“A LISTA”
ou
(UM "PRESENTE" DEIXADO
POR UMA PANDEMIA.)
Abertos, para mim, os trabalhos para a temporada teatral carioca de
2023, na noite de ontem, dia 06 de janeiro, com o espetáculo “A
LISTA”, no Teatro dos 4, Shopping da Gávea, um “presente” que a
pandemia de COVID-19 deixou para os amantes do bom TEATRO. Pode soar
estranho, mas é a pura verdade. Existe uma explicação para isso.
Fechados todos os Teatros do Brasil, em 13 de março de 2020,
compulsoriamente, como uma das medidas de controle de um terrível vírus, ficamos carentes do
nosso lazer preferido - o meu, pelo menos -, vivendo a incógnita de quando voltaríamos a frequentar
as salas de espetáculo; ou se. Desalento total. Desesperança plena e, com o passar
do tempo, o que achávamos que poderia durar umas duas semanas, ou um mês, ou
dois, se desenhou como algo horroroso, capaz de transformar, radicalmente, o
nosso dia a dia, as nossas vidas. Naquela altura, já achávamos que a nossa
existência, no planeta Terra, de volta a “ser” redondo, a partir do dia 02 próximo passado, jamais seria a
mesma. Instaurava-se um “novo normal”, do qual fazia parte o TEATRO
virtual, que eu resolvi chamar de “experimentos cênicos virtuais”.
Espetáculos eram montados e apresentados, “on-line”, a um público
que não se conformava com o afastamento, imposto, de sua forma mais desejada de
um convívio social e cultural – para mim, com certeza.
Foi quando surgiu “A LISTA”, texto escrito por um
excelente dramaturgo, GUSTAVO PINHEIRO, que, de há muito, eu já admiro,
desde seu primeiro trabalho encenado, “A Tropa”, até hoje em cartaz,
desde de março de 2016, já se encaminhando para o sétimo ano. A montagem aqui
analisada conta com a direção de GUILHERME PIVA, trazendo, no elenco, a
consagrada atriz LILIA CABRAL, ao lado, pela primeira vez, de sua filha,
GIULIA BERTOLLI. Era maio de 2020 e a peça foi apresentada no palco do
Teatro PetraGold, antigo Teatro do Leblon (Sala Marilia Pêra). Assisti ao
espetáculo, que "era teatro", mas não era TEATRO (Já me cansei de explicar
o porquê dessa minha posição, quanto a esses “experimentos”, e
não vou perder mais tempo, agora, com isso.). Mas era o que tínhamos para aquele
momento. Foi útil e importante. Começou a ser encenado sem público e, depois, passou a
receber uma diminuta plateia, de poucas dezenas de corajosos espectadores,
dispostos a enfrentar o vírus e arriscar as próprias vidas. Não foi o meu caso,
embora tivesse sido convidado, mais de uma vez, para conferir a peça ao vivo, até no momento em que asapresentações não
estavam abertas ao público e apenas uma meia dúzia de pessoas era(m) os privilegiados
espectadores.
Tão logo, pela primeira vez, assisti àquela experiência, pela
TV (Vi a peça três vezes, na versão virtual.), senti-me arrebatado pelo texto e
pela interpretação de mãe e filha, que entrei em contato com o meu amigo GUSTAVO
e, praticamente, o desafiei / “intimei” a aumentar o texto – só durava cerca de
50 minutos, naquela versão -, para que pudesse ser montado, como “TEATRO de
verdade”, assim que nos livrássemos daquela “praga assassina”. Ele
me disse que já estava pensando naquilo e que o faria, o que me deixou
profundamente menos triste. Sem a menor dúvida, “A LISTA” foi uma das
poucas coisas merecedoras de meus aplausos, das cerca de trezentas a que
assisti, sem sair de casa, naquele ano.
Gustavo Pinheiro
(Foto: autoria desconhecida.)
Os teatros voltando a receber público, ainda de forma
parcimoniosa, a peça estreou em São Paulo, em março de 2022, numa carreira
brilhante, chegando ao Rio depois de ter sido aplaudida por mais de 30.000
pessoas, em oito meses de temporadas paulistas, na capital e em outras cidades,
como Santos, Jundiaí, Campinas e Campos do Jordão, reverenciadíssima, pelas plateias e incensada, muito merecidamente, pela crítica especializada, chegando a ser indicada em três categorias, no “Prêmio Bibi Ferreira 2022”: Melhor
Atriz (Lilia Cabral), Melhor Atriz Coadjuvante (Giulia Bertolli) e Melhor
Dramaturgia de Peça em Teatro (Gustavo Pinheiro). O texto da peça já está chegando
às livrarias, em poucos dias, editado pela “Coleção Dramaturgia”
(Editora Cobogó).
A montagem de “A LISTA”, como está no “release”, que me
chegou às mãos via ADRIANA BALSANELLI, assessora de imprensa do espetáculo,
é o resultado de um longo processo e nasceu com o intuito de ajudar os profissionais
da área teatral que ficaram sem trabalhar, devido ao isolamento social, numa
iniciativa de outra grande atriz, Ana Beatriz Nogueira. Passou por algumas
experimentações, e foi ganhando corpo, com o passar do tempo. A versão “on-line”
conquistou mais de 170 mil espectadores. Esse processo de amadurecimento do
espetáculo já atingiu seu ápice e, certamente, pelo Rio de Janeiro, a peça
estará disputando outros prêmios de TEATRO.
É muito interessante ver como o
público interage e se identifica com as duas personagens, “tal a
comunicabilidade da peça e a dramaturgia clara, eficiente, sonora, divertida e
emocionante” (Extraído do “release”; palavras de
LILIA CABRAL). Também observei isso na plateia que superlotava o Teatro
dos 4, na noite de estreia, para convidados. Com o público pagante, não será
diferente, e voltarei a assistir ao espetáculo, quando ratificarei o que estou
dizendo agora. O texto fala sobre afeto e solidão e pode ser considerado “uma
crônica do Brasil”, na visão de GUSTAVO PINHEIRO, com o que
concordo plenamente. O dramaturgo escolheu, como “set” das ações
criadas por ele, o bairro carioca de Copacabana, “uma grande metáfora do
Brasil, com seu melhor e pior, passado e presente coabitando o tempo todo”
(Novamente, GUSTAVO PINHEIRO.). Copacabana é um bairro onde está
concentrada uma enorme população de pessoas idosas, como a protagonista deste
espetáculo, as mais atingidas, com a maior certeza, pela devastadora pandema.
SINOPSE:
LILIA
CABRAL interpreta Laurita, já entrada nos sessenta
anos, uma aposentada professora do Estado, depois de 35 anos de magistério, como ela vive a repetir, que, por
força das circunstâncias, se vê obrigada a estabelecer contato com a vizinha, a
jovem Amanda (GIULIA BERTOLLI), uma cantora lírica, em início de carreira,
a qual, num gesto de solidariedade, se ofereceu para fazer as compras dos idosos do prédio habitado pelas duas personagens.
O
encontro das duas detona um turbilhão de sentimentos, lembranças e descobertas
que marcarão suas vidas para sempre.
As duas mulheres são completamente opostas, tendo, apenas,
como ponto em comum, o fato de viverem fechadas
intimamente. A vida de Laurita se resumiu a viver do passado; uma
saudosista que não consegue enxergar Copacabana com suas “modernidades”.
Em homenagem ao grande e saudoso poeta Carlos Drummond de Andrade, ilustre morador
do bairro e que, hoje, ainda se encontra lá, eternizado, em forma de uma
estátua, sentado num banco do calçadão, parafraseio, aqui, versos do seu poema “Confidências
de um Itabirano”: “Itabira é apenas uma fotografia na parede. / Mas
como dói!”. Troquemos a cidade natal do bardo por Copacabana. Ela também o é, na cabeça de Laurita. A
construção de um hotel moderno obstruiu a única visão, ainda que muito parcial,
que a personagem tinha do mar, símbolo maior do bairro da zona sul do Rio de
Janeiro, talvez o mais expressivo cartão postal do Brasil, ao lado do Pão de
Açúcar e do Cristo Redentor. Agora, para aquela senhora, a presença do mar só
lhe é lembrada pelo barulho de suas ondas. Através do som, a personagem “enxerga”.
Uma verdadeira metáfora da passagem do tempo e dos “prejuízos” trazidos pelo progresso.
Laurita mora sozinha, depois de ter
sido abandonada pelo marido. Tem uma filha que, apesar de morar na mesma
cidade, pouco a procura. Laurita detesta o genro. Essas três informações
devem levar os que me leem, e ainda não tiveram a oportunidade de assistir à
peça, a já ir percebendo quão difícil é o temperamento da sexagenária, a qual,
apesar disso, tem um humor acentuado, ácido, por vezes, o que provoca muitas
boas gargalhadas do público, ainda que por conta de alguns pensamentos e falas
bizarros, esdrúxulos, considerados “politicamente incorretos”. A professora não teve outra saída, a não ser
se integrar numa nova “família”, as amigas do “zap”. Ela acredita
em tudo o que “dá no zap” ou no que o “tio Google” apresenta como
verdade absoluta, sem checar a veracidade das informações. vive, portanto num "mundo paralelo". O egoísmo é outro traço marcante de sua personalidade.
AMANDA é “uma
mulher ainda mais fechada, muito séria, dura nas atitudes, politicamente
correta e se incomoda com as incorreções de Laurita”, como GIULIA
a vê, e eu também. Vive meio “na defensiva” – ainda GIULIA, sobre sua
personagem. O encontro entre as duas é um retrato de um choque de gerações, em
que a jovem, por mais estranho que possa parecer, das duas, é a que mais
procura entender o comportamento da outra, embora, como já disse, seja uma
crítica dele. Isso, porém, não consegue impedir que nasça, entre elas, “uma
variedade de sentimentos, como afeto, medo, soberba, segurança e insegurança, as
sensações pelas quais passamos durante toda a pandemia” – é GIULIA
quem acrescenta. A personagem consegue reprimir um desagradável sentimento, sempre
que Laurita não a trata pelo nome, Amanda, usando sempre o
vocativo “menina”. Só quase no final da peça, Laurita
consegue enxergar Amanda, no corpo da “menina”. A senhora
não se mostra nem um pouco grata, pelo incomensurável favor, que lhe presta a
jovem, achando que era uma espécie de “obrigação” e sempre reclamando,
porque a “menina” não se atinha à “LISTA”, incapaz de
reconhecer os malabarismos que a moça fazia para agradar àquela exigente e ranzinza pessoa.
A montagem
presencial é, de certa forma, modesta, como também foi a virtual, em termos de
plasticidade, o que não lhe rouba o brilhantismo. Creio que seja um reflexo de
todas as dificuldades pelas quais o TEATRO, no Brasil, infelizmente, vem
passando, principalmente nos último quatro anos, os quais devem ser sepultados.
Mas o importante é que os artistas resistem, se reinventam e se ajudam,
reciprocamente, para que o público não fique órfão de bons espetáculos.
Cenários e figurinos sem nenhuma exuberância, mas que atendem aos propósitos do
texto, ambos assinados por J. C. SERRONI. Estes são bem simples, de acordo
com os trajes vestidos por duas personagens como aquelas, no seu cotidiano. A
cenografia é dividida em dois setores. A sala de estar do apartamento de Laurita
apresenta um mobiliário bem franciscano, em termos quantitativos e
qualitativos, usando o consagrado cenógrafo o essencial para identificar um cômodo
do apartamento, deixando, ao público, o prazer de imaginar o restante dos elementos
que compõem o ambiente. A partir de um determinado momento, na peça, surge, ao
fundo, pintada, a visão da praia de Copacabana, com o Pão de Açúcar em
destaque, com direito a uma reprodução da já referida estátua de Carlos
Drummond de Andrade, não em pintura.
WAGNER
ANTONIO é o responsável por uma correta iluminação, simples, por
natureza, e MARCIA RUBIN também se faz presente, na FICHA TÉCNICA,
como a responsável pela direção de movimento, igualmente merecedora da minha
aprovação. Embora não conste, nessa FICHA TÉCNICA, o nome do responsável pela trilha sonora, rendo-lhe minha homenagem, pelo bom gosto e pela relação que há entre as canções selecionadas e o bairro de Copacabana.
GUILHERME PIVA imprime um bom ritmo,
no seu trabalho de direção, sabendo tirar proveito de todos os ricos detalhes
que o texto, de GUSTAVO PINHEIRO, propõe, principalmente os implícitos
nos excelentes diálogos. PIVA se
preocupou bastante em deixar claros “três momentos vividos na peça”,
marcados e realçados pelos cenários e pela alternância na iluminação. “Além
do passado e do presente, há um terceiro, que mostra um futuro utópico, o qual
deixa a trama mais aberta na compreensão do espectador.” - palavras
de GUILHERME PIVA.
Guilherme Piva
(Foto: autoria desconhecida.)
E o que
dizer do trabalho de duas atrizes tão sensíveis e competentes, como LILIA
CABRAL e GIULIA BERTOLLI? É comovente e verdadeiro. A cumplicidade,
inevitável, que há entre mãe e filha, em casa, é transferida para o palco,
potencializada pelas duas personagens, ainda que tão díspares, o que valoriza,
mais ainda, o trabalho de ambas. O resultado não poderia ter sido outro. Aplaudo
as duas, de pé, e com gritos de “BRAVE!” – plural de “BRAVA!”,
em italiano, como deve ser empregada a extrema saudação positiva, de aplauso. “BRAVO!”,
para uma pessoa, no masculino singular; “BRAVA!”. para uma
pessoa, no feminino singular; “BRAVI!”, para várias pessoas, um
elenco inteiro, desde que haja, pelo menos, um homem, entre os aplaudidos; e “BAVE!”,
para duas ou mais mulheres (Apenas uma informação, prestada por um “chato
detalhista”, a quem não esteja, talvez, nem um pouco interessado/a
nela.).
O
espetáculo é marcado, da primeira à última cena, por muita emoção e ótimo
humor, sem dúvida, os responsáveis maiores por prender a atenção da plateia, a
qual demonstra sua aprovação, da mesma forma como eu reagi, com efusivos aplausos
a todos os que contribuíram para que a peça fosse levantada. Creio que isso
aconteceu em todas as praças percorridas pela montagem, porém acredito que, a
peça é bem “a cara do Rio de Janeiro”, que lhe confere “um sabor e um
colorido diferentes”, como afirma LILIA CABRAL.
FICHA TÉCNICA:
Texto: Gustavo Pinheiro
Direção: Guilherme Piva
Elenco: Lilia Cabral e Giulia
Bertolli
Cenários e Figurinos: J.C.
Serroni
Iluminação: Wagner Antônio
Direção de Movimento: Marcia Rubin
Assessoria de Imprensa: Adriana
Balsanelli e Renato Fernandes
Fotografia: Priscila Prade
Programação Visual: Gilmar
Padrão Jr
Direção de Produção: Celso Lemos
SERVIÇO:
Temporada: de 06
de janeiro até 26 de março de 2023.
Local: Teatro dos
4.
Endereço: Rua
Marquês de São Vicente, nº 52, loja 264 – 2º piso do Shopping da Gávea – Gávea –
Rio de Janeiro.
Telefone: (21)2239-1095.
Horários: 6ªs
feiras e sábados, às 20h; domingos, às 19h.
Valor dos Ingressos:
R$120,00 (inteira) R$60,00 (meia entrada).
Duração: 80 minutos.
Classificação Etária: 12 anos.
Gênero: Comédia Dramática.
Sem a
menor sombra de dúvidas, não poderia ter iniciado de melhor forma a temporada
2023 de TEATRO, no Rio de Janeiro, e é óbvio que recomendo, com o
maior empenho, este ótimo espetáculo.
FOTOS: PRISCILA PRADE.
VAMOS AO TEATRO,
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CUIDADOS!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS
DE ESPETÁCULO
DO BRASIL,
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A ARTE EDUCA E
CONSTRÓI, SEMPRE!!!
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