domingo, 16 de outubro de 2022

 

“FICÇÕES”

ou

(DE COMO UM “BEST SELLER” TOMA FORMA NUM PALCO.)

ou

(FINGIR, PARA SER FELIZ?

ou

(SOMOS MAIS FELIZES QUE OS NOSSOS ANCESTRAIS?)



        E o TEATRO reagindo e voltando à luta...





         Passada a fase crucial da pandemia de COVID-19, quase todos os Teatros do Rio de Janeiro reabriram suas portas, a maioria com grandes e espetaculares produções. Uma delas é “FICÇÕES”, um monólogo inédito, adaptado do “best seller” “Sapiens: Uma Breve História da Humanidade”, publicado em 65 diferentes idiomas, do escritor israelense YUVAL NOAH HARARI, contemporâneo, de 46 anos. O texto do espetáculo bem como sua direção, levam as digitais de RODRIGO PORTELLA, o que, por si, já bastaria para garantir sua excelência, que ganha reforço quando o solo é interpretado por uma atriz da relevância de VERA HOLTZ. Devemos a idealização do projeto ao ator e grande empreendedor cultural FELIPE HERÁCLITO LIMA.

 

 


 

    O autor do original, com mais de 23 milhões de cópias vendidas em todo o mundo, desde sua primeira edição, em 2014, que gerou esta montagem também é professor, historiador e filósofo, considerado um dos mais influentes intelectuais públicos do mundo hoje. Atualmente, é professor do Departamento de História da Universidade Hebraica de Jerusalém, sendo detentor de vários títulos e prêmios.

  


 

       De acordo com o “release”, que recebi de LEILA GRIMMING (Factoria Comunicação), “o livro de HARARI afirma que o grande diferencial do homem, em relação às outras espécies, é sua capacidade de inventar, de criar ficções, de imaginar coisas coletivamente e, com isso, tornar possível a cooperação de milhões de pessoas – o que envolve, praticamente, tudo ao nosso redor: o conceito de nação, leis, religiões, sistemas políticos, empresas etc. Mas também o fato de que, apesar de sermos mais poderosos que nossos ancestrais, não somos mais felizes que eles. Partindo dessa premissa, o livro indaga: estamos usando nossa característica mais singular para construir ficções que nos proporcionem, coletivamente, uma vida melhor?” A ilação que faz o autor, em sua obra é, obviamente, verdadeira, e seria ótimo se, realmente, fosse posta em prática. Ao mesmo tempo, a indagação que resume o tema central do livro é assaz provocativa e se presta, de verdade, a uma versão para as tábuas, tarefa bastante difícil de ser realizada, como bem o reconhece RODRIGO PORTELLA, e nós podemos imaginar o seu grau de trabalho, até surgir um texto com a capacidade de lançar dúvidas e propor reflexões, para que possamos atingir um “modus vivendi” desejável e que que valha a pena.

  


 

     FELIPE HERÁCLITO LIMA, que, em 2019, comprou os direitos para transformar o livro numa peça teatral, afirma que “É um livro que permite uma centena de reflexões, a partir do momento em que nos pensamos como espécie e que, obviamente, dialoga com todo mundo. Acho que esse é o principal mérito da obra dele.”. FELIPE deve ter herdado o “dedo de Midas”, a julgar pelos vários espetáculos que idealizou e produziu, partindo de sua capacidade de “farejar”, no ar, o cheiro do que pode se tornar um sucesso, de público e de crítica, como é o caso de “FICÇÕES”, que vem enchendo o Teatro I do CCBB, Centro Cultural Banco do Brasil - Rio de Janeiro, desde sua estreia, com LOTAÇÃO ESGOTADA. FELIPE, mais uma vez, acertou bem no centro do alvo, primeiramente, ao escolher o livro e, depois, por confiar a RODRIGO PORTELLA a árdua tarefa de fazer aquilo em que o idealizador pensou. E, como numa cadeia, ou numa corrente de elos firmes e resistentes, RODRIGO, por sua vez, também foi muito feliz, quando convidou VERA HOLTZ para protagonizar o solo - depois de três anos de ausência dos palcos desta grande atriz - e de toda a equipe de artistas criadores e técnicos. Tudo, junto e misturado, só poderia resultar num espetáculo que merece a nota máxima, em qualquer escala.

 


 

 

SINOPSE:

        Durante 80 minutos, o público é conduzido, por VERA HOLTZ, a mergulhar no universo e nas teorias de YUVAL HARARI, numa “viagem” em que este se propõe a estudar como o “Homo Sapiens” teria atingido sua condição atual e o que o futuro lhe reservaria, considerando a insatisfação como a “raiz profunda” da realidade humana e relacionada à evolução.

       


 


 

        Em seu livro, que deu origem a esta peça, HARARI, reconhece que “o ‘Homo Sapiens’ é o animal que dominou o mundo, uma vez que é a única espécie capaz de crer em coisas inexistentes na natureza (a Ordem Natural), mitos, ficções compartilhadas, construções sociais (a Ordem Imaginada), com isso sendo capaz de cooperar, de maneira flexível e em larga escala.”. Diz, ainda, que “É possível incluir, entre essas ficções, religiões, estruturas políticas, ideologias, e instituições legais (...)” e “apresenta a ideia de que a ficção teria permitido não somente imaginar coisas como também fazer isso coletivamente. Teria sido o surgimento da ficção que teria possibilitado que um grande número de pessoas, alheias entre si, pudesse cooperar de maneira eficaz por acreditar nos mesmos mitos. Essa habilidade de cooperação mútua, ensejada pelo desenvolvimento da linguagem, se expandiu, alastrando-se entre as tribos, cidades e influenciando diversas culturas religiosas.”. Achei interessante transcrever essas informações, extraídas da Wikipédia, para melhor situar os que ainda assistirão ao espetáculo e, talvez, “iluminar” um pouco os que já tiveram, como eu, o imenso prazer de ter assistido a ele, e que possam ter ficado com alguma coisa “nebulosa”.

 

 



 

      Não li, ainda, o livro, mas pretendo fazê-lo o mais breve possível, depois da leitura de quatro, que já estão na fila, entretanto, pelo que pude depreender da adaptação para o palco, RODRIGO PORTELLA “descriou (verbo utilizado por VERA HOLTZ) para criar”, ou seja, tomou-se de liberdade total, para escrever a dramaturgia, que contou com a interlocução dramatúrgica a seis mãos: BIANCA RAMONEDA, MILLA FERNANDEZ e MIWA YANAGIZAWA. Segundo PORTELLA, “Mesmo sem colaborar, diretamente, no texto, elas foram acompanhando, balizando a minha criação, foram conversas que me ajudaram a alinhar a direção, o caminho que daria para o espetáculo.”. Três grandes auxiliares, tenho a acrescentar.

 

 



 

       Não foi fácil, para o adaptador e diretor desta montagem, transpor HARARI, do livro para o palco. Em primeiro lugar, enxergou, na obra literária, uma “inevitável analogia com as artes cênicas – por sua capacidade de criar mundos e narrativas...”. Isso o instigou bastante e ele “pôs a mão na massa”, criando “um jogo teatral em que, a todo momento, o espectador é lembrado sobre a ficção ali encenada...”. E prossegue: “Um dos principais objetivos é explorar o sentido de ficção em diversas direções, conectando as realidades criadas pela humanidade com o próprio acontecimento teatral.”.

 

 



 

       Voltando à questão da liberdade de criação do adaptador, de forma a erguer um espetáculo, cujo formato ele já poderia ir imaginando, à medida que se debruçava na criativa adaptação, RODRIGO PORTELLA não se ateve a “pegar pedaços do livro, para transformar em um espetáculo”, mas sim lançou-se na construção de uma dramaturgia original, com direito a, escancaradamente, propor o rompimento da quarta parede, o que VERA HOLTZ executa com total maestria, e, também, criando um personagem, marido de VERA HOLTZ (Ou de quem seria?), também chamado HARARI, um professor. Coisa de gênio!!! Os telefonemas entre HARARI e a esposa são hilários, assim como quase todo o texto da peça, ainda que, por trás de cada provocação, que gera uma gargalhada, haja algo sério, que precisa ser pensado e merece uma boa reflexão. Esse é um dos grandes méritos da dramaturgia.

 

 



 

 RODRIGO afirma que era seu desejo fazer uma peça que fosse “espatifada”, e não algo em que, por meio de uma história narrativa, linearmente, com princípio, meio e fim, quem estivesse na plateia fosse conduzido a um final de linha. E foi o que fez. Sendo assim, criou um texto feito de recortes, permitindo que o espectador embarque no convite da atriz e caminhe com ela, a fim de que, juntos, possam “construir a peça”, sem qualquer observância a uma cronologia. Isso é fantástico e só poderia ter surgido de uma mente brilhante, como a de PORTELLA, o qual afirma sentir a peça como “uma espécie de ‘jam session’”. Ele não a considera uma obra fechada, e sim uma “performance em construção”, com o que concordo, e acho ótimo que assim seja. O público interage, de forma indireta (Ou diretamente? Sei lá!) com VERA e FEDERICO PUPPI, sobre cujos trabalhos falarei adiante.

 

 





RODRIGO ainda considera sua encenação como “uma coisa meio ‘in progress’”, ratificando o que está escrito logo aí acima. Acredito que jamais uma sessão seja igual a outra, uma vez que o resultado final, com o “fechar das cortinas”, as quais, literalmente, não existem, estará sempre na dependência do rendimento do diálogo entre palco e plateia. Desnecessário, creio eu, seria dizer que esta é mais uma das tantas formidáveis direções de RODRIGO PORTELLA, em 30 anos de carreira, vencedor de mais de 150 prêmios, nacionais e internacionais, por encenações como, por exemplo, “Uma História Oficial”; “Antes da Chuva”; “Alice Mandou Um Beijo”; “Meu Filho Só Anda Um Pouco Mais Lento” (Uma comovente experiência que misturava várias linguagens.); “As Crianças” e “Tom Na Fazenda”, indiscutivelmente, sua maior criação, até o presente momento, que acumulou dezenas de importantes prêmios de TEATRO, no Brasil e no exterior, recentemente aclamada no “Festival de Avignon”, na França, com turnê prevista, para daqui a pouco, no Canadá, na França e nos Estados Unidos. Se RODRIGO não tivesse feito mais nada, no seu ofício, apenas “Tom Na Fazenda” já bastaria para que ele fizesse parte do seleto clube dos grandes e geniais diretores de TEATRO do Brasil. Mas ele não para e “FICÇÕES” está aí para provar isso. E tantas outras OBRAS-PRIMAS ainda estão por vir. Disso tenho plena certeza.

 

 



 

 Que acerto o convite a VERA HOLTZ, uma atriz completa, de um quilate valiosíssimo, que interpreta, de forma magistral, personagens do livro e da criação do adaptador e diretor, atuando, cantando, improvisando, de acordo com as reações do público, conversando com HARARI, como já disse, totalmente solta em cena, brincando e instigando a plateia, interagindo com o músico FEDERICO PUPPI, autor e “performer” da trilha sonora original, com quem divide o palco!  Em outros momentos, encarna a narradora; às vezes, é a própria atriz falando. VERA diz gostar muito “desse recorte que o Rodrigo fez, de poder criar e descriar, de trabalhar com o imaginário da plateia”. E prossegue: “O desafio é essa ciranda de personagens, que vai provocando, atiçando o espectador. Não se pode cristalizar, tem que estar o tempo todo oxigenada”. VERA se mantém, ainda que a distância, guardada entre o palco e as poltronas, muito próxima aos assistentes, mantendo, da primeira à última cena, uma relação muito direta com o espectador, não economizando em talento e carisma. VERA nos coloca totalmente à vontade, como se abrisse a porta de sua casa e nos convidasse para um café, ou um chá, que é mais “chique”. Para o espectador, não faz a menor diferença saber se quem está falando é a atriz ou algum(a) personagem. O que importa, e se impõe, em cena, é uma artista que merece os maiores aplausos, por seu brilhante trabalho.

 

 



 

O espetáculo é “vendido” como um monólogo, entretanto, assegurando o protagonismo a VERA HOLTZ, digo, e ela também o sabe, por ser uma atriz generosa, que o espetáculo não teria o brilho que tem, sem a presença, em cena, de FEDERICO PUPPI, reconhecidamente um grande músico e compositor, que se revela como ator e dialoga com VERA em boa parte do espetáculo. Reparem que, quando mencionei seu nome, no parágrafo anterior, não disse que ele era o “compositor” de uma trilha sonora original, mas, sim, usei o termo “performer”, e isso tem a sua razão de ser, uma explicação, embora o termo não tenha sido, originalmente, cunhado por mim; apenas o copiei do “release”, mas, pelo que vi, no palco, aceito essa “nova profissão”, que só vai entender quem assistir à peça. Então, não seria um monólogo? Seria um diálogo? Até poderia ser, porém também me reservo o direito de criar, a ponto de chegar à afirmação de que estamos diante de um “quadrólogo” (Adoro criar neologismos!), visto que existe uma “conversação” entre VERA, FEDERICO e os instrumentos musicais que ele toca em cena, teclado e instrumentos de corda - cello acústico e elétrico. A cumplicidade desenvolvida e estabelecida entre VERA e PUPPI é total. Os diálogos entre os dois, muitas vezes, ocorrem num total silêncio, perceptível, porém, pela troca de olhares entre ambos. Um completa o outro e o outro completa o um. Harmonia total num palco de TEATRO!!!

 



 

Quanto aos artistas de criação, destaques para a excelente cenografia, assinada por BIA JUNQUEIRA, os confortáveis e elegantes figurinos, de JOÃO PIMENTA; a iluminação, sempre correta, de PAULO CESAR MEDEIROS; a ótima preparação corporal, de TONY RODRIGUES; e a perfeita preparação vocal, de JORGE MAYA.




 

 


FICHA TÉCNICA:

Inspirada a partir do livro “Sapiens – Uma Breve História da Humanidade”, de Yuval Noah Harari

Idealização: Felipe Heráclito Lima

Dramaturgia: Rodrigo Portella

Interlocução dramatúrgica: Bianca Ramoneda, Milla Fernandez e Miwa Yanagizawa

Direção: Rodrigo Portella

 

Interpretação: Vera Holtz

 

“Performance”: Federico Puppi

Trilha Sonora Original: Federico Puppi

Cenogradia: Bia Junqueira

Figurino: João Pimenta

Iluminação: Paulo Cesar Medeiros

Preparação Corporal: Tony Rodrigues

Preparação Vocal: Jorge Maya

Programação Visual: Cadão

Fotos: Ale Catan

Direção de Produção: Alessandra Reis

Gestão de Projetos e Leis de Incentivo: Natália Simonete

Produção Executiva: Wesley Cardozo

Administração: Cristina Leite

Produtores Associados: Alessandra Reis, Felipe Heráclito Lima e Natália Simonete

 



 

 

  

SERVIÇO:

Temporada: De 28 de setembro a 30 de outubro de 2022.

Local: Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) – Rio de Janeiro – Teatro I.

Dias e Horários: De quarta-feira a sábado, às 19h30min; domingo, às 18h.

Valor dos Ingressos: R$30,00 (inteira) e R$15,00 (meia entrada).

ATENÇÃO: Clientes do Banco do Brasil têm direito à meia entrada, na compra com o Cartão Ourocard.

Classificação indicativa: 12 anos.

Duração: 80 minutos.

Gênero: Monólogo. (Será?!) 

 




Ensaio: o diretror Rodrigo Portella.


      O TEATRO, sem dúvida, é uma das mais pujantes fontes de cultura para o ser humano e serve ao mero lazer ou a objetivos mais densos, como é o caso de “FICÇÕES”, texto de forte cunho filosófico, apresentado de forma leve, estimulando o pensamento crítico de quem está no palco e na plateia. Isso é o que faz do TEATRO uma ferramenta de incomensurável poder de comunicação, inclusive para as massas, ainda que seja, até hoje, infelizmente, uma ARTE, até certo ponto, de pouco acesso para as pessoas mais carentes. Esse robusto poder de comunicação de massa é o que faz com que os governos autoritários temam tanto essa ARTE milenar.





      Não sei se, ao escrevere seu livro, YUVAL NOAH HARARI tinha plena consciência de quão instigadora era essa sua obra e como ele poderia tirar os leitores de uma posição de conforto, diante de tanta provocação pela procura de valores que merecem, realmente, ser considerados numa sociedade, todavia “sinto, no ar, o cheiro” dessa percepção, daperte de RODRIGO PORTELLA, ao pensar neste seu espetáculo, que, no mínimo, cria, em cada espectador, uma consciência da necessidade de um premente autoconhecimento, ainda que isso seja proposto de uma forma lúdica, que nos faz deixar o Teatro leves, porém com um “exercício de casa”: pensar. E muito!!!




        Recomendo o espetáculo a todos aqueles que apreciam um grande trabalho num palco e que não teme o "novo".

 

 


 

FOTOS: ALE CATAN

 

 

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