COCK – BRIGA DE GALO
(“PARA UM BOM RELACIONAMENTO,
VALE A PENA UMA BOA LUTA.”)
O
subtítulo desta resenha foi o que instigou o jovem ator e produtor FELIPE LIMA e o fez entrar, em Nova York , no famoso THE DUKE ON 42ND STREET (um teatro off-Broadway),
quando, solitário, caminhava pelas ruas da região, em férias, depois de um
longo, vitorioso e exaustivo período de muitas temporadas e viagens com o
excelente espetáculo R&J de
Shakespeare – Juventude Interrompida.
Férias mais que merecidas.
A título de ilustração, algumas informações
sobre o Duke, retiradas de seu
“site”: “Construído e operado pela The New 42nd Street, o Duke é um íntimo e flexível teatro “black-box”,
oferecendo a
possibilidade de várias configurações de plateia. Recebeu
esse nome em reconhecimento a uma generosa doação da Fundação de Caridade Doris
Duke.”
Fachada do DUKE.
COCK, no DUKE.
Configuração de COCK,
no DUKE.
A
Atores encenando
COCK, no DUKE.
Na
porta do galpão onde funciona o espaço teatral, estava escrita uma frase, no
cartaz de COCK: “A good relationship is worth a good fight.”. FELIPE
entrou naquele espaço, pare ele , até então, desconhecido, e, como estava à
procura de um texto interessante para montar no Brasil, de preferência com
poucos personagens (eram apenas quatro), resolveu ficar e assistir ao espetáculo,
cujo final lhe rendeu uma ideia fixa: comprar os direitos da peça e montá-la no
Brasil, tão arrebatado ficara com o que vira, o que acabou conseguindo. Posteriormente, outros brasileiros, ilustres
personalidades do TEATRO, também
demonstraram o mesmo desejo de FELIPE,
mas este foi mais rápido no gatilho.
Cartaz (original, em
dois sentidos) de COCK, no DUKE.
No
programa do espetáculo, FELIPE LIMA
disse: “Apesar de não acreditar no acaso,
foi ‘por acaso’, que, numa tarde de
julho de 2012, entrei num galpão e me deparei com uma enorme arena de madeira,
onde seria apresentada uma ‘peça de
teatro’, chamada ‘Cock’”.
Vamos
às “minhas” explicações para os destaques, um a um, entre aspas:
1)
Também acho que nada acontece por acaso;
ele não existe, na minha opinião, e o que aconteceu naquela tarde não foi “por
acaso” mesmo; foi, antes, uma conspiração, dos deuses do TEATRO, para que o jovem ator e produtor estivesse na hora certa,
no lugar certo e com um ótimo propósito.
2)
Peça de teatro? Numa arena de madeira, desprovida de cenários,
de objetos de cena e, como seria observado no decorrer da apresentação, de
cerca de 90 minutos, com uma luz única e os personagens trajando o mesmo
figurino, em momentos e locais diferentes?
3)
“Cock” seria um bom título para uma “peça de teatro”? É ambíguo, podendo ser traduzido, em
português, por “Galo”, embora também
seja um correspondente vulgar, chulo, para “pênis”. Ambas as acepções do vocábulo se encaixam
perfeitamente no texto, brilhantemente traduzido por EDUARDO MUNIZ e RICARDO
VENTURA.
A
sinopse oficial da peça, fornecida pela produção, é esta:
“A
peça flagra um homem inerte (John),
dividido entre ficar com seu parceiro de longa data (M) ou se abrir para uma nova possibilidade, assumindo o amor por
uma mulher (W). Vivendo uma relação estável com seu
companheiro, ele não apenas encara o dilema de encerrar uma longa história de
amor, mas entra em conflito ao se apaixonar por alguém do sexo oposto,
enfrentando a oposição do seu parceiro e também de F, pai de M, que não
acredita na 'mudança' de opção de John".
A
partir desse resumo do excelente texto, do premiado dramaturgo inglês MIKE BARTLETT, o que se vivencia é um
turbilhão de emoções, discussões, tensões, surpresas, que vão fazendo com que o
público mergulhe, de cabeça, no universo das relações homoafetivas, tema, cada
vez mais, tão abordado nos dias de hoje.
Em tempos de discussão ampla sobre tal temática, quando os homossexuais
vão às ruas, clamando por respeito, por dignidade e por seus direitos de
cidadãos, querendo um “basta” para o tipo de discriminação que sofrem,
infelizmente, por boa parte da sociedade, assistir a uma peça como COCK chega a ser uma atividade didática
e de grande contribuição para mudar o pensamento dos que, ainda, enxergam o
feio, o errado, o sujo na relação afetiva entre pessoas do mesmo sexo.
JOHN, o personagem
de FELIPE LIMA , vive um grande dilema, em torno do
qual a peça se desenvolve. Seu
casamento, de sete anos, com M,
interpretado por MARCIO MACHADO, já
vinha se deteriorando e M se sente
ameaçado, no exato momento em que o companheiro lhe revela ter conhecido W, uma mulher, vivida por DEBORA LAMM, e que se sente apaixonado
por ela. Mas que tipo de paixão? É paixão?
Não é amor? Paixão e amor são
sinônimos? São sentimentos de mesma
natureza? Seria possível alguém amar
duas pessoas, ainda mais de sexos diferentes, simultaneamente? Intaura-se, nesse momento, uma grande
confusão na cabeça do rapaz. Ele, que nunca havia se relacionado
sexualmente com uma mulher, descobre o quanto uma atividade heterossexual é
boa, prazerosa, “incrível”. Apaixona-se
por ela, mas volta para o namorado, a quem
abandonara, após longa e tórrida discussão (excelente cena), e se reserva o
direito de questionar os seus sentimentos. Por uma imposição mais social que de foro
íntimo, vê-se na obrigação de fazer uma “escolha”. Numa de suas falas, JOHN deixa bem claro que sente, pela mulher, mais uma atração
física, embora ache que também a ame. O
sexo, com ela, passa a ser mais interessante do que com M, entretanto o porto seguro, o companheirismo, o afeto, o
amor-sentimento está focado mais sobre este.
A partir daí, o que se vê são quatro
personagens em cena, totalmente acuados, como
se estivessem numa rinha de briga de galos ou num ringue, travando um quase
duelo mortal, dizendo um texto cheio de humor ácido e refinado, de ironias, de
farpas, de jogos de palavras, de deboches...
É uma guerra, sim, mas de palavras, de pensamentos, de condutas; não de
ações físicas.
O problema não
está em ficar dividido entre ser (jamais usaria o verbo “optar”) hétero ou
homossexual. A questão é bem mais
profunda. O que está em jogo é a dúvida
de um ser humano, que não sabe, não consegue valorar sentimentos e desejos
distintos: o amor carnal, não importa se com homem ou com mulher, e uma relação
de sentimento amoroso, de companheirismo, de cumplicidade, de complemento,
vindo de uma outra “metade”. “Por acaso”,
o que desperta, em JOHN, o prazer
sexual maior do que o vivenciado, há sete anos, com um companheiro, homem, veio
do contato com uma mulher. Ali, o
indivíduo se entendeu bissexual, com uma satisfação mais acentuada pelos prazeres
da carne descobertos no elemento do sexo oposto, mas bem poderia ter sido com
um outro homem. Eis, portanto, que o
dilema que envolve a “escolha” é bem mais difícil de ser resolvido, ou, até,
não vir a ser.
O
texto de BARTLETT discute, no que
parece ser em primeiro plano, a questão da sexualidade, mas também se dedica a
falar de preconceitos, de quebra dos rótulos impostos pela sociedade, que
insiste em estabelecer padrões de comportamento, ligados a “normalidade” ou
“anormalidade”, aceitação ou rejeição, politicamente correto ou incorreto... O termo “sair
do armário”, atribuído ao indivíduo “gay”, ao assumir a sua sexualidade,
nesta peça, prende-se muito mais à questão do libertar-se do que do aceitar-se,
assumir-se “gay”.
A encenação é de
um nível de excelência que supera, em muito, as expectativas. Comigo, pelo menos, foi assim. Os três atores que vivem o triângulo amoroso
dão uma aula de interpretação, no que são seguidos, também, por HELIO RIBEIRO. FELIPE
LIMA, MARCIO MACHADO e DEBORA LAMM foram escolhidos com a
precisão cirúrgica da direção e passeiam da comédia ao drama, e vice-versa, com
a mesma intensidade e facilidade, fruto do talento desses grandes atores,
principalmente de TEATRO. Não há como destacar a atuação de um deles, já
que três aspectos relevantes colaboram para a irretocável atuação do trio.
MÁRCIO, em função, talvez, das
características do seu personagem, arranca mais gargalhadas (nervosas) e aplausos,
inclusive em cena aberta, da plateia, a cada “ataque” que o personagem tem. Temperamental e egoísta (seria “egoísmo”?)
esse M. Um excelente trabalho de composição de
personagem, vindo de um dos melhores atores de sua geração. O grande público deve a este ator o
reconhecimento de seu talento. Eu já o
fiz.
Marcio
Machado, em primeiro plano.
FELIPE destaca-se por manter, do
princípio ao fim da peça, um tom de total perturbação mental, de desconforto,
de insatisfação, procurando, e conseguindo, manter a linha, dentro do que é
possível, e pouco se destemperando.
Precisava de um texto que lhe desse a oportunidade de mostrar ao público
o seu grande potencial de interpretação.
Encontrou-o e provou que é um excelente profissional. Uma belíssima interpretação.
Felipe
Lima.
A personagem
de DÉBORA, mais identificada - a atriz -, com a comédia, a partir do momento em que JOHN
“faz a sua escolha”, muda, radicalmente, seu comportamento e isso dá à atriz a
oportunidade de demonstrar sua habilidade em mexer com a emoção do
espectador. É muito emocionante, comovente, a sua
atuação no final da peça. Acompanho sua
carreira, que muito me agrada, e arrisco o palpite de que ela está no melhor
momento, até agora, de sua brilhante trajetória no TEATRO.
Débora
também sabe fazer chorar.
Quanto a HÉLIO RIBEIRO, seu personagem aparece
muito pouco na trama, o suficiente, porém, para que o excelente ator possa provar
a que veio, ele que se destacou como Freud, em recente montagem do espetáculo Freud Além da Alma, espetáculo com o
qual o ator continua viajando pelo Brasil.
Ótimo trabalho! Provocou-me, em
alguns momentos, uma grande antipatia pelo personagem, quando, oscilando entre
os dois contendores, M e W, eu “torcia” por esta. Ah!
Como esse TEATRO mexe com a
gente!
Hélio
Ribeiro, fazendo aumentar as labaredas da fogueira na qual alguém seria incinerado.
Falemos,
agora, sobre a direção, de INEZ VIANA. Um único adjetivo para caracterizá-la:
magnífica! Para INEZ, que, já há algum tempo, além de ótima atriz e cantora, vem se
destacando em direções tão excelentes quanto esta (Maravilhoso e Nem Mesmo
Todo o Oceano, as mais recentes), deve ter sido um desafio muito grande
dirigir este espetáculo, obedecendo às indicações/solicitações do autor do
texto, para que a história fosse contada sem qualquer artifício cênico, como
cenários, objetos de cena, variações de figurinos e de luz, como fora a peça
montada no Duke, num exíguo espaço
físico, como uma rinha ou um ringue (as cenas são entrecortadas pelo som
familiar daquele objeto que anuncia o início e o término de cada “round” - gongo
ou algo parecido). E, ainda mais, sem
mímicas dos atores. Mas como assim? Como atingir tal “milagre”? INEZ
e seus discípulos, sob o comando de sua batuta, são os “santos milagreiros”. E isso é possível? Acontece no palco, ou melhor, na
rinha/ringue? Sim. O texto sugere, os atores executam sua parte
e cabe ao público “enxergar” um dos amantes despindo-se para ao outro, sem o
menor gesto e movimento do ator, e, também, os quatro personagens jantando num
jardim; idem. Devaneio ou não, chega a
ser possível sentir o paladar do vinho ou o cheiro da carne, elogiados pelos
comensais. Isso é incrível! É fantástico como os atores levam o público a
invadir a sua privacidade e até dela participar, bem próximos, fisicamente, uns
dos outros.
Diretora.
Na ficha
técnica, vale a pena ressaltar alguns nomes:
ILUMINAÇÃO – RENATO MACHADO – Nada a
dizer sobre o trabalho deste conceituado profissional, uma vez que a proposta
da encenação não contempla variações de luz.
ESPAÇO CÊNICO – FLÁVIO GRAFF – Também não
tenho nada a comentar sobre este detalhe, por motivos óbvios, mais que já
citados.
TRILHA SONORA ORIGINAL – JOÃO CALLADO –
Muito boa e precisa.
FIGURINO – JÚLIA MARINI – Apesar de não
haver trocas, como já mencionado, as roupas que a figurinista escolheu para os
quatro atores se encaixam, perfeitamente, no perfil de cada um.
PREPARAÇÃO CORPORAL – DANI AMORIM –
Detalhe muito importante neste espetáculo.
Muito bem trabalhada.
ASSISTENTE DE DIREÇÃO – LUÍS ANTÔNIO FORTES
– Ator nos trabalhos de direção de INEZ
VIANA, por conhecer bem a maestrina, deve ter sido de grande valia o seu
trabalho.
MÍDIAS SOCIAIS – LEO LADEIRA – faz um
ótimo trabalho, responsável pela manutenção da “fanpage” do espetáculo, o que
contribui bastante para a sua divulgação.
EQUIPE DE PRODUÇÃO E GESTÃO – PRIMEIRA
PÁGINA PRODUÇÕES CULTURAIS – Leia-se: MARIA
SIMAN, BRUNA AYRES, PAULA SALLES, GABRIELA MENDONÇA, JOANA D’AGUIAR
e LUCIANO MARCELO.
O espetáculo,
ao que tudo indica, veio para marcar o ano teatral de 2014.
É comum, após
uma estreia, que os convidados, normalmente, gente da classe teatral, da
imprensa e amigos, façam elogios ao espetáculo, sem que, muitas vezes, pareçam
sinceros em suas avaliações, apenas por uma espécie de “corporativismo” ou por
uma questão ético-profissional, ou de educação mesmo. Minha vasta experiência nessas ocasiões me
mostrou que, no caso de COCK – BRIGA DE
GALO, as pessoas se manifestavam, após a sessão de estreia, de uma forma
tão verdadeira e generosa, muito emocionadas, mesmo, e felizes com o que viram,
assim como eu também fiquei, que senti muita verdade nos depoimentos, muita emoção
nas opiniões firmadas, nas muitas conversas que mantive com elas. Esse detalhe me chamou muito a atenção.
O espetáculo, que
não é para ser visto apenas uma vez e que foi montado em outras grandes
capitais, no mundo inteiro, estreou, com estrondoso sucesso, na última 3ª feira (20 de maio), no Teatro Poeira, para uma temporada até 24 de
julho, às 3ªs, 4ªs e 5ªs feiras, às 21h.
Vida longa a
este espetáculo!!!
“Para um bom relacionamento, vale a pena
uma boa luta.”. Para uma satisfação
garantida, vale a pena assistir a COCK –
BRIGA DE GALO.
Eu e a equipe de
Primeira Página Produções Culturais (Paula Salles, Bruna Ayres, Maria Siman, e
Gabriela Mendonça.
Eu e o ator, produtor
e idealizador do projeto, Felipe Lima.
Eu e Debora Lamm.
Eu e Hélio Ribeiro.
Eu e Marcio Machado.
Eu e Inez Viana.
(FOTOS: LEO LADEIRA)
Bravíssimooooooooooooooooooooooooo!!!!!
ResponderExcluirFUI ASSISTIR ONTEM, FIQUEI APAIXONADA PELO TEXTO, INTERPRETAÇÕES, DIREÇÃO, ABSOLUTAMENTE TUDOOOOO!
ResponderExcluirHOJE, LENDO SUA RESENHA, MEU AMOR POR "COCK-BRIGA DE GALO", SÓ CRESCEU!!!
VOU VOLTAR!!!UMA VEZ É POUCO <3
Fui neste 01/07 e só tenho a dizer: TRÈS MERDE!!!
ResponderExcluirElenco / direção MAGNÍFICOS !!!