“GRAU ZERO”
ou
(EM QUE HISTÓRIA
DEVEMOS
ACREDITAR?)
ou
(MANIPULAR
OU NÃO MANIPULAR?
EIS A QUESTÃO!)
“Apanho” muito, para escrever certas críticas.
Algumas vezes, porque as peças são de difícil entendimento; outras,
porque, enquanto um “anjo” sopra, no meu ouvido direito, instigando-me
a escrever logo, um “demoniozinho” entope meu ouvido esquerdo, dizendo-me
que eu não conseguirei nem iniciar a minha escrita. Há casos em que
seria por um terceiro, ou quarto, ou quinto motivo, mas nunca por ter a certeza
de que não gostei e estou querendo escrever só por escrever, ou por outro motivo
injustificável. Escrevo críticas somente sobre as peças de que
gosto, e isso não é segredo para ninguém, dos que estão acostumados a me honrar
com a leitura das minhas resenhas; ou melhor, “tratados”,
quase sempre. No caso do espetáculo sobre o qual me propus a escrever
aqui, talvez seja uma mistura de tudo ou, quem sabe, por uma sexta causa, que
me levou a tentar, por três vezes, iniciar a crítica e desistir dela.
Esta é a quarta; mas, de hoje, não passa.
A grande verdade é que gostei demais desta peça, de
todos os seus elementos e, consequentemente, do conjunto, porém, por conta de
sua complexidade (Vou explicar adiante.), não estava encontrando
o “tom certo” para dar início à crítica que esta montagem
merece. Dormi, ontem, com uma ideia fixa: acordar, hoje, bem cedinho, e me “jogar
de cabeça” na escrita, disposto a ficar, diante do meu computador, até
a chuvinha, que vem caindo, todas as noites, há alguns dias, no Rio de
Janeiro, se preciso fosse.
SINOPSE:
“GRAU ZERO” conta a história de três alunos, reprovados em uma disciplina do
curso de mestrado em História, que contestam sua professora sobre
o grau zero recebido em suas monografias.
Diante desse
embate, todos tentam compreender como é possível escrever outra História.
A professora é
uma mulher que busca investigar, durante a disciplina que leciona,
questionamentos sobre a escrita da História e sobre o fazer
historiográfico.
Para isso, ela
compartilha, com uma turma de mestrandos, as suas indagações, especulando
caminhos para aquilo que ela julga ser de extrema importância: como escrever a História
junto ao calor de seus movimentos?
O quanto nos dispomos
a ler, interpretar e intervir no nosso tempo ou não?
Interessa à
professora que se possa, frente a uma determinada época, interpretá-la
criticamente, desconfiando de seu curso e de tudo aquilo que se tornou natural.
Aqui, agora,
no Brasil, qual a História que estamos vivendo?
O que vivemos
no passado deveria nos ajuda a lidar com as questões do agora e com a
possibilidade de problemas futuros.
Mas o que nós,
realmente, sabemos da História?
O espetáculo
debate a manipulação de narrativas e a importância da autonomia de pensamento.
Mesmo aqueles que ainda irão assistir à peça –
espero que sejam muitas pessoas – já podem imaginar, pela leitura da SINOPSE,
que representa aquilo que o autor do texto deseja passar, quão
instigante é o texto de DIOGO LIBERANO, uma mente privilegiada, a serviço
do bom TEATRO, o tipo do dramaturgo que as pessoas “amam ou
odeiam”. Constato isso dentro da minha “bolha teatral”.
Eu fico no “centrão” – favor não confundir com uma famosa
quadrilha de bandidos brasileiros -, uma vez que morro de paixão por alguns
de seus textos, como “Concreto Armado”, “O Narrador”,
“Desaparecimento de Luísa Porto”, “Yellow Bastard”
e “Janis”, por exemplo, e não gosto, nem um pouco, de outros. Cada
um tem seu gosto. “GRAU ZERO” integra a lista dos que me agradam muito.
Creio ser o meu preferido. Aliás, não creio; tenho certeza.
Apesar de muito jovem, com apenas 35 anos, LIBERANO,
que também é ator e diretor, além de, generosamente, compartilhar
seu talento de dramaturgo com muita gente, que frequenta as oficinas
e os cursos que ele ministra, já escreveu 45 dramaturgias, todas
encenadas, dirigiu 30 espetáculos teatrais e atingiu a mesma
marca, como ator. E ainda lhe sobra algum tempo para trabalhar como produtor,
curador e assistente de direção.
Promessa feita, promessa cumprida! A “complexidade”
do texto a que me referi, mas que não impede o espectador atento
de entender a história, se deve ao fato de a dramaturgia não ter sido
escrita de forma linear, mas com muitos movimentos de “flashback”,
ou analepse, o que pode levar muita gente a não entender certos detalhes
da encenação. Mas isso, repito, apesar de tornar o texto um tanto
“hermético”, não rouba, a ninguém, que esteja interessado em
acompanhar a narrativa e topar entrar num jogo de reflexões, proposto
pelo seu autor, a oportunidade de compreender a “arquitetura
textual”.
Como está no “release” que recebi de LEILA
GRIMMING (Assessoria de Imprensa), a peça “explora a
manipulação de narrativas e a importância da autonomia de pensamento, questionando
o momento atual do país”, isso de uma forma indireta e neutra –
até a página cinco -, sem citar nomes ou fatos da nossa História
atual, o “momento de trevas” – a expressão é por minha conta -
por que passa o país, do qual (“momento de trevas”) – tenho muita
fé – havemos de nos ver livres, muito em breve, com a chegada de uma
retomada da liberdade de expressão, o direito a um livre pensar e o início de
um renascer benéfico à nação; o Brasil como uma “Fênix”.
E tudo isso, tudo o que se passa no Brasil de hoje, estará lá,
adiante, na História que será contada aos nossos descendentes.
Mas de que forma? Eis o grande mistério!!! Só espero que não repitam a troca de
“golpe” por “revolução”, por exemplo.
O momento não poderia ser mais oportuno, para a montagem
deste espetáculo, mormente por estarmos às vésperas de uma acirrada
disputa pela presidência do Brasil, representada por dois
candidatos tão parecidos, em alguns detalhes, e tão díspares, em outros, sendo que
o aspecto que os faz muito diferentes, um do outro, gera um clima de polarização,
com consequências drásticas, até o presente momento; assassinatos, inclusive, o
que é muito triste e inadmissível. E como isso será contado futuramente? Até
que ponto a visão do historiador, que ficará perpetuada nos livros,
estará próxima à verdade, a uma verdade absoluta. Será que existe uma
verdade absoluta? De que, ou de quantas formas a História pode ser
contada ou recontada? O existir olhares diferentes, para um fato
histórico, é o que faz com que a disciplina História seja o sítio
ideal para as pessoas desenvolverem seus raciocínios e terem a oportunidade de
defender suas opiniões, sem que se chegue, necessariamente, a um denominador
comum. Quantos exemplos de “heróis” que nos apresentaram e que passaram
a ser execrados, na História do Brasil e Universal,
existem, a partir de novas leituras sobre suas vidas e feitos, pelo que estava por
trás disso e não chegava à tona? Quantas vezes já passamos de um lado para
outro, depois da leitura dos livros de “A” ou “B”
ou de ouvir o que nossos mestres nos ensinaram? Nem o ser "testemunha ocular" garante uma "mão única" na História.
O embrião da peça surgiu “das provocações
artísticas entre DIOGO LIBERANO e MARCÉU PIERROTTI”, o diretor do
espetáculo. “LIBERANO questiona os meandros da educação, por seus
desdobramentos no mestrado, e, principalmente, por exercer o ofício de
professor universitário. E PIERROTTI explora e aprofunda, na linguagem cênica,
os conteúdos levantados pela dramaturgia...”. Poderia dar errado? De
jeito nenhum!!! “Busco trazer, para a cena, vestígios de
acontecimentos, múltiplos caminhos para o mesmo fato, tensionando o que é
verdade, o que, realmente, aconteceu, deixando, assim, o público ativo e
autônomo, para construir, em sua cabeça, a narrativa que lhe interessa. A
intenção é construir uma montagem vibrante e provocadora”, diz MARCÉU
PIERROTTI. E isso não tem lá seu grande valor?! O dramaturgo detém o
mérito de instigar o público, que sai muito “mexido” das
salas em que a peça é representada; primeiro, no Espaço Tápias,
um simpático e aconchegante local, na Barra da Tijuca, e, agora,
no Teatro Glaucio Gill, na segunda temporada. Fiz questão de assistir
à montagem nos dois locais. Um espetáculo "democrático".
Mesmo sem ter assistido, ainda, à peça, gostaria de que refletissem nas palavras em destaque, a seguir, antes de uma ida ao Teatro Glaucio Gill (VER SERVIÇO.): “Seria possível contar o que está acontecendo, no mundo contemporâneo, a partir de uma escrita, também, contemporânea, conectada ao que está ocorrendo? O que acontece, no entanto, é que o propósito dessa professora é lido de uma maneira negativa, por três de seus alunos, que, em vez de aproveitarem o jogo proposto pela professora, ficam à espera de uma resposta definitiva, para uma pergunta que nunca quis ser respondida: COMO ESCREVER OUTRA HISTÓRIA? O quanto nos dispomos a ler, interpretar e intervir no nosso tempo presente ou não, o quanto somos preguiçosos, em relação à nossa época? Interessa à professora que se possa, frente a uma determinada época, interpelá-la criticamente, desconfiando de seu curso e de tudo aquilo que se tornou natural.”.
MARCÉU PIERROTTI vem se revelando
um ótimo diretor, dentre os de sua geração. Já era fã incondicional de
seu trabalho, desde quando assisti à sua primeira direção, salvo engano,
da peça “Moléstia”, em 2018, que, posteriormente,
foi transformada em filme, também sob a sua direção. MARCÉU
é muito criativo, em seus trabalhos e, aqui, ele se adéqua às exigências do texto,
e faz com que todas as cenas se passem no mesmo cenário, ainda que em
locais diferentes, o que, é verdade, pode confundir, um pouco, o espectador
menos observador ou não ligado à magia do TEATRO. Particularmente, me
agradaram muito as suas soluções cênicas. Ainda que eu considere muito
bom o nível de atuação do elenco, penso que muito da excelência em cena
se deve ao trabalho de exploração do potencial de cada um do quarteto de
intérpretes, por parte do diretor.
Como me agradou a cenografia, assinada por NÍCOLAS GONÇALVES! Ainda que sirva a mais de um local, o espaço cênico reproduz uma sala de aula, em péssimo estado de conservação, uma excelente metáfora do estado em que se encontra a educação no país, totalmente relegada à última posição, degradada, sucateada, por não interessar aos governantes a educação de um povo, porque, dessa forma, fica mais fácil dominá-lo e manipulá-lo. Como professor que sou, com 47 anos de atuação em sala de aula, conheço muito bem as condições físicas, de abandono e degradação dos prédios das escolas públicas, no Rio de Janeiro, a realidade que conheço. Mas não acho que seja muito diferente, no resto do país. Um cenário, perfeito, totalmente inserido na proposta do texto e nas intenções de seu autor.
Foto: Gilberto Bartholo.
Não há muito o que falar acerca dos figurinos, criados por TICIANA PASSOS, a não ser que estão bem ajustados à realidade de cada personagem. Muito adequados mesmo!
FERNANDA MANTOVANI é a responsável por uma iluminação muito bem “encaixada” na encenação, variando, na medida certa, de acordo com a exigência de cada cena.
Par auxiliar no
clima de cada momento ou situação em cena, MARCÉU PIERROTTI criou uma ótima
trilha sonora, capaz de acrescentar um “up”, com perdão da
redundância, mais que positivo, que funciona muito bem, durante todo o tempo de
duração da peça.
Trabalhando em consonância com o a direção, OLÍVIA VIVONE realiza um correto trabalho de direção de movimento, que acrescenta um ótimo dinamismo à montagem.
E o que falar do elenco? Diria que é um grupo bastante coeso e homogêneo, com destaque para a atriz TALITA CASTRO, que poderia ser considerada a grande protagonista da peça, mas, por outro lado, poderia, na visão de outros, inclusive eu, dividir esse protagonismo com o trio de atores, PEDRO YUDI, JOÃO PEDRO NOVAES e MANOEL MADEIRA, que representam, os três alunos “injustiçados”. Todos, sem exceção, defendem seus personagens com total seriedade e competência, entretanto, não posso deixar de dizer que não pensaria duas vezes, para indicar TALITA a um prêmio de melhor atriz do ano, por seu magnífico trabalho. Não a conhecia ainda – azar o meu – nem seu trabalho de atriz e confesso que me senti extremamente recompensado por vê-la atuando. Acho que, se nada, dos demais elementos que entram na montagem de um espetáculo teatral, tivesse me agradado, o que não é o caso, aqui, só ver TALITA atuando já valeria qualquer sacrifício para um deslocamento de minha casa a um Teatro. Que atriz intensa! Quanta entrega a uma personagem! Quanta disciplina cênica e competência profissional! Não sei se o DNA pode exercer alguma influência – talvez sim -, mas o fato é que fiquei muito feliz, ao saber que TALITA é filha do grande ator Ewerton de Castro, com 76 anos, que se aposentou, em 2010 e, hoje, mora nos Estados Unidos, segundo apurei.
Os três atores, em princípio, coadjuvantes, também atuam de forma brilhante, e a importância de seus personagens, na trama, é tão grande, a ponto de eu poder até considerar um quarteto protagonista.
FICHA TÉCNICA:
Dramaturgia:
Diogo Liberano
Direção:
Marcéu Pierrotti
Assistência de
Direção: André Celant
Elenco: Talita
Castro, Pedro Yudi, João Pedro Novaes e Manoel Madeira
Cenografia:
Nícolas Gonçalves
Assistência de
Cenografia: Jovanna Souza
Figurino:
Ticiana Passos
Iluminação:
Fernanda Mantovani
Direção de
Movimento: Olívia Vivone
“Designer” Gráfico: Ticiana Saldanha
Trilha Sonora:
Marcéu Pierrotti
Estúdio:
Melhor do Mundo Studios
Editorade
Áudio: Lia Sabugosa
Fotos:
Bernardo Santos
Produção: Olívia
Vivone, Cacau Gondomar e Marcéu Pierrotti
Apoio: Espaço
Tápias e Rádio Roquette Pinto
Apoio
Institucional: FUNARJ
Agradecimento
Especial: Caio Riscado
Realização: Marcéu Pierrotti, Clg, Doppio e UFRJ
SERVIÇO:
Temporada: De
02 a 25 de setembro de 2022.
Local: Teatro
Glaucio Gill.
Endereço: Praça
Cardeal Arcoverde, s/nº - Copacabana – Rio de Janeiro. (Ao lado da estação
Cardeal Arcoverde, do metrô.)
Dias e
Horários: sextas-feiras e sábados, às 20h; domingos, às 19h.
Valor dos Ingressos: R$
40,00 (inteira) e R$ 20,00 (meia entrada e lista amiga).
Vendas: https://funarj.eleventickets.com/
Duração: 70 minutos.
Classificação Indicativa:
16 anos.
Capacidade: 150
lugares.
Gostaria muito de que todos os que me leem assistissem a este
magnífico espetáculo e compartilhassem esta crítica, na certeza de
que haverão de concordar comigo, nas minhas considerações. Recomendo muito
este espetáculo!!! E, a propósito, não darei “spoiler” sobre a
possibilidade de se contar a HISTÓRIA de outra forma nem se existem outras
possibilidades de fazê-lo. Ah! Está quase escurecendo e, hoje, não teremos chuvinha.
FOTOS: BERNARDO SANTOS
GALERIA PARTICULAR:
Com Manoel Madeira, Marcéu Pierroti e Talita Castro.
E VAMOS AO TEATRO,
COM TODOS OS
CUIDADOS!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS
DE ESPETÁCULO
DO BRASIL,
COM TODOS OS CUIDADOS!!!
A ARTE EDUCA E
CONSTRÓI, SEMPRE!!!
RESISTAMOS, SEMPRE
MAIS!!!
COMPARTILHEM ESTE
TEXTO,
PARA QUE, JUNTOS,
POSSAMOS DIVULGAR
O QUE HÁ DE MELHOR NO
Nenhum comentário:
Postar um comentário