“ALEGRIA
DE
NÁUFRAGOS”
ou
(TEATRO
PARAIBANO
DA MELHOR
QUALIDADE.)
ou
(DAS BOAS
SURPRESAS
DO TEATRO.)
Convidado que fui para a estreia de um espetáculo,
no Teatro Ipanema, no último dia 15 de abril (2022), lá estava
eu, para conhecer o trabalho de um grupo de TEATRO de João Pessoa,
Paraíba. Fui com pouca informação sobre a peça, apenas com o “release”,
que me foi enviado por ALESSANDRA COSTA (Assessoria de Imprensa e
Comunicação), e com muita curiosidade e encantado com a criatividade que há
no nome do Grupo: “SER TÃO TEATRO”.
Foi uma deliciosa surpresa e mais uma prova
concreta daquilo que já venho comprovando, e propagando, há muitos anos, que é
o fato de que a produção de excelentes montagens teatrais não é exclusividade,
apenas, do Rio de Janeiro e São Paulo. Existe muito TEATRO
de excelentíssima qualidade nascendo em todo o Brasil,
principalmente no nordeste, e se espalhando pelo país afora. Que bom que
isso esteja acontecendo! E cada vez mais!
O espetáculo
foi montado para comemorar os “15 anos de estrada” do Grupo,
que me deixou muito bem impressionado. O nome da peça é “ALEGRIA DE NÁUFRAGOS”,
baseado num conto de Anton Tchekhov, “Uma
História Enfadonha”. Trata-se de uma livre adaptação, para os
palcos, que, na visão do Grupo, é um “drama de Tchekhov, temperado
com humor ácido da Paraíba”. Infelizmente, não conheço o conto (Vou
procurar lê-lo.), mas vi muito “humor ácido da Paraíba” naquele
palco. Da melhor qualidade.
Antes de iniciar uma análise
da montagem, acredito que seria interessante conhecermos um pouco sobre a
trajetória do Grupo “SER TÃO TEATRO”, surgido em 2007, na cidade
de João Pessoa, formado por alunos, professores e funcionários da Universidade
Federal da Paraíba (UFPB) e outros artistas locais e que “vem se
destacando no cenário artístico, com uma trajetória de sucesso e pesquisa,
especialmente voltada para o trabalho do ator, para a musicalidade e para o
treinamento físico/energético, fortalecendo os princípios da criação coletiva e
colaborativa”.
O Grupo já montou os seguintes espetáculos:
“Vereda da Salvação”, de Jorge Andrade (2007);
“Farsa da Boa Preguiça”, de Ariano Suassuna (2010/2012),
“Prêmio Funarte Artes Cênicas na Rua”, montagem em parceria
com a “Cia. Clowns de Shakespeare” (RN); “Coronel de
Macambira: Experimento” (2010); “Flor de Macambira” (2011),
“Prêmio Funarte Myriam Muniz”, de 2011; “ALEGRIA DE NÁUFRAGOS” (2016);
e “Reses” (2017), livremente inspirado na obra “A
Santa Joana dos Matadouros”, de Bertold Brecht.
O “SER TÃO TEATRO” vem tendo uma grande participação em Festivais de Teatro, o que
considero muito interessante e importante, para o intercâmbio entre os diversos
grupos, de todas as regiões do Brasil. Aqui, alguns dos Festivais
dos quais o Grupo participou: “Mostra Latino-Americana de
Teatro de Grupo” – SP; “Cena Brasil
Internacional” – RJ; “Festival do Recife de Teatro Nacional”;
“FIT Rio Preto”; “Janeiro de Grandes Espetáculos”; “Virada
Cultural Paulista”; “Festival Internacional de Artes de Brasília”;
“Circuito Nacional do Palco Giratório – 2016”; “Festival
Nordestino de Guaramiranga" (2013 e 2017): “Mostra de Teatro de
Rua do Sesc” – SP; e “Festival Nacional de Teatro Cidade de
Vitória” – ES.
Em tão pouco tempo de
existência, o “SER TÃO TEATRO” já conquistou vários prêmios, como o “Domingos Sérgio
Batista de Destaque da Cultura Paraibana” (2007); Melhor
Espetáculo e Melhor Direção, com “Vereda da Salvação”,
no “Festival Aldeia SESC” (2009); “Funarte Myriam Muniz de
Teatro”, com “Coronel de Macambira” (2009); “Funarte
Interações Estéticas”, com “Ser Tão Clowns” (2009); “Funarte
Artes Cênicas na Rua”, com “A Farsa da Boa Preguiça” (2009);
Melhor Espetáculo, pelo Júri Popular, com “Flor de
Macambira”, no “XVIII Festival Nordestino de Teatro do Ceará”
(2011); “Teatro Myriam Muniz”, com “Roda
SerTão” (2012).
Montado, pela primeira vez,
em 2016, o espetáculo “ALEGRIA DE NÁUFRAGOS”, desde lá, viaja
pelo Brasil, em temporadas ou participações em Festivais,
sempre agradando e encantando as plateias, não sem motivo. Não se trata de um texto
original, entretanto a dramaturgia me pareceu muito bem estruturada,
totalmente voltada para os dias atuais, fazendo com que o consagrado escritor
russo Tchekhov, autor do conto que deu origem
à peça, se vestisse com roupas modernas. O conto, apesar de escrito em 1888,
há quase um século e meio, é narrado, assim como na versão teatral, pelo protagonista, NICOLAI
STIEPÁNOVITCH, um homem de 62 anos, entediado com a vida, porém esse
tédio, bem “especial”, é racionalizado, descritivo, justificado.
O que mais chama a
atenção do público, em geral, no desenrolar da história, é o fato de
como, com sua imensa genialidade, ratificada pelos adaptadores do conto para
o palco, Tchekhov enfatiza a forma como as pessoas vão se
tornando desinteressantes e óbvias, com o amadurecimento e com a vida adulta. A
efervescência da cabeça dos jovens vai perdendo sua força, como se acompanhasse
a perda do vigor físico, com a velhice e o amadurecimento. O interesse pelo
novo “esmaece” e tudo vai “empalidecendo”, perdendo
seu valor, “perdendo a graça”, por conta de uma “estranha”
sensatez, talvez em excesso, que toma conta das pessoas, de uma forma geral, nessa fase da vida.
SINOPSE:
Com um currículo impecável, o professor
NICOLAI STIEPÁNOVITCH – pai de família e profissional reconhecido, no
exercício, além das fronteiras do seu próprio país – poderia ser, facilmente,
tomado como um exemplo de vida, um “homem feliz”.
Mas, gradativamente, no desenrolar do espetáculo,
esse “homem de bem” é submetido a um doloroso processo de "falência interior".
Refém das próprias escolhas e dos
modelos exemplares que perseguiu, ao longo de sua caminhada, somente agora, quando
pouco ou nada há de ser feito, o professor começa a adquirir clareza sobre o
lado patético da sociedade e de suas instituições, incluindo seu trabalho e a
própria família.
Graças ao talento do elenco afinado –
trunfo do espetáculo –, essas reflexões extrapolam os personagens e
tomam conta dos Teatros onde o espetáculo vem sendo encenado e,
até, da própria vida.
Já o peso trágico da obra de Tchekhov
é diluído em momentos de refinado e ácido humor.
O protagonista
não faz outra coisa, a não ser demonstrar uma enorme insatisfação, de uma forma
geral, metralhadoras apontadas em todas as direções, criticando quase tudo, com
muita sensibilidade e racionalidade: dos alunos à literatura, do TEATRO
aos membros da própria família. Não sei como isso se dá, no conto, porém, em
função da ótima dramaturgia, um personagem “chato e
enfadonho”, uma pessoa desagradável, com a qual é difícil de se
conviver, acaba por se transformar numa “metáfora da realidade”, se
fizermos uso da empatia e pararmos para refletir sobre seus pontos de vista.
Suas comparações, ainda que, à primeira vista, possam parecer absurdas, são
bastante provocativas e ousadas.
A montagem é bastante
modesta, na forma, e muito valiosa, no conteúdo. Para comentar, ainda que de
forma sucinta, todos os elementos que entram na sua concretização,
partirei de um trecho extraído do já citado “release”: “‘ALEGRIA DE NÁUFRAGOS’
estabelece pontes entre o discurso literário de mais de 150 anos e contundentes
questões de nossos tempos. Pontes erguidas com o talento dos atores CELY FARIAS,
RAFAEL GUEDES e THARDELLY LIMA, que incidem, sem concessões, sobre o presente e
a geografia, com doses generosas de acidez e humor, provocando uma inevitável
análise sobre si mesmos.”.
Dizem que “o
cinema é a arte do diretor, enquanto o TEATRO é a arte do ator”. Sempre
achei um pouco radical essa afirmação, entretanto, em determinados casos, tal
assertiva me parece bem aplicada. Mesmo considerando o bom trabalho no tecer da
dramaturgia e na ótima direção, de CÉSAR FERRARIO, vejo,
como o cume desta montagem, o magnífico trabalho, afinadíssimo, do trio em cena,
que só pelo fato de conseguirem dizer o texto na velocidade como o
fazem, utilizando uma excelente dicção e impostação de voz, sem a
utilização de recursos tecnológicos, a voz pura, conseguindo fazer com que o
público entenda tudo o que eles dizem, já merece os nossos aplausos. São três profissionais muito
versáteis, vivendo, os três, dois atores e uma atriz, o mesmo
personagem, o protagonista, num revezamento tão ágil, que, se o espectador
“comer mosca”, ficará perdido, sem entender o que está acontecendo
em cena. Essa passagem do personagem, de um para outro, se dá, apenas,
com a colocação de um chapéu, na cabeça. E, tão logo isso se dá, quem o recebe
muda, completamente, do que estava fazendo antes para o PROFESSOR NICOLAI
STIEPÁNOVITCH. Eles também se alternam em outros personagens.
É claro que todo esse
dinamismo foi proposto pela direção, que também se ocupou em traçar
movimentos e marcações que vão se intensificando, ao longo da encenação. Uma direção
muito criativa e desafiadora, tanto para o diretor como para três
artistas que atuam, os quais entraram, de forma plena, na aceitação do
desafio e de seu cumprimento. À risca. A ideia de fazer com que os três se
revezem, na pele de um só personagem, não é nem um pouco inédita. Já vi
isso em inúmeras montagens, porém nunca de forma tão perfeita como
nesta.
Dão suporte à direção
e ao elenco bons profissionais de criação, como MARCO FRANÇA,
responsável pela direção musical e pela música original; MARIA
BOTELHO, que criou a cenografia e os adereços, com poucos
elementos, todos muito bem aproveitados nas cenas; VILMARA GEORGINA, criadora
dos figurinos, que não poderiam ser outros, bem de acordo com o universo
dos personagens; e o próprio Grupo, que se encarregou de fazer o desenho
de luz da peça, sem nenhuma complicação ou sofisticações, que disso
a montagem não carecia mesmo.
FICHA TÉCNICA:
Baseado no conto “Uma História Enfadonha”,
de Anton Tchekhov
Dramaturgia: “Ser Tão Teatro”, Cesár
Ferrario e Giordano Castro
Direção: César Ferrario E Giordano
Castro
Elenco: Cely Farias, Rafa Guedes e
Thardelly Lima
Direção Musical e Música Original:
Marco França
Cenografia e Adereços: Maria Botelho
Figurino: Vilmara Georgina
Desenho de Luz: “Ser Tão Teatro”
Operação De Som: Natália Sá
Fotografia: Eunilo Rocha e Marina
Cavalcante
Assessoria de Imprensa: Alessandra
Costa
Produção: “Ser Tão Teatro” e Maria Alice
Silvério
SERVIÇO:
Temporada: dias 09, 10, 15, 16, 17,
29, 30 de abril e 1º de maio
Local: Teatro Ipanema
Endereço: Rua Prudente de Morais, nº
824 – Ipanema – Rio de Janeiro
Dias e Horários: sextas-feiras e
sábados, às 20h; domingos, às 19h
Valor dos Ingressos: R$20,00 (meia
entrada) / R$40,00 (inteira)
Vendas: www.sympla.com/sertaoteatro
Duração do espetáculo: 58 minutos
Classificação Etária Indicativa: 12
anos
Gênero: Comédia
Estou
bastante “chateado”, talvez tanto quanto o protagonista da
peça, por não vislumbrar a possibilidade de rever o espetáculo,
que eu RECOMENDO
MUITO, por já estar com a agenda comprometida, nos dias em que ainda haverá
sessões. Gostaria muito de que os que me leem fossem ao Teatro Ipanema,
numa das datas que estão assinaladas no SERVIÇO, para conhecer e
prestigiar o trabalho de um Grupo de TEATRO que merece nossos aplausos e
que precisa voltar, mais vezes, ao Rio de Janeiro.
Sede do "SER TÃO TEATRO, em João Pessoa, Paraíba.
FOTOS: EUNILO ROCHA
E
MARINA CAVALCANTE
E VAMOS AO TEATRO,
COM TODOS OS
CUIDADOS!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS
DE ESPETÁCULO
DO BRASIL,
COM TODOS OS
CUIDADOS!!!
A ARTE EDUCA E
CONSTRÓI, SEMPRE!!!
RESISTAMOS, SEMPRE
MAIS!!!
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