: Sylvie (RENATA GASPARIM), uma moça leviana e ambiciosa, por quem ele se diz loucamente apaixonado, e Lua (VITÓRIA FURTADO), uma prostituta.
Por definição, “SINOPSE” é “um relato breve, uma
síntese, um sumário”, entretanto, em muitos casos, chegam-me às mãos “sinopses”
que pouco dizem sobre o enredo da peça; ou melhor, são omitidas informações
que, certamente, poderiam influenciar as pessoas, no sentido de lhes provocar a
vontade de assistir ao espetáculo. Pode, sim, ocorrer de uma excessiva “economia
de palavras e dados do enredo”, numa delas, não incentivar o
público a conferir o espetáculo. A “SINOPSE” acima é muito “pobre”,
considerando-se o peso dramático do espetáculo e a quantidade de conflitos
nele existentes. No meu caso, como crítico, recebo, das assessorias de
imprensa, um “release” com muito mais informações sobre a montagem,
as quais não estão contidas na "SINOPSE" enviada, como ocorreu aqui. Levo,
então, uma certa vantagem sobre o público “comum”. Foi de posse
disso tudo que fui ao Teatro Laura Alvim, sempre com vontade de
gostar daquilo a que me propus assistir. E gostei. Um pouco mais, até,
do que eu pensava. Segue um trecho do referido “release” ao qual
chamarei de “SINOPSE 2”:
SINOSE
2:
A
peça acompanha a vida de Thuja (DANIEL ERICSSON), pintor
francês da “belle époque”, miserável, maníaco-depressivo e que
ama demais.
Um
gênio que vive à margem da sociedade.
Faz
uso abusivo de álcool e drogas.
Está
em crise, às voltas com o tratamento psiquiátrico da época.
Falta-lhe
tudo: inspiração, amor, equilíbrio emocional e dinheiro.
Só
não lhe falta sexo, que consegue pagando a prostitutas, com o dinheiro de Otto
(XANDO GRAÇA), um célebre homem das artes, que, encantado com a sua
obra, decide ser seu “mecenas”.
Vive
em um apartamento, em Montmartre, reduto dos artistas e boêmios
de Paris, alugado por Otto, de quem depende, financeiramente, e em quem deposita a esperança de alcançar visibilidade e,
principalmente, o dinheiro necessário para abandonar a vida miserável.
Mas
Thuja põe tudo a perder, quando cisma com Sylvie (RENATA
GASPARIM), uma moça leviana e ambiciosa, e se envolve com Lua
(VITÓRIA FURTADO), uma prostituta.
Agradou-me o texto, que alterna ótimos momentos com outros
nem tanto. Mais aqueles que estes, o que garante um saldo positivo. É sempre
bom falar do que se passa no universo dos artistas, sejam suas glórias, sejam
seus fracassos. Jogar luz nas dificuldades de sobrevivência para quem escolhe
se dedicar à e viver (da) ARTE é sempre um tema
instigante. Enganam-se os que ainda pensam que a vida de um artista, no caso,
aqui, um pintor, é um manancial de “glamour”. RÔMULO PACHECO,
dramaturgo da peça, foi feliz, ao escolher escrever sobre um artista que
luta por dignidade e reconhecimento, ao mesmo tempo que, movido pela paixão,
pelos ímpetos do coração e por sua natureza utópica entrega-se ao vício do
absinto e aos prazeres carnais, de forma desenfreada, incontrolável.
PACHECO inspirou-se na biografia do grande pintor
holandês Vincent van Gogh (1853 - 1890), considerado uma das figuras mais famosas e
influentes da história da arte ocidental, que criou mais de dois mil trabalhos, ao
longo de pouco mais de uma década, grande parte das quais, concluída nos seus
últimos dois anos de vida. Ao longo dos anos, enfrentou problemas de saúde e
solidão, passando por episódios psicóticos e delírios, temendo por sua estabilidade mental e
negligenciando, frequentemente, a sua saúde física, por um lado, ao não manter
uma alimentação regular e, por outro lado, bebendo muito. Não tendo
obtido sucesso nem reconhecimento durante sua vida, Van Gogh era
encarado como um louco e um fracassado, conquistando alguma fama apenas após
seu suicídio. O artista passou a existir, na imaginação pública, como a essência do gênio incompreendido,
como tantos outros. Destarte, o dramaturgo criou a “persona” de Thuja,
como, de certa forma, um espelho de Van Gogh, com muitos pontos
de convergência entre um e outro. Ambos conheceram conflitos
emocionais, uma vida desregrada, pontuada por atos passionais, distúrbios
psiquiátricos e dificuldades financeiras. Thuja guarda as
características e a alma de Van Gogh. O papel é bem interpretado
por DANIEL ERICSSON.
Os demais personagens são vividos por XANDO GRAÇA,
RENATA GASPARIM e VITÓRIA FURTADO. Não sei se seria a intenção do
autor do texto, mas pareceu-me que XANDO construiu seu personagem de
modo a deixar transparecer que o “mecenato” de Otto
era uma pura “fachada” de quem ambicionava ganhar muito dinheiro,
explorando a arte de um homem frágil e fácil de ser “domado”, como
Thuja. Foi essa a impressão que levei, observando, detidamente, o
comportamento dos dois personagens. Não vi nada de filantropia desinteressada em Otto,
uma ótima composição do ator. RENATA e VITÓRIA também se
comportam com acerto, em suas bem diferentes personagens, com destaque em
algumas cenas.
Contando com a colaboração dos excelentes artistas de criação dos quais se cercou, TICIANA
STUDART assina uma direção "limpa", bem ajustada às propostas do texto. Paralelamente
ao trabalho interno dos atores, na construção dos personagens, TICIANA,
demonstrando ter decodificado, com precisão, as intenções do dramaturgo, no que
ele escreveu e no que foi sugerido, nas entrelinhas, no subtexto, conseguiu
extrair um bom rendimento de seu elenco.
Logo que adentrei o auditório do Teatro,
chamou-me a atenção aquilo que considero o ponto alto da peça, a cenografia,
digna de premiação, trabalho de MARCELO MARQUES, um artista de grande
sensibilidade e bom gosto, que soube reproduzir, em detalhes, um deplorável quarto,
retrato ou reflexo do interior do personagem que o habita. O cenário é bem valorizado
pelo desenho de luz, criado, com precisão cirúrgica, por ANA LUZIA DE
SIMONI, a qual, a cada novo trabalho, mais honra o nome de seu pai, o
velho e querido Aurélio, com quem ANA aprendeu sua
profissão. Há um entrosamento perfeito entre cenografia e iluminação e, por
conta disso, a “cereja do bolo”, neste conjunto cenográfico, uma janela,
espécie de basculante, com um vitral, que fica na parede à qual está encostado um catre, é superlativada, proporcionando-nos
imagens belíssimas.
MARCELO também assina os ótimos figurinos.
Embora eu entenda, perfeitamente, sinto que todos os personagens usem sempre os
mesmos trajes, em vários dias em que a trama acontece. Nos figurinos, chamou-me
a atenção um detalhe bem interessante: a aparência de velhos e usados, creio
que um detalhe proposital.
Merecem, igualmente, aplausos, por suas participações no
projeto, MARCELO ALONSO NEVES, responsável pela trilha sonora, BIANCA
ANDREOLI, que assina a direção de movimento, e ULYSSES RABELO
e REGINA GUIMARÃES, pelo visagismo.
FICHA
TÉCNICA:
Texto:
Rômulo Pacheco
Direção:
Ticiana Studart
Elenco:
Daniel Ericsson (Thuja), Xando Graça (Otto), Vitória Furtado (Lua) e Renata Gasparim (Sylvie)
Cenografia:
Marcelo Marques
Figurinos:
Marcelo Marques
Iluminação:
Ana Luzia de Simoni
Trilha
Sonora: Marcelo Alonso Neves
Visagismo:
Ulysses Rabelo e Regina Guimarães
Direção
de Movimento: Bianca Andreoli
Assessoria
de Imprensa: Rachel Almeida (Racca Comunicação)
Gestão
de Mídias Sociais: Lucas Studart
Fotos: Andrea Rocha e Dalton Valério
Projeto
Gráfico: Deko Mello.
RP:
Jaci Oliveira
Diretor
Assistente: Francisco Paz
Coordenação
Geral: Maria Vitória Furtado
Direção
de Produção: Juliana Cabral
Produção
Executiva: Luiza Toré
Assistência
de Produção: PV Israel
Realização: Vitória Produções
(Van Gogh.
Autorretrato com Chapéu de Palha.)
SERVIÇO:
Temporada:
De 29 de julho a 20 de agosto de 2023.
Local:
Teatro Laura Alvim (Casa de Cultura Laura Alvim).
Endereço:
Avenida Vieira Souto, nº 176 – Ipanema – Rio de Janeiro.
Telefone:
(21)2332-2016.
Dias
e Horários: Sexta-feira e sábado, às 20h; domingo, às 19h.
Valor
dos Ingressos: R$50,00 (inteira) e R$25,00 (meia-entrada).
Lotação:
190 lugares.
Duração:
90 minutos.
Classificação
Etária: 16 anos.
Venda
de ingressos: Bilheteria do Teatro ou no site https://funarj.eleventickets.com
O consagrado ator, dramaturgo, diretor e produtos, um pleno HOMEM DE TEATRO, e meu querido amigo, Aderbal Freire-Filho, que acaba de nos deixar, costumava dizer, lá em suas palavras, que o TEATRO não acontece só no palco, mas também na imaginação do público, potencializando as emoções deste. "UM CORAÇÃO DE VAN GOGH" é um exemplo concreto disso.
Por tudo o que escrevi, RECOMENDO o espetáculo.
FOTOS: ANDREA
ROCHA
e
DALTON VALÉRIO
GALERIA PARTICULAR:
VAMOS AO TEATRO!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS
DE ESPETÁCULO
DO BRASIL!
A ARTE EDUCA E CONSTRÓI,
SEMPRE!
RESISTAMOS, SEMPRE MAIS!
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