segunda-feira, 3 de junho de 2024

 “O VAZIO NA MALA”

ou

(A ARTE 

NÃO IMITA A VIDA;

A ARTE É A 

PRÓPRIA VIDA.)

ou

(VAZIO “NA” OU “DA”?)

 

 

           Os que me leem com uma certa frequência sabem que tenho o hábito de ir a São Paulo, a cada dois meses, em média, para assistir a espetáculos teatrais que não têm nenhuma ou pouca chance de vir para o Rio de Janeiro. E, para aproveitar a viagem, assisto a dois espetáculos no sábado e dois no domingo (Vou sempre numa 5ª feira e retorno a casa na 2ª, assistindo a seis espetáculos; às vezes sete.). É sempre um musical à tarde, leve e divertido, em geral, e, à noite, estendo o prazer a outro musical ou, em algumas ocasiões, o segundo é um TEATRO declamado, COMÉDIA ou drama, sempre voltado ao lazer, mas nem sempre, e ao divertimento. Na minha mais recente visita à capital paulista, há, exatamente, um mês, fiz algo que venho fazendo, há 11 anos, ou seja, ver alguma coisa em cartaz no teatro SESI-SP, desde quando lá assisti ao musical “A Madrinha Embriagada” (2013), uma excelente COMÉDIA, o primeiro de um projeto que oferece TEATRO da melhor qualidade com ingressos gratuitos. Desta vez, foi um drama: "O VAZIO NA MALA"

 

 


 

 

SINOPSE:

A trama, inspirada em eventos reais, leva o público a acompanhar a saga de uma família que escapou do Holocausto, atravessando a China, até chegar ao Brasil, em 1941

Em uma mistura de realidade e ficção, o espetáculo inédito traz à tona os segredos de uma família que sobreviveu a um dos maiores flagelos que assolaram a humanidade: a Segunda Guerra Mundial.

Em “O VAZIO NA MALA”, Samuel (EMÍLIO DE MELLO), jornalista de guerra, retorna ao Brasil, em 2005, para vender o apartamento dos pais, fechado desde a morte deles, havia mais de 5 anos.

Ao acessar, porém, as lembranças e objetos familiares, ele se depara com profundos conflitos e dolorosos segredos.

A avó, Esther (NOEMI MARINHO), guarda uma mala, fechada, com relatos e documentos da fuga da Alemanha nazista.

Em meio a revelações sobre o passado violento de seu pai, Franz (FÁBIO HERFORD), a cuidadora Ruth (DINAH FELDMAN) surge como elo de afeto e uma força propulsora do encontro entre Samuel e Esther, além das transformações necessárias a cada um.

 

 





 

         Se procura apenas se distrair num Teatro, a ARTE como mera forma de lazer, passe pela calçada oposta ao do icônico endereço Avenida Paulista, nº 1313, porém se está à busca de um TEATRO da melhor qualidade, que aborda um tema pesado, triste e que, sem muito esforço, mexe com o coração e alma das pessoas sensíveis e empáticas, é lá mesmo o lugar aonde você deve ir, porque vai assistir a uma peça que o leva a se lembrar de alguma história parecida que já lhe tenha chegado, num espetáculo cheio de verdade, dura e crua, uma ficção, sim, mas inspirada em eventos reais, explorando temas universais, como família, ciclos e a busca por significado, por uma identidade; pela razão da vida, em suma. O espectador entra em contato com temas “satélites” profundos, como o impacto do silêncio nas relações familiares e na sociedade, revelando como o afeto pode curar algumas feridas.




         Uma “MALA”, presente no título do texto, e símbolo central do espetáculo, via de regra, remete à ideia de algo que se presta a guardar objetos, os mais variados, mormente roupas, numa viagem, mas, simbolicamente, como nesta peça, ela também acumula e preserva o silêncio que testemunhou os pavores enfrentados por uma família judia, ante o horror praticado pelo cruel e monstruoso nazista Adolf Hitler e seus asseclas. “A exploração do vazio contido na mala revela uma história repleta de significado e emoção”.

 

 

 

       Além da, sempre, pertinente abordagem do tema, sinto que a grande originalidade do texto é tratar de um assunto denso ao extremo de uma forma linear, de fácil assimilação para um público “comum”, com diálogos expressivos, muito bem construídos, e, por incrível que possa parecer, sem causar confusão na cabeça dos menos “esclarecidos”, na utilização dos vários “flashbacks”. Ademais, é fabulosa a arquitetura dramática, que leva o público a acompanhar, num crescendo, as ações, as quais vão gerando um clima de suspense, capaz de manter uma plateia de 250 pessoas em silêncio sepulcral, acompanhando, “pari passu” tudo, na expectativa de um clímax, seja ele qual for. Destarte, só posso congratular NANNA DE CASTRO, pelo belo texto, uma rica dramaturgia.

 

 

 

 

       Numa montagem como esta, em que o texto, a direção e o elenco, praticamente, se bastariam, os elementos de apoio poderiam até ficar num plano inferior, contudo a produção é muito bem cuidada e se cercou de profissionais criativos e competentes, os quais só fizeram somar valores substanciais à ótima qualidade do espetáculo. Uma dessas pessoas é MÁRCIO MEDINA, que, na cenografia, houve por bem dividir o espaço cênico em dois setores, um servindo de “set” para as ações presentes e outro para as que estão na memória e são representadas na forma de lembranças, recordações, mergulho no passado. O artista utiliza poucos elementos cenográficos, todos, porém, de apurada escolha. Entre os dois espaço, um “VAZIO”, destinado à “MALA”, ao final da peça, a qual continha um/o “VAZIO”.


 


 

            Por oportuno, pinço o título da peça, para, talvez, divagar um pouco nele, o que, para mim, pelo menos neste momento, não me parece bobagem, tempo perdido. Inclusive, no último subtítulo destes escritos, já fiz alusão àquilo sobre o que passo a discorrer. “NA” remete à ideia de “contenção”, aquilo que “está contido, guardado em, dentro de”. “DA” encaminha-nos a um conceito que pode sugerir a consequência do que aquilo que ela guarda pode causar em vidas já “vazias”, quer o percebam, ou não, as pessoas envolvidas no drama.  

 

 

 

 

 

         JOÃO PIMENTA, um figurinista premiado, reconhecido por uma de suas digitais, que é o bom gosto, criou trajes elegantes e totalmente em afinidade com os personagens. Seu trabalho ganha, ainda, maior relevo, porque é reforçado pelo ótimo visagismo, assinado por LOUISE HELÈNE, para a composição exterior dos personagens.

 

 

         O espetáculo ganhou uma luz muito bem desenhada por WAGNER PINTO, a qual me pareceu bem em consonância com a proposta geral do espetáculo e, em particular, de cada cena. Uma luz ajustada à carga de emoção que envolve cada diálogo. Uma luz adequada para emoldurar cada momento de maior ou menor tensão.

  

 

         Julgo ter sido bastante feliz GREGORY SLIVAR, na escolha das músicas e na concepção sonora do espetáculo. Esse elemento colabora muito na criação do clima requerido por cada cena. Às vezes, o silêncio é o melhor som.

 

 

          A pujança do texto ajuda a direção, até mesmo, a ser econômica, nas ideias e marcações, colocando sua generosidade a serviço de um destaque para o dramaturgo. Creio que foi assim que trabalhou KIKO MARQUES, extraindo o melhor que cada um do seu quarteto de intérpretes tinha a oferecer, guiando-os a uma interpretação bem realista e comovente. O âmago do texto e o que ele pode causar de dano ao espírito humano poderiam fazer deste espetáculo uma obra arrastada, monótona, entretanto o talento do diretor e o peso justo de sua mão são responsáveis por uma condução incapaz de fazer com que o espectador possa não se interessar pelo que vê e ouve, vindo do palco.

 

 



            Em qualquer premiação de TEATRO em que haja uma categoria que vise a valorizar a homogeneidade de um elenco, a integração de todos em prol de um objetivo único, uma boa representação, certamente, o quarteto que protagoniza esta peça, formado por DINAH FELDMAN, EMÍLIO DE MELLO, FÁBIO HERFORD e NOEMI MARINHO deveria ser nomeado. Tecnicamente falando, o protagonismo recai sobre neto e avó, não necessariamente nessa ordem, entretanto o envolvimento dos quatro personagens na trama e a atuação de todos fazem com que a mesma intensidade de luz e quantidade de refletores, a meu juízo, ilumine cada um deles igualmente. Além de parabenizar DINA FELDMAN, por seu trabalho de interpretação, aplaudo-a de pé pela idealização e concepoção do projeto e, mais ainda, pela coragem de trazer à tona uma temática tão provocativa e que, por isso mesmo, merece sempre estar em evidência. Fiquei feliz por ter tido a oportunidade meio rara, para mim, de rever, em cena, uma dupla que tanto admiro: um ator do quilate de EMÍLIO DE MELLO, impecável na sua composição, e NOEMI MARINHO, uma dama do TEATRO, interpretando, com tanta dignidade, firmeza e elegância sua personagem. Quanto a FÁBIO HERFORD, se a minha memória não me trai, creio só tê-lo visto em cena em apenas um espetáculo, além deste, e também muito me agradou sua atuação.

 

 


 

 

FICHA TÉCNICA: 

Idealização e Concepção: Dinah Feldman

Texto: Nanna de Castro  

Direção: Kiko Marques  


Elenco: Dinah Feldman, Emílio de Mello, Fábio Herford e Noemi Marinho

 

Cenografia: Márcio Medina  

Figurino: João Pimenta

Desenho de Luz: Wagner Pinto 

Visagismo: Louise Helène  

Música e Concepção Sonora: Gregory Slivar  

Assistência de Direção: Matilde Mateus Menezes

Assistentes de Iluminação: Gabriel Greghi e Gabriela Cezario  

Assistência de Desenho de Som e Operação: Edézio Aragão  

Microfonista: Adriana lima 

Direção de Imagem e “Videomapping”: André Grynwask e Pri Argoud (Um Cafofo)

“Designer” Gráfico: Murilo Thaveira  

Assessoria de Imprensa: Arteplural - Fernanda Teixeira

Mídias Sociais: Foyer - Isabel Branquinha e Pedro Amaral

Cenotecnia: Sergio Sasso  

Contrarregras: Sergio Sasso e Guilherme Alves  

Camareira: Angela Lima

Fotos: João Caldas Fº  

Filmagem da Peça: Bruno Favery - Favo Produções Cinematográficas  

Assessoria Contábil: Central Contábil  

Assessoria Jurídica: Myrna Malanconi

Assistente de Produção: Alice Mogadouro  

Produção Executiva: Vivian Vineyard  

Coordenação de Projeto: Dinah Feldman  

Direção de Produção: Marcela Horta  

Realização: SESI-SP e CULTURAS EM MOVIMENTO

 


 


 

 

SERVIÇO:

Temporada: De 21 de março a 30 de junho de 2024.

Local: Teatro do Sesi-SP (Centro Cultural Fiesp Ruth Cardoso).  
Endereço: Avenida Paulista, nº 1313, Bela Vista - São Paulo (Centro Cultural FIESP - Em frente à estação Metrô Trianon-MASP).
Dias e Horários: De quinta-feira a sábado, às 20h; aos domingos, às 19h. 
Acessibilidade: Sessões com interpretação em Libras e audiodescrição, aos sábados e domingos.
Valor dos Ingressos: GRATUITOS.
Reservas antecipadas pelo site: 
sesisp.org.br/eventos (As reservas abrem todas as segundas-feiras, a partir das 8h, para as apresentações que acontecem na mesma semana. Verifique a disponibilidade.)
Capacidade do Teatro: 250 lugares.

Duração: 90 minutos.

Classificação Indicativa: 14 anos.

Gênero: Drama.
Mais Informações:
centroculturalfiesp.com.br.

 

 

 


 

           Não tenham a menor dúvida de que “O VAZIO NA MALA” garante, ao espectador, muita emoção, provocando-lhe reflexões sobre memória, história e conexões humanas. E como há coisas escondidas e quase sepultadas no nosso interior que precisam aflorar, para que possamos expurgar dores e tentar melhorar como seres humanos! A peça nos mostra as relações estabelecidas pelo silêncio e apagamento na família e na sociedade, todavia também revela como o afeto pode regenerar feridas e se manifestar de maneiras inusitadas.

 

 


Louvo, com bastante entusiasmo, a proposta do Sesi-SP, por seus 60 anos de tradição cultural, continuando a oferecer uma programação diversa e gratuita, proporcionando, ao público, sem qualquer tipo de distinção ou discriminação, experiências enriquecedoras, como “O VAZIO NA MALA”.

 

 

 

 

 

 

FOTOS: JOÃO CALDAS Fº

 

 

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