“CERCA VIVA”
ou
(DE SONHOS,
INQUIETAÇÕES,
DÚVIDAS
E
FRUSTRAÇÕES.)
ou
(FELICIDADE INVENTADA
É O MESMO QUE
INFELICIDADE REAL.)
ou
(NÃO DEIXE PARA AMANHÃ O QUE TEM QUE SER FEITO HOJE.)
De certo, tudo, na vida, tem seu lado bom e o seu oposto. Com
relação à temporada teatral carioca de 2023, recém-iniciada – estamos apenas na
terceira semana – é ótimo que o TEATRO tenha renascido das cinzas, após
uma pandemia, tal qual a Fênix, com muitas estreias, da melhor qualidade (quase
todas). O que sinto nisso, não de ruim, mas algo desafiador, para mim, é que,
como só escrevo sobre espetáculos que me agradam e diante de um “tsunâmi”
de ótimos espetáculos, eu teria que selecionar apenas alguns, para tecer meus
comentários e minha opinião sobre eles, visto que levo muito tempo para concluir
e publicar uma crítica, por mergulhar profundamente em cada produção. Acontece,
porém, que minha consciência não fica tranquila, se não escrevo sobre alguma montagem
de que gostei, como se eu tivesse a obrigação de fazê-lo. Digo, a mim mesmo,
que não vou escrever sobre tudo o que vejo e me marca, positivamente, tenho
plena consciência de quão difícil, cansativo, “pesado” esse trabalho é
para mim, ainda que muito prazeroso, mas o meu outro “eu”, que me atura,
parece surdo. Não me emendo e quase enlouqueço, “fabricando” disponibilidade,
em todos os sentidos, para escrever as críticas das montagens que classifico
como merecedoras do meu sacrifício, físico e mental. Acho que os DEUSES DO
TEATRO me ajudam a seguir em frente.
Na última segunda feira (16), atendendo a um convite de MICHELLE
ANTELO e TATIANA GARRITANO, assessoras de imprensa da peça “CERCA
VIVA”, fui ao agradável Teatro Firjan Sesi Centro, para conferir as ótimas
referências que me haviam chegado sobre o espetáculo, com texto de RAFAEL
SOUZA-RIBEIRO, dirigido por CESAR AUGUSTO, trazendo, no elenco, CAMILA
NHARY, GABRIEL ALBUQUERQUE, SÁVIO MOLL e ÂNGELA REBELLO.
SINOPSE:
CAMILA NHARY (Lúcia) e GABRIEL ALBUQUERQUE (Luiz) formam um jovem casal que
resolve deixar a vida agitada da capital, para morar em uma cidade rural em
processo de urbanização.
Ambientada na
década de 50, a produção aborda, no meio dessa mudança radical de rotina, a
aflição de Lúcia, por postergar os seus sonhos e abdicar de uma promissora
carreira, para acompanhar o seu marido em um novo emprego na área industrial.
Repletos de
indagações, dúvidas, receios e algumas certezas dentro do casamento, eles
passam a questionar o vazio de suas vidas, ao tentar construir a imagem da
família tradicional perfeita.
Todos os
dilemas do casal, principalmente os de Lúcia, ganham ainda mais força por conta
do convívio com seus novos vizinhos, Valcir, interpretado por SÁVIO MOLL,
e Regina, personagem de ÂNGELA REBELLO, que acabam trazendo uma nova
visão sobre algumas questões que os afligem.
A ida de um casal urbano para uma pequena cidade do interior
é apenas o mote, encontrado pelo dramaturgo, para abordar aquilo que era sua
verdadeira intenção, qual seja a de apresentar a história de um casal em crise e
provocar, no público, reflexões acerca do sentimento de amargura, desgosto,
insatisfação, dissabor e frustração da mulher dentro do casamento, na
maternidade e na realização profissional e, também, sobre as pressões e os
padrões estabelecidos por uma sociedade burguesa e patriarcal.
Como a peça
é ambientada na década de 50, no século passado, é preciso que se assista ao
espetáculo tendo em mente esse importante detalhe, porém, se observado com mais
atenção, chega-se à conclusão – comigo, pelo menos, foi assim – de que toda a
subserviência de Lúcia, a sua conformidade, resignação, em deixar para trás ou,
pelo menos, adiar tudo aquilo com que sonhara – que era direito dela e de
qualquer outra mulher – poderia não ser seguido pelas mulheres de hoje; pela
maioria, penso eu. Naquela época, a mulher ainda vivia sob a égide de um
marido, tendo sido criada para ser “bela, recatada e do ar”. Sua
função era servir ao esposo, uma espécie de seu amor e senhor, e “cumprir
com suas obrigações de esposa e de mãe”, abrindo mão de sua felicidade
plena e da própria realização, como mulher, profissional e ser humano.
Lúcia
sabia que não fora acertada a sua decisão de acompanhar o marido, licenciando-se
de seu trabalho, como professora de francês, e afastando-se das delícias de se viver numa
metrópole, ainda que, nesta, também “se coma pão fresco e macio, num dia, e duro,
com sabor desagradável, no outro”. Com certeza, não queria sofrer mais do
que lhe custaria aquela drástica mudança de vida. Então, parecia "conformada", mas só até a página cinco; talvez a quatro. Agora, enquanto me permito “viajar”,
em meus pensamentos, para ordenar as ideias e torná-las concretas, no papel,
lembrei-me de um verdadeiro primor de texto, que é a crônica “Eu Sei, Mas Não
Devia”, escrita por Marina Colasanti, cuja leitura recomendo, com o maior
empenho, a todos. Foi escrita e publicada em 1972, entretanto seu conteúdo é tão
atual, que nos causa uma dor imensa, quando a lemos e nos identificamos com seu
conteúdo. O texto da peça e a crônica guardam, entre si, muita relação.
Acredito
que, depois de ter assistido ao espetáculo, ninguém sai do Teatro imune, sem se deixar tocar; todos, de uma forma ou de outra, em maior ou menor intensidade,
saem "mexidos", se não modificados, com uma atitude de autoquestionamento, no
mínimo. “Em cena, CAMILA NHARY é Lúcia, uma mulher moderna, cosmopolita e
de classe média, que vive com um marido amoroso, Luiz, em uma casa confortável.
Ela teme repetir os passos da mãe, mas se vê sufocada e com sua identidade
desintegrada com a cobrança de exercer um papel que nunca sonhou: o de esposa
devotada e dona de casa. Em meio à efervescência política da Era Vargas, a
pressão sobe ainda mais com a interferência do casal vizinhos, separados apenas
por uma pujante ‘cerca viva’...” (Trecho extraído do “release”
que me foi enviado pela assessoria de imprensa.)
Sou
admirador do estilo de dramaturgia de RAFAEL SOUZA-RIBEIRO, responsável por
alguns textos que muito me agradaram, quando as peças foram encenadas, com
destaque para “Gisberta”, que considero uma “obra-prima; “Homem Feito”, que,
também, muito me emocionou; e “Malala – A Menina Que Queria Ir Para A Escola”,
um belíssimo espetáculo infantojuvenil, para todas as idades. Penso que o
dramaturgo não reprime suas ideias e sabe, muito bem, como transformá-las num TEATRO
rico, vivo e simples de ser entendido, acessível a qualquer segmento de público.
O texto de “CERCA VIVA” vai direto ao coração de cada espectador e entra
sem pedir licença. Apresenta diálogos vivos e algumas situações que flertam com
o patético e o ridículo. RAFAEL não sugere; ele diz.
Penso
que CESAR AUGUSTO, diretor desta montagem, conseguiu “mastigar”, muito
bem, tudo o que está escrito no texto e, também, o que pode ser lido nas
entrelinhas e “regurgitou” o material processado com muita perícia e bom
gosto, ao que acrescento a sua competência para fazer um espetáculo ser tão marcante,
contando com um baixo orçamento, responsável por uma encenação simples, em
termos plásticos, compensada pela força da criatividade. Quando falta dinheiro,
é proibido economizar em boas ideias. É possível, sim, fazer TEATRO de
ótima qualidade, como a peça em tela, com parcos recursos financeiros, o que
fica na dependência de um bom diretor, como CESAR, e uma boa FICHA
TÉCNICA.
Cesar Augusto.
Esse
estado de “pobreza material” é compensado com cenários, figurinos e
iluminação comedidos, porém de forte peso criativo e original. A começar pela
cenografia, que reúne, em cena, poucas peças bem simples, com destaque para a
réplica de uma casa, confeccionada, apenas, com pedaços de ferro, o telhado
acoplado ao resto da peça, sendo que, dependendo da cena, é posicionada de
formas diferentes no palco, pelos próprios atores. Um belo trabalho de criação, de ELSA ROMERO
e LUIZ HENRIQUE SÁ. Vale ressaltar que o cenário pode estar muito bonito,
no papel, e adequado à montagem, porém sua confecção deve cair nas mãos de
profissionais competentes e caprichosos, os cenotécnicos, que se atenham aos detalhes, na hora de sua execução. Um bom trabalho de FÁTIMA DE SOUZA (cenotécnica) e CABEÇÃO
(ferreiro).
(Foto: Gilberto Bartholo.)
BRUNO
PERLATTO fez um
ótimo trabalho, na criação dos figurinos, fixando-se bem na moda dos anos 50 e
nas características dos personagens. Para quem enxerga o espetáculo somente com
olhos de espectador, o figurino, por não apresentar nada que nos salte aos
olhos, pode passar despercebido, no entanto, para quem assiste à peça como,
primeiramente, um grande amante do bom TEATRO e, também, com uma visão
técnica, de um crítico, aquilo que pode parecer sem muita importância, na
verdade, é um grande acerto do figurinista.
ANA LUZIA
MOLINARI DE SIMONI vem, cada
vez mais, se firmando, em sua área de trabalho, a iluminação, como uma grande profissional
do ramo, seguindo os passos de quem deve ter sido seu grande mestre e mentor,
Aurélio de Simoni, seu pai, um dos "craques da luz". ANA LUZIA pensou numa luz bem simples,
seguindo a linha do “franciscano”, com fachos luminosos que vêm de cima
e das laterais do palco, conseguindo, com isso, ótimos efeitos visuais.
Para agregar valores à montagem, concorrem, com seus talentos, MÁRCIO MELLO, no visagismo, e MARCELLO H, na direção musical, os dois sabendo bem o que estavam fazendo.
Deixei para falar, em último lugar, do trabalho de interpretação do quarteto de atores. Pela “urdidura” da trama, podemos dizer que, tecnicamente falando, de acordo com os conhecimentos de dramaturgia e de estrutura da narrativa que acumulei, ao longo de mais de cinco décadas, Lúcia e Luis são os protagonistas do enredo, que dá margem, este, à construção da narrativa, mas não podemos desprezar a importância dos dois personagens secundários, Valcir e Regina, não só pela influência e pressão que exercem sobre o casal protagonista, como também pelas belas atuações de SÁVIO MOLL e ÂNGELA REBELLO. Quanto às interpretações mais que corretas e afinadas, de CAMILA NHARY e GABRIEL ALBUQUERQUE, ambos são merecedores de meus efusivos aplausos. No conjunto da obra, estamos diante de quatro excelentes atores, bem entrosados, em cena. É importante notar que, mesmo não fazendo parte da cena, todos, em segundo plano, participam de todas, com seus silêncios expressivos, principalmente ÂNGELA REBELLO.
FICHA TÉCNICA:
Texto: Rafael
Souza-Ribeiro
Direção: Cesar
Augusto
Assistente de
Direção: João Gofman
Elenco: Ângela
Rebello, Camila Nhary, Gabriel Albuquerque e Sávio Moll
Cenografia:
Elsa Romero e Luiz Henrique Sá
Assistente de
Cenografia: Mariana Marton
Cenotécnica:
Fátima de Souza
Serralheiro:
Cabeção
Iluminação:
Ana Luzia Molinari de Simoni
Figurino:
Bruno Perlatto
Visagismo:
Márcio Mello
Direção
Musical: Marcello H
Identidade
Visual: Bruno Dante
Técnico / Operador
de Luz: Pedro Carneiro
Fotografia:
Luiz Henrique Sá e Victor Novaes
Operador de
Som: Rômulo Chindelar
Assistente de
Figurino: Evelyn Cirne
Técnico de
Som: Bryan Cortez
Técnico de
Luz: Paulo Ignácio
Assistente de
Produção: Matheus Henrique
“Marketing” Digital: MG
Comunicação Digital
Intérprete de
Libra: Claudia Chelque
Assessoria de
Imprensa: Michelle Antelo e Tatiana Garritano
Produção
Executiva: Bárbara Montes Claros
Direção de
Produção: Damiana Inês
Idealização:
Camila Nhary
SERVIÇO:
Temporada: De
09 de janeiro a 14 de fevereiro de 2023.
Local: Teatro Firjan
Sesi Centro.
Endereço: Avenida
Graça Aranha, nº 1 – Centro – Rio de Janeiro.
Telefone:
(21)2563-4455.
Dias e
horário: 2ª e 3ª feira, às 19h.
Valor do
Ingressos: R$30,00 (inteira) e R$15,00 (meia entrada).
“Link” para a compra de ingressos: https://bileto.sympla.com.br/event/79150
Classificação
Etária: 12 anos.
Duração: 60 minutos.
Gênero: Drama Tropical.
“CERCA VIVA” aborda dilemas e frustrações típicos de um casamento e, na visão de sua idealizadora e protagonista, CAMILA NHARY, “a montagem é uma chance de o público perceber o que mudou dos anos 50 para cá e os principais conflitos das mulheres no país”. Será que mudou tanto? Questionamento meu. Segue ela, dizendo que, antes desta temporada, no Teatro Firjan Sesi Centro, o espetáculo foi apresentado, em regime de circulação, entre abril e maio de 2022, na Lona Cultural Municipal Carlos Zéfiro, em Anchieta; no Teatro Ruth de Souza, no Parque das Ruínas, em Santa Teresa; e na Lona Cultural Municipal Terra, em Guadalupe. Em novembro, a peça esteve presente em Campo Grande e Volta Redonda.
Com relação a essas apresentações, uma espécie de “esquenta”, para a estreia oficial, sempre, após as sessões, era oferecida a oportunidade de um “bate-papo” com os presentes, conversas informais essas as quais, segundo CAMILA, foram muito enriquecedoras, levando o espetáculo a ficar mais “azeitado”. Foram ouvidos, de acordo com ela, inúmeros depoimentos de mulheres que abriram mão de seus anseios profissionais, para acompanhar a carreira do marido; outras que contaram sobre os seus dilemas e desafios diante de uma gravidez, entre outras questões delicadas dentro do universo feminino. Era unânime, entre as espectadoras, que parece que muito pouco mudou dos anos 50 para cá. Há muitas “lúcias” por aí, e “o espetáculo traz um olhar e uma reflexão acerca desses assuntos e tabus”.
O TEATRO é lazer, mas também é cultura, é ilustração, é educação, é um canal para muitos questionamentos e reflexões. Há peças que são, apenas, “digestivas” – nada contra elas -, o que não é, absolutamente, o caso de “CERCA VIVA”.
Esteja aberto para ouvir, pensar e expressar suas opiniões e se colocar no lugar da personagem principal da trama. Verá que vale muito a pena ir ao Teatro. Se eu recomendo a peça? Acho que meu texto é a minha resposta a essa pergunta.
FOTOS: LUIZ
HENRIQUE SÁ
e
VICTOR NOVAES.
GALERIA PARTICULAR:
(FOTOS: HAMILDA BASTOS.)
Com Gabriel Albuquerque
e Rafael Souza-Ribeiro.
Com Camila Nhary.
Com Ângela Rebello.
Com Sávio Moll.
VAMOS AO TEATRO,
COM TODOS OS
CUIDADOS!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS
DE ESPETÁCULO
DO BRASIL,
COM TODOS OS
CUIDADOS!!!
A ARTE EDUCA E
CONSTRÓI, SEMPRE!!!
RESISTAMOS, SEMPRE
MAIS!!!
COMPARTILHEM ESTE
TEXTO,
PARA QUE, JUNTOS,
POSSAMOS DIVULGAR
O QUE HÁ DE MELHOR NO
TEATRO BRASILEIRO!!!
Nenhum comentário:
Postar um comentário