PARA
NÃO
MORRER
(UMA
CRUEL REALIDADE,
REVELADA
E AMENIZADA
PELA
MAGIA DO TEATRO.)
Embora o espetáculo já tenha cumprido sua primeira temporada no Rio de Janeiro (Gostaríamos de outras.),
não poderia me furtar a escrever uma crítica
a ele, pelo que tanto de prazer, emoção e alegria me causou. Falo de “PARA NÃO MORRER”, um magnífico solo, que foi exibido no Teatro Poeirinha, em curta temporada, e
ao qual só consegui assistir no penúltimo dia em cartaz. Tivesse tempo e condições, gostaria de revê-lo, por ser
um espetáculo inesquecível.
É uma pena que
tenha feito uma temporada tão breve, mas sempre com sessões esgotadas, a ponto de a produção ter de abrir sessões
extras, aos sábados!
O texto, baseado na obra “Mulheres”, do escritor uruguaio EDUARDO GALEANO, falecido em 2015,
foi concebido, dramaturgicamente,
por um jovem e talentoso dramaturgo
curitibano, de 26 anos, FRANCISCO MALLMANN, e é brilhantemente
interpretado por uma atriz visceral,
cujo trabalho, salvo engano, eu não conhecia, por ser radicada em Curitiba, e, de agora em diante, jamais
perderei um feito por ela. “Virei “fã de
carteirinha”.
Falo de NENA INOUE,
atriz, com 40 anos de carreira, 60 peças no currículo, nascida em Córdoba (Argentina) e criada, desde os
nove anos, no Brasil, a qual, pelo
papel, recebeu o Troféu Gralha Azul de
Melhor Atriz em 2017, com todo merecimento.
O espetáculo teve como embrião a leitura
que NENA fez, do livro de GALEANO, o que a levou a se interessar
bastante pelo assunto e pensar em ver aqueles relatos, com acréscimos de
outros, todos reais, reunidos e transformados numa peça de TEATRO.
O livro foi escrito em 1997 e ganhou grande repercussão no
mundo inteiro. Nele, o autor “...recupera
a biografia de várias personagens históricas, cuja importância a perspectiva
dominante reduziu, deturpou ou, simplesmente, ignorou. Uma forma de dar
voz às lutas de mulheres que não são vistas nem lembradas: negras, indígenas,
guerrilheiras, mães, avós, filhas de diferentes épocas e lugares que foram violentadas, mutiladas, torturadas,
assassinadas e esquecidas. E resgata,
ainda, algumas mais conhecidas, como Sherazade, Rosa de Luxemburgo, Stela do Patrocínio, Josephine Baker e Olga Benário, entre outras”. (Extraído do “release
da peça.)
SINOPSE:
(Baseada no “release” da peça,
enviado por BRUNO MORAIS (ASSESSORIA DE IMPRENSA)
(...) a encenação,
concebida por NENA, em parceria de
criação com BABAYA MORAIS (BH), antiga
parceira de tantos outros trabalhos, apresenta temáticas femininas e feministas,
atreladas a questões políticas, especialmente da América Latina.
Uma mulher, sentada e imóvel,
incapacitada de locomoção, mas que ainda tem uma voz, se apropria da palavra e
dá voz e vez a muitas outras.
Diferentes lugares, vidas
e momentos históricos se mesclam, em um clamor, que traz a coragem de narrar, a
urgência de ser dito e de contar essas histórias, que precisam ser ouvidas e
tocar o coração das pessoas.
Mulheres da resistência - célebres ou anônimas -, que transformaram o
meio e as pessoas com as quais conviveram, é a temática do espetáculo.
Faltou dizer, na “sinopse”, que todas as histórias envolvem
violência contra a mulher, de ordem
física e/ou moral, incluindo os terríveis e abomináveis casos de feminicídios, assunto que,
infelizmente, povoa os noticiários de todas as mídias, no Brasil e no mundo, com muito mais ênfase em terras brasileiras. Em 2017, por exemplo, foram computados 4.473 homicídios dolosos contra as mulheres, no Brasil, um aumento de 6,5% em relação a 2016, o que significa que uma mulher é assassinada a cada duas horas
em solo brasileiro, sendo
946 feminicídios, ou seja, casos de
mulheres mortas em crimes de ódio, motivados pela condição de gênero. Ou, de outra forma, isso quer dizer
que doze mulheres são assassinadas por
aqui, diariamente, muitas bem perto de nós. Mas, certamente, os números são
superiores a esses, por f alta de padronização e de registros no monitoramento
de feminicídios no país.
“PARA
NÃO MORRER” é um espetáculo que vem do Paraná (E como o Paraná nos tem presenteado com
grandes espetáculos ultimamente!!!), mais
propriamente, de Curitiba, um enorme
celeiro de grandes artistas de TEATRO,
em inesquecíveis montagens, as quais,
para a nossa sorte, começam a chegar, com mais frequência, ao Rio de Janeiro, como podemos citar, só
considerando o ano em curso, o caso de duas belíssimas produções: “HOJE É DIA DE
ROCK” e “NUON”, ambas no
primeiro semestre, com enorme sucesso de público e de crítica. Em termos de
qualidade e de recepção, por parte dos cariocas, “PARA NÃO MORRER” não fica atrás.
O monólogo prende a atenção da plateia, a
ponto de não se ouvir o menor ruído, além da voz da atriz, porque contém um texto
muito sensível, que emociona demais, com uma costura exemplar de todas as
histórias, ligadas por “ganchos” perfeitos, numa linguagem de fácil
entendimento, para pessoas de qualquer origem, idade ou formação acadêmica,
porque é verdadeiro, simples, direto, tudo isso valorizado pela estupenda interpretação de NENA INOUE.
Estava muito
curioso, para ver a peça, em função
dos comentários positivos acerca dela, feitos por muitas pessoas, cuja opinião
respeito muito - colegas críticos, jornalistas e amigos atores e diretores de TEATRO -,
e, logo que adentrei a minúscula e aconchegante sala do Teatro Poeirinha, fui impactado com uma visão muito desagradável de
um “ser” (percebia-se que era uma mulher) horrendo, posso dizer, graças ao
fantástico trabalho de visagismo, a
cargo de CARMEN JORGE, como se pode
ver na imagem abaixo.
Confesso que aquela
desagradável visão, que tem tudo a ver com o espetáculo, me incomodou bastante, até, pelo menos, o primeiro
terço da peça, fazendo-me, algumas
vezes, abaixar a cabeça ou desviar o olhar, ficando só atento ao que ouvia,
perdendo o interesse em enxergar de que boca vinha aquele texto.
Essa boca se mantém
torta, ao longo do solo, assim como
os pés, descalços, da atriz, sem
falar nos dedos, também “deformados” (pareciam colados uns aos outros). Era a
visão de alguém, talvez, sobrevivente de um derrame cerebral, ou coisa parecida.
Ou de um ser humano meio amorfo, de nascença (Quem sabe?). Além da emissão
clara do texto, com todas as
entonações e ênfases necessárias, a atriz
consegue, durante cerca de uma hora, se manter sentada, com uma postura torta,
que a acompanha até, praticamente, o final da peça. Mas, sobre isso, recuso-me a falar, pois estaria dando um “spoiller” de algo muito significativo
na peça e que deve ser muito bem percebido pelo espectador. Ela vai dando um peso diferente a cada narrativa, todas elas cercadas
de muita emoção e com aberturas para detalhes que provocam riso; um riso
nervoso, é verdade.
NENA também assina a direção da peça, contando com a contribuição de BABAYA, antiga parceira, com quem já dividiu tantos outros
trabalhos de direção e concepção. Muito correta a direção.
Volto ao visagismo da peça, porque ele é um fator da maior importância nesta montagem, abrangendo vários detalhes,
que vão formar a imagem da personagem,
a sua caracterização. Em outros
tempos, as fichas técnicas traziam a
rubrica “maquiagem”. De uns tempos
para cá, o termo foi substituído por “visagismo”,
o que, ainda, não é bem entendido por muitas pessoas. Ele tem sua origem no
francês “visage” (cara, face).
O visagista cria o visual do(a) personagem, trabalhando
junto ao figurinista e à direção de um espetáculo, considerando, ainda, as individualidades de cada ator/atriz. O
visagista se prende mais à maquilagem e à estilização dos cabelos dos atores, incluindo as perucas, mas também está ligado ao
trabalho do figurinista. Um completa
o outro, digamos assim, mais este àquele. Ainda cabe ao visagista pensar em maquiagens
especiais e próteses, que podem
rejuvenescer ou envelhecer os atores,
embelezá-los ou enfeá-los. Creio que era tempo de se incluir o item “visagismo” como uma categoria a
merecer fazer parte dos prêmios de
TEATRO.
O interessante cenário,
de RUY ALMEIDA também causa impacto,
por sua proposta, envolvendo apenas uma cadeira e algumas mesinhas de tamanhos
e alturas diferentes, cercando a atriz, tudo coberto por uma espécie de enorme
toalha, que parece fazer parte do figurino
e se espalha por boa parte do espaço cênico.
Sobre as mesinhas, várias jarras e jarrinhas com água e copos.
A luz é assinada
por BETO BRUEL, outro paranaense
ilustre, tantas vezes premiado. BETO
optou por uma luz branca, perene,
que só perde um pouco de intensidade nos momentos em que a atriz se serve de água, algumas vezes, únicos rápidos instantes em
que ela desentorta a boca e deixa livres os dedos das mãos; decodifiquei esses
detalhes como uma saída meteórica do personagem,
cedendo a vez à atriz. Muito
interessante o detalhe.
FICHA TÉCNICA:
Dramaturgia - Francisco Mallmann (a partir da
obra “Mulheres”, de Eduardo Galeano)
Criação, Direção e Atuação - Nena Inoue
Parceria de
Criação - Babaya Morais
Iluminação - Beto Bruel
Criação de Figurinos/Adereços - Carmen Jorge
Visagismo: Carmen Jorge
Cenário - Ruy Almeida
Técnico Operador - Vinícius Sant
Designer Gráfico - Martin Castro
Fotografias: Raquel Rizzo, Elenize Desgeniski, Marcelo Almeida e Lídia Ueta.
Realização - Espaço Cênico
Colaboradores RJ – Abílio Ramos,
Doroti Jablonski, Paula Rollo, Spectaculu - Escola de Arte e Tecnologia,
Daniele do Rosário
Direção de Produção - Nena Inoue
Produção Local – Bloco Pi Produções - Damiana
Guimarães e Isabel Gomide
Assistente de Produção – Mariana Pantaleão
Assessoria de Imprensa – Bruno Morais
Sobre
o espetáculo, completa NENA INOUE: “A
peça é sobre opressão e violências, mas também sobre resistências, lutas,
afeto. É também sobre as mulheres de hoje, do que está adormecido, coisas
esquecidas, que precisamos despertar. Vivemos um momento de
retrocessos sociais, em que a consciência histórica e resistência se fazem
ainda mais necessárias, e este espetáculo é minha forma de militar, de
resistir. Ele vem tocando distintos públicos, que não somente mulheres, pois
seus conteúdos são importantes para todos neste momento”.
Foi, para mim, uma gratíssima surpresa, para quem não tinha
conhecimentos sobre os nomes que compõem a ficha
técnica do espetáculo, à exceção
de BETO BRUEL, cujo trabalho
acompanho há bastante tempo e muito admiro. Além da ótima lembrança que a montagem me deixa, fica, também, o
desejo de que os envolvidos nesse lindo e vitorioso projeto consigam meios e recursos para um retorno ao Rio, numa segunda temporada, visto que
público e apoio não lhes faltarão.
E
VAMOS AO TEATRO!!!
OCUPEMOS
TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!
COMPARTILHEM
ESTA CRÍTICA, PARA QUE,
JUNTOS,
POSSAMOS DIVULGAR O QUE HÁ DE MELHOR NO
(FOTOS: RAQUEL RIZZO,
ELENIZE DEZGENISKI,
MARCELO ALMEIDA
e
LÍDIA UETA.)
ELENIZE DEZGENISKI,
MARCELO ALMEIDA
e
LÍDIA UETA.)
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