quarta-feira, 12 de novembro de 2014


OS INTOLERANTES

 

 

 

(A VIDA COMO ELA É.  E NÃO DEVERIA SER...)

 

 


 

 

            Jurei, a mim mesmo, não utilizar, nesta resenha, a tão batida frase “A arte imita a vida.”, mas se é disso que a peça trata, é impossível fugir à frase pronta.

            O espetáculo que está em cartaz, no Teatro I do CCBB (Rio de Janeiro), OS INTOLERANTES, é baseado num fato real, que, em fevereiro de 2014, mobilizou a opinião pública, quando um menor, ladrão, foi preso a um poste, por uma tranca para bicicletas, no bairro do Flamengo, zona sul do Rio de Janeiro.  A ação fora praticada por um grupo de três homes, se não estou enganado, que se diziam “justiceiros”, para vingar os delitos do marginal e, certamente, para chamar mesmo a atenção do povo e das autoridades ligadas à (in)segurança na ex-Cidade Maravilhosa.

 

 


O real que deu origem à ficção.

 

            HENRIQUE TAVARES e CARLA FAOUR exploraram o fato de forma brilhante, do ponto de vista dramatúrgico, e escreveram a peça, que vem agradando ao público, desde sua recente estreia, e que também serve de motivo para homenagear os 50 anos de TEATRO de uma grande atriz, IVONE HOFFMANN, com quem tive a honra de dividir o palco, há 44 anos, na primeira versão de Hair, no antigo Teatro Novo, ex-República, de saudosa memória, onde, hoje, funciona a TV Brasil.

 

 

 
SINOPSE:
 
Um jovem, acusado de roubar a bolsa de uma senhora, é capturado por um morador de Copacabana.
As manifestações de apoio e de repúdio à atitude do morador provocam um acalorado debate entre as pessoas que passam pelo local.  Dentre eles, estão um casal, uma estudante, um ciclista e a própria senhora, vítima do roubo.
Nessa atmosfera, entre a realidade, o pesadelo, e o delírio, estamos num dia atípico no Rio de Janeiro.  Uma manifestação paralisa a cidade.  A polícia foi toda deslocada para a área do conflito.  O trânsito caótico deixa os personagens à deriva, perdidos numa Copacabana isolada, entregues à própria sorte.  
Eles se acusam mutuamente, à espera da polícia, que nunca chega.  
O tempo passa e eles têm que decidir sobre o destino de um garoto preso a um poste.


 

 

 


Sérgio Abreu, Ivone Hoffmann, Day Mesquita e Éder Martins de Souza.

 

            Ainda que o tema seja, por demais, sério, o texto é cheio de um humor patético, tanto quanto é a situação, aproximando-se do surreal e, até mesmo, do mórbido, em alguns momentos.  Nele, abordam-se as contradições e os preconceitos dos personagens envolvidos em casos de intolerância, permitindo uma reflexão sobre a importância do respeito à diversidade. 

Não que faltem, no dia a dia, em todas as mídias, discussões acerca desse respeito, porém, muitos fatos reais ocorrem diariamente, o que atesta a necessidade de passarmos da teoria para a prática.

            Considero muito interessante, e importante, que fatos reais possam gerar uma ficção que provoque o espectador e o faça refletir a respeito de seus conceitos éticos sobre justiça e humanismo.

            A partir de um fato, para muitos, tão simples, que poderia até passar despercebido e não ganhar tanto espaço na mídia, esconde-se uma problemática de mais de cinco séculos, no Brasil, desde seu descobrimento, uma herança histórica
que envergonha e macula a nossa cidadania: a discriminação racial e social.  O infrator era negro e pobre e esses dois fatores potencializam a não-aceitação ou, pelo menos, compreensão do seu delito.

            Justificando o texto, de forma muito clara, assim se pronunciou CARLA FAOUR: “No Brasil e no mundo, a convivência entre pessoas de diferentes culturas, classes sociais, etnias, credos e opções sexuais está na pauta das discussões que norteiam as relações comportamentais de nossa época.  A peça lança, através do humor, uma lente de aumento sobre os personagens, a situação absurda, a cidade e o próprio país”.

Da mesma forma, HENRIQUE TAVARES, complementado as palavras de CARLA, assim se manifesta: “Estamos numa cidade-paraíso à beira do caos e acompanhamos personagens que escapam à nossa compreensão. O público torna-se testemunha de uma cena tão inverossímil quanto assustadora, cotidiana e risível. Um espetáculo que se equilibra sobre esta linha tênue, entre a perplexidade e o delírio”.

 

 

 


“E agora, José?”

 

 

Na ficção, o espaço físico transferiu-se do Flamengo para Copacabana, onde vive, e por lá transita, toda uma gama de diferentes pessoas, como são os personagens da peça: um casal da classe média (CARLA FAOUR E CELSO TADDEI), a caminho de uma festa de aniversário do irmão do marido, cada um mais egoísta que o outro; uma senhora (IVONE HOFFMANN), viúva de um militar (“gorila da ditadura), a vítima de um assalto, a princípio tentando deixar claro que não apoiava as ações do marido, ou melhor, isentando-o delas, porém, depois, reconhecendo que ele estava certo nas suas arbitrariedades e truculências; uma jovem estudante e militante das causas sociais (DAY MESQUITA), talvez uma alusão à jovem Elisa de Quadros Pinto Sanzi, conhecida como Sininho, apontada como liderança nas recentes manifestações sociais; um rapaz da classe média (SÉRGIO ABREU), atleta, orgulhoso de sua medalha de bronze, numa luta marcial, numa edição dos Jogos Pan-Americanos; e o rapaz (ÉDER MARTINS DE SOUZA), provavelmente menor de idade, negro e pobre, o pivô da situação.  Não poderia ficar de fora, também, a figura de um “justiceiro” das histórias em quadrinho, o Batman (LEANDRO SANTANNA), que, apesar de um “super-herói”, não tem muito o que fazer, para resolver o impasse.  Esse personagem, ao que tudo indica, surgiu, no texto, por inspiração num cidadão que participava das manifestações populares de rua, que marcaram o ano passado, fantasiado de tal forma.

 

 


Para onde vamos?

 

 

Aos poucos, todos vão se aproximando do jovem aprisionado e uma sucessão de aprovações e discordâncias sobre a barbárie vão sendo discutidas, e situações quase absurdas e inverossímeis vão acontecendo, como, por exemplo, o fato de não aparecer um policial, já que todos estavam envolvidos numa grande manifestação no Centro da cidade; a necessidade de beber água, o que se torna um grande obstáculo para a resistência de todos, porque nenhum quiosque está aberto naquele momento.

Ocorre que, de aprisionadores do meliante, todos se tornam aprisionados, reféns de situações da quais não conseguem se libertar.  É cada um por si e sabe-se lá quem é por todos.

Para finalizar a trama, os autores optaram por um pulo significativo, do caos a uma grande confraternização de todos, num verdadeiro carnaval, um “happy end”, o que faz com que lembremos aquela tão triste e indesejada máxima de que, “no Brasil, tudo acaba em pizza”.

  No desenrolar da trama, torna-se muito difícil rotular alguém como o “certo” ou o “errado”, o “mocinho” ou o “bandido” da história, já que as opiniões e posicionamentos vão sendo modificados, até o extremo, diante de argumentos levantados por algum dos personagens, com acusações mútuas.

OS INTOLERANTES é um espetáculo bem simples na sua forma, mas bem complexo na essência e serve como um bom ponto de partida para se discutir, até mesmo, o destino da humanidade, a persistir a intolerância, sob todas as óticas, que permeia e determina as relações entre os homens hodiernos, ditos “racionais”.

Destaco a boa atuação de todo o elenco, o texto, a direção, o cenário, os figurinos e a iluminação.

Recomendo o espetáculo.

 

 

 


A saída?  Onde está a saída?

 

 

 

 

 
FICHA TÉCNICA:

Texto: Carla Faour
e Henrique Tavares
Direção: Henrique Tavares
Cenário: José Dias
Figurinos: Patricia Muniz
Iluminação: Aurélio de Simoni
Diretor Assistente: Anderson Cunha
Assessoria de Imprensa: Ney Motta
Programação Visual: Claudia Wolter
Fotos de divulgação: Flávia Fafiães
Direção de Movimento: Hayla Barcellos
Visagismo: Evânio Alves
Assistente de Figurino: Gabriela Coimbra
Gravação de vídeo: Bernardo Palmeiro
Produção: Janeiro Produções
Patrocínio: Banco do Brasil
Realização: Centro Cultural Banco do Brasil
Elenco: Ivone Hoffmann (Edith); Carla Faour (substituída, eventualmente, por Juliana Guimarães (Suzana); Celso Taddei (Amadeo); Day Mesquita (Guida); Eder Martins de Souza (Caco), Leandro Santanna (Batman) e Sergio Abreu (Pan)



 

 

 


S.O.S!!!

 

 

 

 
SERVIÇO:
 
Local: Centro Cultural Banco do Brasil – Teatro I
Rua Primeiro de Março 66, Centro do Rio de Janeiro  -  Tel. (21)3808-2020
Temporada: Até 21 de dezembro, de quarta-feira a domingo, às 19h.
Não recomendado para menores de 14 anos.
Ingressos: R$ 10,00
Duração: 80 minutos
Comédia
 

 

 

 

 

 

(FOTOS: FLÁVIA FAFIÃES)

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