quinta-feira, 15 de setembro de 2022

 

“A LUTA –

A TERCEIRA PARTE

DE ‘OS SERTÕES’,

DE EUCLIDES

DA CUNHA,

NO TEATRO”

ou

(UMA AULA DE

TEATRO VISCERAL.)


 

 

       Sempre gostei muito de monólogos e já assisti a uma quantidade incalculável deles, em mais de cinquenta anos de dedicação ao TEATRO, muitos de excelente qualidade e outros tantos que me levaram ao arrependimento por ter saído de casa e perdido meu tempo. São “ossos do ofício”. Quando alguém pensa em desenvolver um projeto de um solo, em cena, tem que estar muito cônscio de que o texto merece ser encenado, de que o(a) ator/atriz que vai atuar precisa ser um(a) profissional de primeira linha, de que as “rédeas” de comando estarão na mão de um diretor de comprovada competência, além de procurar artistas de criação “de peso”, para a concretização daquele propósito.



        As dificuldades para se erguer uma montagem teatral, nos dias de hoje, todos sabemos, são muitas, agravadas pela pandemia de COVID-19, QUE NÃO ACABOU, e o apoio institucional, oficial, seja na esfera municipal, estadual ou federal, é quase nenhum. Patrocínios, via de regra, conseguem aqueles que, talvez, menos precisassem deles, mas, como o que está em jogo, para os patrocinadores, com raríssimas exceções, é o “retorno”, os “mecenas” apoiam espetáculos em que estejam envolvidos nomes conhecidos, astros populares, tornados famosos pela TV.



Assim, quando tenho a oportunidade de travar contato com gente muito bem intencionada, com um grande talento, que se joga, de corpo inteiro, e alma também, na produção de um espetáculo teatral, um monólogo, com recursos próprios, muito parcos, compensados pelo amor ao TEATRO, fico numa alegria imensa e, ainda que ocupadíssimo, consigo encontrar um tempinho, para dedicar uma crítica ao espetáculo, como é o caso de “A LUTA – A TERCEIRA PARTE DE ‘OS SERTÕES’, DE EUCLIDES DA CUNHA, NO TEATRO”, nas pessoas de ROSE ABDALLAH e AMAURY LORENZO.



ROSE é a corajosa idealizadora deste projeto e assina a direção da peça. Atriz com mais de três décadas de atuação, integrante da “Cia. Os Fodidos Privilegiados”, desde 1995, é discípula confessa do grande homem de TEATRO Antônio Abujamra. Tem, em seu currículo, algumas assinaturas de direção, inclusive de outros solos, e o faz de uma maneira muito correta, com muita doação e generosidade, sabendo, aqui, extrair do ator, AMAURY LORENZO, o que ele tem de melhor, como “profissional das tábuas”, da mesma forma como consegue perceber todas as intenções do autor do texto em que IVAN JAF se baseou, para escrever a dramaturgia da peça, e, com muita propriedade, deu o destaque a tudo que o merecia.



Com relação ao texto da peça, muito bem adaptado do original, o livro “Os Sertões”, de Euclides da Cunha (1866-1909), a intenção do dramaturgo foi transformar o ator em um rapsodo (Artista popular ou cantor que, na antiga Grécia, ia, de cidade em cidade, recitando poemas; meramente, um contador de histórias, diferente do aedo, o qual compunha os próprios poemas e os cantava, acompanhado de um instrumento musical. O rapsodo não é acompanhado por nenhum instrumento. – Adaptado da Wikipédia.), que conta, em uma longa prosa épica, as batalhas ocorridas em Canudos, em 1896, entre os homens e mulheres, chefiados por Antônio Conselheiro, e as forças militares da República, recém-proclamada no Brasil (1889). Da mesma maneira como os rapsodos cantavam a “Ilíada” e a “Odisseia”, de Homero, mantendo essas longas epopeias vivas pela fala e a memória – tradição oral, como ocorre, no Brasil, com relação à poesia de cordel -, antes de poderem ser escritas, pode-se imaginar a “Guerra de Canudos”, segundo a visão de Euclides da Cunha, sendo narrada por um “contador de História”, diante de uma plateia. Uma história da História.



O livro de Euclides da Cunha, mescla de relato histórico e literatura, uma das obras mais emblemáticas do pré-modernismo brasileiro, publicado em 1902, é uma narrativa muito longa – mais de 600 páginas -, uma obra regionalista, que tem como cenário o interior da Bahia, durante1896 e 1897. Apresenta um caráter crítico e realista, na qual o escritor, faz uso de uma linguagem cientificista, para recriminar o nacionalismo e ufanismo exacerbado da sociedade brasileira da época, mostrando a face cotidiana e realista do país e das pessoas que o compõem. É estruturado em três partes, que apresentam vários capítulos. São elas: “A Terra”, quando o leitor é apresentado, por uma detalhada descrição, ao ambiente - local, clima, relevo, fauna, flora, vegetação etc. -, do sertão e da seca que assola a região. Na segunda, intitulada “O Homem”, CUNHA descreve o homem local, o sertanejo, o vaqueiro, o jagunço, o cangaceiro, suas vidas e costumes, num verdadeiro tratado e estudo antropológico e sociológico. A LUTA”, a terceira parte, e mote da peça, conta, de forma bem realista e com os mínimos detalhes, os embates entre os inimigos, com o aniquilamento de grande parte da população local. Foram muitos embates trágicos e sangrentos, sobre os quais não se pode dizer que houve vencedores ou vencidos. Uma guerra insana, na qual predominou muita crueldade. Total insanidade em jogo, de ambas as partes. Quatro expedições, do Exército Nacional, tentaram destruir o Arraial de Canudos, habitado por cerca de 20 mil pessoas. O fim da “Guerra”? A destruição de Canudos.



 

SINOPSE:

O espetáculo descreve o sertão, o sertanejo e a trajetória de Antônio Conselheiro, até se tornar o líder da comunidade de Canudos e adversário do governo republicano.

Em seguida, narra os primeiros conflitos e o momento em que a guerra é declarada, no final de 1896.

Segue, descrevendo as sucessivas batalhas, decorrentes das expedições do Exército: as lideradas pelo major Febrônio de Brito, pelo coronel Moreira César, pelo general Artur Oscar de Andrade, todas derrotadas, até a última, vencedora, comandada pelo próprio Ministro da Guerra, o marechal Bitencourt.

Termina com a morte de Antônio Conselheiro, os últimos momentos da resistência no arraial e a degola dos prisioneiros.

 



“Euclides da Cunha retrata uma luta entre as forças republicanas, que traziam a modernidade, contra o obscurantismo religioso, que alicerçava a monarquia; os brasileiros do litoral contra os do interior; as elites contra o povo; a fé contra a razão... para concluirmos que os dois lados acabaram se unindo pela intolerância e a violência”.



        Já tendo feito as devidas referências sobre o ótimo texto e à corretíssima direção, tenho a dizer que o trabalho de AMAURY LORENZO é das coisas mais comoventes e “fortes” que vi nos últimos tempos. Ele se basta. Não há um cenário – a plateia imagina -, palco nu; o cenário é AMAURY. A luz, com todo respeito a RICARDO METEORO, que a desenhou, é totalmente desnecessária. Bastaria uma vela acesa ou uma lanterna, para que o público pudesse enxergar o ator. Isso porque a iluminação é AMAURY. O figurino, com o qual não concordo plenamente, embora tenha compreendido a explicação que recebi da diretora da peça, é um terno, muito bem talhado, puxado para o cáqui, talvez uma referência à cor do barro do sertão e da caatinga. Por baixo, uma camiseta regata, branca. Nas palavras de ROSE ABDALLAH, uma mistura de detalhes das vestes dos sertanejos e dos militares. O figurino é AMAURY.



     Bailarino de formação, AMAURY LORENZO é um ator intenso, imenso, estupendo, visceral... E haja adjetivos para elogiar seu formidável trabalho. Ele conta e vive a história, com sua voz e corpo, interpretando os personagens da trama, como Antônio Conselheiro, os seus fiéis, os jagunços, os sertanejos, os soldados da República, o Coronel Moreira César, e o Coronel Tamarindo. Em cena, o ator canta, movimenta-se, traz os sons do sertão, com sua própria voz. Fiquei muitíssimo impressionado com sua capacidade de fazer toda a parte sonoplástica do espetáculo, incluindo os ruídos dos tiros, de armas de pequeno e médio porte e até canhões, assim como determinados sons, que lembram os aboios dos vaqueiros do sertão, num tom de lamento, dolência e sofrimento. Um trabalho preciosíssimo, de dificílima execução.


 

 

FICHA TÉCNICA:

Texto: Ivan Jaf (Baseado na Terceira Parte de “Os Sertões”, de Euclides da Cunha)

Idealização: Rose Abdallah

Direção: Rose Abdallah

 

Ator: Amaury Lorenzo

 

Direção de Movimento: Amaury Lorenzo e Johayne Hildefonso

Iluminação: Ricardo Meteoro

Música Original: Alexandre Dacosta

Vídeo: Sérgio Lobato | Cambará Filmes

Fotos: Vitor Kruter

Identidade Visual: Inova Brand

Assessoria de Imprensa: Maria Fernanda Gurgel

Apoio Produção: Bambu Produtora

Realização: Abdallah Produções

 

 





 

SERVIÇO:

Temporada: De 05 a 29 de setembro de 2022.

Local:Teatro Glaucio Gill.

Endereço: Praça Cardeal Arcoverde, s/nº – Copacabana – Rio de Janeiro (Ao lado da estação Cardeal Arcoverde, do metrô.).

Dias e Horários: Todas as segundas-feiras de setembro de 2022, às 20h.

Valor dos Ingressos: R$50,00 (inteira) e R$25,00 (meia entrada).

Duração: 60 minutos.

Indicação Etária: 14 anos.

Gênero: Monólogo Dramático. 

 




        Ficaria muito feliz, porque gosto de dividir com os que amo os prazeres que o TEATRO me proporciona, se todos os que me leem e confiam na minha opinião fossem conferir, “in loco”, tudo o que escrevi sobre este espetáculo, extremamente comovente e que “mexeu” muito comigo, com a minha emoção, pela temática, o texto, todos os elementos que entraram na sua montagem e, acima de tudo, a brilhante atuação de AMAURY LORENZO. Se eu recomendo o espetáculo? Nem vou perder meu tempo e encerro, por aqui, esta crítica.




 

 

FOTOS: VITOR KRUTER





GALERIA PARTICULAR:


 


Com Amaury Lorenzo.


Com Rose Abdallah.

 

 

 

 

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Um comentário:

  1. Agradeço! Sua crítica é muito importante para o seguimento de A Luta! Evoé

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