QUEM SABE AQUI
(O PASSADO NÃO ME ASSUSTA... TANTO; O FUTURO? QUEM SABE?
AQUI...)
Cresce,
a cada dia, a quantidade de espetáculos de TEATRO
realizados em espaços não convencionais, principalmente em casas. Só neste ano de 2014, já assisti a oito, dos
quais só me arrependo de um, que me fez cruzar a Linha Amarela, até o afastado
bairro do Cachambi, na zona norte do Rio de Janeiro, e me sentir tão mal, tão violentado,
tamanha era a péssima qualidade da encenação, na qual predominavam a escatologia
e o mau gosto, a ponto de eu abandonar uma casa quase em ruínas, antes da
metade do longo “espetáculo”. Seu título
já era uma piada pronta: Apocalipse.
Em
compensação, um outro pode ser considerado uma verdadeira obra-prima, dos
melhores espetáculos da safra de 2014: Fala
Comigo como a Chuva e me Deixa Ouvir, na Casa da Glória, que tive a oportunidade de ver duas vezes.
Os demais se
situam nas categorias BOM e MUITO BOM, o que acaba por produzir um
saldo bastante positivo. Gosto muito
dessas propostas, que fogem ao convencional, quando são bem feitas, e estou
sempre disposto a prestigiá-las.
Foi com esse
espírito que fui ver, na semana passada, QUEM
SABE AQUI, objeto desta resenha e que fica em cartaz, até o dia 9 de novembro (2014), numa bela casa, situada num ponto
nobre, no Jardim Botânico, Rio de Janeiro (ver
SERVIÇO).
O espetáculo,
escrito e dirigido por CAROL CHEDIAK
e JULIANA TERRA, interpretado por
esta, contando com a luxuosa supervisão de direção da grande atriz e diretora INEZ VIANA, não foi concebido,
inicialmente, para ser apresentado dentro de uma casa, para um diminuto público
de 20 a
30 pessoas, no limite máximo, e sim para um palco italiano, já contando até com
uma pauta num pequeno teatro do centro da cidade.
Durante os
ensaios, porém, realizados na casa onde a peça é apresentada, o olhar de quem
sabe tudo de TEATRO, e mais alguma
coisa, INEZ VIANA, percebeu que ali
era o melhor lugar para a encenação, já que tudo, na estória, foi passado naquele
espaço, fechado havia oito anos, o qual pode ser considerado um grande personagem
da história. A proposta acabou sendo
aceita por CAROL e JULIANA, e a história começou a ganhar
detalhes, até então, fora do roteiro.
Júlia (Juliana Terra)
Ideia nova,
desafios novos: o primeiro foi decidir se todo o espaço do imóvel seria utilizado
e partir para as adaptações necessárias à apresentação de uma encenação teatral,
como a derrubada de uma parede, transformando duas grandes salas de visita numa
bem maior. Decidiu-se por ocupar todos
os cômodos da bela casa, nos dois pavimentos, fazendo da peça um espetáculo
itinerante, misturando diferentes linguagens artísticas, como teatro, performance,
artes visuais e música. Assim, na biblioteca,
por exemplo, acontece uma interessante performance, que provoca e aguça a
imaginação da plateia; um piano foi instalado num dos quartos e é executado por
uma pianista, que representa a mãe de JÚLIA;
no banheiro, há a projeção de um vídeo, do teto para o interior de uma banheira,
cheia de água, resultando numa experiência visual muito interessante, de grande
apelo plástico.
Além disso,
tiveram de fazer inúmeras instalações de som e luz, adaptações técnicas. Todos os cômodos foram sonorizados e câmeras instaladas em todos os
espaços, para que, de
um determinado ponto da casa, profissionais pudessem fazer a operação de luz e
som, numa espécie de central de controle técnico, localizada no segundo
pavimento do imóvel. O mais interessante
é que tudo acontece no tempo certo, não havendo qualquer falha técnica.
Esse projeto
gerou um espetáculo extremamente sensorial, uma narrativa que sugere, à medida
que a personagem vai mergulhando no seu passado e trazendo-o à tona, para os
convidados, variadas imagens, sons, cheiros e gostos. Sons e ruídos, nos locais em que estão
acontecendo as ações ou nos periféricos, provocam reações nas pessoas, na
tentativa de compreender o que representam.
Sentem-se cheiros variados, em cada cômodo, e dependendo da cena. Numa, em que, num ataque de fúria, a personagem
se volta contra o pai, a atriz destrói um enorme repolho, simbolizando a figura
paterna, e, à medida que vai dilacerando o legume, um forte cheiro do vegetal
vai tomando conta do ambiente e, de certa forma, repugnando o público, que
parece ansiar pelo desfecho rápido da cena.
No quarto de JÚLIA, quando criança,
percebe-se um delicado e agradável cheiro de lavanda, sugerindo pureza e
ingenuidade. No momento em que a
personagem relembra o tempo que passava, na biblioteca, na companhia do pai, e
fala do cheiro que a faz rememorar aqueles momento - desagradável odor, por
sinal -, qual seja o da mistura de cigarro, bebida e de bala Halls, a verdade é
tanta, ao sair da boca da atriz, que, sinceramente, também me incomodou aquela
memória olfativa. Eu “senti”, ali,
naquela sala, o inconveniente cheiro descrito.
Aceita um café?
Para
recepcionar os visitantes, vinho é servido, e o ambiente fica pleno daquele
delicioso aroma, da mesma forma como, ao final da peça, já no interior da
cozinha, JÚLIA, ao fazer, de forma
totalmente despropositada, atabalhoada, café, o forte cheiro da bebida toma
conta do ar, agradável, para quem a aprecia, desagradável pra os que a
desaprovam, uma minoria. Aguça o desejo
de provar daquele cafezinho, que é desperdiçado, derramando-se por sobre uma bancada, em função da perturbação
mental que toma conta da personagem.
Creio
que essas propostas sensoriais contribuem muito para que os espectadores
exercitem o seu imaginário olfativo da infância e, até mesmo de um passado mais
recente, proporcionando a impressão de que cada um dos presentes também está passando
por aquela experiência da volta a algum lugar que lhe tenha sido, por quaisquer
motivos, muito marcante.
O texto
mistura realidade e ficção, na medida em que fala das reminiscências reais de CAROL, naquele espaço, mais um pouco da
verdadeira história de JULIANA (sua
relação familiar), que protagoniza a peça, como JÚLIA, aquela que volta ao “lar”, para habitá-lo, e elementos
incorporados ao texto, a partir da geografia local, elementos dramatúrgicos que
se amalgamam numa bela e comovente dramaturgia.
Na verdade, o
imóvel em questão estava fechado há oito anos e foi nele que CAROL CHEDIAK (no caso, a personagem JÚLIA) viveu boa parte da sua vida,
principalmente a infância e a juventude.
Após a temporada, a proprietária do imóvel está pensando em voltar, de
verdade, a morar nele.
E o pensamento voa…
Na dinâmica do
espetáculo, o público se aglomera na calçada do casarão e vai se conhecendo,
interagindo, criando uma intimidade e cumplicidade, muito importantes para a
criação de um clima para a peça, até ser recebido por um ser enigmático (GUSTAVO BARROS), de excelente atuação,
um homem num traje estranho, quase indescritível, algo que lembra um quimono,
uma vestimenta meio unissex, o qual convida o público a entrar na casa e se
encarrega de servir vinho aos convidados e de guiá-los pelo imóvel, durante a
encenação, alternando sorrisos indecifráves e expressões faciais fechadas,
duras, idem, sem pronunciar uma só palavra.
Mordomo ou governanta?
Mistério...
Passando da
primeira sala à segunda, a maior de todas, depara-se com JÚLIA, ao telefone, a qual, ao notar a presença das pessoas,
interrompe a conversa que vinha mantendo com seu interlocutor e passa a dar
atenção aos convivas, passando a contar-lhes o motivo pelo qual está voltando a
morar naquela casa e fatos importantes que marcaram sua primeira ocupação
ali. Tudo isso em meio a muitas caixas,
que guardam a história do lugar e que servem para embalar os objetos da
mudança.
A descoberta,
num dos armários da casa, de uma fita cassete e de um anacrônico gravador que
possa reproduzi-la é que serve de motivação para que a personagem vá puxando,
de sua mente, aquelas lembranças, algumas positivas e outras muito doídas. Esse áudio, uma gravação doméstica, leva JÚLIA a escarafunchar as gavetas do seu
passado, a reverenciar a figura materna, a enfrentar o fantasma do pai e os
seus próprios fracassos pessoais (chegou a se casar quatro vezes) e a
questionar seu lugar no mundo e os rumos que sua vida possa tomar a partir
daquele momento.
Revelações e…
...lembranças.
Além do ator
que faz a enigmática personagem que recepciona o público, já mencionado, uma
menina, cujo nome não está na ficha técnica do espetáculo, circula pela casa,
vez por outra, representando a protagonista, quando criança, assim como uma
outra mulher, também sem nome na ficha técnica, sem nenhum texto, representa a
mãe de JÚLIA, numa cena em que, em
silêncio, penteia a menina, sendo que esta, em determinado momento, não se
deixa mais pentear, sai correndo, e a mãe não cessa os movimentos que vinha
fazendo, como se não notasse a presença ou a ausência da criança. Muito interessante a cena. Também uma pianista (CRISTINA CAFFARELLI) tem uma pequena participação numa das cenas,
executando uma canção, que fica no ar, mesmo quando os espectadores abandonam a
sala ocupada pela executante.
Momento lúdico da
infância de Júlia.
Após a última cena, o
publico é convidado a sair da casa, praticamente expulso, apressadamente,
expelido, cuspido para fora, em oposição à gentileza como fora
recepcionado. Fiquei com a impressão de
que tal atitude possa ser decodificada como um conselho a deixar a protagonista
sozinha em sua tentativa de um recomeço.
Gostei muito do
espetáculo e não me furto a recomendá-lo, com empenho.
FICHA TÉCNICA:
Supervisão: Inez Viana
Dramaturgia e Direção: Carol Chediak e Juliana Terra
Elenco: Juliana Terra, com participação de Gustavo Barros
Pianista: Cristina Caffarelli
Cenografia: Beli Araújo
Figurino: Guto Carvalhoneto
Iluminação: Renato Machado
Direção de Movimento: Marcia Rubin
Direção Musical: AC
Colaboração na criação: Daniela Visco e Marcos Bonisson
Assessoria de imprensa: Silpert e Chevalier Comunicação
Direção de Produção: Lucas Mansor
Produção Executiva: Bernardo Portella
Programação Visual: Lucas Sancho
Fotografia: Carol Chediak
Realização: Coletivo Pequeno
Todos
os profissionais envolvidos no projeto honram o trabalho e merece um destaque a
interpretação de JULIANA TERRA.
SERVIÇO:
Gênero:
Drama
Temporada: Até 09 de novembro / 2014
Dias e horários: sextas-feiras e sábados, às
21h; domingos, às
20h
Ingressos: R$ 80 (inteira) e R$ 40 (para os casos previstos
em lei)
Local: Rua Corcovado, 146 (entrada pela Lopes Quintas)
Duração: 60
minutos
Capacidade: 20 espectadores (possibilidade de mais alguns, o
que não é ideal)
Ingressos pelo tel 98633-7074 ou pelo site www.compreingressos.com.br
Classificação: 14 anos
(FOTOS: CAROL CHEDIAK)
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