domingo, 23 de novembro de 2014


FAZENDO HISTÓRIA

 

 

 

 

(UMA AULA DE EDUCAÇÃO E BOM TEATRO.)

 

 

 

 

 


 

 

            Sabendo-se que, pela ordem natural das coisas, o texto é o esteio maior para manter um espetáculo de TEATRO em cartaz, sob as graças do público e da crítica, para quem se arrisca a produzir um espetáculo teatral, saber que tem nas mãos um excelente texto já é um grande estímulo para levar adiante qualquer projeto.

 

            Digo, sem nenhum medo de errar, que o texto de FAZENDO HISTÓRIA (The History Boys), do dramaturgo inglês ALAN BENNETT, também transformado em roteiro para o cinema, em 2006, é um fortíssimo candidato a prêmios, no Brasil, como já conquistou outros, na Inglaterra e fora dela.

 

            Qualquer texto dramático que aborde a educação me interessa. sobremaneira, principalmente quando discute o que se pode considerar como certo ou errado, moderno ou obsoleto, útil ou desnecessário nesse universo.  É por isso que FAZENDO HISTÓRIA já me atraiu duas vezes ao Teatro Eva Herz, dentro da Livraria Cultura, no prédio onde funcionava o antigo Cine Vitória, no coração da Cinelândia.

 

Não há como não se apaixonar por este espetáculo.  A montagem original conquistou os prêmios mais importantes do teatro inglês, inclusive o Laurence Olivier Award, de melhor peça, e, quando encenada em Nova York, com o mesmo elenco da produção inglesa, conquistou seis prêmios Tony, na temporada de 2006.


ALAN BENNETT é uma das mais notáveis figuras das letras britânicas, tendo conquistado muitos grandes prêmios na área do TEATRO, cinema, televisão e literatura e foi, também, distinguido com o prêmio de autor do ano BRITISH BOOK AWARDS, em 2006.  Para provar sua importância para o TEATRO inglês contemporâneo, basta dizer que várias de suas peças são produzidas, originalmente, pelo mundialmente consagrado National Theatre de Londres, mas também é fartamente encenado em West End e na Broadway.
 

Ao entrar, pela primeira vez, no Teatro Eva Herz, para ver essa peça, cortina aberta, cenário à mostra, lembrei-me de O Despertar da Primavera, uma das várias obras-primas de Charles Möller e Cláudio Botelho, em função do cenário.  No decorrer da história, por algumas vezes, veio-me à cabeça um ícone cinematográfico, Sociedade dos Poetas Mortos.  Mas ficou tudo só na “primeira impressão”.  O espetáculo caminha por pernas próprias.


A peça parte de um assunto tão presente e atual no nosso meio estudantil, quando, ao final do ensino médio, os alunos têm como objetivo ingressar numa universidade e ver concretizados seus sonhos profissionais, de preferência que lhes rendam bastante dinheiro e notoriedade, ficando a felicidade e a realização plena do indivíduo, como ser humano, em segundo plano.  A aprovação para uma universidade prestigiada, quase sempre por imposição da família ou da escola, parece ser o único caminho para uma vida de sucesso.  Esse é só o pontapé inicial, uma vez que, orbitando em torno desse núcleo central, outros temas são amplamente discutidos na peça.
 

O texto nasceu da própria experiência do autor, como aluno e como professor de História Medieval na Oxford University, sem que, porém, seja autobiográfico, o que, certamente, contribui bastante para que o nível de veracidade, dentro da ficção, ganhe relevo.

 



Divulgação

Os alunos.

 


 
SINOPSE:

FAZENDO HISTÓRIA reúne um grupo de alunos ingleses, daquilo que seria equivalente ao nosso ensino médio, e eles, como ocorre, também, nas nossas escolas, são excessivamente estimulados, pelo diretor do colégio, a prosseguir numa “preparação especial”, com o objetivo de ingresso em Oxford ou Cambridge, o que, é óbvio, renderia dividendos à instituição, a qual ficaria entre as primeiras no “ranking” de preparação para as grandes instituições do 3º grau.
 
Assim como também ocorre por aqui, com relação aos projetos e turmas especiais oferecidos pelas escolas, um novo professor de História (IRWIN/MOUHAMED HARFOUCH), formatado para o “mercado”, pragmático em excesso, é contratado, com esse objetivo, mas sua influência esbarra na verdadeira cumplicidade que os estudantes têm com outro mestre daquela matéria (HECTOR/XANDO GRAÇA), um professor querido, mais velho e experiente, que lhes ensinava poesia e lições para a vida, e cujos métodos de ensino parecem excessivamente heterodoxos aos olhos da direção do estabelecimento.
  
Cria-se, a partir daí, uma relação entre os dois docentes, em meio às turbulências das vidas pessoais, tanto de professores quanto dos alunos, que evolui para uma admiração mútua, apesar das divergências metodológicas.

  As filosofias opostas dos dois professores, um jovem perspicaz e arrogante, e outro, excêntrico e entusiasta, acabam por desafiar os meninos a se confrontarem com o verdadeiro significado da educação e com os valores relativos da felicidade e do sucesso.

O texto surgiu, sem dúvida, como fruto da observação e da crítica do autor em relação ao sistema educacional britânico, não muito diverso do nosso, em especial do mito que cerca o acesso às instituições de elite, as universidades que ocupam o topo de um “ranking”.  Não basta ingressar no 3º grau e dar início a uma carreira profissional; na peça, o centro formador profissional do indivíduo tem de ser uma das duas instituições que entraram para o imaginário popular como as “melhores”, assim como, no Brasil, é ferrenha a luta por uma vaga nas grandes instituições públicas.
 
 

 

 

            De acordo com a diretora, por contingências, da peça, GLÁUCIA RODRIGUES, “o espetáculo discute qual a educação que vale a pena, na escola e na vida.  A educação pela arte ou a educação pelo mercado?  É um texto em que nenhum personagem é vilão ou mocinho. Cada um tem um lado bom e um lado ruim”.

 

            A mim, interessa muito o tema discutido, já que trata da valorização de uma educação mais ampla, em contraposição a um modelo de ensino adequado a provas e concursos, como o nosso, em que a competição leva ao desgaste físico e emocional, a uma anulação do indivíduo com alguém que, muitas vezes, nem direito a uma escolha tem, vivendo sob uma pressão desumana, dentro de casa e na própria sociedade em que vive.  A toda hora, na peça, estão em debate os conceitos de educação e cultura e a utilidade de determinadas aulas e disciplinas do currículo, a perda de tempo que algumas, ambas, representam, o que também deveria ser matéria de discussão no Brasil, o que me parece não ser de interesse das autoridades ligadas ao ensino.

 

            Um detalhe que me chamou muito a atenção, nesta peça, é a relação dos alunos com os dois personagens que se “confrontam”, HECTOR e IRWIN, exatamente por não se conseguir ver neles, corroborando o pensamento de GLÁUCIA, as figuras de um herói e de um vilão.  Para HECTOR, o valor educativo de uma aula está no seu aspecto mais livre e artístico, fugindo ao compromisso com o vir a ser admitido nesta ou naquela grande universidade, apoiando-se mais, as suas aulas, em lições de vida, da realidade de cada um dos seus pupilos, motivo pelo qual é adorado pelos discípulos, apesar de não ser muito levado a sério por estes.  Por outro lado, IRWIN, apesar de pertencer a uma faixa etária bem mais próxima à dos alunos, é bem mais rígido, ortodoxo, inquieto, insatisfeito e instiga os estudantes a questionar a História, por meio de discursos empolados, vibrantes, à procura de seus pontos refutáveis e, por isso mesmo, frágeis, o que provoca, nos discentes, um impacto natural, uma resistência ao “novo”, que, com o tempo, vai sendo bem assimilado por todos, se bem que, por mais de uma vez, os alunos debochem, abertamente, do novo professor, por suas teorias.  No fundo, ocorre uma convivência pacífica, embora, aparentemente, belicosa, entre os dois docentes e os jovens.

 

 

 


Xando Graça e Mouhamed Harfouch.

 

 

 

            Passemos a uma análise, o mais detalhada possível, do espetáculo:

 

            1) Não gosto, nas minhas resenhas, de contar o final da história, para não provocar a ira dos que me dão o prazer e a honra de sua leitura, mas não posso deixar de dizer que, na primeira cena, a aparição de IRWIN, dizendo seu texto, como um político, aos companheiros de Parlamento, sentado numa cadeira de rodas, é bastante impactante e desperta o público para se ater a um “mistério” a ser desvendado no final do espetáculo.  Isso, porque, quando termina sua primeira fala, o personagem se levanta da cadeira e caminha normalmente.  Acho que já consegui o meu intento: encher a cabeça do meu leitor de suposições.  Vá conferi-las na peça.

 

            2) São bem interessantes as vezes em que o personagem POSNER (HUGO KERTH) consulta um dicionário, para saber o significado de algum termo ou expressão ditos pelos professores, o que demonstra quão atento e interessado pelas aulas é o rapaz.  Alguém que assistiu à peça me confidenciou que se valeu de alguma dessas consultas, na hora, por também não entender o que estava sendo dito.

 

            3) Na arquitetura do texto, por vezes, algum personagem se dirige, no proscênio, à plateia, distanciando-se da cena.  Trata-se de um recurso tão antigo quanto o próprio TEATRO, mas que, quando bem utilizado, como ocorre aqui, sempre funciona muito bem.

 

            4) A contratação de um professor “especial” (IRWIN), para uma turma também  “especial”, já constitui um elemento de provocação, de segregação, criando um ambiente de desconfiança entre alunos e corpo docente.

 

            5) IRWIN reconhece a competência cognitiva do material humano que terá de preparar, porém vive a comparar os alunos aos de outras instituições e é de opinião de que precisam de um “polimento”, de uma “lapidação”, como diamantes brutos que são, para que possam chegar ao topo.  Desestimula-os na direção de Oxford e Cambridge, sugerindo-lhes o endereço de Newcastle, de reputação inferior às outras duas.

 

            6) Achei brilhante a ideia de aproveitar o potencial vocal de HUGO KERTH e fazê-lo cantar, por mais de uma vez.  É sempre agradável vivenciar tal experiência.

 

 

 


Hugo cantando e André Arteche acompanhando.

  

 

            7) É magnífico o momento em que os alunos tomam a iniciativa de demonstrar seus conhecimentos em francês, para HECTOR, interpretando uma cena, criada por eles, de improviso, passada num prostíbulo, cena iniciada com HUGO, cantando Milord, numa hilária imitação de Édith Piaf.  Todos os atores arrancam boas gargalhadas da plateia.  É importante dizer que todo o texto é dito em francês, mas, mesmo para o espectador que não domina o idioma de Molière, é perfeitamente posssível compreender o texto, em função das expressões faciais e corporais dos atores.  A parte mais engraçada é quando o vetusto e severo diretor entra na sala e surpreende um dos meninos, que seria um dos “clientes” da casa de tolerância, de cuecas, e todos inventam uma desculpa, para justificar o injustificável, dizendo que estão encenando um texto em que um soldado ferido, numa Guerra, na Bélgica, é socorrido, e outros tantos passam a também simular ferimentos e sofrimentos.  Muito boa a cena.

 

            8) A chegada de IRWIN e seu trabalho, fatalmente, levarão, na visão do diretor da escola, a que seja reduzido o tempo de aulas de HECTOR.  Começa a haver um certo mal-estar.

 

 

 

Mouhamed Harfouch é professor em "Fazendo História" (Foto: Guga Melgar)

Uma aula de Irwin.

 

 

 

            9) HECTOR, homosexual, pilotando sua motocicleta, sempre oferece carona aos alunos, tendo um de sua preferência, DAKIN (RENATO GÓES), aproveitando-se para bolinar o rapaz durante a viagem, pilotando o veículo apenas com uma das mãos e em alta velocidade.  Esse detalhe é muito importante no decorrer da peça; fiquem atentos a ele.

 

            10) Com relação a POSNER, é muito interessante o processo de descoberta de seu homossexualismo (ou homossexualidade, para os indefectíveis, e muito chatos, “politicamente corretos”).  É bastante conflituoso, como deve ser para todos como ele.  Descobre-se apaixonado por DAKIN, mas não é correspondido.  Não sei se já existia, no texto, ou se foi decisão da diretora, mas uma declaração de amor do personagem de HUGO, cantando, caiu muito bem na cena.  A princípio, ele canta, apenas acompanhado, ao piano, por SCRIPPS (ANDRÉ ARTECHE), uma espécie de seu confidente, contudo, aos poucos, IRWIN e os demais alunos vão entrando e também ouvem a canção, inclusive o próprio DAKIN, que faz pouco caso do sentimento  do colega.

 

            11) Momentos de descontração ocorrem durante as aulas de HECTOR, em função da chamada “hora da bobagem”, quando os alunos desafiam o mestre a adivinhar cenas de filmes que eles representam.  A cada vez que o professor acertava, cada aluno deveria pagar cinquenta centavos, recolhidos a uma caixinha a isso destinada.  A vez em que HÉLDER AGOSTINI (LOCKWOOD) e RAFAEL CANEDO (TIMMS) se encarregam de uma das encenações é hilária.  Aliás, naquela turma, parece que todos tinham um certo pendor pelo TEATRO, embora, curiosamente, nenhum deles, depois de ter saído da escola, tivesse escolhido a carreira de ator.

 

            12) Aos poucos, o personagem de EDMUNDO LIPPI (DIRETOR) (O personagem não tem nome, o que é muito sugestivo.  Seria o diretor a encarnação do poder excessive, do autoritarismo?) vai se empolgando com o trabalho de IRWIN e, numa demonstração de total falta de ética profissional, faz-lhe comentários críticos desairosos à pessoa e ao trabalho de HECTOR, que este “enche os alunos de bobagens”.  Isso deixa bem clara a sua visão tradicional e engessada de educação e ensino.

 

            13) Numa conversa privada com HECTOR, o DIRETOR faz com que aquele seja sabedor de que fora visto, pela esposa deste, bolinando um dos alunos a quem ele dava carona, na motocicleta.  Diante do fato, sugere que o docente antecipe sua aposentadoria, para evitar um escândalo, sem que, antes, o critique por ministrar suas aulas com a porta fechada.

 

            14) A partir daí, por decisão do DIRETOR, as aulas de HECTOR passam a ser compartilhadas com IRWIN, rendendo uma ótima cena e gerando momentos muito interessantes, em que, no meio do “fogo cruzado”, por opiniões divergentes dos dois, estão os alunos.

 

            15) Mais uma vez, a plateia se surpreende, ao ver IRWIN, de novo, numa cadeira de rodas, agora como apresentador de um programa de TV, outro detalhe que só sera conhecido, e esclarecido, no final da peça.

 

            16) A interferência da família na escola, o que, ainda hoje, é algo que existe em larga escala, se faz presente, no momento em que o DIRETOR convoca IRWIN para lhe falar de uma carta, enviada pelos pais de POSNER, que é judeu, na qual criticam o professor, por colocações feitas, em aula, sobre aquele povo.

 

            17) O desfecho para o personagem HECTOR vai começando a ser delineado aos pouco e um grande indício para isso se dá na cena em que se reúnem, professors e alunos, para a tradicional foto de recordação, em que, por determinação do DIRETOR, HECTOR é escalado para bater a foto, ficando, portanto, fora dela, sob a justificativa, do DIRETOR, de que “ele não vai se importar em não sair na foto”.  É como se desejasse apagar, da história da instituição, aquela pessoa “indesejável e transgressora”.

 

 

 


 

 

 

            18) HECTOR é demitido do corpo docente, mas é readmitido, logo depois, graças à pressão de DAKIN, seu aluno predileto e o que estava sendo bolinado na genitália, quando do flagrante, sobre o DIRETOR, por meio de uma chantagem, pois o rapaz sabia do envolvimento amoroso deste com Fiona, sua seceretária, e por quem DAKIN também estava interessado.

 

            19) Para gáudio do DIRETOR, todos os alunos são aprovados para as universidades pretendidas, inclusive um, RUDGE (YURI RIBEIRO), ainda que por “pistolão”, e isso leva o diretor a parabenizar a professora DOROTHY (NEDIRA CAMPOS) e IRWIN.  O nome de HECTOR sequer é citado.

 

            20) Numa cena em que estão apenas IRWING e DAKIN, este, de forma cruel, desmascara o professor, que dizia ter-se formado em Oxford, mas, na verdade, estudara em Bristol, por ter fracassado, ao não conseguir ingressar naquela instituição.  DAKIN descobrira a fraude, pesquisando na documentação, nos anais de Oxford. 

 

            21) DAKIN, muito astuto, percebe que IRWIN também aprecia práticas homossexuais e, embora sendo um homosexual enrustido, lhe propõe sexo, a princípio, recusado, com veemência, pelo docente, mas acabam acertando um encontro para aquele fim.

 

            22) Embora aprovados para Oxford, os alunos ainda concluem o ano letivo naquela escola e, ao final de uma das últimas aulas, se não a última, o DIRETOR surpreende DAKIN com um capacete de motociclista e conclui que ele, como de outras vezes, iria de carona com HECTOR.  Sugere, então, e isso é muito sismbólico na peça, que IRWIN seja o “beneficiário” do “favor” de HECTOR, o que, de fato ocorre.

 

            23) É bastante contundente uma das últimas falas do texto, dita por SCRIPPS, questionando o porquê do destino traçado para HECTOR.  Não devo reveler o final da peça.  Vão conferi-lo!  Mas não posso deixar de reproduzir um trecho dessa belíssima fala de SCRIPPS; “O IRWIN SEMPRE SE INCLINOU PARA O LADO OPOSTO.”.  Deem, caros leitores, trabalho às suas mentes brilhantes!

 


Elenco completo, incluindo os dois atores que atuam como “stand in”.

 

 

 

 

COMENTÁRIOS FINAIS SOBRE A FICHA TÉCNICA:

 

            1) Seria quase inútil e repetitivo acrescentar mais algum comentário a esse magnífico texto, inteligentíssimo, um dos melhores com que tive contato nos últimos anos, a não ser destacar a grande quantidade de metáforas nele empregadas, o que, infelizmente, não é de alcance de boa parte do público.  Todas são magistralmente construídas, mas uma me chamou mais a atenção, que é a alegoria (conjunto de metáforas) empregada na narração e descrição da investida de DAKIN para conquistar os favores sexuais de Fiona, a secretária do DIRETOR. 

Trata-se, realmente, de um texto muito profundo e que requer muita atenção e sensibilidade por parte do espectador, para que possa ser bem degustado, saboreado.

 

            2) Não resta a menor dúvida de que, embora eu não conheça, infelizmente, o original, em inglês (gostaria de conhecê-lo), a irretocável tradução, de JOSÉ HENRIQUE MOREIRA muito contribui para o sucesso da peça.

 

            3) Respeito os que não acreditam em destino, mas, mais uma vez, sou partidário da teoria de que “nada acontece por acaso”.  O espetáculo vinha sendo dirigido por JOSÉ HENRIQUE MOREIRA, entretanto, como este, por questões particulares, teve de se afastar do trabalho, sua assistente, GLÁUCIA RODRIGUES, assumiu o bastão, na sua primeira direção.  Estava escrito, GLÁUCIA: além de ótima atriz, você merece, agora, o mesmo adjetivo como diretora.  Existem marcas brilhantes no espetáculo, como, por exemplo, a cena em que IRWIN e DOROTHY estão conversando e POSNER também participa da cena, confessando ao professor achar que era homosexual e que estava apaixonado por DAKIN.  São duas conversas paralelas e as mudanças para os dois diálogos são geniais.  Execelente direção, principalmente por se tartar de seu “début”.

 

            4) JOSÉ DIAS acertou no cenário, que não é de grande relevância na trama.  Limitou-se a utilizar elementos que caracterizassem o ambiente onde todas as cenas ocorrem: uma sala de aulas.  Para isso, utilizou apenas nove cadeiras comuns, que são trocadas de posição, em várias cenas, e um piano, num dos cantos do palco.  Ainda é utilizada, em duas ou três cenas, uma cadeira de rodas.  Nada de complicação; apenas funcionalidade.

 

            5) São excelentes os figurinos de DANI VIDAL e NEY MADEIRA (ESPETACULAR PRODUÇÕES E ARTES).  Sóbrios, para os “adultos”, como exige o estereótipo do inglês, o mesmo podendo ser dito para os uniformes dos alunos, acrescidos de agasalhos, no fnal da peça, um detalhe muito bem lembrado, pois seria em pleno inverno no hemisfério norte.  São esses detalhes que valorizam um profissional.  Apenas uma falha: por se tratar de “uniforme”, (uma única forma, igual para todos), não se justificam sapatos de modelos diferentes para os oito alunos, embora na mesma cor.  Apenas um detalhe, que ainda pode ser corrigido.

 

            6) Embora não se trate de um musical, há intervenções desta area, na peça, o que é feito com bastante profissionalismo, graças à direção musical de EDVAN MORAES.  Aqui, devo ressaltar os solos de HUGO KERTH e os excelentes acompanhamentos e solos, ao piano, de ANDRÉ ARTECHE.

 

            7) A iluminação é muito importante nesta montagem e o que se vê, no palco, é um ótimo trabalho de ROGÉRIO WILTGEN.

 

 

 


Edmundo Lippi e Xando Graça.

 

           

            8) Elenco: Pode ser dividido em dois grupos: o dos “veteranos” e o dos mais novos.  Começarei falando do grupo mais experiente, pelos anos de trabalho:

 

            XANDO GRAÇA (HECTOR) – Um dos meus atores prediletos.  De verdade.  É, em sua essência, um ator de TEATRO.  Todos os seus personagens são muito ben construídos e defendidos por esse grande ator, que já merecia, no mínimo, indicações para prêmios na sua categoria, exatamente por sua categoria.  Não poderia ser diferente em FAZENDO HISTÓRIA.  HECTOR é um personagem muito difícil de ser representado, para não correr o risco de virar caricato.  Chega quase a ser um anti-herói, daqueles pelos quais a plateia se apaixona e torce por um final feliz.  Mais autêntico, verdadeiro, anárquico, liberto que ele, impossível, mas, ao mesmo tempo, íntegro, na sua maneira de enxergar o mundo, e cônscio de suas atitudes.  Um personagem apaixonante, interpretado, de forma magistral, por esse grande ator.

 

            MOUHAMED HARFOUCH (IRWIN) – Dos quatro “veteranos”, é o que tem menos tempo de carreira, mas já provou ser merecedor de um lugar de destaque entre os bons atores, por trabalhos passados, nos palcos e nas telas, e, agora, repete a dose, interpretando um personagem também de difícil construção, por suas características interiores.  É prepotente, vaidoso, dissimulado, escorregadio, extremamente irônico, até um pouco agressivo, no tratro com a turma.  Encaixa-se, perfeitamente, no perfil de exigência do DIRETOR, para que este alcance seu objetivo.  Percebe isso, logo que é admitido na escola, e não economiza artimanhas para permanecer no cargo, até como fixo, no quadro docente.  É mais um ótimo trabalho deste ator.

 

            EDMUNDO LIPPI (DIRETOR) – Representa o poder mal exercido, o autoritarismo, o “pragmatismo existencial”.  Manipulador e oportunista, egoísta e hipócrita.  Embora suas cenas não sejam muitas, na trama, o seu personagem é de grande relevância e parece atuar mais, e de forma decisiva, nos bastidores.  Faz um bom trabalho o ator, já tantas vezes consagrado em produções da Cia Limite 151.

 

            NEDIRA CAMPOS (DOROTHY) – Única representante feminina no elenco, tem um ótimo desempenho em cena.  Procura manter-se neutra, na “peleja” entre os dois professores, mas, chega a defender HECTOR e a demonstrar simpatia, carinho, compreensão e compaixão pelo colega de trabalho.  A personagem tem uma conduta linear, no decorrer da peça, mas não oferece elementos suficientes para que lhe seja traçado um perfil.  Pelo menos, para mim.  O que importa é dizer que NEDIRA é uma excelente atriz e, mais uma vez, o demonstra em FAZENDO HISTÓRIA.

 

 

 


Nedira Campos e Edmundo Lipp.

 

 

 

            Com relação aos oito jovens atores, que interpretam os alunos, há um equilibrado nível de atuação, positivo, com algum destaque para um ou outro, apenas por conta dos personagens que representam.  No conjunto da obra, gostei de todos.

 

            ANDRÉ ARTECHE (SCRIPPS) – Fiquei conhecendo uma outra faceta do ator: seu lado pianista, excelente, por sinal.  Seu personagem, por sua extremada religiosidade, chega a sofrer um pouco daquilo que, modernamente, se convencionou chamar de “bullying”. 

 

 

 

Peça questiona o sistema educacional (Foto: Divulgação)

André, em primeiro plano.

 

 

 

            RENATO GÓES (DAKIN) – Certamente, o personagem mais “forte” da turma, por sua sagacidade, seu humor ácido e, por vezes, agressivo, e até por uma certa liderança no grupo, por seu comportamento provocador e debochado.  Sabe tirar partido do seu poder de sedução.  Fiquei muito bem impressionado com o rendimento do trabalho desse ator, que se apresenta como se um veterano fosse.

 

            HUGO KERTH (POSNER) – De baixa estatura, HUGO e transforma num gigante em cena. Em The Book of Mormon, de onde foi revelado, ele já demonstrava essa característica.  Lá, era visto como uma pródiga revelação de ator; aqui, já pode ser considerado um ator pronto, e dos bons.  Excelente na interpretação, ainda reúne as qualidades de um ótimo cantor.  Talhado para musicais, também está aprovado para outros gêneros de representação, como o drama e a comédia.

 

            RAFAEL CANEDO (TIMMS) – Quando vi este rapaz, ainda neste ano, como protagonista, em O Estranho Caso do Cachorro Morto, não tive a menor dúvida de que estava diante de um grande jovem ator, com muitas conquistas pela frente.  Por aquele trabalho, RAFAEL é forte candidate a prêmios, com o encerramento do ano teatral de 2014.  Aqui, seu desempenho também agrada bastante, porém acho que ele não conseguiu, ainda, exorcizar, por completo, o Christopher, da peça anterior, completamente diferente do seu atual TIMMS, pois muitas entonações e gestos ainda lembram, um pouco, o outro personagem.  Penso, porém, que isso é natural que ocorra, para quem ainda está no início de uma bela carreira, mas, no decorrer da temporada, esse brilhante ator há de encontrar um outro tom para o seu personagem.

 

            HÉLDER AGOSTINI (LOCKWOOD) – Fiquei muito feliz por ver esse ator em cena.  Sou adamirador de seu trabalho desde o tempo em que, ainda criança, atuava em televisão.  Ver crianças atuando, de uma maneira geral, não é agradável; soa falso, a não ser que exista ali um talento inato, como é o caso de HÉLDER.  Meu olho clínico para os chamados atores-mirins é muito exigente e, normalmente, acerto em minhas “profecias”.  O menino cresceu, estudou, aperfeiçoou-se e se tornou um homem-ator.  Tomara vê-lo, daqui para a frente, em muitos outros trabalhos em que tenha a oportunidade de mostrar seu talento, como faz nesta peça.

 

            YURI RIBEIRO (RUDGE), GUILHERME FERRAZ (AKTHAR) e RICARDO KNUPP (CROWTHER) têm partaicipações mais discretas, na trama, mas os três se saem muito bem em seus personagens.

 

           

            Ao quase apagar das luzes deste conturbado ano de 2014, para o TEATRO, por conta de muitos fatores, um espetáculo como FAZENDO HISTÓRIA veio para, realmente, “fazer história’, e deveria ser visto por todos os professors e outras pessoas que trabalham com educação.  Tecnicamente perfeito.  Um grande espetáculo, que, sem a menor sombra de dúvidas, me representa, representa-nos, a todos, e ao TEATRO BRASILEIRO.   





Aplausos!!!


 

 

 


FICHA TÉCNICA:

TEXTO – ALAN BENNETT
TRADUÇÃO – JOSÉ HENRIQUE MOREIRA
DIREÇÃO – GLÁUCIA RODRIGUES
CENÁRIO – JOSÉ DIAS
FIGURINOS – NEY MADEIRA E DANI VIDAL (ESPETACULAR PRODUÇÕES E ARTE)
DIREÇÃO MUSICAL – EDVAN MORAES
ILUMINAÇÃO – ROGÉRIO WILTGEN
PROGRAMAÇÃO VISUAL – SYDNEY MICHELETTE
ASSESSORIA DE IMPRENSA E DIVULGAÇÃO – ANA GAIO
FOTOS – GUGA MELGAR
PRODUÇÃO EXECUTIVA – VALÉRIA MEIRELLES
DIREÇÃO DE PRODUÇÃO – GUILHERME PALMEIRA
REALIZAÇÃO – JUPITER TEATRO PRODUÇÕES

ELENCO:
 
OS PROFESSORES (por ordem alfabética) – EDMUNDO LIPPI (DIRETOR), MOUHAMED HARFOUCH (IRWIN), NEDIRA CAMPOS (DOROTHY) e XANDO GRAÇA (HECTOR)

OS ALUNOS (por ordem alfabética): ANDRÉ ARTECHE (SCRIPPS), GUILHERME FERRAZ (AKTHAR), HÉLDER AGOSTINI (LOCKWOOD), HUGO KERTH (POSNER), RAFAEL CANEDO (TIMMS), RENATO GÓES (DAKIN), RICARDO KNUPP (CROWTHER)
e YURI RIBEIRO (RUDGE).

Stand-in: MARCOS GUIAN e JOHNNY FERRO



 

 

 

 
 
SERVIÇO:
 
TEATRO EVA HERZ (LIVRARIA CULTURA), antigo CINE VITÓRIA
Endereço: Rua Senador Dantas, 45, Cinelândia – Rio De Janeiro
Temporada: até 20 de dezembro de 2014.
Dias e Horários: de 4ª feira a sábado, às 19h
Duração: 120 minutos
Faixa Etária: 12 anos
Ingresso: às 4ªs e 5ªs feiras: R$40,00; às 6ªs feiras e sábados: R$50,00
 
 

 

 

 

 


 


Com o meu amigo Mouhamed Harfouch.

 

 

 


Com os queridíssimos Rafael Canedo e Hugo Kerth.

 
 

 


(FOTOS: GUGA MELGAR e MARISA SÁ.)

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