QUARTO 19
(UMA DAS MELHORES SURPRESAS
TEATRAIS EM 2018,
Não é
comum - um fato raro, mesmo - eu
escrever sobre um espetáculo que já
saiu de cartaz, mas, como, por estar fora do Brasil, só pude assistir a ele na última semana em que esteve em
cena, no Teatro Poeirinha, e porque
se trata de uma magnífica peça e
tenho esperança de que os DEUSES DO
TEATRO não vão permitir que só fique na primeira temporada, no Rio de Janeiro, resolvi dizer o que ele
representou para mim, na noite de 26 de
julho de 2018.
Sabe quando você sai do Teatro
completamente impactado, mexido, sem saber se volta para casa ou o que faz da
vida? Aconteceu, naquela noite, comigo, depois de ter assistido ao fantástico monólogo “QUARTO 19”, no Teatro Poeirinha. Incrível é o texto,
de DORIS LESSING, a 11ª mulher a ganhar o Prêmio Nobel de
Literatura, e mais incrível, ainda, é a irretocável interpretação de AMANDA LYRA, indicada ao Prêmio Shell SP, na categoria de MELHOR ATRIZ.
O solo, um drama, que foi
concebido, com algumas “intervenções”, a partir de um esplêndido conto da consagrada e premiada escritora britânica DORIS LESSING, falecida em 2013, (“To Room Nineteen”) “conta a história de uma mulher de
classe média, casada e com três filhos, que se vê despersonalizada pelo
casamento burguês, pela maternidade e pela fragmentação de sua identidade
feminina”, segundo o “release”
da peça, enviado por STELLA STEPHANY (JSPONTES
COMUNICAÇÃO).
O espetáculo, desde sua estreia, na ex-Cidade Maravilhosa, se tornou um fenômeno, grande sucesso de
público e de crítica, sempre com lotação esgotada, aclamado, por unanimidade,
como um dos melhores, até agora, apresentados no Rio de Janeiro, neste ano de 2018, ainda que feito por pessoas desconhecidas pelo
grande público carioca. Antes de aportar no Rio, a peça fez
temporadas muito bem sucedidas em São
Paulo, onde estreou em março de 2017.
SINOPSE:
A peça conta a história de uma mulher de classe média, que vive o
que se conhece como uma vida perfeita: tem um marido bonito e amoroso, três
lindos filhos, uma bela casa, dinheiro, estabilidade material. Vive o que se
convencionou chamar de um ”amor
inteligente”.
Após anos sem trabalhar
fora, por escolha própria, para se dedicar à criação dos filhos, ela espera
o momento em que o mais novo entrará para a escola, quando, finalmente,
voltará a ter algum tempo para si.
Mas, quando isso acontece,
ela não encontra, dentro de si, a liberdade que buscava.
Numa tentativa de se
livrar da irritação doméstica e do intenso ritmo familiar, ela decide alugar
um quarto de hotel, diariamente, no período das 10h às 17h, três vezes por
semana, no Centro da cidade - o quarto
19.
É lá que ela procura preencher o seu vazio e se sentir um ser humano pleno.
Dizer mais seria tirar, do
público, as surpresas que o espetáculo oferece.
É interessante notar que as questões
abordadas pelo texto, embora sejam
direcionadas à mulher, não somente a uma determinada mulher, a protagonista, também se aplicam aos
homens. É um problema de qualquer ser humano. Qualquer um é capaz de se ver,
por outros vieses, na pele da personagem.
Percebe-se, na plateia, pelas reações de algumas pessoas, que elas se sentem
mais tocadas pelas palavras e ações da personagem, o que é muito natural, já
que o TEATRO é, ou pode ser, uma
imitação da vida.
O espetáculo ganha uma dimensão mais
ampla, em função do momento em que vivemos, quando a mulher assume um papel que
lhe é devido, de empoderamento, de imposição de seu valor numa sociedade, até
agora, marcada pelo tom machista, mas que, à custa de muita luta e persistência
do, nada verdadeiro, “sexo frágil”, começa a ganhar novos contornos.
Ainda retirado do “release”,
anteriormente citado, “Nesse conto, LESSING aborda, com
simplicidade e força, alguns de seus temas mais persistentes, como o cabo de força entre o desejo humano e os
imperativos do amor, da traição e da ideologia; as tensões entre o
doméstico e a liberdade; a responsabilidade e a independência. A
construção da identidade, o trabalho para estabelecê-la, defini-la e
refiná-la, talvez seja o fio que liga toda a obra de LESSING”.
Apesar de o conto “To Room Nineteen” ter sido publicado
em 1963, seu texto continua atual, e isso é perturbador e preocupante. Como, em mais
de meio século, as coisas não mudaram? O ser humano não evoluiu? Não consegue
se descobrir, não tem condições administrar a sua vida, de encontrar o caminho
para a felicidade? Não consegue de livrar do labirinto em que se vê envolvido e peredido?
Não consegue fugir de um final trágico, ainda que “libertador” (Não darei “spoiller”.)?
Viver uma vida de aparências, “pollyannesca”,
sendo uma vitrine decorada, para os outros, porém um ser humano oco de verdades
e realizações, interiormente, não pode fazer bem, não é o que merece um ser
humano. A personagem vive uma situação aparentemente harmoniosa, de felicidade,
tudo aquilo que se possa desejar. Vive um casamento movido a um “amor inteligente”, o que representa um
amor regido pela cartilha da razão, em torno da qual tudo, ou quase tudo, gira, na vida, fazendo
com que atinjamos o que supomos ser a felicidade, tudo funcionando
azeitadamente e, cada vez mais, nos aproximando dos nossos objetivos. “Um
casal que vive a vida a dois, baseados na razão, vive o que chamamos de ‘amor inteligente’. As pessoas acham
que o amor precisa ser uma emoção, mas a verdade é que o amor, para dar certo,
precisa ser racional. (...) Muitas vezes você não quer fazer algo que seu par
gostaria de fazer. Talvez você nem goste daquilo, mas faz exatamente para poder
agradar seu amor, ou seja, você age racionalmente, para não causar desconforto
dentro da vida a dois. Isso significa que você age com inteligência e, assim,
você sabe que evita muitas brigas. O ‘amor inteligente’ funciona (até a página cinco – grifo meu), porque ele é
racional, ele não dá espaços para emoções interferirem nas decisões. Quando
você usa a sua inteligência para levar o seu relacionamento, ele tem tudo para
dar certo. Quando você usa a emoção, prepare-se para ficar sofrendo”
(extraído de um texto de Alan Ribeiro, responsável pelo “site” sobrerelacionamento.com.).
Embora publicado há mais de cinco décadas, o texto é totalmente atemporal
e universal, mesmo com todo o avanço
do movimento feminista no mundo, e “...vai
além de um retrato da condição da mulher. O conto de LESSING questiona o
ideal de felicidade da família burguesa, o modelo social racional e inteligente
que soterra nossa sensibilidade, nossa selvageria. É uma grande tarefa lutar
pela sobrevivência da própria identidade numa sociedade com modelos tão
sufocantes. O quarto 19, aqui, é mais do que um espaço físico. Ele é uma
metáfora de libertação. Um espaço/estado onde qualquer pessoa pode ser o que
quiser, a despeito do que se exige dela na sociedade.” (extraído
do “release”).
O
ser humano tem seus limites, para suportar tudo, inclusive o que lhe “faz feliz”, até o momento em que se
descobre infeliz, incompleto, pela metade, levando uma vida sem sentido, e é
capaz de partir para qualquer situação que lhe preencha, que lhe traga um
sentido para a vida. E é o que faz a personagem,
que tem nome, no conto original, assim como seu marido, mas que, nesta adaptação, muito inteligentemente,
foram trocados por ELA e ELE, respectivamente. ELA e ELE. Quem são? Podem ser pessoas da plateia, alguém de nossa família
ou do nosso círculo de amigos; ou o nosso chefe, o/a nosso/a companheiro/a,
amigo/a; ou um inconveniente qualquer “ser feliz”, que gira na nossa órbita.
A
pior condição, para um ser humano, é se sentir prisioneiro de alguém ou de
algo; é não conseguir ser autêntico, viver o que lhe vai na alma, se sentir
completo, na sua plenitude total. Isso não é vivenciado pela personagem e ela
parte, no escuro, à procura de si mesma, à cata de um “recheio”, para o seu
vazio, e paga um preço muito alto por essa “ousadia”. Mas sempre é preciso
arriscar. Vai que dá certo...
Trata-se
de um espetáculo de suprema qualidade,
quer pela beleza do texto, em
terceira pessoa, com surpreendentes toques de primeira, vez por outra, pela adaptação do conto, pelos elementos cênicos, de uma grande simplicidade
e de tanta simbologia, como o lindo cenário,
de MARISA BENTIVEGNA, que se resume
numa parede, ao fundo, um carpete e uma poltrona, tudo em verde claro, em
tom pastel, que passam uma sensação de paz e de profundidade, de um não-fim ou
de um “eterno procurar”. MARISA também
assina uma luz clara e quase,
durante todo o tempo de duração da peça,
perene, sem alterações.
A
própria AMANDA LYRA, que protagoniza o espetáculo, é responsável pelo figurino,
simples, do cotidiano de uma mulher comum, de classe média, considerado, no “release”, “realista”.
LEONARDO
MOREIRA, que também participa da adaptação,
assina uma bela direção, na qual
parece deixar a atriz muito livre, para desenvolver seu talento e passar o
recado que a autora do texto deseja, embora sua participação,
nesta montagem, seja muito
importante, nas marcações e em alguns detalhes percebidos no comportamento de AMANDA em cena.
O que mais me chamou a atenção,
neste espetáculo, foi o trabalho de atriz, de AMANDA LYRA, o qual, infelizmente, eu, até então, não conhecia. Neste
solo, AMANDA conseguiu uma unanimidade do público, por seu talento
inquestionável e indescritível, que fez com que, por meio da divulgação de boca em boca, a peça se transformasse um “objeto de consumo” de todos os que amam o
bom TEATRO. Conheço dezenas de
pessoas que se lamentam por não terem assistido à peça, porque não
conseguiam comprar ingressos, todas muito tristes por não terem tido a
oportunidade de conhecer um grande potencial de interpretação, que AMANDA LYRA tem. Agradeço aos DEUSES DO TETRO, a oportunidade de
poder ter aplaudido e de fazer ecoar meus gritos de “BRAVA” a essa grande atriz,
que me conquistou, por seu talento e presença em cena. Quero, sempre, ver tudo
o que ela fizer, daqui para frente.
FICHA TÉCNICA:
Texto: Doris Lessing
Idealização, Tradução e Atuação: Amanda Lyra
Adaptação: Amanda Lyra e Leonardo Moreira
Direção: Leonardo Moreira
Cenário e Iluminação: Marisa Bentivegna
Figurino: Amanda Lyra
Criação de Som: Miguel Caldas
Preparação Corporal: Tarina Quelho
Assistente de Cenário: Amanda Vieira
Cenotécnico: César Rezende
Programação Visual: Roberto Taddei
Fotos: Cris Lyra
Direção de Produção: Aura Cunha
Produção Executiva: Rodrigo Fidelis
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação – João Pontes e Stella
Stephany
“QUARTO
19” é uma daquelas peças que
chegam modestamente, sem causar grande estardalhaço, contudo, arrebatam qualquer
espectador, tão logo as luzes da plateia se apagam e o foco se direciona para o
brilhante trabalho de AMANDA LYRA.
Tenho a certeza plena de que irei
rever a peça, caso tenha essa
oportunidade, e encontrarei, na mesma plateia, você, que me lê e que, na certa,
está com o coração aos saltos e com a “boca cheia d’água”, esperando para, também,
poder saborear esse manjar dos deuses (do TEATRO).
E
VAMOS AO TEATRO!!!
OCUPEMOS
TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!
COMPARTILHEM
ESTA CRÍTICA, PARA QUE, JUNTOS,
POSSAMOS
DIVULGAR O BOM TEATRO BRASILEIRO!!!
(FOTOS:
CRIS LYRA / DIVULGAÇÃO.)
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