quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

“A HORA DO BOI”

(ou)

(UMA RELAÇÃO VISCERAL,

ENTRE UM HOMEM E UM BOI.)

 

 



            Sempre que assisto a um monólogo de boa qualidade, penso que os prêmios de TEATRO deveriam colocar esse gênero numa categoria à parte, pois julgo que um ator ou uma atriz que se predispõe a, de forma solitária, se expor, num palco, contando apenas com o seu talento, um bom texto, uma correta direção e o devido apoio dos outros elementos que dão suporte a uma montagem teatral, merece ter seu trabalho avaliado por outro ângulo, diferente do que é aplicado aos atores de um elenco. Fazer, e sustentar bem, um espetáculo solo é para poucos e, como os tempos estão “bicudos”, para montagens com algumas pessoas num elenco e, também, pela necessidade, ou desejo, dos atores de mostrar seu trabalho, seu potencial artístico, atraindo todos os focos para si, os monólogos, já de um bom tempo, vêm marcando presença, nas temporadas teatrais de todo o Brasil. Acho isso ótimo e, sempre que vou assistir a um, instintivamente, sinto que me armo com uma dose maior de exigência, visto que, se é desagradável assistir a uma peça de qualidade duvidosa, com um elenco, pior ainda é ter que aguentar um monólogo ruim, mal feito. O tempo cronológico não bate com o psicológico. A gente quer que passe logo, olha, disfarçadamente, para o relógio, mas os ponteiros teimam em girar “em passos de tartaruga”. Não foi o que aconteceu, quando tive o grato prazer de assistir ao solo aqui analisado. Muito pelo contrário, seria capaz de ficar admirando tudo de bom reunido num só espetáculo.



     Quando SILVANA ESPÍRITO SANTO (PASSARIM COMUNICAÇÃO - Assessoria de Imprensa) me encaminhou o convite para assistir a “A HORA DO BOI”, reagi com bastante alegria, tão logo bati os olhos na SINOPSE e na FICHA TÉCNICA, já achando que os “passos de tartaruga” cederiam espaço aos “de guepardo”, considerado o animal mais veloz do planeta Terra, este – é sempre bom lembrar – que sempre foi, é e continuará sendo redondo. O tema, assim que li um “release” sobre a peça, me pareceu muito interessante; e o é, de verdade, afirmo, depois de ter assistido a uma sessão, no último domingo, dia 08 de janeiro (2023), no Teatro Poeirinha, Rio de Janeiro. Motivos para a minha reação mais que positiva? Além da instigante temática, saber que a dramaturgia foi escrita por DANIELA PEREIRA DE CARVALHO, a quem muito admiro e que já emplacou muitos sucessos, de público e de crítica, com destaque para dois mais recentes, encenados em 2022: “Realpolitk” e “Uma Revolução dos Bichos”. Mais alguma coisa? Sim, algumas. Saber que a produção é de CAIO BUCKER, que sempre põe seu “dedo de Midas” nas produções que assume. Também – e isso teve um peso enorme – o ato de o único actante do espetáculo ser VANDRÉ SILVEIRA, ator que passei a admirar muito, depois de tê-lo visto e aplaudido em sua brilhante atuação na peça “O Homem Elefante” (2015). Saí extasiado do Teatro OI Futuro, após ter assistido a essa peça: com o espetáculo, em si, e, principalmente, com a atuação de VANDRÉ. A mesma reação experimentei, em 2018, no solo “Farnese da Saudade”, também com produção do CAIO e no mesmo Teatro Poeirinha. Não posso negar que os outros nomes da FICHA TÉCNICA também me motivaram a assistir à peça, logo na primeira semana da temporada. Criei, a partir de então, uma boa perspectiva de um espetáculo, que foi bem além do que eu expectava.


 



SINOPSE:

No palco, uma história sobre empatia entre seres vivos, quando um homem que, antes, nunca conhecera o que fosse afeto e amizade, cria laços de amor com um boi.

Seu Francisco é um tratador e capataz de matadouro, que se encontra numa encruzilhada, ao criar grande relação de amizade e afeto com o boi Chico, nascido por suas mãos e criado, por ele, "como um filho".

O monólogo passa a mensagem de que todos os seres vivos são igualmente importantes.

 

 



    A idealização do espetáculo partiu de VANDRÉ SILVEIRA, que levou, à dramaturga, a ideia de escrever uma peça teatral, dentro de um especial interesse dele, num determinado momento. O idealizador da montagem “foi buscar os escritos e histórias de São Francisco de Assis sobre a natureza dos seres vivos, para dar sentido ao espetáculo. Para o homem Francisco, nascido em Assis, na Itália, nos idos do Século XII, ninguém é suficientemente perfeito, que não possa aprender com o outro, e ninguém é totalmente destituído de valores, que não possa ensinar algo ao seu irmão. Francisco enxergava todos os seres vivos como igualmente importantes e tinha profunda relação com a natureza e os animais” Texto extraído do “release”, enviado pela assessoria de imprensa.).



     Na trama, dois personagens, Seu Francisco e Chico, um boi, estabelecem uma forte ligação afetiva, recíproca, de profunda empatia e amizade. Paradoxalmente, a partir desse belo sentimento, nasce um imenso conflito para o homem, o qual, durante toda a sua vida, trabalhou como matador de bois, já tendo abatido centenas de cabeças, sem dó nem piedade, cumprindo, à risca, como bom empregado, manso e submisso, as determinações de seu patrão, sem nenhum tipo de pudor e sem fazer qualquer reflexão ou questionamentos. Só que, agora, era diferente, com relação àquele animal. O extremo apego ao bicho fez com que o pobre homem se sentisse atemorizado, uma vez que, sem nunca ter vivido a experiência de ter um amigo, Chico era o primeiro ser vivo com o qual ele estabelecera um profundo vínculo de “amizade”. A relação do homem com o animal “irracional” transformou, radicalmente, a vida de Seu Francisco. Para este, CHICO, sem que pudesse entender ou explicar, fora alçado, na escala animal, à condição de “gente”; era “alguém”, que tinha um nome – na verdade, um apelido – equivalente ao do humano. Sendo assim, poder-se-ia dizer que o boi estava vivendo a “agonia do condenado, injustamente, no corredor da morte, com a peculiaridade de amar o próprio algoz e depositar, nesse laço de afeto, todas as suas esperanças de salvação (Também extraído do já referido “release”.).



           O amor ao TEATRO leva os artistas a situações extremas, para a concretização de seus sonhos. Quem assiste a “A HORA DO BOI” não tem a obrigação de saber que, para erguer o espetáculo, VANDRÉ SILVEIRA teve que vender seu próprio carro, a fim de arcar com parte do que foi gasto na sua produção, visto que não conseguiu nenhum patrocínio. Isso é lindo e, mais que isso, comovente. Ao mesmo tempo, causa-nos – a mim, pelo menos – uma indignação. Sem a menor intenção de parecer piegas, digo que, quando tomei conhecimento desse fato, fui acometido de forte emoção, pondo em prática o nobre sentimento da empatia. Um bem material, de valor, em troca de algo efêmero, porém lindo e, também necessário,o TEATRO, que se repete, a cada noite, quatro vezes por semana, durante quase dois meses, no caso desta temporada. E mais: sem nenhuma garantia de recuperação do capital aplicado. Essa é a vida dos artistas de TEATRO. Tenho conhecimento de inúmeros casos semelhantes ao de VANDRÉ. Talvez, ou quase certamente, o episódio da venda do carro, para investir na produção de um espetáculo de TEATRO, possa ser explicado, ou justificado, por esta reflexão do ator/empreendedor: “Acredito neste diálogo com a humanidade, precisamos falar sobre empatia entre as pessoas, pela natureza, pelos serem que habitam este universo. Em tempos tão rudes, é urgente ir ao encontro do afeto.”.



   Ninguém faz TEATRO sozinho; disso todos sabemos, ainda que muitas pessoas não parem para pensar na importância de um batalhão de gente – técnicos e artistas de criação -, não presentes no palco, pessoas sem as quais um projeto teatral não sairia do papel. DANIELA PEREIRA DE CARVALHO, por exemplo, soube captar, intimamente, o sentimento de VANDRÉ, quando a convidou, junto com CAIO BUCKER, para criar a dramaturgia da peça. Seu texto flui, como um riacho manso, que não encontra obstáculos, para atingir seu destino final: desaguar em outro rio ou no mar, o que, simbolicamente, é a representação de uma peça, quando chega à estreia. É um texto lindo, poético, profundo, leve e áspero, quando isso se faz necessário, para atingir os espectadores e levá-los a embarcar na proposta da peça. Não importa se o público vai sair do Teatro disposto a se converter ao hábito de não comer a carne de outros animais - a bovina, principalmente -, na sua alimentação, ou se vão achar tudo aquilo muito bonito, mas só até a página cinco, “não servindo para mim”. Também não é essa, quero crer, a intenção do texto, que é recheado de simbologias e imagens belíssimas. Além dos dois protagonistas, DANI encontrou espaço para inserir pequenas intervenções de São Francisco e permite, ainda, em dois momentos, se não me equivoco, que o ator se distancie de seus personagens, quebre a quarta parede e, no meio da plateia, e se dirija, diretamente, aos presentes, falando como Homem, o artista, um ser humano. Numa dessas, uma frase me chamou bastante a atenção: “O TEATRO é um pacto milenar entre o Homem e o sentido da sua própria humanidade.”. É bastante louvável, da parte da autora do solo, a citação de grandes escritores, como Graciliano Ramos, Euclides da Cunha e Guimarães Rosa, bem como a utilização de trechos de letras icônicas de canções de Zé Ramalho e Chico Buarque, por exemplo.



    Daniela afirma que, quando estava buscando uma ideia para dar forma à “encomenda” de VANDRÉ, tomou conhecimento, pela mídia, de que um boi, na manhã do dia 29 de outubro de 2018, havia sido visto no mar da praia de Stella Mares, em Salvador. “As fortes ondas não o intimidaram, apesar das tentativas dos banhistas de direcioná-lo para a areia. O animal, da raça Nelore, escapou da feira de agronegócios FENAGRO, que acontece no Parque de Exposições, em Salvador, e ficou desaparecido, durante cinco dias, na cidade. Essa fuga real do boi, que estava aprisionado, para o mar, foi uma imagem determinante na elaboração da narrativa” – são palavras de DANIELA PEREIRA DE CARVALHO. A partir disso, imaginou a situação retratada na peça e criou os personagens.


Foto: Douglas Pedrosa.


     ANDRÉ PAES LEME, consagrado diretor de tantos sucessos, dentre os mais de cinquenta espetáculos - peças de TEATRO, óperas e concertos musicais - assinados por ele, como um dos mais recentes, “Agosto”, de 2018, premiadíssimo, também embarcou na ideia, na proposta do idealizador e da dramaturga, e parece ter “ruminado” bastante o texto de DANIELA, para ter chegado a ótimas soluções para cada cena, contando com a luxuosa colaboração de TONY RODRIGUES e PAULA AGUAS responsáveis pela direção de movimento do espetáculo. Os dois “sugaram” VANDRÉ, ao máximo, para que este colocasse seu privilegiado porte físico a serviço dos personagens, principalmente o boi. Aliás, trabalhar o corpo, dar uma aula de expressão corporal, é com ele mesmo. Foi assim em “O Homem Elefante” e, também, em “Farnese da Saudade”, acho que os dois últimos espetáculos em que o vi atuando. Juntos, TONY, PAULA VANDRÉ mergulharam, com intensa visceralidade, numa pesquisa corporal, que acabou rendendo um excelente resultado. Além de ter plena consciência do que pode transmitir, na utilização de uma ferramenta importantíssima, no TEATRO, o corpo do ator, VANDRÉ consegue, por meio da voz, outro instrumental super relevante, no palco, traduzir, por meio de muitos detalhes, toda a agonia, o medo, as certezas e incertezas dos personagens. Na parte da preparação vocal, não poderia deixar de louvar o ótimo trabalho de CLAUDIA ELIZEU. Com o suporte de profissionais muito gabaritados e utilizando seu vasto potencial artístico, para a interpretação, VANDRÉ nos brinda com um memorável trabalho de interpretação teatral.



    Um artista/profissional, cujo trabalho muito respeito e admiro, CARLOS ALBERTO NUNES, assina, duplamente, a cenografia e o figurino da peça, o que, muito comumente, nos dias atuais, é chamado de “direção de arte”. O cenário é muito simples, porém transmite uma carga significativa enorme. Como seria extremamente difícil construir cenários para tantos espaços diferentes, na trama, o artista optou por deixar ao espectador, a ocupação de imaginar cada um desses espaços e resolveu, com muito acerto, a meu juízo, apenas utilizar um canto do espaço cênico, que não é um palco convencional, com alguns ossos e crânios de muares, sustentados por correntes de metal. Genial ideia! Para o figurino, NUNES pensou num único traje, muito interessante, em tom pastel, próximo à terra, ao barro. Ambos enriquecem, sobremaneira, a encenação.



      Quem quer que seu espetáculo seja merecedor dos aplausos de uma plateia procura se cercar dos melhores profissionais, “cada um no seu quadrado”. Para ocupar o “quadrado” que corresponde à parte da luz, o nome de RENATO MACHADO é dos melhores a ser lembrado, garantia de acerto. ANDERSON RATTO, que divide o trabalho com ele, também não fica atrás. Para este espetáculo, a dupla criou um desenho de luz com pouca intensidade e quase nenhuma variação de cores, porém tudo afinado com a proposta do texto e da direção. Achei bastante acertada a ideia de manter o espaço cênico com pouca iluminação, mas não totalmente escuro, quando o ator, rompendo a quarta parede e ultrapassando a linha que divide “palco” e plateia, fala, do corredor que separa as duas fileiras de cadeiras, ao público. Decodifiquei que isso está ligado à ideia de fazer com que os espectadores percebam que o TEATRO jamais morrerá, mesmo quando muito ameaçado de extinção. “Viajar” não custa nada. O TEATRO é um grande avalista para isso.



    Bem ajustada ao texto e totalmente à disposição da direção da peça é a trilha sonora, criada por LUCAS DE PAIVA.


 

 

FICHA TÉCNICA:

Idealização: Vandré Silveira

Dramaturgia: Daniela Pereira de Carvalho

Direção: André Paes Leme

Assistência de Direção: Toni Rodrigues

Direção de Movimento: Toni Rodrigues e Paula Aguas


Atuação: Vandré Silveira 


Cenografia e Figurinos: Carlos Alberto Nunes

Cenógrafa e Figurinista Assistente: Arlete Rua

Confecção de Figurino: Ateliê Bruta Flor

Iluminação: Renato Machado e Anderson Ratto

Trilha Sonora: Lucas de Paiva

Preparação Vocal: Claudia Elizeu

“Design” Gráfico: Raquel Alvarenga

Fotografias: Lorena Zschaber

Direção de Produção: Caio Bucker

Assistência de Produção: Aline Monteiro

Operação de Luz: Bruno Aragão

Operação de Som: Aline Monteiro

Voz em “off”: Claudio Gabriel

Gestão de Mídia e “Marketing” Cultural: Rodrigo Medeiros (R+Marketing)

Contadores: Cissa Freitas e Francisco Júnior

Assessoria de Imprensa: Passarim Comunicação: Silvana Espírito Santo e Juliana

Feltz

Assessoria Jurídica: BMN Advogados

Realização: Bucker Produções Artísticas e Vandré Silveira

 

 


 



 



SERVIÇO:

Temporada: De 06 de janeiro até 26 de fevereiro de 2023 (Não haverá sessões nos dias de carnaval - 16, 17, 18 e 19/02)

Local: Teatro Poeirinha.

Endereço: Rua São João Batista, nº 104 – Botafogo – Rio de Janeiro.

Telefone: (21)2537-8053.

Dias e Horários: De 5ª feira a sábado, às 21h; domingo, às 19h.

Valor dos Ingressos: R$60,00 (inteira) e R$30,00 (meia entrada).

Vendas na plataforma Sympla e na bilheteria do Teatro.

Duração: 60 minutos.

Classificação Etária: 14 anos.

Gênero: Monólogo Dramático.

 



     Concordo, plenamente, com ANDRÉ PAES LEME, quando diz que “A HORA DO BOI” “trata do afeto”. Vou além: digo que a peça pode ser considerada uma ode ao afeto, à amizade e à importância do amor entre os homens e os demais animais. Em consequência disso, firmo que, num momento em que se prega tanto o ódio e a intransigência, este solo chega em boa hora, para sacudir e aquecer os corações dos que se dizem humanos, motivo, mais que suficiente, se outros não houvesse, para que eu recomende, com o maior empenho, este espetáculo.




 

Vandré Silveira, idealizador e intérprete; 

Daniela Pereira de Carvalho, dramaturga; 

e Caio Bucker, diretor de produção.

Foto: autoria desconhecida.

 

 

 

FOTOS: LORENA ZSCHABER

 


GALERIA PARTICULAR

(FOTO: PATY LOPES.):

 

Com Caio Bucker e Vandré Pereira.

 

 

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