FALA COMIGO COMO A CHUVA E ME
DEIXA OUVIR
(UMA ODE AO AMOR!)
Lindo!
Um só adjetivo
pode resumir o espetáculo que está em cartaz no Casarão da Glória: FALA COMIGO COMO A CHUVA E ME DEIXA OUVIR, de TENNESSEE WILLIAMS, direção de IVAN SUGAHARA, com ÂNGELA CÂMARA e SAULO
RODRIGUES no elenco.
Da primeira à
última cena, o espectador, até o menos sensível, é incapaz de conter sua
emoção, com tanta beleza e lirismo que este espetáculo proporciona.
A
montagem faz parte das comemorações dos 18 anos de sucesso da companhia OS DEZEQUILIBRADOS, formada por um
grupo de amigos e competentes profissionais.
Para marcar a maioridade da companhia, SUGAHARA e seu grupo planejaram um PROJETO 18 ANOS DEZEQUILIBRADOS, visando a levar ao palco uma
trilogia que falasse do amor, sentimento que os une há quase duas décadas. Amores interpessoais e amor ao TEATRO.
O primeiro
espetáculo foi Amores, uma
remontagem de um fantástico texto de Domingos
de Oliveira, ao qual SUGAHARA
deu um trato especial e para o qual contou com um elenco de primeira ordem,
lotando, em todas as sessões - capacidade esgotada – a Sede das Cias, na Lapa, na Ladeira Selarón, inclusive com gente sentada no chão, além de prorrogação
da temporada. Muitas pessoas voltaram, em
todos os dias em que havia apresentações, inclusive às 2ªs feiras, sem conseguir
assistir à peça.
A
segunda é a que serve de motivo para estes comentários e que está sendo alvo
das melhores críticas pessoais e da imprensa especializada, arrastando um
grande público, apesar da limitação de assistentes em cada sessão, à Casa da Glória, um agradabilíssimo
espaço alternativo, uma construção do século XVIII, que fica ao lado do tão
conhecido Outeiro (Igreja da Glória).
A terceira
será encenada apenas em 2015, também na Sede
das Cias, com o título, ainda provisório, de História do Amor.
Intimidades no
quarto.
Chove lá fora.
E agora?
Quanto a esta
terceira peça, nada sei, por enquanto, além do que já foi dito, porém, com
relação às outras, “Amores” e “...A Chuva...”, fica bem patente a
diferença que há entre elas, no tocante às implicações do amor, como tema
central. A primeira (título no plural)
fala das múltiplas e incessantes possibilidades
de se atingir e praticar o amor, enquanto, neste espetáculo, o que está em jogo
é a impossibilidade de se viver um
grande amor, mesmo que ele exista e que os amantes se desejem, em todos os
sentidos, por mais paradoxal que isso possa parecer.
O que norteia
toda a narrativa é um casal em crise, o que, por ser tão “natural”, no
cotidiano das pessoas, não seria motivo para que o espetáculo fosse tão
festejado pelo público e pela crítica, em tão pouco tempo de exibição. Afinal de contas, casal sem crise não é
casal; amor sem crise não é amor; mas teatro sem um forte foco de interesse não
é TEATRO.
O que marca a
peça é que, em meio a uma crise passional, os dois protagonistas apresentam-se
sufocados, sem ar, por quererem dizer algo, terem o que dizer, mas não um ao
outro; ou, por outra, sim, um ao outro; mas como dizer?
O público
também sofre com a dor do casal, porque se sente impotente para, pelo menos,
tentar arrancar de cada um as palavras que, talvez, lhes desse um alívio,
tirando-os daquela situação patética e torturante.
Como viver um “eu te amo, sem saber como”? Um “eu
não sei como te amar”? Ou um “eu preciso conhecer, aprender um outro
jeito de te amar”? Ainda, um “não sei se te amo ou se apenas te desejo”? E por que não um “eu não quero te amar, mas seria impossível viver sem ti”?
A trama se
inicia num quarto, dentro do qual um homem e uma mulher trocam palavras, mas
não se comunicam. Sim, porque há uma
longa distância entre o falar e o dizer.
Ambos exercitam um profundo desejo de falar, de pôr para fora algo que
os angustia, uma insatisfação incontida, mas não necessariamente falar um com o
outro.
O grande
problema é que ambos se dão conta do desgaste que envolve o relacionamento,
entretanto não conseguem se comunicar, nem para se separar. E por quê?
Falta de coragem? Medo da
solidão, de um futuro incerto? Falta de
perspectiva para desenvolver uma nova relação afetiva? Talvez um pouco de tudo. Quem já foi protagonista de uma história como a dos personagens desta peça saberá compreender melhor o que estou falando, de cadeira.
DR até na cozinha.
A grade que os
separa. Tão perto, tão longe.
O medo da
solidão é algo que aterroriza o ser humano, embora ele não perceba que existe
uma diferença semântica entre “sozinho”
e “solitário”. “Sozinho”
é apenas estar desacompanhado. “Solitário” é o que vive na
solidão. E a pior de todas é a “solidão a dois”, exatamente o que
ocorre na peça. Cada um dos personagens
tem o outro como companhia física; portanto, ambos não estão sozinhos, mas
profundamente solitários.
O texto de TENNESSEE WILIAMS traz características
inerentes a todas as obras do consagrado dramaturgo americano e uma delas é retratar
o desespero existencial do ser humano. É
extremamente doloroso, para os personagens – e isso passa para a plateia -
saber que desejam e procuram resgatar o que já está se esvaindo pelo ralo e que
o amor não pode salvá-los da solidão. Um
retrato comovido e lancinante da própria condição humana. O "casal" se enxerga
insipiente para sair da triste situação em que se vê mergulhado. Tudo isso, na
cena, é marcado por uma chuva que cai fora da casa e que fustiga e está em
consonância com a melancolia dos personagens.
Trata-se de
uma peça curta, de apenas um ato, com pouco texto, quantitativamente falando,
porém um texto que fala pouco, mas diz muito, uma dramaturgia muito forte,
arrebatadora, profundamente simbólica, uma das melhores obras do grande acervo
do autor, que, como ninguém, sabe mergulhar fundo na alma humana, procurando o
que há escondido em cada, aparentemente insignificante, escaninho.
O texto do
último “off” do espetáculo, segundo o programa da peça, foi extraído da crônica
“5 Segundos”, de João Paulo Cuenca.
No que se
refere à encenação, à direção, IVAN SUGAHARA
deu mais um chute certeiro a gol, ao escolher o espaço da Casa da Glória e o horário para as apresentações.
Não é de hoje
que a companhia, capitaneada por IVAN,
vem fazendo experiências, com o objetivo de subverter o conceito tradicional de
espaço cênico, extrapolando o edifício teatral e realizando peças em espaços
não convencionais, como o “foyer” de um cinema, um apartamento, um edifício e,
até mesmo, uma boate onde funcionava a prática do “swing”. Todas elas foram muito profícuas.
É muito
interessante esse tipo de proposta, pois, como é um espetáculo itinerante, “obriga”
o público a abandonar o conforto e a segurança de uma poltrona ou cadeira e
percorrer, com os atores, os diversos, lindos e aconchegantes ambientes que a Casa da Glória proporciona; internos,
como quartos, sala e cozinha, além dos externos, tais como jardins, pátios e
piscina, por exemplo. Isso promove uma
interessante forma de relação do público com os personagens, o que gera uma intimidade
e cumplicidade muito grande entre ambos.
Do ponto de vista do espectador, a observação das cenas pode ser feita
no mesmo plano em que elas ocorrem como também podem ser vistas de planos de
baixo para cima ou de cima para baixo, lembrando ângulos e enquadramentos de um
filme. Resumindo, a relação atores/plateia
valoriza muito o espetáculo e tal proposta produz experiências diversas de
compartilhamentos, detalhe enriquecedor para o espetáculo. Encaro o fato de o público peregrinar pela Casa, de dois andares, subindo e
descendo escadas, como uma metáfora das relações entre os casais, pontilhadas
de altos e baixos.
Não
é foto ilustrativa; é cena da peça.
Idem.
Ibidem.
A direção imprime à encenação uma
linguagem extremamente poética, abusando de recursos cênicos expressivos, do
uso de música, sonoplastia e vozes (dos próprios atores) em “off”, além de
elementos naturais, como a água e a luz do sol, motivo pelo qual a peça é
apresentada em dois horários alternativos, aos
sábados e domingos, às 14h e às 16h, já que há necessidade da luz
natural. Como estamos em pleno inverno,
o final da segunda sessão já acontece no início da noite, o que, na minha opinião,
fica bem melhor, pois ajuda a criar o clima necessário ao final da trama, que
não vou adiantar, para não roubar ao meu leitor a surpresa reservada ao final
da peça.
É brilhante a direção de IVAN SUGAHARA. Mais uma.
Depois de
falar do texto e da direção, passemos aos demais elementos
da ficha técnica:
ELENCO: ÂNGELA CÂMARA e SAULO
RODRIGUES. O casal de atores esbanja talento. Sempre o fizeram, em todos os seus trabalhos os
quais tive a oportunidade de ver, entretanto, neste, a química que existe entre
os dois, a troca de sentimentos e a entrega total à interpretação concedem-lhes credenciais a iminentes
candidatos a premiações. Acredito que o
fato de ÂNGELA e SAULO já terem sido casados, na vida
real, união que lhes deixou, como “legado”, um filho, tenha servido de laboratório
natural para que os dois, em cena, passem ao público uma carga emocional
incalculável, levando-o a dividir, com o casal, o “tsunâmi” que se abate sobre
ambos, e que os abate. Vai ser difícil, SUGAHARA tentar explicar, caso tenha
tal intenção de fazê-lo, que a escalação do elenco não tenha sido proposital. São dois atores que dignificam a profissão e
são motivo de orgulho para seus admiradores e amigos. Eu sou um dos.
Na piscina I.
Na piscina II.
Na piscina III.
Na piscina IV.
Nas piscina V.
TEXTO: TENNESSEE WILIAMS
TRADUÇÃO: GISELE FREIRE
DRAMATURGIA: IVAN SUGAHARA e LÍVIA PAIVA
(sobre original de TENNESSEE WILIAMS)
ASSISTÊNCIA DE DIREÇÃO: LÍVIA PAIVA e SAMUEL TOLEDO
CRIAÇÃO: ÂNGELA CÂMARA, IVAN SUGAHARA, LÍVIA PAIVA, SAMUEL TOLEDO e SAULO RODRIGUES
DIREÇÃO DE MOVIMENTO: DUDA MAIA
CENÁRIO: ANDRÉ SANCHES
ILUMINAÇÃO: RENATO MACHADO
FIGURINO: TARSILA TAKAHASHI
TRILHA SONORA: IVAN SUGAHARA, LÍVIA PAIVA e SAMUEL TOLEDO
EDIÇÃO DE SOM: ANDRÉ POYART
PREPARAÇÃO VOCAL: RICARDO GÓES
DESENHO E OPERAÇÃO DE SOM: LUCIANO SIQUEIRA
OPERAÇÃO DE LUZ: LEANDRO BARRETO
DIREÇÃO DE CENA: DRAYSON MENEZZES
CONTRARREGRA: ZOATHA DAVID
ASSESSORIA DE IMPRENSA: DANIELLA CAVALCANTI
PROGRAMAÇÃO VISUAL: RISTOW DESIGN
FOTOGRAFIA: DALTON VALÉRIO
PRODUÇÃO AUDIOVISUAL: EDUARDO CHAMON
MARKETING DIGITAL: LAURA LIMP
COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO: TÁRIK PUGGINA
DIREÇÃO DE PRODUÇÃO: CARLA TORREZ AZEVEDO
PRODUÇÃO EXECUTIVA: ALINE MOHAMAD
ASSISTÊNCIA DE PRODUÇÃO: CAROLINA KERN
ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA: AMANDA CEZARINA
REALIZAÇÃO: NEVAXCA PRODUÇÕES E ATHUS
PRODUÇÕES
IDEALIZAÇÃO: OS DEZEQUILIBRADOS
Fiz
questão de mencionar todos os componentes da ficha técnica do espetáculo, por considerá-los indispensáveis a que
a peça transcorra tranquilamente, sem o menor problema. Aqui, chamo a atenção para todos os nomes
envolvidos na difícil e complicada faina de operar a grande parafernália eletrônica,
gerando os sons e as imagens da encenação, bem como os efeitos especiais e de
iluminação. Tudo confere à peça uma
beleza plástica inigualável.
Não
deixem de assistir a este espetáculo, uma das grandes sensações da atual
temporada teatral carioca e que promete uma longa vida, certamente, com
prorrogação da atual temporada. Se
dependesse de mim... Merece.
SERVIÇO:
Espetáculo: FALA COMIGO COMO
A CHUVA E ME DEIXA OUVIR
Temporada: de 08 de junho a 17 de agosto de 2014
Local: Casa da Glória (Ladeira da Glória, 98 – Glória)
Informações: 3259-3554
Horário: Sábados e Domingos, às 14h e às 16h (duas sessões
por dia)
Gênero: Drama
Duração: 60 minutos
(FOTOS: PRODUÇÃO / DIVULGAÇÃO
DO ESPETÁCULO; PÁGINA DA PEÇA NO FACEBOOK; DALTON VALÉRIO.)
Lindo texto sobre, tenho certeza, um lindo espetáculo.
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