quarta-feira, 29 de agosto de 2018


PARA
NÃO
MORRER

(UMA CRUEL REALIDADE,
REVELADA E AMENIZADA
PELA MAGIA DO TEATRO.)





            Embora o espetáculo já tenha cumprido sua primeira temporada no Rio de Janeiro (Gostaríamos de outras.), não poderia me furtar a escrever uma crítica a ele, pelo que tanto de prazer, emoção e alegria me causou. Falo de “PARA NÃO MORRER”, um magnífico solo, que foi exibido no Teatro Poeirinha, em curta temporada, e ao qual só consegui assistir no penúltimo dia em cartaz. Tivesse tempo e condições, gostaria de revê-lo, por ser um espetáculo inesquecível.

É uma pena que tenha feito uma temporada tão breve, mas sempre com sessões esgotadas, a ponto de a produção ter de abrir sessões extras, aos sábados!

O texto, baseado na obra “Mulheres”, do escritor uruguaio EDUARDO GALEANO, falecido em 2015, foi concebido, dramaturgicamente, por um jovem e talentoso dramaturgo curitibano, de 26 anos, FRANCISCO MALLMANN, e é brilhantemente interpretado por uma atriz visceral, cujo trabalho, salvo engano, eu não conhecia, por ser radicada em Curitiba, e, de agora em diante, jamais perderei um feito por ela. “Virei “fã de carteirinha”.

Falo de NENA INOUE, atriz, com 40 anos de carreira, 60 peças no currículo, nascida em Córdoba (Argentina) e criada, desde os nove anos, no Brasil, a qual, pelo papel, recebeu o Troféu Gralha Azul de Melhor Atriz em 2017, com todo merecimento.

O espetáculo teve como embrião a leitura que NENA fez, do livro de GALEANO, o que a levou a se interessar bastante pelo assunto e pensar em ver aqueles relatos, com acréscimos de outros, todos reais, reunidos e transformados numa peça de TEATRO.

O livro foi escrito em 1997 e ganhou grande repercussão no mundo inteiro. Nele, o autor “...recupera a biografia de várias personagens históricas, cuja importância a perspectiva dominante reduziu, deturpou ou, simplesmente, ignorou. Uma forma de dar voz às lutas de mulheres que não são vistas nem lembradas: negras, indígenas, guerrilheiras, mães, avós, filhas de diferentes épocas e lugares que foram violentadas, mutiladas, torturadas, assassinadas e esquecidas. E resgata, ainda, algumas mais conhecidas, como SherazadeRosa de LuxemburgoStela do PatrocínioJosephine Baker e Olga Benário, entre outras”. (Extraído do “release da peça.)









SINOPSE:
(Baseada no “release” da peça, enviado por BRUNO MORAIS (ASSESSORIA DE IMPRENSA)


(...) a encenação, concebida por NENA, em parceria de criação com BABAYA MORAIS (BH), antiga parceira de tantos outros trabalhos, apresenta temáticas femininas e feministas, atreladas a questões políticas, especialmente da América Latina.

Uma mulher, sentada e imóvel, incapacitada de locomoção, mas que ainda tem uma voz, se apropria da palavra e dá voz e vez a muitas outras.

Diferentes lugares, vidas e momentos históricos se mesclam, em um clamor, que traz a coragem de narrar, a urgência de ser dito e de contar essas histórias, que precisam ser ouvidas e tocar o coração das pessoas.

Mulheres da resistência - célebres ou anônimas -, que transformaram o meio e as pessoas com as quais conviveram, é a temática do espetáculo.






Faltou dizer, na “sinopse”, que todas as histórias envolvem violência contra a mulher, de ordem física e/ou moral, incluindo os terríveis e abomináveis casos de feminicídios, assunto que, infelizmente, povoa os noticiários de todas as mídias, no Brasil e no mundo, com muito mais ênfase em terras brasileiras. Em 2017, por exemplo, foram computados 4.473 homicídios dolosos contra as mulheres, no Brasil, um aumento de 6,5% em relação a 2016, o que significa que uma mulher é assassinada a cada duas horas em solo brasileiro, sendo 946 feminicídios, ou seja, casos de mulheres mortas em crimes de ódio, motivados pela condição de gênero. Ou, de outra forma, isso quer dizer que doze mulheres são assassinadas por aqui, diariamente, muitas bem perto de nós. Mas, certamente, os números são superiores a esses, por f alta de padronização e de registros no monitoramento de feminicídios no país.

“PARA NÃO MORRER” é um espetáculo que vem do Paraná (E como o Paraná nos tem presenteado com grandes espetáculos ultimamente!!!), mais propriamente, de Curitiba, um enorme celeiro de grandes artistas de TEATRO, em inesquecíveis montagens, as quais, para a nossa sorte, começam a chegar, com mais frequência, ao Rio de Janeiro, como podemos citar, só considerando o ano em curso, o caso de duas belíssimas produções: “HOJE É DIA DE ROCK” e “NUON”, ambas no primeiro semestre, com enorme sucesso de público e de crítica. Em termos de qualidade e de recepção, por parte dos cariocas, “PARA NÃO MORRER” não fica atrás.











O monólogo prende a atenção da plateia, a ponto de não se ouvir o menor ruído, além da voz da atriz, porque contém um texto muito sensível, que emociona demais, com uma costura exemplar de todas as histórias, ligadas por “ganchos” perfeitos, numa linguagem de fácil entendimento, para pessoas de qualquer origem, idade ou formação acadêmica, porque é verdadeiro, simples, direto, tudo isso valorizado pela estupenda interpretação de NENA INOUE.

Estava muito curioso, para ver a peça, em função dos comentários positivos acerca dela, feitos por muitas pessoas, cuja opinião respeito muito - colegas críticos, jornalistas e amigos atores e diretores de TEATRO -, e, logo que adentrei a minúscula e aconchegante sala do Teatro Poeirinha, fui impactado com uma visão muito desagradável de um “ser” (percebia-se que era uma mulher) horrendo, posso dizer, graças ao fantástico trabalho de visagismo, a cargo de CARMEN JORGE, como se pode ver na imagem abaixo.


Confesso que aquela desagradável visão, que tem tudo a ver com o espetáculo, me incomodou bastante, até, pelo menos, o primeiro terço da peça, fazendo-me, algumas vezes, abaixar a cabeça ou desviar o olhar, ficando só atento ao que ouvia, perdendo o interesse em enxergar de que boca vinha aquele texto.

Essa boca se mantém torta, ao longo do solo, assim como os pés, descalços, da atriz, sem falar nos dedos, também “deformados” (pareciam colados uns aos outros). Era a visão de alguém, talvez, sobrevivente de um derrame cerebral, ou coisa parecida. Ou de um ser humano meio amorfo, de nascença (Quem sabe?). Além da emissão clara do texto, com todas as entonações e ênfases necessárias, a atriz consegue, durante cerca de uma hora, se manter sentada, com uma postura torta, que a acompanha até, praticamente, o final da peça. Mas, sobre isso, recuso-me a falar, pois estaria dando um “spoiller” de algo muito significativo na peça e que deve ser muito bem percebido pelo espectador. Ela vai dando um peso diferente a cada narrativa, todas elas cercadas de muita emoção e com aberturas para detalhes que provocam riso; um riso nervoso, é verdade.

NENA também assina a direção da peça, contando com a contribuição de BABAYA, antiga parceira, com quem já dividiu tantos outros trabalhos de direção e concepção. Muito correta a direção.




Volto ao visagismo da peça, porque ele é um fator da maior importância nesta montagem, abrangendo vários detalhes, que vão formar a imagem da personagem, a sua caracterização. Em outros tempos, as fichas técnicas traziam a rubrica “maquiagem”. De uns tempos para cá, o termo foi substituído por “visagismo”, o que, ainda, não é bem entendido por muitas pessoas. Ele tem sua origem no francês “visage” (cara, face). O visagista cria o visual do(a) personagem, trabalhando junto ao figurinista e à direção de um espetáculo, considerando, ainda, as individualidades de cada ator/atriz. O visagista se prende mais à maquilagem e à estilização dos cabelos dos atores, incluindo as perucas, mas também está ligado ao trabalho do figurinista. Um completa o outro, digamos assim, mais este àquele. Ainda cabe ao visagista pensar em maquiagens especiais e próteses, que podem rejuvenescer ou envelhecer os atores, embelezá-los ou enfeá-los. Creio que era tempo de se incluir o item “visagismo” como uma categoria a merecer fazer parte dos prêmios de TEATRO.

O interessante cenário, de RUY ALMEIDA também causa impacto, por sua proposta, envolvendo apenas uma cadeira e algumas mesinhas de tamanhos e alturas diferentes, cercando a atriz, tudo coberto por uma espécie de enorme toalha, que parece fazer parte do figurino e se espalha por boa parte do espaço cênico. Sobre as mesinhas, várias jarras e jarrinhas com água e copos.




A luz é assinada por BETO BRUEL, outro paranaense ilustre, tantas vezes premiado. BETO optou por uma luz branca, perene, que só perde um pouco de intensidade nos momentos em que a atriz se serve de água, algumas vezes, únicos rápidos instantes em que ela desentorta a boca e deixa livres os dedos das mãos; decodifiquei esses detalhes como uma saída meteórica do personagem, cedendo a vez à atriz. Muito interessante o detalhe.






FICHA TÉCNICA:

Dramaturgia - Francisco Mallmann (a partir da obra “Mulheres”, de Eduardo Galeano)

Criação, Direção e Atuação - Nena Inoue

Parceria de Criação - Babaya Morais
Iluminação - Beto Bruel
Criação de Figurinos/Adereços - Carmen Jorge
Visagismo: Carmen Jorge
Cenário - Ruy Almeida
Técnico Operador - Vinícius Sant
Designer Gráfico - Martin Castro
Fotografias: Raquel Rizzo, Elenize Desgeniski, Marcelo Almeida e Lídia Ueta.
Realização - Espaço Cênico
Colaboradores RJ – Abílio Ramos, Doroti Jablonski, Paula Rollo, Spectaculu - Escola de Arte e Tecnologia, Daniele do Rosário
Direção de Produção - Nena Inoue
Produção Local – Bloco Pi Produções - Damiana Guimarães e Isabel Gomide
Assistente de Produção – Mariana Pantaleão
Assessoria de Imprensa – Bruno Morais







Sobre o espetáculo, completa NENA INOUE: A peça é sobre opressão e violências, mas também sobre resistências, lutas, afeto. É também sobre as mulheres de hoje, do que está adormecido, coisas esquecidas, que precisamos despertar. Vivemos um momento de retrocessos sociais, em que a consciência histórica e resistência se fazem ainda mais necessárias, e este espetáculo é minha forma de militar, de resistir. Ele vem tocando distintos públicos, que não somente mulheres, pois seus conteúdos são importantes para todos neste momento”.

Foi, para mim, uma gratíssima surpresa, para quem não tinha conhecimentos sobre os nomes que compõem a ficha técnica do espetáculo, à exceção de BETO BRUEL, cujo trabalho acompanho há bastante tempo e muito admiro. Além da ótima lembrança que a montagem me deixa, fica, também, o desejo de que os envolvidos nesse lindo e vitorioso projeto consigam meios e recursos para um retorno ao Rio, numa segunda temporada, visto que público e apoio não lhes faltarão.





E VAMOS AO TEATRO!!!

OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!

COMPARTILHEM ESTA CRÍTICA, PARA QUE,
JUNTOS, POSSAMOS DIVULGAR O QUE HÁ DE MELHOR NO
TEATRO BRASILEIRO!!!




(FOTOS: RAQUEL RIZZO,
ELENIZE DEZGENISKI,
MARCELO ALMEIDA
e
LÍDIA UETA.)





































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