“FICÇÕES”
ou
(DE COMO UM “BEST SELLER” TOMA FORMA NUM PALCO.)
ou
(FINGIR, PARA SER FELIZ?
ou
(SOMOS MAIS FELIZES QUE OS NOSSOS ANCESTRAIS?)
E o TEATRO reagindo e voltando à luta...
Passada a fase crucial da pandemia de COVID-19, quase
todos os Teatros do Rio de Janeiro reabriram suas
portas, a maioria com grandes e espetaculares produções. Uma delas é “FICÇÕES”,
um monólogo inédito, adaptado do “best seller” “Sapiens:
Uma Breve História da Humanidade”, publicado em 65 diferentes
idiomas, do escritor israelense YUVAL
NOAH HARARI, contemporâneo, de 46 anos. O texto do
espetáculo bem como sua direção, levam as digitais de RODRIGO
PORTELLA, o que, por si, já bastaria para garantir sua excelência,
que ganha reforço quando o solo é interpretado por uma atriz da
relevância de VERA HOLTZ. Devemos a idealização do projeto ao
ator e grande empreendedor cultural FELIPE HERÁCLITO LIMA.
O autor do original, com mais de 23 milhões
de cópias vendidas em todo o mundo, desde sua primeira edição, em 2014,
que gerou esta montagem também é professor, historiador e filósofo,
considerado um dos mais influentes intelectuais públicos do mundo hoje.
Atualmente, é professor do Departamento de História da Universidade
Hebraica de Jerusalém, sendo detentor de vários títulos e prêmios.
De acordo com o “release”, que recebi de LEILA
GRIMMING (Factoria Comunicação), “o livro de HARARI
afirma que o grande diferencial do homem, em relação às outras espécies, é sua
capacidade de inventar, de criar ficções, de imaginar coisas coletivamente e,
com isso, tornar possível a cooperação de milhões de pessoas – o que envolve,
praticamente, tudo ao nosso redor: o conceito de nação, leis, religiões, sistemas
políticos, empresas etc. Mas também o fato de que, apesar de sermos mais poderosos
que nossos ancestrais, não somos mais felizes que eles. Partindo dessa premissa,
o livro indaga: estamos usando nossa característica mais singular para
construir ficções que nos proporcionem, coletivamente, uma vida melhor?” A
ilação que faz o autor, em sua obra é, obviamente, verdadeira, e
seria ótimo se, realmente, fosse posta em prática. Ao mesmo tempo, a indagação
que resume o tema central do livro é assaz provocativa e se presta, de
verdade, a uma versão para as tábuas, tarefa bastante difícil de ser
realizada, como bem o reconhece RODRIGO PORTELLA, e nós podemos imaginar
o seu grau de trabalho, até surgir um texto com a capacidade de lançar
dúvidas e propor reflexões, para que possamos atingir um “modus
vivendi” desejável e que que valha a pena.
FELIPE HERÁCLITO LIMA, que, em 2019, comprou os direitos para transformar o livro numa peça teatral, afirma que “É um livro que permite uma centena de reflexões, a partir do momento em que nos pensamos como espécie e que, obviamente, dialoga com todo mundo. Acho que esse é o principal mérito da obra dele.”. FELIPE deve ter herdado o “dedo de Midas”, a julgar pelos vários espetáculos que idealizou e produziu, partindo de sua capacidade de “farejar”, no ar, o cheiro do que pode se tornar um sucesso, de público e de crítica, como é o caso de “FICÇÕES”, que vem enchendo o Teatro I do CCBB, Centro Cultural Banco do Brasil - Rio de Janeiro, desde sua estreia, com LOTAÇÃO ESGOTADA. FELIPE, mais uma vez, acertou bem no centro do alvo, primeiramente, ao escolher o livro e, depois, por confiar a RODRIGO PORTELLA a árdua tarefa de fazer aquilo em que o idealizador pensou. E, como numa cadeia, ou numa corrente de elos firmes e resistentes, RODRIGO, por sua vez, também foi muito feliz, quando convidou VERA HOLTZ para protagonizar o solo - depois de três anos de ausência dos palcos desta grande atriz - e de toda a equipe de artistas criadores e técnicos. Tudo, junto e misturado, só poderia resultar num espetáculo que merece a nota máxima, em qualquer escala.
SINOPSE:
Durante 80 minutos, o público é conduzido, por VERA HOLTZ, a mergulhar no universo e nas teorias de YUVAL HARARI, numa “viagem” em que este se propõe a estudar como o “Homo Sapiens” teria atingido sua condição atual e o que o futuro lhe reservaria, considerando a insatisfação como a “raiz profunda” da realidade humana e relacionada à evolução.
Em seu livro,
que deu origem a esta peça, HARARI, reconhece que “o ‘Homo Sapiens’ é o animal que dominou
o mundo, uma vez que é a única espécie capaz de crer em coisas inexistentes na
natureza (a Ordem Natural), mitos, ficções compartilhadas, construções sociais
(a Ordem Imaginada), com isso sendo capaz de cooperar, de maneira flexível e em
larga escala.”. Diz, ainda, que “É possível incluir, entre essas
ficções, religiões, estruturas políticas, ideologias, e instituições legais
(...)” e “apresenta a ideia de que a ficção teria permitido não
somente imaginar coisas como também fazer isso coletivamente. Teria sido o
surgimento da ficção que teria possibilitado que um grande número de pessoas,
alheias entre si, pudesse cooperar de maneira eficaz por acreditar nos mesmos
mitos. Essa habilidade de cooperação mútua, ensejada pelo desenvolvimento
da linguagem, se expandiu, alastrando-se entre as tribos, cidades e
influenciando diversas culturas religiosas.”. Achei interessante
transcrever essas informações, extraídas da Wikipédia, para
melhor situar os que ainda assistirão ao espetáculo e, talvez, “iluminar”
um pouco os que já tiveram, como eu, o imenso prazer de ter assistido a ele, e
que possam ter ficado com alguma coisa “nebulosa”.
Não li, ainda, o livro, mas
pretendo fazê-lo o mais breve possível, depois da leitura de quatro, que já
estão na fila, entretanto, pelo que pude depreender da adaptação para o
palco, RODRIGO PORTELLA “descriou (verbo utilizado por
VERA HOLTZ) para criar”, ou seja, tomou-se de liberdade
total, para escrever a dramaturgia, que contou com a interlocução dramatúrgica a seis mãos: BIANCA RAMONEDA, MILLA
FERNANDEZ e MIWA YANAGIZAWA. Segundo PORTELLA, “Mesmo
sem colaborar, diretamente, no texto, elas foram acompanhando, balizando a
minha criação, foram conversas que me ajudaram a alinhar a direção, o caminho
que daria para o espetáculo.”. Três grandes auxiliares, tenho a
acrescentar.
Não foi
fácil, para o adaptador e diretor desta montagem, transpor
HARARI, do livro para o palco. Em primeiro lugar, enxergou, na obra
literária, uma “inevitável analogia com as artes cênicas – por sua
capacidade de criar mundos e narrativas...”. Isso o instigou bastante e
ele “pôs a mão na massa”, criando “um jogo teatral em que,
a todo momento, o espectador é lembrado sobre a ficção ali encenada...”.
E prossegue: “Um dos principais objetivos é explorar o sentido de ficção
em diversas direções, conectando as realidades criadas pela humanidade com o
próprio acontecimento teatral.”.
Voltando
à questão da liberdade de criação do adaptador, de forma a erguer um espetáculo, cujo formato ele já poderia ir imaginando, à medida que se debruçava na criativa
adaptação, RODRIGO PORTELLA não se ateve a “pegar pedaços do
livro, para transformar em um espetáculo”, mas sim lançou-se na construção
de uma dramaturgia original, com direito a, escancaradamente, propor o rompimento
da quarta parede, o que VERA HOLTZ executa com total maestria, e,
também, criando um personagem, marido de VERA HOLTZ (Ou de
quem seria?), também chamado HARARI, um professor. Coisa
de gênio!!! Os telefonemas entre HARARI e a esposa são
hilários, assim como quase todo o texto da peça, ainda que, por
trás de cada provocação, que gera uma gargalhada, haja algo sério, que precisa
ser pensado e merece uma boa reflexão. Esse é um dos grandes méritos da dramaturgia.
RODRIGO
afirma que era seu desejo fazer uma peça que fosse “espatifada”,
e não algo em que, por meio de uma história narrativa, linearmente, com
princípio, meio e fim, quem estivesse na plateia fosse conduzido a um
final de linha. E foi o que fez. Sendo assim, criou um texto feito de
recortes, permitindo que o espectador embarque no convite da atriz
e caminhe com ela, a fim de que, juntos, possam “construir a peça”,
sem qualquer observância a uma cronologia. Isso é fantástico e só poderia
ter surgido de uma mente brilhante, como a de PORTELLA, o qual afirma
sentir a peça como “uma espécie de ‘jam session’”. Ele não
a considera uma obra fechada, e sim uma “performance em construção”,
com o que concordo, e acho ótimo que assim seja. O público interage, de forma
indireta (Ou diretamente? Sei lá!) com VERA e FEDERICO
PUPPI, sobre cujos trabalhos falarei adiante.
RODRIGO
ainda considera sua encenação como “uma coisa meio ‘in progress’”,
ratificando o que está escrito logo aí acima. Acredito que jamais uma sessão
seja igual a outra, uma vez que o resultado final, com o “fechar das
cortinas”, as quais, literalmente, não existem, estará sempre na
dependência do rendimento do diálogo entre palco e plateia.
Desnecessário, creio eu, seria dizer que esta é mais uma das tantas formidáveis
direções de RODRIGO PORTELLA, em 30 anos de carreira, vencedor de
mais de 150 prêmios, nacionais e internacionais, por encenações como,
por exemplo, “Uma História Oficial”; “Antes da Chuva”;
“Alice Mandou Um Beijo”; “Meu Filho Só Anda Um Pouco Mais
Lento” (Uma comovente experiência que misturava várias linguagens.);
“As Crianças” e “Tom Na Fazenda”,
indiscutivelmente, sua maior criação, até o presente momento, que
acumulou dezenas de importantes prêmios de TEATRO, no Brasil e no
exterior, recentemente aclamada no “Festival de Avignon”, na França, com turnê prevista, para daqui a pouco, no Canadá, na França
e nos Estados Unidos. Se RODRIGO não tivesse feito mais
nada, no seu ofício, apenas “Tom Na Fazenda” já
bastaria para que ele fizesse parte do seleto clube dos grandes e geniais
diretores de TEATRO do Brasil. Mas ele não para e “FICÇÕES”
está aí para provar isso. E tantas outras OBRAS-PRIMAS ainda estão por
vir. Disso tenho plena certeza.
Que acerto o convite a VERA HOLTZ,
uma atriz completa, de um quilate valiosíssimo, que interpreta, de
forma magistral, personagens do livro e da criação do adaptador e
diretor, atuando, cantando, improvisando, de acordo com as reações do
público, conversando com HARARI, como já disse, totalmente solta em
cena, brincando e instigando a plateia, interagindo com o músico FEDERICO
PUPPI, autor e “performer” da trilha sonora
original, com quem divide o palco! Em outros momentos, encarna a narradora;
às vezes, é a própria atriz falando. VERA diz gostar muito “desse
recorte que o Rodrigo fez, de poder criar e descriar, de trabalhar com o
imaginário da plateia”. E prossegue: “O desafio é essa ciranda de
personagens, que vai provocando, atiçando o espectador. Não se pode
cristalizar, tem que estar o tempo todo oxigenada”. VERA se
mantém, ainda que a distância, guardada entre o palco e as poltronas,
muito próxima aos assistentes, mantendo, da primeira à última cena, uma relação muito
direta com o espectador, não economizando em talento e carisma.
VERA nos coloca totalmente à vontade, como se abrisse a porta de sua casa
e nos convidasse para um café, ou um chá, que é mais “chique”. Para
o espectador, não faz a menor diferença saber se quem está falando é a atriz
ou algum(a) personagem. O que importa, e se impõe, em cena, é uma
artista que merece os maiores aplausos, por seu brilhante trabalho.
O espetáculo é “vendido”
como um monólogo, entretanto, assegurando o protagonismo a VERA
HOLTZ, digo, e ela também o sabe, por ser uma atriz generosa, que o espetáculo
não teria o brilho que tem, sem a presença, em cena, de FEDERICO PUPPI,
reconhecidamente um grande músico e compositor, que se revela como ator
e dialoga com VERA em boa parte do espetáculo. Reparem que,
quando mencionei seu nome, no parágrafo anterior, não disse que ele era
o “compositor” de uma trilha sonora original, mas, sim,
usei o termo “performer”, e isso tem a sua razão de ser, uma
explicação, embora o termo não tenha sido, originalmente, cunhado por mim;
apenas o copiei do “release”, mas, pelo que vi, no palco,
aceito essa “nova profissão”, que só vai entender quem assistir à
peça. Então, não seria um monólogo? Seria um diálogo? Até poderia
ser, porém também me reservo o direito de criar, a ponto de chegar à afirmação
de que estamos diante de um “quadrólogo” (Adoro criar
neologismos!), visto que existe uma “conversação” entre VERA,
FEDERICO e os instrumentos musicais que ele toca em cena, teclado
e instrumentos de corda - cello acústico e elétrico. A
cumplicidade desenvolvida e estabelecida entre VERA e PUPPI é total. Os diálogos
entre os dois, muitas vezes, ocorrem num total silêncio, perceptível, porém,
pela troca de olhares entre ambos. Um completa o outro e o outro
completa o um. Harmonia total num palco de TEATRO!!!
Quanto aos artistas de criação,
destaques para a excelente cenografia, assinada por BIA JUNQUEIRA,
os confortáveis e elegantes figurinos, de JOÃO PIMENTA; a iluminação,
sempre correta, de PAULO CESAR MEDEIROS; a ótima preparação
corporal, de TONY RODRIGUES; e a perfeita preparação vocal,
de JORGE MAYA.
FICHA TÉCNICA:
Inspirada a partir do livro “Sapiens – Uma Breve História
da Humanidade”, de Yuval Noah Harari
Idealização: Felipe Heráclito Lima
Dramaturgia: Rodrigo Portella
Interlocução dramatúrgica: Bianca Ramoneda, Milla
Fernandez e Miwa Yanagizawa
Direção: Rodrigo Portella
Interpretação: Vera Holtz
“Performance”: Federico Puppi
Trilha Sonora Original: Federico Puppi
Figurino: João
Pimenta
Iluminação: Paulo
Cesar Medeiros
Preparação Corporal:
Tony Rodrigues
Preparação Vocal:
Jorge Maya
Programação Visual: Cadão
Fotos: Ale Catan
Direção de Produção: Alessandra Reis
Gestão de Projetos e Leis de Incentivo: Natália
Simonete
Produção Executiva: Wesley Cardozo
Administração: Cristina Leite
Produtores Associados: Alessandra Reis, Felipe Heráclito Lima e Natália Simonete
SERVIÇO:
Temporada: De 28 de setembro a 30 de outubro de 2022.
Local: Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) – Rio de
Janeiro – Teatro I.
Dias e Horários: De quarta-feira a sábado, às 19h30min;
domingo, às 18h.
Valor dos Ingressos: R$30,00 (inteira) e R$15,00
(meia entrada).
ATENÇÃO: Clientes do Banco do Brasil têm direito
à meia entrada, na compra com o Cartão Ourocard.
Classificação indicativa: 12 anos.
Duração: 80 minutos.
Gênero: Monólogo. (Será?!)
Ensaio: o diretror Rodrigo Portella.
O TEATRO, sem dúvida, é uma das mais pujantes fontes
de cultura para o ser humano e serve ao mero lazer ou a objetivos mais densos,
como é o caso de “FICÇÕES”, texto de forte cunho filosófico, apresentado
de forma leve, estimulando o pensamento
crítico de quem está no palco e na plateia.
Isso é o que faz do TEATRO uma ferramenta de incomensurável poder de
comunicação, inclusive para as massas, ainda que seja, até hoje,
infelizmente, uma ARTE, até certo ponto, de pouco acesso para as pessoas
mais carentes. Esse robusto poder de comunicação de massa é o que faz
com que os governos autoritários temam tanto essa ARTE milenar.
Não sei se, ao escrevere seu livro, YUVAL
NOAH HARARI tinha plena consciência de quão instigadora
era essa sua obra e como ele poderia tirar os leitores de uma posição de
conforto, diante de tanta provocação pela procura de valores que merecem,
realmente, ser considerados numa sociedade, todavia “sinto, no ar, o
cheiro” dessa percepção, daperte de RODRIGO PORTELLA, ao pensar neste seu
espetáculo, que, no mínimo, cria, em cada espectador, uma consciência
da necessidade de um premente autoconhecimento, ainda que isso seja
proposto de uma forma lúdica, que nos faz deixar o Teatro
leves, porém com um “exercício de casa”: pensar. E muito!!!
Recomendo o espetáculo a todos
aqueles que apreciam um grande trabalho num palco e que não teme o "novo".
FOTOS: ALE CATAN
E VAMOS AO TEATRO,
COM TODOS OS
CUIDADOS!!!
OCUPEMOS TODAS AS SALAS
DE ESPETÁCULO
DO BRASIL,
COM TODOS OS CUIDADOS!!!
A ARTE EDUCA E
CONSTRÓI, SEMPRE!!!
RESISTAMOS, SEMPRE
MAIS!!!
COMPARTILHEM ESTE
TEXTO,
PARA QUE, JUNTOS,
POSSAMOS DIVULGAR
O QUE HÁ DE MELHOR NO
TEATRO BRASILEIRO!!!
Nenhum comentário:
Postar um comentário