sábado, 11 de agosto de 2018


HEISENBERG
– A TEORIA DA INCERTEZA


(A FÍSICA QUÂNTICA
METAFORIZADA NUM PALCO.
ou)
MIL E UM MOTIVOS
PARA SE IR AO TEATRO.)




            Pela minha intimidade com (o) e amor ao TEATRO, inevitavelmente, a todo momento, pelos vários canais de comunicação, é comum amigos e conhecidos me pedirem sugestões de espetáculos teatrais, em cartaz no Rio de Janeiro. E eu faço as minhas indicações, na esperança de que ninguém fique decepcionado com elas. Gosto é algo extremamente particular e, por mais que conheçamos o outro, jamais poderemos ter a certeza de que uma peça “X” agradará a outrem, como nos agradou. Várias condicionantes podem gerar frustrações a ambos. Não será o caso – tenho certeza – de quem aceitar a minha indicação de um dos melhores espetáculos deste ano, no Rio, em cartaz no Teatro Poeira (VER SERVIÇO.). Falo de “HEISENBERG – A TEORIA DA INCERTEZA”.

            De público, confesso minha total ignorância, até umas quatro horas atrás, sobre a figura de Heisenberg e, mais ainda, sobre sua teoria, porém explico, para não perder a credibilidade perante os que me dão a honra de sua atenção para os meus escritos. Eu nunca tive uma aula de Física, na minha vida, do que não me arrependo. Nunca fui dado a números e às ciências e, na minha época de ensino médio, que se chamava 2º grau, havia uma divisão entre dois cursos: científico e clássico. Aquele preparava o aluno para carreiras como medicina, engenharia, arquitetura e afins, todas ligadas à ciência; este era para os que pretendiam cursar letras (o meu caso), direito, jornalismo (hoje, comunicação social) e outras, que dispensavam os números, os cálculos e as fórmulas, privilegiando a língua portuguesa, a literatura, a filosofia, as línguas estrangeiras, incluindo o latim (Entreguei a idade.)... É claro que, por conta disso, os currículos eram diferentes, até porque as provas dos vestibulares também o eram, e, portanto, Física e (Graças a Deus!) Química nunca me foram apresentadas.

            Feito o “mea culpa”, passemos a analisar esse excelente espetáculo. Antes, porém, graças a uma pesquisa rápida, julgo interessante falar um pouco sobre o cientista Heisenberg e sua teoria, que dão título à peça. Para socorrer os aflitos ignorantes, como eu, ainda bem que existe a Wikipédia, ainda que de forma simplificada e adaptada por mim.

          Werner Karl Heisenberg (Würzburg, 5 de dezembro de 1901 - Munique, 1º de fevereiro de 1976) foi um físico teórico, alemão,  que recebeu o Prêmio Nobel de Física de 1932, pela criação da mecânica quântica. Em 1927, publicou um artigo, em que apresenta o Princípio da Incerteza, segundo o qual é impossível medir, simultaneamente e com precisão absoluta, a posição e a velocidade de uma partícula; isto é, a determinação conjunta do momento e posição de uma partícula, necessariamente, contém erros não menores que a constante de Planck. Esses erros são desprezíveis, em âmbito macroscópico, porém se tornam importantes para o estudo de partículas atômicas; as duas grandezas podem ser determinadas exatamente de forma separada; quanto mais exata for uma delas, mais incerta se torna a outra.

        Leio o parágrafo supra, que copiei, e ele me soa “grego”, porém atentem para este detalhe: “...quanto menor for a incerteza na medida da posição de uma partícula, maior será a incerteza de seu momento linear e vice-versa”. “Isso porque, na mecânica clássica, quando conhecemos as condições iniciais, conseguimos, com precisão, determinar o movimento e a posição dos corpos de forma simultânea. Ainda que o princípio da incerteza tenha sua validade restrita ao nível subatômico, ao inserir valores como indeterminação e probabilidade no campo do experimento empírico, tal princípio constitui uma transformação epistemológica fundamental para a ciência do século XX.

            Continua, para mim e a maioria dos leitores, com certeza, parecendo um texto hermético, de difícil compreensão, para os leigos no assunto – e é, realmente -, entretanto, assistindo à peça, qualquer um irá entender como, de uma forma muito inteligente e simples, o autor do texto, SIMON STEPHENS, tratou, metaforicamente, em sua obra, essa teoria.



 





SINOPSE:

O espetáculo se utiliza da “TEORIA DA INCERTEZA”, de Werner Heisenberg – que diz que é possível medir a velocidade ou a posição das partículas subatômicas, mas nunca ao mesmo tempo – para falar do inusitado encontro entre duas pessoas, com vivências e universos muito particulares, além de explorar as singularidades de cada personagem a partir de alguns conceitos da física quântica.

O texto aborda o encontro entre um homem e uma mulher, interpretado pelos atores BÁRBARA PAZ (SOL) e EVERALDO PONTES (ALEX PRIEST), que, circunscritos à solidão e ao tédio, enxergam, nesse encontro, a possibilidade de significar suas existências e o próprio mundo.

SOL é uma mulher de 42 anos e ALEX, um açougueiro, de 75. Eles se encontram numa estação de trem, em Londres, e começam um relacionamento, até que fazem uma viagem para Nova Jersey, à procura do filho de SOL, de 17 anos, o qual desaparecera de casa, para viver uma vida própria. O motivo dessa “fuga” fica claro, ainda que não explícito, no decorrer da peça.










            Apropriando-me do “release”, enviado por DANIELLA CAVALCANTI (ASSESSORIA DE IMPRENSA), a peça “...é um retrato de dois atores, que, reagindo, um ao outro, registram as mudanças que ocorrem a cada encontro, cada revelação, cada palavra falada. Com uma mistura de foco austero e fluidez emocional, nossos personagens respondem, um ao outro, de forma fragmentada. A partir deste pressuposto, a intenção da equipe artística é valorizar, ainda mais, o texto, as entrelinhas e os silêncios dos personagens, sublinhando não somente o que está sendo dito, mas, especialmente, o silêncio e subjetividades dos personagens”.

            O espetáculo também é um preito à querida e saudosa, inesquecível, SOLANGE BADIM, que, em vida, idealizou o projeto, além de ser a responsável pela tradução e adaptação do texto. A homenagem a SOLANGE também se faz presente, na peça, segundo me confidenciou o diretor, GUILHERME PIVA, dizendo que, no original, a protagonista se chama Georgie Burns. PIVA resolveu trocar-lhe o nome para SOL. Não é preciso maior explicação.

            O dramaturgo britânico SIMON STEPHENS, de 47 anos, com vários prêmios, incluindo um Tony Award 2015, já escreveu mais de vinte peças, montadas em seu país e em outros da Europa e nos Estados Unidos, e “é considerado, pela crítica especializada, uma das vozes mais importantes do teatro inglês da atualidade”. No Brasil, fez grande sucesso uma de suas peças, "O Estranho Caso do Cachorro Morto", baseado no livro de Mark Haddon“Seus textos são escavações profundas sobre a condição humana, retratadas num traço estilístico muitas vezes brutal e repleto de subjetividades, mas encerradas com otimismo e autenticidade, características dos autores de sua geração”. O texto da peça ora analisada, inédito, no Brasil, foi escrito e encenado, pela primeira vez, em 2015.

“Sugestionado pela teoria da incerteza, de Heisenberg, STEPHENS cria um trabalho em que interessa menos a física quântica e mais a particularidade dos corações humanos. (...) O autor está, realmente, interessado, nesta doce e suave trama, do encontro entre dois seres improváveis, é em como a nossa percepção do outro e dos relacionamentos se alteram de acordo com o que sabemos, vemos ou do lado que estamos. Atitudes, aparentemente, sem sentido revelam motivos razoáveis, fatos consolidados dissipam-se e desaparecem no decorrer da trama”. (Também extraído do “release”.)






O autor do texto poderia escrever apenas sobre como uma mulher excêntrica – até em excesso, uma “over excêntrica”, quase um pleonasmo – cruza, de repente, o caminho de um obscuro homem, muito mais velho que ela, transformando-lhe a vida, levando-lhe frescor e envolvendo-o em situações inusitadas, entretanto as intenções de STHEPHENS vão além disso.  Fazendo uso de uma brilhante metáfora, ele, sutil e inteligentemente, convida o público e perceber, nas entrelinhas, a complexidade e subjetividade que habita cada ser humano, assim como o desejo de um interferir na vida do outro e a maneira como alguém se deixa influenciar pelo poder de persuasão de outrem, que, no fundo, procura apoio, mais do que apoia, e que consegue “resolver” o drama existencial dos dois. Isso está, paradoxalmente, bem claro, num final, aparentemente, aberto, porém de fácil decodificação.

Gostei muito do texto, com diálogos expressivos e sugestivos, recheados de um humor refinado. O espectador não fica só com o que é dito em palavras. Ele é conduzido às intenções submersas no tsunâmi causado por SOL sobre o indefeso ALEX.

GUILHERME PIVA faz um ótimo trabalho de direção, sabendo se locomover nos meandros do texto e regendo, de forma precisa, os dois excelentes regidos atores. BÁRBARA PAZ e EVERALDO PONTES, mutuamente, levantam a bola, para que o outro dê a cortada e marque o ponto.





Ver BÁRBARA PAZ, uma das nossas melhores atrizes, em cena é um grande privilégio, do qual jamais abro mão, porque sei que sempre haverá um grito de “BRAVA” reservado para ela, ao final do espetáculo, como o fiz, na sessão de ontem (10/08/2018). Seu currículo revela inúmeras atuações, em marcantes montagens, a última das quais foi “Gata Em Teto de Zinco Quente”, quando protagonizou uma brilhante Maggie Pollitt. BÁRBARA já ganhou inúmeros prêmios e é, normalmente, vista em papéis nada engraçados. Aqui, ela se joga, de cabeça, numa comédia dramática, sem abandonar o seu lado de grande atriz do drama, construindo uma personagem que seduz não só o personagem ALEX, como também a todas as pessoas da plateia, com um forte carisma, domínio do palco e uma contundente interpretação, de uma criatura cuja excentricidade parece estar relacionada a uma condição de bipolaridade. “Atirando no que viu e acertando no que não viu”, parece-me (Isso pode, até, ser considerado uma viagem, mas juro que estou sóbrio.) que, além da homenagem à querida SOLANGE BADIM, o nome da personagem, SOL, também poderia justificar a luz que ela levou à vida de um homem apagado.






O companheiro de cena de BÁRBARA, EVERALDO PONTES, pode ser considerado um protagonista, uma vez que, em torno dele, também se constrói a trama. Ele é parte fundamental dela. Ator em grandes filmes nacionais, pelos quais já recebeu muitos prêmios, é menos presente nos palcos – pelo menos, para mim -, entretanto guardo boas recordações de sua participação na peça “Vau de Sarapalha”, nos anos 90. EVERALDO também é destaque nesta montagem, com uma interpretação bem convincente, na pele de um homem que “conversa com mortos”, vive uma solidão determinada e não enxerga horizontes, até a entrada de/do SOL em sua vida. Pode não ter sido o melhor destino para o seu personagem, mas, talvez, fosse o mais acertado. Agradou-me bastante o seu trabalho.



 


          SÉRGIO MARIMBA assina um ótimo cenário, utilizando poucos recursos cênicos, deixando, à imaginação do espectador, a tarefa de enxergar o que quiser, além das poucas peças concretamente expostas.

Salvo engano, não me lembro de ter conhecido, antes, o trabalho de figurinos, de ANTÔNIO RABADAN, perfeitamente inseridos no contexto da peça e que também me agradaram.

Os demais elementos da ficha técnica colaboram bastante para a correção e o sucesso, de público e de crítica, da peça, como a boa iluminação, de BERTO BRUEL; a direção de movimento, pelas mãos competentes de MÁRCIA RUBIN; e a direção musical / trilha sonora, de magnífica qualidade, assinada por um craque no assunto, MARCELLO H, cujo trabalho, sempre excelente, apresenta características pessoais, as quais já aprendi a identificar, antes mesmo de ver seu nome na ficha técnica, como aconteceu mais de uma vez, inclusive com o espetáculo motivo desta crítica.



 






FICHA TÉCNICA:

Autor:  Simon Stephens
Tradução e Adaptação: Solange Badim
Revisão de Tradução: Inês Cardoso
Direção: Guilherme Piva
Assistência de Direção: Márcia Rubin

Elenco: Bárbara Paz e Everaldo Pontes

Direção de Movimento: Márcia Rubin
Iluminação: Beto Bruel
Cenografia: Sérgio Marimba
Direção Musical / Trilha Sonora: Marcello H
Figurino: Antônio Rabadan
Programação Visual: Cubículo
Fotografia: Nana Moraes
Assessoria de Imprensa: Daniella Cavalcanti
Coordenação Artística: Valencia Losada
Produção Executiva: Thiago Miyamoto
Assistente de Produção: Eduardo Alves
Direção Geral de Produção: Verônica Prates
Produção: Quintal Produções












SERVIÇO:


Temporada: De 13 de julho a 02 de setembro de 2018.
Local: Teatro Poeira.
Endereço: Rua São João Batista, 104 – Botafogo – RJ.
Telefone: (21) 2537-8053).
Dias e Horários: De 5ª feira a sábado, às 21h; domingo, às 19h.
Valor dos Ingressos: R$70,00 (inteira) e R$35,00 (meia entrada).
Horário de Funcionamento da Bilheteria: De 3ª feira a sábado, das 15h às 21h; domingo, das 15h às 19h.
Duração: 80 minutos.
Classificação Etária: 16 anos.
Gênero: Comédia Dramática.
Vendas online: http://www.tudus.com.br/










            “...as duas grandezas podem ser determinadas exatamente de forma separada; quanto mais exata for uma delas, mais incerta se torna a outra”. A “exata” corresponde à realidade do encontro entre SOL e ALEX; a “incerta” vale por todo o futuro daquele breve relacionamento.

            Não percam tempo! Assistam, o mais rápido possível, a este espetáculo e gozem do prazer proporcionado por um TEATRO de primeiríssima qualidade.








E VAMOS AO TEATRO!!!

OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!

COMPARTILHEM ESTA CRÍTICA, PARA QUE, JUNTOS,
POSSAMOS DOVULGAR O QUE HÁ DE MELHOR NO 
TEATRO BRASILEIRO!!!


FOTOS: NANA MORAES.)




























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