quinta-feira, 21 de abril de 2022

“NEM TODO 

FILHO VINGA”

ou

(TEATRO DENÚNCIA, 

DE URGÊNCIA.)

ou

(TEATRO VERDADE.)

ou

(TODO FILHO VINGARÁ.)

 









(Fila para assistir ao espetáculo.)


(Fila para assistir ao espetáculo.)


        Fanático que sou por TEATRO e um “plagiador” de Milton Nascimento e Fernando Brant (Não sei quem escreveu a letra (provavelmente, Fernando.), quando digo que “TODO CRÍTICO DE TEATRO TEM DE IR AONDE O ARTISTA ESTÁ”, venci meus medos, bastante plausíveis, e aceitei o convite de CAMILA MOURA, cujo trabalho de atriz conheci num magnífico “experimento” do meu amigo Rodrigo Portella, em agosto do ano passado, em plena pandemia, no OI Futuro Flamengo, “Meu Filho Só Anda Um Pouco Mais Lento”, ocasião em que, numa crítica, elogiei seu trabalho, e fui ao “Museu da Maré”, que, como o nome já diz, está situado no Morro do Timbau, Complexo da Maré, uma favela (Continuo me recusando a utilizar o “politicamente correto” “comunidade”, por não ver nada de pejorativo no vocábulo “favela”), conhecida por ser bastante “perigosa”, para os que não são de lá; não por causa da grande maioria de seus moradores, trabalhadores e honestos. Pesquisei bastante, ouvi relatos de amigos da classe teatral, que foram lá, para conhecer o “Museu da Maré” e assistir à peça “NEM TODO FILHO VINGA”, os quais me disseram que a localização geográfica do “Museu” era de fácil acesso e que não se sentiram, em nenhum momento, ameaçados em sua integridade física e moral. Então, armei-me de coragem, confesso, e por que não ir? E lá fui eu, num sábado, dia 16 de abril de 2022, com um duplo objetivo: conhecer o “Museu”, sobre o qual tinha ouvido maravilhas, com o que concordo, e para assistir à peça, idem.







(Foto: Gilberto Bartholo.)

 A temporada já era para ter sido encerrada, porém, devido ao grande sucesso, de público e de crítica, foi prorrogada, até o dia 17 de abril. Fui, portanto, no penúltimo dia de apresentação. Ainda bem! Caso contrário, deixaria de ter visto um excelente espetáculo, feito por amadores, no duplo sentido da palavra: os que não são profissionais e amam o TEATRO. Quando esta crítica estiver sendo publicada, infelizmente, a temporada já terá terminado, a não ser que haja uma nova prorrogação, pelo que muito torço. Estejam atentos, DEUSES DO TEATRO! É bom dizer que a montagem estreou antes da pandemia de COVID-19, chegando a fazer poucas sessões, mas, como aconteceu com todas as peças em cartaz, num determinado momento, a partir do dia 13 de março de 2020, uma fatídica “sexta-feira, 13”, teve de ser interrompida. Nossas vidas pararam, tudo, ao nosso redor, parecia ter sido “congelado”. Felizmente, agora, aos poucos, “o gelo vai começando a derreter” e parece que uma nova vida ressurge, como a Fênix. “Já começamos a notar folhinhas verdes brotando e pequeninas flores desabrochando”, EMBORA A PANDEMIA NÃO TENHA AINDA ACABADO. “É preciso estar atento e forte!” (Caetano Veloso.)




(Eu e João Pedro Bartholo, antes da entrada do público.)



(Foto Gilberto Bartholo.)

  É a “COMPANHIA CRIA DO BECO” a responsável pela encenação. A montagem foi a grande ganhadora do “9° Festival de Teatro Universitário (Festu)”, em 2019, e é baseada na obra “Pai Contra Mãe”, um dos excelentes contos do maior escritor em língua portuguesa, de todos os tempos, na minha modesta opinião, Joaquim Maria MACHADO DE ASSIS (1839-1908), cuja leitura recomendo com a maior urgência. Pode ser encontrado, o conto, na internet.








(Foto: Gilberto Bartholo.)


SINOPSE:

Após ter passado para a Faculdade de Direito, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no Fundão, bem perto de onde mora, MAICON (JEFFERSON MELO), um jovem negro e “cria” da Favela da Maré, passa a confrontar os ideais de justiça do Estado Brasileiro, diante dos inúmeros eventos de injustiça que ele e seu grupo de amigos vivem diariamente.

Ao longo do seu primeiro ano letivo, MAICON sentirá, na pele, como essas políticas de precarização abalam todas as esferas da vida, chegando ao ponto de colocá-lo contra seu melhor amigo, CARLÃO (RAMIRES RODRIGUES). 

 







(Foto: Gilberto Bartholo.)

 O elenco é formado por jovens universitários, negros e moradores do Complexo de Favelas da Maré. É, deveras, interessante salientar que o título da peça corresponde à última, e curta, frase do conto de MACHADO, e foi isso que rendeu uma provocação/proposta, dirigida aos membros da “COMPANHIA CRIA DO BECO”, feita por RENATA TAVARES, estudante de Artes Cênicas, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UNIRIO), professora, no projeto “Entre Lugares Maré”, e quem assina a direção do espetáculo, cujo objetivo é “mostrar a relação da universidade com os favelados, falar sobre o embranquecimento do autor e abordar as realidades vividas pelos jovens da favela”.



(Elenco e Diretora.)



(Elenco.)



(Elenco e a diretora, ao centro.)



(Equipe completa de produção)


  Há um duplo sentido, no emprego do verbo “vingar”, contido no texto. Ele é empregado, no conto, com um sentido figurado de lograr, obter êxito; vir a existir ou a realizar-se”. Sem a menor intenção de dar algum tipo de “spoiler”, afirmo que ele pode ser aplicado, na peça, aos personagens MAICON e CARLÃO, que escolheram caminhos diferentes, quando uma bifurcação surgiu à frente dos dois, num determinado momento de suas vidas. Cada um seguiu seu caminho. Um “vingou”; outro não. Mas, também, de certa forma, pode-se dizer que o que “vingou” “só foi até a página 5”.







(Foto: Gilberto Bartholo.)

   No corpo do texto, cuja dramaturgia é assinada por PEDRO EMANUEL, com colaboração da CIA. CRIA DO BECO, são tratados temas que precisam, cada vez mais, ser trazidos à luz, e a fundo, como racismo, preconceito social, falta de acesso a serviços e oportunidades, barreiras que são enfrentadas, todos os dias, por milhões de brasileiros menos favorecidos e, muito particularmente, e em mais elevada proporção, pelos jovens e moradores de periferia e favelas cariocas e de todo o país. É uma triste e injustíssima realidade que não pode ser varrida para debaixo do tapete; ao contrário, tem de ser corrigida e eliminada de uma sociedade que pretende ser justa e igualitária – ou deveria -, muito embora, com muita visão do que vemos acontecer, na vida real, isso seja quase uma utopia. Mas muita coisa pode ser mudada. E tem que ser, com urgência! E o primeiro passo, para isso, é “abrir os olhos das pessoas”. O TEATRO está aqui para dar a sua grande colaboração, a fim de que isso aconteça. Nunca devemos nos esquecer de que “o TEATRO salva”. E como!!!







(Foto: Gilberto Bartholo.)

  O protagonista do espetáculo, JEFFERSON MELO, como MAICON, é o “vetor” maior de um cotidiano de um jovem favelado, em sua essência, cheio de sonhos, ou ilusões, que “insiste em existir”, em persistir na vida, no acesso à faculdade, à cidade e ao desejo, muito justo, de ser um membro ativo, numa sociedade preconceituosa, infelizmente, excludente e, por muitas vezes, cruel, no tratamento aos menos favorecidos. Segundo o ator, a peça tem, como objetivo, tocar, sem medo nem qualquer pudor, da forma mais contundente possível, aqueles que não conseguem enxergar a favela, os que ignoram milhares, ou milhões, de vidas humanas que nelas habitam e que só precisam ser vistas e respeitadas. E ter voz. É para provocar um desconforto mesmo, ainda segundo o ator. Ao mesmo tempo, afirma JEFFERSON, “Nossa intenção também é fazer com que os nossos amigos favelados se reconheçam nas narrativas.”. Esse aspecto também é bastante interessante, e importante, porque, se, de um lado, faz-se necessário, com urgência, que a sociedade de fora da favela se modifique, também é mister que os jovens favelados se multipliquem em muitos “maicons”, que nunca esmoreçam e, ainda que a um preço bem alto, procurem seguir os caminhos do protagonista e lutem por seus direitos, sonhos e ideais, sem jamais esquecer seus deveres.







 Não sou nenhum apreciador do chamado “TEATRO interativo”, entretanto, “NEM TODO FILHO VINGA” não poderia ter sido feito de outra forma. Essa interação não se dá no sentido de agredir o público, como muito se vê por aí, e que merece todo o meu desprezo e repúdio, mas sim, muito pelo contrário, existe para agregar. A plateia se sente acolhida pelo Grupo e, logo nos primeiros momentos da encenação, acaba se tornando “cúmplice” de tudo o que eles pleiteiam, torna-se sua “parceira”, e sofre, com eles, a cada novo obstáculo ou “porrada” que um deles toma. Sim, porque, se reclamamos das “porradas” que a vida nos dá, muito mais razão para reclamar delas, e não as aceitar, de jeito nenhum, sob qualquer alegação, têm todos os que fazem parte do universo de MAICON e seus companheiros de cena.







(Foto: Gilberto Bartholo.)

 A visão que nos chega, do dia a dia de uma favela, infelizmente, é a de um lugar onde, diariamente, só existem conflitos, tiroteios e muita violência. É claro que, infelizmente, não podemos ignorar essa triste realidade, para a qual a grande maioria dos seus moradores não colabora, mas uma das propostas da peça é mostrar o outro lado desse cotidiano: o humano, ou seja, uma favela que, à sua maneira, “se diverte, faz festa, ajuda uns aos outros e vive nessa pluralidade cultural”.







(Foto: Gilberto Bartholo.)

  Vivi, naquele final de tarde início de noite, uma das experiências mais enriquecedoras por que já passei, em 72 anos de vida, mais de meio século dela destinado ao TEATRO, a começar por uma visita guiada ao “Museu da Maré”, muito bem montado, com um acervo doado pelos moradores locais, e muito bem administrado, tendo VANESSA GREFF como sua produtora cultural. O “Museu” é de uma riqueza, não material, porém afetiva e histórica, incomensurável. Muito agradeço à historiadora RENATA CARNEIRO, “cria” da Maré, que lá trabalha, pelo carinho e atenção a mim dedicados, mesmo fora de seu horário de trabalho e de sua função.







(Foto: Gilberto Bartholo.)

  Quase à hora do início da peça, fomos, eu e meu sobrinho-neto João Pedro Bartholo, estudante de TEATRO, na UNIRIO, o qual me acompanhava, com o mesmo interesse e curiosidade que haviam tomado conta de mim, conduzidos ao local onde se daria a encenação, um enorme galpão, com uma excelente acústica natural, sem nenhum tratamento tecnológico. Fomos privilegiados, porque pudemos testemunhar, a menos de dois metros à nossa frente, a organização e a prática da tradicional “rodinha”, que acontece antes de cada sessão de TEATRO.







(Foto: Gilberto Bartholo.)

  Antes mesmo de o espetáculo iniciar, já nos sentíamos “em casa”, começando a perceber uma atmosfera muito especial, quando olhávamos ao nosso redor. As pessoas iam adentrando o espaço, pegando, cada uma, sua própria cadeira, colocando-a de modo a formar um pequeno auditório, cerca de sessenta ou setenta pessoas, no máximo, de frente para o que se esperaria ser o “palco”, onde havia um cenário. Ali, o elenco canta e dança algumas canções e acontecem algumas cenas, porém, logo, vem a grande surpresa: todos, orientados pelo elenco, têm que pegar suas cadeiras e posicioná-las em outros lugares, formando uma arena, uma vez que o elenco traça, no chão, de cimento, o “mapa” do local onde se dão as outras cenas. Uma experiência para lá de interessante e instigante. Uma grande ideia da direção do espetáculo.







(Foto: Gilberto Bartholo.)

  A encenação é de um dinamismo poucas vezes visto por mim, numa montagem teatral, e obriga a plateia a se voltar para várias direções, porque, mal termina uma cena, já começa outra, em outro ponto do espaço cênico. Que direção de movimento! Parabéns, GABRIELA LUIZ, também responsável pela preparação corporal, que muito exige dos atores! É tudo tão intenso, tão frenético, que não conseguem chegar a um acordo o tempo cronológico com o psicológico. São 60 minutos que parecem ser apenas 6. O tempo “voa” e o espectador fica “colado” à sua cadeira, acompanhando, sem piscar, o andamento das ações e o surgimento de novos dramas e seu crescimento constante.





(Foto: Gilberto Bartholo)



(Foto: Gilberto Bartholo)

  Todas as ações, à exceção das iniciais, acontecem num cenário imaginário, indicado pelos traços de giz, no chão, onde os atores desenharam as ruas, becos e os locais nos quais os personagens atuam. As primeiras cenas, no entanto, se passam no lugar em que o público julga ser o “palco” no qual toda a peça deveria ser encenada. O cenário, bastante realista, mostra o interior de uma habitação da favela, um barraco, com detalhes de fazer inveja aos melhores diretores de arte que conheço. Algo bem parecido vi, há pouco tempo, na encenação de “Eles Não Usam Black-Tie”, na Favela do Vidigal, com atores do Grupo “Nós do Morro”. Quem assina a cenografia, assim como a arte gráfica é FLÁVIO VIDAURRE, que merece muitos aplausos.





(Foto: Gilberto Bartholo.)



(Foto: Gilberto Bartholo.)

  Para aguçar a curiosidade dos espectadores, uma “festa”, com cantos e danças, para a comemoração da entrada de MAICON na Faculdade de Direito da UFRJ, se dá não à vista direta do público, mas pode ser percebida por trás de dois grandes painéis, móveis e sobre rodas, confeccionados com um material transparente, meio opaco. Essas duas espécies de “tapadeiras” são deslizadas para os lados, quando, propriamente, a peça começa, com o desenrolar dos diálogos.





(Foto: Gilberto Bartholo.)

  Os figurinos, assinados por TIAGO RIBEIRO, são bastante “reais”, intimistas, do dia a dia de pessoas bem simples, totalmente de acordo com os personagens.





(Foto: Gilberto Bartholo.)

  A trilha sonora, cujo responsável não aparece, na ficha técnica, com tal rubrica, especificamente, mas acredito estar incluída no que, lá consta como direção musical, a cargo de RENATA TAVARES e ZARATUSTRA, inclui canções bem populares, algumas “bregas”, o “funk” e sons de tiros, reproduzindo muito, infelizmente, do que seja morar numa favela.





(Foto: Gilberto Bartholo.)

  Várias cabeças pensantes, reunidas, têm tudo para a produção de bons frutos, como é a dramaturgia da peça, a qual, como já me referi, no início desta crítica, coube a PEDRO EMANUEL, pesquisador, dramaturgo e roteirista, mestre pelo “Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena da UFRJ”, onde pesquisou estratégias de escrita sobre narrativas periféricas. Atualmente, entre outros afazeres, trabalha como arte-educador no “Projeto Entre Lugares Maré”, no “Museu da Maré”, ministrando oficinas de escrita e de dramaturgia. Seu trabalho contou com a colaboração dos membros da CIA. CRIA DO BECO. PEDRO não mora naquele local, porém, com sua formação e a vivência de todos os outros, “crias” da Maré, “gestou” um texto que “vingou” e deve ter fluído de uma forma bem fácil e simples. A trajetória de MAICON e seus companheiros, os conflitos e os “perrengues” por que passam, todos os dias, são apresentados de uma forma muito natural, tendo sido utilizada uma linguagem bastante espontânea, própria dos personagens, com direito ao uso reiterado de um código quase “secreto”, uma linguagem meio cifrada, como é a intenção de todos os tipos de gírias e jargões, em qualquer grupo social ou profissional, como que para a preservação de uma cultura e manutenção de uma identidade cultural própria. Tudo soa muito natural e, por esse motivo, mesmo quem não conhece ou domina essa linguagem particular acompanha o desenvolvimento da trama. Linguagem mais natural e diálogos mais “eloquentes” e diretos, ágeis, seriam impossíveis. Excelente dramaturgia! Apenas a título de curiosidade, “gíria”, em francês, é “argot”, que significa, de uma forma geral, a “linguagem dos marginalizados”. Entenda-se bem: os que vivem à margem da sociedade, fora da área de sua percepção.





(Foto: Gilberto Bartholo.)

    Desde pequeno, ouvia minha avó e minha mãe repetirem que “quem pariu Mateus que o embale”. Entendia o significado daquilo, embora sempre tivesse curiosidade de saber quem era esse tal de “Mateus”. E por que me vali disso para introduzir este parágrafo? Para dizer que, se foi RENATA TAVARES quem “pariu Mateus”, se foi ela quem deu o pontapé inicial, quem fez a provocação e a sugestão da peça, cabia a ela “embalar” o tal do “Mateus”. Aceita a provocação, RENATA tomou as rédeas da direção da montagem e o fez com a maior competência, bom gosto e garra, no que foi correspondida, “geral”, pelo Grupo. Todas as soluções propostas pela diretora, como as que já citei até agora, e todas as outras, funcionam muito bem, numa arena, e podem ser adaptadas para um Teatro com configuração de “palco italiano”.


(A rodinha.)




(Foto: Gilberto Bartholo.)

   Com as cenas espalhadas por todo o espaço cênico, que não é pequeno, era necessário um cuidado especial com a iluminação, que exigia certos detalhes, não complicados, porém que careciam de muita atenção, para que o resultado final fosse satisfatório. E isso foi possível, graças ao trabalho de JOÃO GIOIA, um experiente iluminador, cujo trabalho já conhecia, LUCAS DA SILVA e RAIMUNDO PEDRO.





(Foto: Gilberto Bartholo.)

   Quanto ao elenco, tenho de me esforçar bastante, a fim de não ser repetitivo e encontrar as palavras certas, para falar de cada um. Já começo por dizer que todos estão preparados, tecnicamente, para pisar um palco, como profissionais. Talvez isso bastasse para falar sobre o talento desses jovens, que não podem, de jeito algum desistir de voos mais altos e ousados.





        Do elenco, só conhecia o trabalho de CAMILA MOURA, como já tive a oportunidade de dizer lá em cima. Não foi à toa, ou por nada, que um dos maiores diretores de TEATRO do Brasil, Rodrigo Portella, vendo-a atuar, convidou-a para um trabalho profissional na montagem de um projeto, no OI Futuro Flamengo, um “experimento” que misturava linguagens e que, para mim, foi um grande presente que recebi, durante a pandemia. CAMILA mereceu um elogio de minha parte, por sua atuação, ao lado de gente muito experiente, como Simone Mazzer, Felipe Frazão, Elisa Lucinda, Maria Esmeralda Forte, Verônica Rocha, Antônio Pitanga, Enrique Diaz, Leandro Santanna e Gabriel Hypólito. Era um trabalho filmado e projetado em 35 telas de TV. Ali, ela já me impressionou bastante, mas eu estava ansioso por vê-la atuando ao vivo. E quando isso aconteceu, em “NEM TODO FILHO VINGA”, CAMILA, que interpreta a jovem ELLEN, prima de MAICON, não só ratificou o meu pensamento acerca de seu potencial de atriz, como o superou.





       Tão ansioso por ver o trabalho de CAMILA eu estava para conhecer JEFFERSON MELLO e sua atuação, elogiadíssima por todos os amigos da classe teatral que já o haviam visto, na peça. Num caso como esse, a pessoa – eu - cria uma expectativa e só espera que ela seja correspondida. Sim, ela o foi. E muito além do que eu esperava. Que ator “formidável”! (Como diria Nelson Rodrigues.) Não sei de onde ele tira tanta força dramática para emprestá-la ao seu MAICON. Numa das cenas em que o personagem discute, seriamente, com seu melhor amigo, realizada na minha frente, a menos de um metro de distância, fui às nuvens, totalmente encantado com sua máscara facial, com o tom da sua voz, sua postura corporal, com a verdade estampada nos seus olhos, sua "visceralidade". Para qualquer diretor, afirmo que é um luxo e a certeza de um grande acerto ter JEFFERSON MELO no seu elenco. Se eu fosse formar um agora, um papel seria destinado a ele.





(Foto: Gilberto Bartholo.)

       MAICON consegue ascender, socialmente, ao ingressar no curso de Direito da UFRJ, considerado um dos mais elitistas no mundo acadêmico? De jeito nenhum! Logo nos primeiros dias de aula, ele sofre um choque, que o leva a vivenciar uma sensação de não pertencimento à turma, de não acolhimento por todos da faculdade, de falta de alinhamento e identificação com seus colegas de turma e professores, "crias" de outra realidade social, todos devidamente "vingados". Ele, numa atitude, talvez, de autoproteção, envergonhado de sua origem, chega a mentir, dizendo morar num bairro próximo à sua favela, mas não nela. Ele trava uma luta interior, com ele mesmo, para se assumir como “um estranho no ninho”. E isso o consome.





(Foto: Gilberto Bartholo.)

     Outro que me causou a melhor impressão foi RAMIRES RODRIGUES, que interpreta CARLÃO, o melhor amigo, de infância, do protagonista. RAMIRES também, nas cenas em que é mais exigido, responde à altura e constrói um personagem que assume uma escolha, porém, quando questionado pelo amigo, por vezes, demonstra uma certa fraqueza e ensaia um arrependimento, que não dura muito, uma vez que seu destino parece “ter sido traçado na maternidade”. Ótimo ator!





        ANDERSON OLI (WALLACE), NATÁLIA BRAMBILA (CLÁUDIA) e ZARATUSTRA (DIGÃO) são os outros três amigos que dividem com MAICON, CARLÃO e ELLEN o palco e, consequentemente, vivem a mesma realidade que os outros. O trio também não deixa a desejar. Todos fazem trabalhos dignos de muitos aplausos. Um elenco homogêneo, sem a menor sombra de dúvidas





  










        O clímax da narrativa se dá no momento em que CLÁUDIA revela a MAICON, seu namorado, que está grávida, e cada um que me lê já vai deduzindo o que pode acontecer, numa situação como essa, dentro daquela realidade de vida. É o conflito sobre realizar ou não o aborto; é o fator falta de dinheiro, para a prática do procedimento; é a radical opinião de ELLEN, por sua opção religiosa; é o dilema em aceitar, ou não, a ajuda de um traficante, para “se livrar de um problema”; é o impasse sobre se candidatar a receber uma quantia, como recompensa, para “entregar um traficante”, que não é “qualquer um”...





(Foto: Gilberto Bartholo.)

          Mais do que isso julgo ser desnecessário dizer, até mesmo para servir de incentivo, a todos os que me leem, a que procurem, numa possibilidade de sua volta ao cartaz, assistir à peça, mas, mesmo sabendo que não devia, não posso me furtar o desejo de acrescentar que, ao final da encenação, cada personagem, numa belíssima atitude, “livra-se” de seu personagem e, em posicionamentos estratégicos, um a um, se apresenta, civilmente, como CIDADÃOS, revelando seus verdadeiros nomes, o nome do lugar onde moram e a idade, que, para eles, corresponde ao tempo em que conseguiram, até aquele momento resitir e sobreviver, diante de tanta injustiça a que são submetidos no seu dia a dia.




(Foto: Gilberto Bartholo.)




FICHA TÉCNICA:

Dramaturgia: Pedro Emanuel, com colaboração da Cia. Cria do Beco

Encenação: Renata Tavares

Direção Musical: Renata Tavares e Zaratustra

Preparação Corporal e Direção de Movimento: Gabriela Luiz

Cenografia e Arte Gráfica: Flávio Vidaurre

Assistente de Cenografia: Rafael Rougues

Figurino: Tiago Ribeiro

Assistente de Figurino: Lucas de Souza

Equipe de Iluminação: João Gioia, Lucas da Silva e Raimundo Pedro

Operador de Som: Edson Martins

 

Elenco (por ordem alfabética): ANDERSON OLI, CAMILA MOURA, JEFFERSON MELO, NATÁLIA BRAMBILA, RAMIRES RODRIGUES, YURI DOMINGUES (SUB) e ZARATUSTRA

 

Assessoria de Imprensa: Ana Linhares e Isabel Ludgero

Fotografia: Thiago dos Santos

Produção: Cia. Cria do Beco

Assistente de Produção: Sheilla Cintra

Produção e Produção Executiva: Vanessa Gref

 

 







(Foto: Gilberto Bartholo.)

      “NEM TODO FILHO VINGA”, uma excelente peça de TEATRO, não foi pensada nem produzida como uma mera intenção de entretenimento. O espetáculo passa muito distante disso, do outro lado da Avenida Brasil, ao longo da qual, e em suas proximidades, está situado o Complexo de Favelas da Maré. A peça é, mais que um convite ou sugestão, uma intimação, para que possamos enxergar a realidade daquela gente sofrida e injustiçada, que só conhecemos pelas mídias, e iniciar uma urgente e necessária reflexão acerca das causas do “status quo” daqueles personagens, os quais, no fundo, no fundo, são reais, e perceber que essas causas não estão tão distantes assim de nós, no tempo (Em que ano, mesmo, foi "extinta a escravidão", e em que condições?) e tomarmos uma posição quanto a se engajar na luta, ao lado deles, os mais “fracos”, e fazer de tudo para fortalecê-los e tratá-los de igual para igual. É um dever de todo cidadão fazer isso.





 

 


FOTOS (OFICIAIS):

THIAGO DOS SANTOS

e

GILBERTO BARTHOLO

(PARTICULARES)




GALERIA PARTICULAR:

(FOTOS: JOÃO PEDRO BARTHOLO.)

 




(Com João Pedro Bartholo.)


(Com João Pedro Bartholo.)


(Com Jefferson Melo.)


(Com Camila Moura.)




(O agradecimenro da diretora, RENATA TAVARES.)




E VAMOS AO TEATRO,

COM TODOS OS CUIDADOS!!!

 

OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO

 DO BRASIL,

COM TODOS OS CUIDADOS!!!

 

A ARTE EDUCA E CONSTRÓI, SEMPRE!!!

 

RESISTAMOS, SEMPRE MAIS!!!

 

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