sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

“CERCA VIVA”

ou

(DE SONHOS,

INQUIETAÇÕES,

DÚVIDAS

E

FRUSTRAÇÕES.)

ou

(FELICIDADE INVENTADA

É O MESMO QUE

INFELICIDADE REAL.)

ou

(NÃO DEIXE PARA AMANHÃ O QUE TEM QUE SER FEITO HOJE.)



        De certo, tudo, na vida, tem seu lado bom e o seu oposto. Com relação à temporada teatral carioca de 2023, recém-iniciada – estamos apenas na terceira semana – é ótimo que o TEATRO tenha renascido das cinzas, após uma pandemia, tal qual a Fênix, com muitas estreias, da melhor qualidade (quase todas). O que sinto nisso, não de ruim, mas algo desafiador, para mim, é que, como só escrevo sobre espetáculos que me agradam e diante de um “tsunâmi” de ótimos espetáculos, eu teria que selecionar apenas alguns, para tecer meus comentários e minha opinião sobre eles, visto que levo muito tempo para concluir e publicar uma crítica, por mergulhar profundamente em cada produção. Acontece, porém, que minha consciência não fica tranquila, se não escrevo sobre alguma montagem de que gostei, como se eu tivesse a obrigação de fazê-lo. Digo, a mim mesmo, que não vou escrever sobre tudo o que vejo e me marca, positivamente, tenho plena consciência de quão difícil, cansativo, “pesado” esse trabalho é para mim, ainda que muito prazeroso, mas o meu outro “eu”, que me atura, parece surdo. Não me emendo e quase enlouqueço, “fabricando” disponibilidade, em todos os sentidos, para escrever as críticas das montagens que classifico como merecedoras do meu sacrifício, físico e mental. Acho que os DEUSES DO TEATRO me ajudam a seguir em frente.

 

 

 

        Na última segunda feira (16), atendendo a um convite de MICHELLE ANTELO e TATIANA GARRITANO, assessoras de imprensa da peça “CERCA VIVA”, fui ao agradável Teatro Firjan Sesi Centro, para conferir as ótimas referências que me haviam chegado sobre o espetáculo, com texto de RAFAEL SOUZA-RIBEIRO, dirigido por CESAR AUGUSTO, trazendo, no elenco, CAMILA NHARY, GABRIEL ALBUQUERQUE, SÁVIO MOLL e ÂNGELA REBELLO.


 

 


 SINOPSE: 

CAMILA NHARY (Lúcia) e GABRIEL ALBUQUERQUE (Luiz) formam um jovem casal que resolve deixar a vida agitada da capital, para morar em uma cidade rural em processo de urbanização.

Ambientada na década de 50, a produção aborda, no meio dessa mudança radical de rotina, a aflição de Lúcia, por postergar os seus sonhos e abdicar de uma promissora carreira, para acompanhar o seu marido em um novo emprego na área industrial.

Repletos de indagações, dúvidas, receios e algumas certezas dentro do casamento, eles passam a questionar o vazio de suas vidas, ao tentar construir a imagem da família tradicional perfeita.

Todos os dilemas do casal, principalmente os de Lúcia, ganham ainda mais força por conta do convívio com seus novos vizinhos, Valcir, interpretado por SÁVIO MOLL, e Regina, personagem de ÂNGELA REBELLO, que acabam trazendo uma nova visão sobre algumas questões que os afligem.

 

 


 

        A ida de um casal urbano para uma pequena cidade do interior é apenas o mote, encontrado pelo dramaturgo, para abordar aquilo que era sua verdadeira intenção, qual seja a de apresentar a história de um casal em crise e provocar, no público, reflexões acerca do sentimento de amargura, desgosto, insatisfação, dissabor e frustração da mulher dentro do casamento, na maternidade e na realização profissional e, também, sobre as pressões e os padrões estabelecidos por uma sociedade burguesa e patriarcal.

 

 

 

        Como a peça é ambientada na década de 50, no século passado, é preciso que se assista ao espetáculo tendo em mente esse importante detalhe, porém, se observado com mais atenção, chega-se à conclusão – comigo, pelo menos, foi assim – de que toda a subserviência de Lúcia, a sua conformidade, resignação, em deixar para trás ou, pelo menos, adiar tudo aquilo com que sonhara – que era direito dela e de qualquer outra mulher – poderia não ser seguido pelas mulheres de hoje; pela maioria, penso eu. Naquela época, a mulher ainda vivia sob a égide de um marido, tendo sido criada para ser “bela, recatada e do ar”. Sua função era servir ao esposo, uma espécie de seu amor e senhor, e “cumprir com suas obrigações de esposa e de mãe”, abrindo mão de sua felicidade plena e da própria realização, como mulher, profissional e ser humano.

 

 

 

        Lúcia sabia que não fora acertada a sua decisão de acompanhar o marido, licenciando-se de seu trabalho, como professora de francês, e afastando-se das delícias de se viver numa metrópole, ainda que, nesta, também “se coma pão fresco e macio, num dia, e duro, com sabor desagradável, no outro”. Com certeza, não queria sofrer mais do que lhe custaria aquela drástica mudança de vida. Então, parecia "conformada", mas só até a página cinco; talvez a quatro. Agora, enquanto me permito “viajar”, em meus pensamentos, para ordenar as ideias e torná-las concretas, no papel, lembrei-me de um verdadeiro primor de texto, que é a crônica “Eu Sei, Mas Não Devia”, escrita por Marina Colasanti, cuja leitura recomendo, com o maior empenho, a todos. Foi escrita e publicada em 1972, entretanto seu conteúdo é tão atual, que nos causa uma dor imensa, quando a lemos e nos identificamos com seu conteúdo. O texto da peça e a crônica guardam, entre si, muita relação.

 

 


        Acredito que, depois de ter assistido ao espetáculo, ninguém sai do Teatro imune, sem se deixar tocar; todos, de uma forma ou de outra, em maior ou menor intensidade, saem "mexidos", se não modificados, com uma atitude de autoquestionamento, no mínimo. “Em cena, CAMILA NHARY é Lúcia, uma mulher moderna, cosmopolita e de classe média, que vive com um marido amoroso, Luiz, em uma casa confortável. Ela teme repetir os passos da mãe, mas se vê sufocada e com sua identidade desintegrada com a cobrança de exercer um papel que nunca sonhou: o de esposa devotada e dona de casa. Em meio à efervescência política da Era Vargas, a pressão sobe ainda mais com a interferência do casal vizinhos, separados apenas por uma pujante ‘cerca viva’...” (Trecho extraído do “release” que me foi enviado pela assessoria de imprensa.)

 

 

 

      Sou admirador do estilo de dramaturgia de RAFAEL SOUZA-RIBEIRO, responsável por alguns textos que muito me agradaram, quando as peças foram encenadas, com destaque para “Gisberta”, que considero uma “obra-prima; “Homem Feito”, que, também, muito me emocionou; e “Malala – A Menina Que Queria Ir Para A Escola”, um belíssimo espetáculo infantojuvenil, para todas as idades. Penso que o dramaturgo não reprime suas ideias e sabe, muito bem, como transformá-las num TEATRO rico, vivo e simples de ser entendido, acessível a qualquer segmento de público. O texto de “CERCA VIVA” vai direto ao coração de cada espectador e entra sem pedir licença. Apresenta diálogos vivos e algumas situações que flertam com o patético e o ridículo. RAFAEL não sugere; ele diz.

 

 

 

        Penso que CESAR AUGUSTO, diretor desta montagem, conseguiu “mastigar”, muito bem, tudo o que está escrito no texto e, também, o que pode ser lido nas entrelinhas e “regurgitou” o material processado com muita perícia e bom gosto, ao que acrescento a sua competência para fazer um espetáculo ser tão marcante, contando com um baixo orçamento, responsável por uma encenação simples, em termos plásticos, compensada pela força da criatividade. Quando falta dinheiro, é proibido economizar em boas ideias. É possível, sim, fazer TEATRO de ótima qualidade, como a peça em tela, com parcos recursos financeiros, o que fica na dependência de um bom diretor, como CESAR, e uma boa FICHA TÉCNICA.

 

 

 Cesar Augusto.


Esse estado de “pobreza material” é compensado com cenários, figurinos e iluminação comedidos, porém de forte peso criativo e original. A começar pela cenografia, que reúne, em cena, poucas peças bem simples, com destaque para a réplica de uma casa, confeccionada, apenas, com pedaços de ferro, o telhado acoplado ao resto da peça, sendo que, dependendo da cena, é posicionada de formas diferentes no palco, pelos próprios atores. Um belo trabalho de criação, de ELSA ROMERO e LUIZ HENRIQUE SÁ. Vale ressaltar que o cenário pode estar muito bonito, no papel, e adequado à montagem, porém sua confecção deve cair nas mãos de profissionais competentes e caprichosos, os cenotécnicos, que se atenham aos detalhes, na hora de sua execução. Um bom trabalho de FÁTIMA DE SOUZA (cenotécnica) e CABEÇÃO (ferreiro).

 

 

(Foto: Gilberto Bartholo.)


 

BRUNO PERLATTO fez um ótimo trabalho, na criação dos figurinos, fixando-se bem na moda dos anos 50 e nas características dos personagens. Para quem enxerga o espetáculo somente com olhos de espectador, o figurino, por não apresentar nada que nos salte aos olhos, pode passar despercebido, no entanto, para quem assiste à peça como, primeiramente, um grande amante do bom TEATRO e, também, com uma visão técnica, de um crítico, aquilo que pode parecer sem muita importância, na verdade, é um grande acerto do figurinista.

 

 

 

ANA LUZIA MOLINARI DE SIMONI vem, cada vez mais, se firmando, em sua área de trabalho, a iluminação, como uma grande profissional do ramo, seguindo os passos de quem deve ter sido seu grande mestre e mentor, Aurélio de Simoni, seu pai, um dos "craques da luz". ANA LUZIA pensou numa luz bem simples, seguindo a linha do “franciscano”, com fachos luminosos que vêm de cima e das laterais do palco, conseguindo, com isso, ótimos efeitos visuais.

 

 

 

Para agregar valores à montagem, concorrem, com seus talentos, MÁRCIO MELLO, no visagismo, e MARCELLO H, na direção musical, os dois sabendo bem o que estavam fazendo.

Deixei para falar, em último lugar, do trabalho de interpretação do quarteto de atores. Pela “urdidura” da trama, podemos dizer que, tecnicamente falando, de acordo com os conhecimentos de dramaturgia e de estrutura da narrativa que acumulei, ao longo de mais de cinco décadas, Lúcia e Luis são os protagonistas do enredo, que dá margem, este, à construção da narrativa, mas não podemos desprezar a importância dos dois personagens secundários, Valcir e Regina, não só pela influência e pressão que exercem sobre o casal protagonista, como também pelas belas atuações de SÁVIO MOLL e ÂNGELA REBELLO. Quanto às interpretações mais que corretas e afinadas, de CAMILA NHARY e GABRIEL ALBUQUERQUE, ambos são merecedores de meus efusivos aplausos. No conjunto da obra, estamos diante de quatro excelentes atores, bem entrosados, em cena. É importante notar que, mesmo não fazendo parte da cena, todos, em segundo plano, participam de todas, com seus silêncios expressivos, principalmente ÂNGELA REBELLO.


 

 

FICHA TÉCNICA:

Texto: Rafael Souza-Ribeiro

Direção: Cesar Augusto

Assistente de Direção: João Gofman

 

Elenco: Ângela Rebello, Camila Nhary, Gabriel Albuquerque e Sávio Moll

 

Cenografia: Elsa Romero e Luiz Henrique Sá

Assistente de Cenografia: Mariana Marton

Cenotécnica: Fátima de Souza

Serralheiro: Cabeção

Iluminação: Ana Luzia Molinari de Simoni

Figurino: Bruno Perlatto

Visagismo: Márcio Mello

Direção Musical: Marcello H

Identidade Visual: Bruno Dante

Técnico / Operador de Luz: Pedro Carneiro

Fotografia: Luiz Henrique Sá e Victor Novaes

Operador de Som: Rômulo Chindelar

Assistente de Figurino: Evelyn Cirne

Técnico de Som: Bryan Cortez

Técnico de Luz: Paulo Ignácio

Assistente de Produção: Matheus Henrique

“Marketing” Digital:  MG Comunicação Digital

Intérprete de Libra: Claudia Chelque

Assessoria de Imprensa: Michelle Antelo e Tatiana Garritano

Produção Executiva: Bárbara Montes Claros

Direção de Produção: Damiana Inês

Idealização: Camila Nhary

 

 


 

 



SERVIÇO:

Temporada: De 09 de janeiro a 14 de fevereiro de 2023.

Local: Teatro Firjan Sesi Centro.

Endereço: Avenida Graça Aranha, nº 1 – Centro – Rio de Janeiro.

Telefone: (21)2563-4455.

Dias e horário: 2ª e 3ª feira, às 19h.

Valor do Ingressos: R$30,00 (inteira) e R$15,00 (meia entrada).

“Link” para a compra de ingressos: https://bileto.sympla.com.br/event/79150 

Classificação Etária: 12 anos.

Duração: 60 minutos.

Gênero: Drama Tropical. 

 




“CERCA VIVA” aborda dilemas e frustrações típicos de um casamento e, na visão de sua idealizadora e protagonista, CAMILA NHARY, “a montagem é uma chance de o público perceber o que mudou dos anos 50 para cá e os principais conflitos das mulheres no país”. Será que mudou tanto? Questionamento meu. Segue ela, dizendo que, antes desta temporada, no Teatro Firjan Sesi Centro, o espetáculo foi apresentado, em regime de circulação, entre abril e maio de 2022, na Lona Cultural Municipal Carlos Zéfiro, em Anchieta; no Teatro Ruth de Souza, no Parque das Ruínas, em Santa Teresa; e na Lona Cultural Municipal Terra, em Guadalupe. Em novembro, a peça esteve presente em Campo Grande e Volta Redonda.



Com relação a essas apresentações, uma espécie de “esquenta”, para a estreia oficial, sempre, após as sessões, era oferecida a oportunidade de um “bate-papo” com os presentes, conversas informais essas as quais, segundo CAMILA, foram muito enriquecedoras, levando o espetáculo a ficar mais “azeitado”. Foram ouvidos, de acordo com ela, inúmeros depoimentos de mulheres que abriram mão de seus anseios profissionais, para acompanhar a carreira do marido; outras que contaram sobre os seus dilemas e desafios diante de uma gravidez, entre outras questões delicadas dentro do universo feminino. Era unânime, entre as espectadoras, que parece que muito pouco mudou dos anos 50 para cá. Há muitas “lúcias” por aí, e “o espetáculo traz um olhar e uma reflexão acerca desses assuntos e tabus”

 

 

 

        O TEATRO é lazer, mas também é cultura, é ilustração, é educação, é um canal para muitos questionamentos e reflexões. Há peças que são, apenas, “digestivas” – nada contra elas -, o que não é, absolutamente, o caso de “CERCA VIVA”.

        Esteja aberto para ouvir, pensar e expressar suas opiniões e se colocar no lugar da personagem principal da trama. Verá que vale muito a pena ir ao Teatro. Se eu recomendo a peça? Acho que meu texto é a minha resposta a essa pergunta.

 

 

 

 

FOTOS: LUIZ HENRIQUE SÁ

e

VICTOR NOVAES.

 

 

 

GALERIA PARTICULAR:

(FOTOS: HAMILDA BASTOS.)

 

 

Com Gabriel Albuquerque 

e Rafael Souza-Ribeiro.


Com Camila Nhary.


Com Ângela Rebello.


Com Sávio Moll.

 

 

VAMOS AO TEATRO,

COM TODOS OS CUIDADOS!!!

OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO

 DO BRASIL,

COM TODOS OS CUIDADOS!!! 

A ARTE EDUCA E CONSTRÓI, SEMPRE!!!

RESISTAMOS, SEMPRE MAIS!!!

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