OS
INTOLERANTES
(A VIDA COMO ELA É. E NÃO DEVERIA SER...)
Jurei, a mim mesmo, não
utilizar, nesta resenha, a tão batida frase “A arte imita a vida.”, mas se é disso que a peça trata, é impossível
fugir à frase pronta.
O espetáculo que está em
cartaz, no Teatro I do CCBB (Rio de
Janeiro), OS INTOLERANTES, é
baseado num fato real, que, em fevereiro de 2014, mobilizou a opinião pública,
quando um menor, ladrão, foi preso a um poste, por uma tranca para bicicletas,
no bairro do Flamengo, zona sul do Rio de Janeiro. A ação fora praticada por um grupo de três
homes, se não estou enganado, que se diziam “justiceiros”, para vingar os
delitos do marginal e, certamente, para chamar mesmo a atenção do povo e das
autoridades ligadas à (in)segurança na ex-Cidade Maravilhosa.
O real que deu origem à ficção.
HENRIQUE TAVARES e CARLA FAOUR
exploraram o fato de forma brilhante, do ponto de vista dramatúrgico, e
escreveram a peça, que vem agradando ao público, desde sua recente estreia, e
que também serve de motivo para homenagear os 50 anos de TEATRO de uma grande atriz, IVONE
HOFFMANN, com quem tive a honra de dividir o palco, há 44 anos, na primeira
versão de Hair, no antigo Teatro Novo, ex-República, de saudosa memória, onde, hoje, funciona a TV Brasil.
SINOPSE:
Um jovem, acusado de
roubar a bolsa de uma senhora, é capturado por um morador de Copacabana.
As manifestações de apoio
e de repúdio à atitude do morador provocam um acalorado debate entre as pessoas
que passam pelo local. Dentre eles,
estão um casal, uma estudante, um ciclista e a própria senhora, vítima do
roubo.
Nessa atmosfera, entre a
realidade, o pesadelo, e o delírio, estamos num dia atípico no Rio de Janeiro. Uma manifestação paralisa a cidade. A polícia foi toda deslocada para a área do
conflito. O trânsito caótico deixa os
personagens à deriva, perdidos numa Copacabana isolada, entregues à própria
sorte.
Eles se acusam mutuamente,
à espera da polícia, que nunca chega.
O tempo passa e eles têm
que decidir sobre o destino de um garoto preso a um poste.
Sérgio Abreu,
Ivone Hoffmann, Day Mesquita e Éder Martins de Souza.
Ainda que o tema seja,
por demais, sério, o texto é cheio de um humor patético, tanto quanto é a
situação, aproximando-se do surreal e, até mesmo, do mórbido, em alguns
momentos. Nele, abordam-se as
contradições e os preconceitos dos personagens envolvidos em casos de
intolerância, permitindo uma reflexão sobre a importância do respeito à
diversidade.
Não que faltem, no dia a dia, em todas as mídias,
discussões acerca desse respeito, porém, muitos fatos reais ocorrem
diariamente, o que atesta a necessidade de passarmos da teoria para a prática.
Considero muito interessante,
e importante, que fatos reais possam gerar uma ficção que provoque o espectador
e o faça refletir a respeito de seus conceitos éticos sobre justiça e humanismo.
A partir de um fato,
para muitos, tão simples, que poderia até passar despercebido e não ganhar
tanto espaço na mídia, esconde-se uma problemática de mais de cinco séculos, no
Brasil, desde seu descobrimento, uma herança histórica
que envergonha e macula a nossa cidadania: a discriminação racial e social. O infrator era negro e pobre e esses dois fatores potencializam a não-aceitação ou, pelo menos, compreensão do seu delito.
que envergonha e macula a nossa cidadania: a discriminação racial e social. O infrator era negro e pobre e esses dois fatores potencializam a não-aceitação ou, pelo menos, compreensão do seu delito.
Justificando o texto, de
forma muito clara, assim se pronunciou CARLA
FAOUR: “No Brasil e no mundo, a convivência entre pessoas de diferentes
culturas, classes sociais, etnias, credos e opções sexuais está na pauta das
discussões que norteiam as relações comportamentais de nossa época. A peça lança, através do humor, uma lente de
aumento sobre os personagens, a situação absurda, a cidade e o próprio país”.
Da mesma forma, HENRIQUE
TAVARES, complementado as palavras de CARLA,
assim se manifesta: “Estamos numa cidade-paraíso à beira do caos e acompanhamos personagens
que escapam à nossa compreensão. O público torna-se testemunha de uma cena tão
inverossímil quanto assustadora, cotidiana e risível. Um espetáculo que se
equilibra sobre esta linha tênue, entre a perplexidade e o delírio”.
“E agora, José?”
Na ficção, o espaço físico transferiu-se do Flamengo
para Copacabana, onde vive, e por lá transita, toda uma gama de diferentes
pessoas, como são os personagens da peça: um casal da classe média (CARLA FAOUR E CELSO TADDEI), a caminho
de uma festa de aniversário do irmão do marido, cada um mais egoísta que o
outro; uma senhora (IVONE HOFFMANN),
viúva de um militar (“gorila da ditadura), a vítima de um assalto, a princípio tentando
deixar claro que não apoiava as ações do marido, ou melhor, isentando-o delas,
porém, depois, reconhecendo que ele estava certo nas suas arbitrariedades e
truculências; uma jovem estudante e militante das causas sociais (DAY MESQUITA), talvez uma alusão à
jovem Elisa de Quadros Pinto Sanzi, conhecida como Sininho, apontada como liderança nas recentes manifestações sociais;
um rapaz da classe média (SÉRGIO
ABREU), atleta, orgulhoso de sua medalha de bronze, numa luta marcial, numa
edição dos Jogos Pan-Americanos; e o rapaz
(ÉDER MARTINS DE SOUZA), provavelmente menor de idade, negro e pobre, o
pivô da situação. Não poderia ficar de
fora, também, a figura de um “justiceiro” das histórias em quadrinho, o Batman (LEANDRO SANTANNA), que, apesar de um “super-herói”, não tem muito
o que fazer, para resolver o impasse.
Esse personagem, ao que tudo indica, surgiu, no texto, por inspiração
num cidadão que participava das manifestações populares de rua, que marcaram o
ano passado, fantasiado de tal forma.
Para onde vamos?
Aos poucos, todos vão se aproximando do jovem
aprisionado e uma sucessão de aprovações e discordâncias sobre a barbárie vão
sendo discutidas, e situações quase absurdas e inverossímeis vão acontecendo,
como, por exemplo, o fato de não aparecer um policial, já que todos estavam
envolvidos numa grande manifestação no Centro da cidade; a necessidade de beber
água, o que se torna um grande obstáculo para a resistência de todos, porque nenhum
quiosque está aberto naquele momento.
Ocorre que, de aprisionadores do meliante, todos se
tornam aprisionados, reféns de situações da quais não conseguem se libertar. É cada um por si e sabe-se lá quem é por
todos.
Para finalizar a trama, os autores optaram por um
pulo significativo, do caos a uma grande confraternização de todos, num
verdadeiro carnaval, um “happy end”,
o que faz com que lembremos aquela tão triste e indesejada máxima de que, “no Brasil, tudo acaba em pizza”.
No desenrolar da trama, torna-se muito difícil
rotular alguém como o “certo” ou o “errado”, o “mocinho” ou o “bandido” da história,
já que as opiniões e posicionamentos vão sendo modificados, até o extremo,
diante de argumentos levantados por algum dos personagens, com acusações mútuas.
OS
INTOLERANTES é um espetáculo bem simples na sua forma, mas bem complexo na
essência e serve como um bom ponto de partida para se discutir, até mesmo, o
destino da humanidade, a persistir a intolerância, sob todas as óticas, que
permeia e determina as relações entre os homens hodiernos, ditos “racionais”.
Destaco a boa atuação de todo o elenco, o texto, a
direção, o cenário, os figurinos e a iluminação.
Recomendo o
espetáculo.
A saída? Onde está
a saída?
FICHA TÉCNICA:
Texto: Carla Faour e Henrique Tavares
Direção: Henrique Tavares
Cenário: José Dias
Figurinos: Patricia Muniz
Iluminação: Aurélio de Simoni
Diretor Assistente: Anderson Cunha
Assessoria de Imprensa: Ney Motta
Programação Visual: Claudia Wolter
Fotos de divulgação: Flávia Fafiães
Direção de Movimento: Hayla Barcellos
Visagismo: Evânio Alves
Assistente de Figurino: Gabriela Coimbra
Gravação de vídeo: Bernardo Palmeiro
Produção: Janeiro Produções
Patrocínio: Banco do Brasil
Realização: Centro Cultural Banco do Brasil
Elenco: Ivone Hoffmann (Edith); Carla Faour (substituída, eventualmente, por Juliana Guimarães (Suzana); Celso Taddei (Amadeo); Day Mesquita (Guida); Eder Martins de Souza (Caco), Leandro Santanna (Batman) e Sergio Abreu (Pan)
Texto: Carla Faour e Henrique Tavares
Direção: Henrique Tavares
Cenário: José Dias
Figurinos: Patricia Muniz
Iluminação: Aurélio de Simoni
Diretor Assistente: Anderson Cunha
Assessoria de Imprensa: Ney Motta
Programação Visual: Claudia Wolter
Fotos de divulgação: Flávia Fafiães
Direção de Movimento: Hayla Barcellos
Visagismo: Evânio Alves
Assistente de Figurino: Gabriela Coimbra
Gravação de vídeo: Bernardo Palmeiro
Produção: Janeiro Produções
Patrocínio: Banco do Brasil
Realização: Centro Cultural Banco do Brasil
Elenco: Ivone Hoffmann (Edith); Carla Faour (substituída, eventualmente, por Juliana Guimarães (Suzana); Celso Taddei (Amadeo); Day Mesquita (Guida); Eder Martins de Souza (Caco), Leandro Santanna (Batman) e Sergio Abreu (Pan)
S.O.S!!!
SERVIÇO:
Local: Centro Cultural Banco do Brasil –
Teatro I
Rua Primeiro de Março 66, Centro do Rio de Janeiro - Tel.
(21)3808-2020
Temporada: Até 21 de dezembro, de quarta-feira
a domingo, às 19h.
Não recomendado para menores de 14 anos.
Ingressos: R$ 10,00
Duração: 80 minutos
Comédia
(FOTOS: FLÁVIA FAFIÃES)
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