“A HORA DO BOI”
(ou)
(UMA RELAÇÃO VISCERAL,
ENTRE UM HOMEM E UM BOI.)
Sempre que assisto a um monólogo de boa qualidade, penso que
os prêmios de TEATRO deveriam colocar esse gênero numa categoria à
parte, pois julgo que um ator ou uma atriz que se predispõe a, de forma
solitária, se expor, num palco, contando apenas com o seu talento, um bom
texto, uma correta direção e o devido apoio dos outros elementos que dão
suporte a uma montagem teatral, merece ter seu trabalho avaliado por outro
ângulo, diferente do que é aplicado aos atores de um elenco. Fazer, e sustentar
bem, um espetáculo solo é para poucos e, como os tempos estão “bicudos”,
para montagens com algumas pessoas num elenco e, também, pela necessidade, ou
desejo, dos atores de mostrar seu trabalho, seu potencial artístico, atraindo
todos os focos para si, os monólogos, já de um bom tempo, vêm marcando
presença, nas temporadas teatrais de todo o Brasil. Acho isso ótimo e, sempre
que vou assistir a um, instintivamente, sinto que me armo com uma dose maior de
exigência, visto que, se é desagradável assistir a uma peça de qualidade
duvidosa, com um elenco, pior ainda é ter que aguentar um monólogo ruim, mal
feito. O tempo cronológico não bate com o psicológico. A gente quer que passe
logo, olha, disfarçadamente, para o relógio, mas os ponteiros teimam em girar “em
passos de tartaruga”. Não foi o que aconteceu, quando tive o grato prazer
de assistir ao solo aqui analisado. Muito pelo contrário, seria capaz de ficar
admirando tudo de bom reunido num só espetáculo.
Quando SILVANA ESPÍRITO SANTO (PASSARIM COMUNICAÇÃO - Assessoria de Imprensa) me encaminhou o convite para assistir a “A HORA DO BOI”, reagi com bastante alegria, tão logo bati os olhos na SINOPSE e na FICHA TÉCNICA, já achando que os “passos de tartaruga” cederiam espaço aos “de guepardo”, considerado o animal mais veloz do planeta Terra, este – é sempre bom lembrar – que sempre foi, é e continuará sendo redondo. O tema, assim que li um “release” sobre a peça, me pareceu muito interessante; e o é, de verdade, afirmo, depois de ter assistido a uma sessão, no último domingo, dia 08 de janeiro (2023), no Teatro Poeirinha, Rio de Janeiro. Motivos para a minha reação mais que positiva? Além da instigante temática, saber que a dramaturgia foi escrita por DANIELA PEREIRA DE CARVALHO, a quem muito admiro e que já emplacou muitos sucessos, de público e de crítica, com destaque para dois mais recentes, encenados em 2022: “Realpolitk” e “Uma Revolução dos Bichos”. Mais alguma coisa? Sim, algumas. Saber que a produção é de CAIO BUCKER, que sempre põe seu “dedo de Midas” nas produções que assume. Também – e isso teve um peso enorme – o ato de o único actante do espetáculo ser VANDRÉ SILVEIRA, ator que passei a admirar muito, depois de tê-lo visto e aplaudido em sua brilhante atuação na peça “O Homem Elefante” (2015). Saí extasiado do Teatro OI Futuro, após ter assistido a essa peça: com o espetáculo, em si, e, principalmente, com a atuação de VANDRÉ. A mesma reação experimentei, em 2018, no solo “Farnese da Saudade”, também com produção do CAIO e no mesmo Teatro Poeirinha. Não posso negar que os outros nomes da FICHA TÉCNICA também me motivaram a assistir à peça, logo na primeira semana da temporada. Criei, a partir de então, uma boa perspectiva de um espetáculo, que foi bem além do que eu expectava.
SINOPSE:
No palco, uma história sobre empatia entre seres vivos, quando um
homem que, antes, nunca conhecera o que fosse afeto e amizade, cria laços de amor com um boi.
Seu Francisco é um tratador e capataz de matadouro, que se encontra
numa encruzilhada, ao criar grande relação de amizade e afeto com o boi Chico,
nascido por suas mãos e criado, por ele, "como um filho".
O monólogo passa a mensagem de que todos os seres vivos são igualmente
importantes.
A
idealização do espetáculo partiu de VANDRÉ SILVEIRA, que levou, à
dramaturga, a ideia de escrever uma peça teatral, dentro de um especial interesse
dele, num determinado momento. O idealizador da montagem “foi buscar os
escritos e histórias de São Francisco de Assis sobre a natureza dos seres
vivos, para dar sentido ao espetáculo. Para o homem Francisco, nascido em
Assis, na Itália, nos idos do Século XII, ninguém é suficientemente perfeito,
que não possa aprender com o outro, e ninguém é totalmente destituído de
valores, que não possa ensinar algo ao seu irmão. Francisco enxergava todos os
seres vivos como igualmente importantes e tinha profunda relação com a natureza
e os animais” Texto extraído do “release”, enviado pela
assessoria de imprensa.).
Na
trama, dois personagens, Seu Francisco e Chico, um boi,
estabelecem uma forte ligação afetiva, recíproca, de profunda empatia e amizade.
Paradoxalmente, a partir desse belo sentimento, nasce um imenso conflito para o
homem, o qual, durante toda a sua vida, trabalhou como matador de bois, já
tendo abatido centenas de cabeças, sem dó nem piedade, cumprindo, à risca, como bom
empregado, manso e submisso, as determinações de seu patrão, sem nenhum tipo de
pudor e sem fazer qualquer reflexão ou questionamentos. Só que, agora, era
diferente, com relação àquele animal. O extremo apego ao bicho fez com que o
pobre homem se sentisse atemorizado, uma vez que, sem nunca ter vivido a
experiência de ter um amigo, Chico era o primeiro ser vivo com o qual
ele estabelecera um profundo vínculo de “amizade”. A relação do homem
com o animal “irracional” transformou, radicalmente, a vida de Seu Francisco.
Para este, CHICO, sem que pudesse entender ou explicar, fora alçado, na
escala animal, à condição de “gente”; era “alguém”, que tinha um nome
– na verdade, um apelido – equivalente ao do humano. Sendo assim, poder-se-ia
dizer que o boi estava vivendo a “agonia do condenado, injustamente, no
corredor da morte, com a peculiaridade de amar o próprio algoz e depositar,
nesse laço de afeto, todas as suas esperanças de salvação (Também extraído do já
referido “release”.).
O amor ao TEATRO leva os artistas a situações
extremas, para a concretização de seus sonhos. Quem assiste a “A HORA DO BOI”
não tem a obrigação de saber que, para erguer o espetáculo, VANDRÉ SILVEIRA
teve que vender seu próprio carro, a fim de arcar com parte do que foi gasto na
sua produção, visto que não conseguiu nenhum patrocínio. Isso é lindo e, mais
que isso, comovente. Ao mesmo tempo, causa-nos – a mim, pelo menos – uma indignação.
Sem a menor intenção de parecer piegas, digo que, quando tomei conhecimento desse
fato, fui acometido de forte emoção, pondo em prática o nobre sentimento da
empatia. Um bem material, de valor, em troca de algo efêmero, porém lindo e,
também necessário,o TEATRO, que se repete, a cada noite, quatro vezes por semana, durante
quase dois meses, no caso desta temporada. E mais: sem nenhuma garantia de recuperação do capital aplicado.
Essa é a vida dos artistas de TEATRO. Tenho conhecimento de inúmeros
casos semelhantes ao de VANDRÉ. Talvez, ou quase certamente, o episódio
da venda do carro, para investir na produção de um espetáculo de TEATRO,
possa ser explicado, ou justificado, por esta reflexão do ator/empreendedor: “Acredito
neste diálogo com a humanidade, precisamos falar sobre empatia entre as
pessoas, pela natureza, pelos serem que habitam este universo. Em tempos tão
rudes, é urgente ir ao encontro do afeto.”.
Ninguém
faz TEATRO sozinho; disso todos sabemos, ainda que muitas pessoas não
parem para pensar na importância de um batalhão de gente – técnicos e artistas
de criação -, não presentes no palco, pessoas sem as quais um projeto teatral não
sairia do papel. DANIELA PEREIRA DE CARVALHO, por exemplo, soube captar,
intimamente, o sentimento de VANDRÉ, quando a convidou, junto com CAIO
BUCKER, para criar a dramaturgia da peça. Seu texto flui, como um riacho
manso, que não encontra obstáculos, para atingir seu destino final: desaguar em
outro rio ou no mar, o que, simbolicamente, é a representação de uma peça, quando chega
à estreia. É um texto lindo, poético, profundo, leve e áspero, quando isso se
faz necessário, para atingir os espectadores e levá-los a embarcar na proposta
da peça. Não importa se o público vai sair do Teatro disposto a se converter ao
hábito de não comer a carne de outros animais - a bovina, principalmente -, na sua alimentação, ou se vão
achar tudo aquilo muito bonito, mas só até a página cinco, “não servindo
para mim”. Também não é essa, quero crer, a intenção do texto, que é
recheado de simbologias e imagens belíssimas. Além dos dois protagonistas, DANI
encontrou espaço para inserir pequenas intervenções de São Francisco e
permite, ainda, em dois momentos, se não me equivoco, que o ator se distancie
de seus personagens, quebre a quarta parede e, no meio da plateia, e se dirija,
diretamente, aos presentes, falando como Homem, o artista, um ser humano. Numa dessas, uma
frase me chamou bastante a atenção: “O TEATRO é um pacto milenar entre o
Homem e o sentido da sua própria humanidade.”. É bastante louvável, da parte
da autora do solo, a citação de grandes escritores, como Graciliano Ramos,
Euclides da Cunha e Guimarães Rosa, bem como a utilização de trechos de letras
icônicas de canções de Zé Ramalho e Chico Buarque, por exemplo.
Daniela
afirma que, quando estava buscando uma ideia para dar forma à “encomenda” de VANDRÉ,
tomou conhecimento, pela mídia, de que um boi, na manhã do dia 29 de outubro de
2018, havia sido visto no mar da praia de Stella Mares, em Salvador. “As
fortes ondas não o intimidaram, apesar das tentativas dos banhistas de
direcioná-lo para a areia. O animal, da raça Nelore, escapou da feira de agronegócios
FENAGRO, que acontece no Parque de Exposições, em Salvador, e ficou desaparecido,
durante cinco dias, na cidade. Essa fuga real do boi, que estava aprisionado,
para o mar, foi uma imagem determinante na elaboração da narrativa” –
são palavras de DANIELA PEREIRA DE CARVALHO. A partir disso, imaginou a
situação retratada na peça e criou os personagens.
Foto: Douglas Pedrosa.
ANDRÉ
PAES LEME, consagrado diretor de tantos sucessos, dentre os mais de
cinquenta espetáculos - peças de TEATRO, óperas e concertos musicais -
assinados por ele, como um dos mais recentes, “Agosto”, de 2018, premiadíssimo,
também embarcou na ideia, na proposta do idealizador e da dramaturga, e parece
ter “ruminado” bastante o texto de DANIELA, para ter chegado a ótimas
soluções para cada cena, contando com a luxuosa colaboração de TONY
RODRIGUES e PAULA AGUAS responsáveis pela direção de movimento do espetáculo. Os dois “sugaram” VANDRÉ, ao máximo, para que este colocasse seu
privilegiado porte físico a serviço dos personagens, principalmente o boi.
Aliás, trabalhar o corpo, dar uma aula de expressão corporal, é com ele mesmo.
Foi assim em “O Homem Elefante” e, também, em “Farnese da Saudade”, acho que os
dois últimos espetáculos em que o vi atuando. Juntos, TONY, PAULA e VANDRÉ
mergulharam, com intensa visceralidade, numa pesquisa corporal, que acabou rendendo
um excelente resultado. Além de ter plena consciência do que pode transmitir, na
utilização de uma ferramenta importantíssima, no TEATRO, o corpo do ator,
VANDRÉ consegue, por meio da voz, outro instrumental super relevante, no
palco, traduzir, por meio de muitos detalhes, toda a agonia, o medo, as
certezas e incertezas dos personagens. Na parte da preparação vocal, não
poderia deixar de louvar o ótimo trabalho de CLAUDIA ELIZEU. Com o
suporte de profissionais muito gabaritados e utilizando seu vasto potencial artístico,
para a interpretação, VANDRÉ nos brinda com um memorável trabalho de
interpretação teatral.
Um
artista/profissional, cujo trabalho muito respeito e admiro, CARLOS ALBERTO
NUNES, assina, duplamente, a cenografia e o figurino da peça, o que, muito
comumente, nos dias atuais, é chamado de “direção de arte”. O cenário é
muito simples, porém transmite uma carga significativa enorme. Como seria extremamente
difícil construir cenários para tantos espaços diferentes, na trama, o artista optou
por deixar ao espectador, a ocupação de imaginar cada um desses espaços e
resolveu, com muito acerto, a meu juízo, apenas utilizar um canto do espaço cênico,
que não é um palco convencional, com alguns ossos e crânios de muares,
sustentados por correntes de metal. Genial ideia! Para o figurino, NUNES
pensou num único traje, muito interessante, em tom pastel, próximo à terra, ao barro. Ambos
enriquecem, sobremaneira, a encenação.
Quem
quer que seu espetáculo seja merecedor dos aplausos de uma plateia procura se
cercar dos melhores profissionais, “cada um no seu quadrado”. Para
ocupar o “quadrado” que corresponde à parte da luz, o nome de RENATO MACHADO
é dos melhores a ser lembrado, garantia de acerto. ANDERSON RATTO, que divide o trabalho com ele, também não fica atrás. Para este espetáculo, a dupla criou um desenho de luz com pouca intensidade e quase nenhuma variação de
cores, porém tudo afinado com a proposta do texto e da direção. Achei bastante
acertada a ideia de manter o espaço cênico com pouca iluminação, mas não
totalmente escuro, quando o ator, rompendo a quarta parede e ultrapassando a
linha que divide “palco” e plateia, fala, do corredor que separa as duas
fileiras de cadeiras, ao público. Decodifiquei que isso está ligado à ideia de
fazer com que os espectadores percebam que o TEATRO jamais morrerá, mesmo quando muito
ameaçado de extinção. “Viajar” não custa nada. O TEATRO é um grande avalista para isso.
Bem
ajustada ao texto e totalmente à disposição da direção da peça é a trilha
sonora, criada por LUCAS DE PAIVA.
FICHA TÉCNICA:
Idealização:
Vandré Silveira
Dramaturgia:
Daniela Pereira de Carvalho
Direção:
André Paes Leme
Assistência de Direção: Toni Rodrigues
Direção de Movimento: Toni Rodrigues e Paula Aguas
Atuação: Vandré Silveira
Cenografia
e Figurinos: Carlos Alberto Nunes
Cenógrafa
e Figurinista Assistente: Arlete Rua
Confecção
de Figurino: Ateliê Bruta Flor
Iluminação:
Renato Machado e Anderson Ratto
Trilha
Sonora: Lucas de Paiva
Preparação
Vocal: Claudia Elizeu
“Design” Gráfico: Raquel Alvarenga
Fotografias:
Lorena Zschaber
Direção
de Produção: Caio Bucker
Assistência
de Produção: Aline Monteiro
Operação
de Luz: Bruno Aragão
Operação
de Som: Aline Monteiro
Voz
em “off”: Claudio Gabriel
Gestão
de Mídia e “Marketing” Cultural: Rodrigo Medeiros (R+Marketing)
Contadores:
Cissa Freitas e Francisco Júnior
Assessoria
de Imprensa: Passarim Comunicação: Silvana Espírito Santo e Juliana
Feltz
Assessoria
Jurídica: BMN Advogados
Realização:
Bucker Produções Artísticas e Vandré Silveira
SERVIÇO:
Temporada:
De 06 de janeiro até 26 de fevereiro de 2023 (Não haverá sessões nos dias de
carnaval - 16, 17, 18 e 19/02)
Local:
Teatro Poeirinha.
Endereço:
Rua São João Batista, nº 104 – Botafogo – Rio de Janeiro.
Telefone:
(21)2537-8053.
Dias
e Horários: De 5ª feira a sábado, às 21h; domingo, às 19h.
Valor
dos Ingressos: R$60,00 (inteira) e R$30,00 (meia entrada).
Vendas
na plataforma Sympla e na bilheteria do Teatro.
Duração:
60 minutos.
Classificação
Etária: 14 anos.
Gênero: Monólogo Dramático.
Concordo,
plenamente, com ANDRÉ PAES LEME, quando diz que “A HORA DO BOI” “trata do
afeto”. Vou além: digo que a peça pode ser considerada uma ode ao afeto, à amizade e à
importância do amor entre os homens e os demais animais. Em consequência disso,
firmo que, num momento em que se prega tanto o ódio e a intransigência, este
solo chega em boa hora, para sacudir e aquecer os corações dos que se dizem
humanos, motivo, mais que suficiente, se outros não houvesse, para que eu recomende,
com o maior empenho, este espetáculo.
Vandré Silveira, idealizador e intérprete;
Daniela Pereira de Carvalho, dramaturga;
e Caio Bucker, diretor de produção.
Foto: autoria desconhecida.
FOTOS: LORENA ZSCHABER
GALERIA PARTICULAR
(FOTO: PATY LOPES.):
Com Caio Bucker e Vandré Pereira.
VAMOS AO TEATRO,
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DO BRASIL,
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A ARTE EDUCA E
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