terça-feira, 3 de novembro de 2015


O ACIDENTE

 

 

(DA DIFÍCIL “ARTE”

DE FAZER AMIGOS

E VIVER SOCIALMENTE.)

 

(“Ai, a solidão vai acabar comigo!” – Dolores Duran)

 

 

 


 

 

            Apenas por total falta de tempo, não havia escrito, ainda, sobre um ótimo espetáculo, que esteve em cartaz, até o dia 1º de novembro (2015), no Teatro II do SESC Tijuca, tendo feito uma boa carreira, com possibilidade de voltar ao cartaz, pelo que torço bastante. Não poderia, porém, deixar de escrever sobre ele. 

 

A peça merece uma vida mais longa, e o público também tem o direito a uma nova oportunidade, para conhecer o trabalho de VANDRÉ SILVEIRA e RAQUEL ALVARENGA, para o texto de BOSCO BRASIL, “O ACIDENTE”, sob a direção de DANIEL CARVALHO FARIA.

 

            Não é a primeira montagem deste texto, escrito em 1995 e encenado, pela primeira vez, em 2000, e, numa segunda, em 2004, ambas as montagens em São Paulo, mas é com ele que DANIEL se inicia na função de diretor, e o faz pela porta da frente, com correção, sabendo explorar e valorizar os aspectos mais contidos nas entrelinhas do texto de BOSCO BRASIL, um dos melhores dramaturgos brasileiros contemporâneos.

 

 


Raquel Alvarenga e Vandré Silveira,

em foto meramente ilustrativa (não é cena da peça).

 

 


Idem.

 

 

 
SINOPSE:
 
MÁRIO (VANDRÉ SILVEIRA) e MÍRIAN (RAQUEL ALVARENGA) são funcionários da mesma firma e, pela primeira vez na vida, ele decide dar uma festa de aniversário.
 
Convida doze colegas de trabalho, mas ninguém aparece, além dela, uma colega que ele sempre tentou idealizar, a distância, e que não é, exatamente, o que se pode chamar de “amiga”.
 
Constrangidos com o evento frustrado, os dois começam a beber exageradamente, e as verdades vão sendo desfiladas, advindo, daí, situações inesperadas e constrangedoras.
 
Em meio a palavras, trocadas sem muita concatenação lógica, e muitas cervejas, ingeridas quase que compulsivamente, eles se descobrem muito parecidos, expondo, um ao outro, carências e traumas.
 
A dramaturgia trata da idealização das pessoas, da falta de comunicação e do isolamento, que caracteriza a verdadeira condição dos personagens.
 
Serve o texto, também, para provar que a teoria da “aldeia global” em que o planeta Terra se transformaria, como consequência da comunicação de massa, segundo o teórico canadense Marshall McLuhan, nem sempre funciona na prática.  
           

 




Aspecto geral do cenário.

 


A ação se passa na minúscula sala do apartamento, simples e humilde, do protagonista, ainda que, em alguns momentos, os dois personagens saiam de cena e continuem contracenando em espaços não visíveis, aos olhos do público, que seriam a cozinha do apartamento, onde estão as bebidas, o bolo, uma mesa e balões decorativos de festas de aniversário, que vão sendo trazidos, pelo anfitrião, para o espaço cênico, e o corredor, ou “hall” de entrada, do apartamento.

 

Já cabe, aqui, um pertinente comentário sobre mais um dos grandes trabalhos de cenografia de AURORA DOS CAMPOS, que optou por um universo “kitsch”, cafona, sim, mas pleno de uma simbologia a serviço do texto. A minúscula sala, transformada em “salão de festas”, é cercada, perimetralmente, por estantes de aço, pintadas de cinza, completamente vazadas e vazias (há, apenas, um minúsculo aparelho de som numa das prateleiras), embora os personagens falem, mais de uma vez, sobre os livros que há nelas e que apenas eles veem. Completam o cenário algumas cadeiras pintadas de vermelho, dispostas contra as paredes, incluindo a quarta. Durante um pequeno tempo, também ocupa a sala uma mesinha de armar, dessas utilizadas em bares e salões de festa, também vermelha, como as cadeiras, sobre a qual há um pequenino bolo de aniversário. É o que há de cor viva, alegre, no ambiente, além de alguns balões de aniversário, amarelos.



 

(Foto: Daniel Moragas)

Já sob o efeito do álcool.

 

 

Sobre os figurinos, de DESIRÉE BASTOS, não há muito o que dizer, a não ser que estão bem de acordo com os personagens, sóbrios, até certo ponto, sem nenhum grande “glamour”.

 

A luz, de TOMÁS RIBAS, também é um elemento interessante nesta montagem, variando, de acordo com a intensidade da emoção contida nas cenas, chegando ao “black-out”.

 

O texto não é o melhor do autor, porém é de boa qualidade, apesar de abordar um tema nem um pouco original, já bastante explorado em várias mídias. Há, nele, entretanto, algo que prende a atenção do espectador, despertando-lhe o interesse pelo desfecho da história. Talvez o seu ponto forte esteja concentrado nos diálogos, os ditos e os não ditos. Economizando palavras, utilizando, apenas, o indispensável, o autor fala da constante idealização do outro, da dificuldade de criar laços nos dias atuais, da falta de diálogo na sociedade contemporânea e nas falhas, ao se tentá-lo.

 

MÁRIO convida aquelas pessoas apenas para ter gente ao seu lado, na solidão do dia do seu aniversário. Ele e MÍRIAN não tinham o hábito de conversar, na empresa, mal se cumprimentavam, mas o que tudo indica, e vai se delineando, com o passar da ação, é que ele nutria um certo amor platônico pela colega de trabalho. O único ponto comum entre os dois é um sentimento de automarginalidade, fora de qualquer contexto social. Quanto a este aspecto, dois momentos são bem marcantes, na peça.


 


Solidão a dois.

 

 

O primeiro é quando a moça diz, estranhamente, que não é de seu gosto e interesse conhecer pessoas, uma vez que, para ela, o melhor é conviver com os desconhecidos, já que, se não os conhece, destes não sabe o que esperar; portanto, não os pode temer. O outro se concentra nos momentos em que os dois protagonistas “dialogam”, até em tom exaltado, sem que um ouça o outro, sem que se feche o ciclo da comunicação. Falar e não dizer.

 

O texto é bastante ingrato e desafiador para qualquer diretor, não só pela temática, já amplamente explorada, conforme já foi dito, como também pelo fato de apresentar ações que se passam num mesmo lugar, o tempo todo, o que poderia gerar monotonia, nas mãos de um outro encenador. Mas DANIEL CARVALHO FARIA, de forma corajosa, por ter se apaixonado pelo texto, logo que teve contato com ele, dedicou-se a estudar as intenções do autor e a trabalhar com as possibilidades de interpretação do excelente material humano às suas mãos, e o resultado é uma direção correta, enxuta, aprovada.

 

 


Tentativas...



No início da peça, após uns bons minutos em que o protagonista dança, freneticamente, sozinho, na sala, enquanto a plateia vai adentrando o auditório do teatro, como se fossem os convidados esperados por ele (mas vão para os seus postos de espectadores), há bastante movimento no ar, porém, com a chegada da única convidada que vai à “festa”, e o início da conversa (disse “conversa”, não “diálogo”) entre os dois, o ritmo cai bastante e parece que o espetáculo vai desandar, porém, aos poucos, os ingredientes da “massa do bolo” vão se agregando, uns aos outros, e tudo vai voltando a um ritmo convincente, para aquela inusitada e constrangedora situação, que, inclusive é capaz de levar alguns espectadores a uma identificação com aquele momento.

 

Eu mesmo já vivi algo parecido, ao programar uma festa para trinta pessoas e ter de comemorar com menos de dez. Também eu tive de oferecer, aos porteiros do prédio, o que sobrou dos comes-e-bebes da minha "festa". É diferente da situação da peça, mas também causou bastante frustração e um certo trauma. No meu caso, a festa ficava “espremida”, dentro de um “feriadão”, o que fez com que os interesses dos meus selecionados convidados se voltassem mais para a praia e a montanha. Competição desleal!

 

 


Retrato da exaustão. Exausto de quê?

 

 

VANDRÉ SILVEIRA e RAQUEL ALVARENGA fazem um ótimo trabalho na composição de seus personagens, na medida certa das emoções que cada um carrega, sem estereotipagem nem exageros. Há uma excelente química entre os dois. São ótimos profissionais, vindos de dois outros excelentes trabalhos: ele, em “O Homem Elefante”; ela, em “Vendem-se Imóveis”, em grandes papéis e atuações, marcantes nas carreiras de ambos.



 

Raquel Alvarenga e Vandré Silveira são os únicos atores em cena no espetáculo Foto: Daniel Moragas/Divulgação

O ideal.

 


O real.

 

 

Fiquem atentos, para que não percam o espetáculo, caso ele volta à cena!

Contam com a minha total recomendação.

 




Não precisa de legenda.

 

 

 

 
FICHA TÉCNICA:
 
 
Texto: Bosco Brasil
Direção: Daniel Carvalho Faria
Interlocução Artística: Susana Ribeiro
 
Elenco: Raquel Alvarenga e Vandré Silveira

Cenário: Aurora dos Campos
Iluminação: Tomás Ribas
Figurinos: Desirée Bastos
Preparação Corporal: André Liberato
Fotografia: Daniel Moragas
Teaser e Registro Audiovisual: Felipe Romano
Identidade Visual: Pablito Kucarz
Idelização: Daniel Carvalho Faria
Produção: Júnior Godim
Realização: Alho Produções, Raquel Alvarenga e Vandré Silveira
 

 

 

 


Com Raquel Alvarenga, Vandré Silveira

e Daniel Carvalho Faria (foto de Marisa Sá.)

 

 

 

(FOTOS: DANIEL MORAGAS

/ DIVULGAÇÃO)

 

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