domingo, 20 de outubro de 2019


IAGO

(“OTELO, O MOURO DE VENEZA”,
RICO E CONDENSADO,
CONDUZIDO PELA MAESTRIA
DE UMA ADAPTAÇÃO,
A PRECISÃO CIRÚRGICA
DE UMA DIREÇÃO
E
O TRABALHO MAGISTRAL
DE UM ATOR.)




            Depois que Gustavo Gasparani levou aos palcos um “Ricardo III”, em forma de monólogo, numa adaptação brilhante dele mesmo e de Sérgio Módena, sob a direção deste, em que o ator representava 24, do total de 51, personagens da peça, uma verdadeira obra-prima, que mereceu e ganhou tantos prêmios,  jamais imaginei ver outro texto de SHAKESPEARE, encenado nas mesmas circunstância. Isso até muito recentemente, mais propriamente aconteceu no dia 17 de outubro de 2019, quando pude aplaudir, com muita alegria e vigor, o trabalho de MÁRCIO NASCIMENTO, no solo “IAGO”, em cartaz na Sala Multiuso do SESC Copacabana (VER SERVIÇO.), numa magistral adaptação da história do “Mouro de Veneza”, feita por um grande conhecedor da obra shakespeariana, GERALDO CARNEIRO, numa direção, a quatro mãos, de do próprio MÁRCIO NASCIMENTO e de MIWA YANAGIZAWA. Nesse trabalho, o ator representa quatro personagens, o suficiente para contar a história escrita pelo bardo inglês: IAGO, OTELO, DESDÊMONA e CÁSSIO.


 





SINOPSE:

Indignado, por não ter sido promovido pelo general OTELO a tenente, o alferes IAGO trama uma cruel vingança, em que DESDÊMONA, mulher de OTELO, é apontada como amante do tenente CÁSSIO. A história gira em torno de sentimentos vis, como traição, inveja e rivalidade entre os personagens.

IAGO queria vingar-se do general OTELO, porque ele promovera CÁSSIO, jovem soldado florentino e grande intermediário nas relações entre OTELO e DESDÊMONA, ao posto de tenente. Isso foi decodificado, por IAGO, como uma ofensa e causou-lhe um ódio descomunal, uma vez que ele acreditava que as promoções deveriam ser obtidas “pelos velhos meios em que herdava sempre o segundo o posto do primeiro" e não por amizades. (Ainda bem que isso não acontece nos dias atuais. – momento descontração.)

Nutrindo um ódio mortal por OTELO e CÁSSIO, IAGO começou a semear a discórdia entre o casal OTELO e DESDÊMONA e concebeu um terrível plano de vingança, que tinha como objetivo arruinar seus inimigos. Hábil e profundo conhecedor da natureza humana, e sempre fazendo reflexões sobre a humanidade, IAGO sabia que, de todos os tormentos que afligem a alma, o ciúme é o mais intolerável e incontrolável. E lá partiu ele utilizando essa terrível arma.

Sabia, também, que CÁSSIO, entre os amigos de OTELO, era o que mais possuía a confiança do general e que, devido à sua beleza e eloquência, “qualidades que agradam às mulheres”, era exatamente o tipo de homem capaz de despertar o ciúme de um outro de idade avançada, como era OTELO, negro, casado com uma jovem e bela mulher branca, o que o fez logo implantar seu terrível e sórdido plano.

Sob pretexto de lealdade e estima ao general, IAGO induziu CÁSSIO, responsável por manter a ordem e a paz, a se embriagar e envolver-se em uma briga, durante uma festa que os habitantes da Ilha de Chipre ofereceram a OTELO. Quando o MOURO tomou conhecimento do acontecido, destituiu CÁSSIO de seu posto, e, nessa mesma noite, IAGO começou a jogar o ex-tenente contra OTELO.

Depois – fazia parte do plano -, dissimulando um certo repúdio à atitude do general, IAGO “repreendeu-o”, dizendo-lhe que a sua decisão tinha sido muito dura e, a CASSIO, aconselhou que este deveria pedir, a DESDÊMONA, que convencesse OTELO a devolver-lhe o posto de tenente. Abalado emocionalmente, CÁSSIO não se deu conta de que estava caindo nas garras do inimigo, não percebeu o plano traçado por IAGO e aceitou a sugestão.

Valendo-se disso e dando continuidade a seu plano, IAGO insinuou, ao general, que o jovem e sua esposa poderiam estar tendo um caso. O plano fora tão bem traçado, que OTELO começou a desconfiar de DESDÊMONA.

IAGO sabia que o MOURO havia presenteado sua mulher com um velho lenço de linho, bordado com morangos, o qual tinha herdado de sua mãe. Induz sua esposa a roubar o tal lenço e diz, a OTELO, que DESDÊMONA havia presenteado o seu amante com ele. O general, já enciumado, pergunta à sua esposa sobre o lenço e esta, ignorando que a peça estava na posse de IAGO, não soube explicar o desaparecimento do objeto.

Nesse meio tempo, o ardiloso IAGO colocou o lenço dentro do quarto de CÁSSIO, para que ele o encontrasse.

E prossegue a “armação”: IAGO convenceu OTELO a se esconder e ouvir uma conversa sua com CÁSSIO. Eles falaram sobre uma outra mulher, uma meretriz, amante do ex-tenete, mas, como OTELO só ouviu partes da conversa, ficou com a impressão de que eles estavam falando a respeito de DESDÊMONA.

Um pouco depois, BIANCA, a meretriz, personagem que não aparece nesta versão, chegou e CÁSSIO deu-lhe o lenço que encontrara em seu quarto, para que ela providenciasse uma cópia. As consequências disso foram terríveis: primeiro, IAGO, jurando lealdade a seu general, disse que, para vingá-lo, mataria Cássio. Depois, OTELO, totalmente descontrolado, foi à procura de sua esposa, acreditando que ela o havia traído e a asfixia em seu quarto.

O que se segue fica para aguçar a curiosidade e surpresa dos espectadores, tanto dos que já conhecem o final original como para a dos que, certamente, apreciarão esta montagem.





         Mais conhecido, nos palcos, por seus lindos trabalhos no nicho TEATRO INFANTOJUVNIL, vez por outra, MÁRCIO NASCIMENTO envereda pelo caminho do TEATRO ADULTO e sempre se sobressai naquilo que faz, como agora, nesta brilhante adaptação, ou melhor, recriação, de GERALDO CARNEIRO, o qual foi capaz de condensar uma tragédia, de 5 atos, que se desdobram em 15 cenas - muito longa, portanto -, tendo como cenário a Ilha de Chipre, num magnífico espetáculo, de 60 minutos, que acontece numa sala em Copacabana, Rio de Janeiro, ex-Cidade Maravilhosa.  




Sozinho, mas não solitário, no espaço cênico, ele dá voz e corpo a quatro personagens, através da manipulação de formas animadas, criadas por um gênio, nessa arte, BRUNO DANTE e por CARLOS ALBERTO NUNES.

“IAGO” é, sem dúvida, um dos melhores espetáculos em cartaz, no momento, no Rio de Janeiro, e um dos que mais me agradaram, até agora, durante este ano da (des)graça de 2019. E posso justificar o que digo com vários argumentos e provas.




Em primeiro lugar, acho genial a ideia e primoroso o trabalho de criação de GERALDO CARNEIRO, sempre admirado por mim, quer como poeta, quer como dramaturgo. Sua inteligência e sensibilidade, além de um imenso poder de síntese, levaram-no a dar forma ao texto de “IAGO”, em que tudo o que há de mais importante na trama original foi mantido, com uma incrível economia de palavras e tempo, sem que, em nenhum momento, o fio condutor da história perca seu interesse ou se deixe fugir de seu rumo. Os cortes de uma situação para outra, presentes no original, representados pelos atos e cenas, são perfeitos e dinâmicos, para o que muito contribuiu, também, o trabalho da impecável da direção, a quatro mãos, do próprio MÁRCIO NASCIMENTO e de MIWA YANAGIZAWA. Falarei sobre a direção adiante. Dando prosseguimento aos comentários sobre o texto, afirmo que CARNEIRO chegou a um texto final, o que lhe deve ter custado muito, atualíssimo. E continua sendo, cada vez mais, a cada dia, quando nos deparamos com as notícias veiculadas pela mídia. A Ilha de Chipre é aqui, e agora, mais concentrada no Planalto Central. “Vingança borbulha no prato principal (acompanhado de intrigas e ciúmes) servido ao público (...)”. A peça foi escrita, especialmente, sob medida, para MÁRCIO NASCIMENTO.




Um depoimento, que julgo necessário, de GERALDO CARNEIRO, extraído do “release”, enviado por MÔNICA RIANNI (ASSESSORIA DE IMPRENSA), “IAGO é fascinado pelo mal, pelo poder, um personagem muito atual. (...) Neste espetáculo, IAGO é movido pelo ressentimento (...). Na dramaturgia do espetáculo, IAGO conta sua história em primeira pessoa, para o público. Ao revisitar os eventos passados na tragédia original (...), o personagem fará (faz) uma reflexão sobre a cobiça, o materialismo, sua natureza corrupta, seu poder de conspiração e as consequências de seus atos”. Alguma coisa a ver com os dias atuais, de trevas, no Brasil?

Sem a menor sombra de dúvidas, MÁRCIO faz parte do rol dos principais atores de sua geração, com 25 anos de trajetória profissional e muitos merecidos prêmios no currículo. “MARCIO NASCIMENTO interpreta quatro personagens, num jogo de cena todo estruturado em formas animadas, que atualiza e amplia o gênero TEATRO DE BONECOS, linguagem em que MARCIO se notabilizou em espetáculos dentro e fora do Brasil.”, como consta no “release”, do que eu já sabia, grande admirador que sou do seu trabalho.




            A interpretação de MÁRCIO será comentada juntamente com o de direção, uma vez que é impossível dissociá-los. O protagonista, como não poderia deixar de ser, monopoliza a história, entretanto, o ator também se destaca, quando representa, em planos inferiores ao do protagonismo, os outros três personagens: OTELO, DESDÊMONA e CÁSSIO, modificando, obviamente, as vozes e assumindo diferentes posturas corporais. As mudanças de personagens se dão numa velocidade relâmpago e por meio de recursos surpreendentes. Uma surpresa atrás da outra. O ator dialoga com estruturas semelhantes a pedestais de microfones, em cujas pontas superiores se encaixam cabeças, as quais recebem movimentos, em todos os sentidos, comandados pelas hábeis mãos de MÁRCIO, pelas quais já foram manipulados mais de 50 bonecos, ao longo de sua vitoriosa carreira. Outros elementos entram na construção física dos personagens, como echarpes e outras peças acessórias, as quais se transformas, também, em poucas cenas, em personagens, construídas e manipuladas, de forma fascinante e surpreendente, pelo grande ator. Algumas vezes, fazendo uso de poucos adereços, o próprio MÁRCIO dá vida aos demais personagens. Até duas xícaras "conversam", entre si, representando o casal OTELO e DESDÊMONA Um trabalho fascinante, em que entram a genialidade de uma direção e o talento de quem interpreta as ações.

MÁRCIO NASCIMENTO é muito exigido, do ponto de vista físico e, talvez, seja este o seu trabalho que mais lhe exige resistência corporal e atenção, nas passagens de personagens e para cumprir as excelentes marcações.




IAGO amplia as possibilidades do TEATRO DE ANIMAÇÃO PARA ADULTOS. Grande “designer” e artista visual, BRUNO DANTE, o qual “lança mão de tripés, evocando corpos, cabides para sustentar cabeças e muito mais” diz: “Sugeri ao MÁRCIO trabalhar um tipo de animação, a partir da desconstrução da própria animação, sair do óbvio, deixando o espectador acompanhar isso, evidenciando a manipulação. Dessa maneira, valoriza-se, ainda mais, o trabalho do ator, principalmente (...). IAGO manipula a tudo e a todos, para concretizar sua vingança contra OTELO. Bonecos e TEATRO DE OBJETOS ANIMADOS vão conduzindo a história. É tudo muito assumido (...)”.

Durante toda a encenação, num dinamismo impressionante, os pedestais são transferidos de um lugar a outro, seguidos e postos em evidência por uma iluminação milimetricamente pensada, que produz belíssimos efeitos plásticos. O responsável por ela é RENATO MACHADO.





            A cenografia, de CARLOS ALBERTO NUNES, se resume aos três pedestais, que funcionam como os corpos dos três personagens que não aparecem em carne e osso, com dois destaques interessantes: a base que representa OTELO, o general, é mais alta que as dos demais, de acordo com a sua hierarquia, na peça. Além disso, sua cabeça, não chega a ser preta, mas é confeccionada num tom mais escuro, para se destacar dos dois outros personagens, que são brancos. Complementa a cenografia, uma mesa, sobre a qual são colocados objetos, como um bule e duas xícaras, que servirão a uma cena interessantíssima, num “chá das cinco”, entre OTELO e DESDÊMONA, quando esta pede ao marido que reconduza CÁSSIO à patente de tenente.

            Para que o ator se mantivesse “neutro”, visualmente falando, a fim de que pudesse se transformar em outros personagens, TIAGO RIBEIRO criou um figurino básico, composto por uma calça, num tom cinza bem escuro, e uma camisa, de manga comprida preta, como, aliás, costumam usar os manipuladores de bonecos.

            Como se já nas bastassem os talentos já mencionados, nesta produção, ainda se pode contar, nela, com a luxuosíssima participação do exímio músico, MÁRCIO MALARD, executando, ao vivo e ao fundo do espaço cênico, uma trilha sonora original, composta por RODRIGO DE MARSILLAC, que também assina a direção musical do espetáculo. Os sons que o violoncelista vai tirando de seu instrumento acústico vão pontuando as cenas, sejam canções, sejam ruídos, para evidenciar algumas cenas e criar climas que as valorizam. São palavras de RODRIGO: “A música precisa acompanhar as camadas propostas pela encenação. Entre os aspectos que levei em conta, foi supor que o papel da música, talvez, fosse o de fazer o ‘veneno de IAGO’ trabalhar, ir entrando nos acontecimentos e ajudando, de certa forma, a manipular a trama pelo próprio IAGO. Traduzir isso em sons. Temos que contar a história através do som também”.




 Para finalizar os comentários sobre a ficha técnica, merecem ser citados os nomes de VERÔNICA MACHADO, na preparação vocal, que exige bastante do ator; PAULO MAZZONI, responsável pela preparação corporal, elemento fundamental, nesta encenação; e, novamente, BRUNO DANTE, que fez a programação visual do espetáculo.


 





FICHA TÉCNICA:

Texto: Geraldo Carneiro, baseado em “Otelo, o Mouro de Veneza”, de William Shakespeare
Direção: Márcio Nascimento e Miwa Yanagizawa

Interpretação: Márcio Nascimento 

Músico: Márcio Malard

Direção Musical e Música Original: Rodrigo De Marsillac
Cenário: Carlos Alberto Nunes
Figurino: Tiago Ribeiro
Iluminação: Renato Machado
Formas Animadas: Bruno Dante e Carlos Alberto Nunes
Preparação Corporal: Paulo Mazzoni
Programação Visual: Rodrigo Dante
Fotos: Daniel Barboza

Assessoria de Imprensa: Cláudia Miranda e Mônica Riani
Direção de Produção: Pagu Produções Culturais
Produtor Executivo: Fernando Queiroz










SERVIÇO:

Temporada: De 03 a 27 de outubro de 2019.
Local: SESC Copacabana – Sala Multiuso.
Endereço: Rua Domingos Ferreira, 160 – Copacabana – Rio de Janeiro.
Telefone; (21) 2547-0156.
Dias e Horários: De 5ª feira a domingo, sempre às 18h.
Valor dos Ingressos: R$7,50 (associados SESC), R$15,00 (meia entrada) e R$30,00 (inteira).
Duração: 60 minutos.
Classificação Etária: 14 anos.
Lotação: 43 lugares.
Gênero: Tragédia 








            Sinceramente, “IAGO” não é um espetáculo para cumprir uma curta temporada de apenas 4 semanas, com míseras 16 apresentações, e num espaço que não comporta nem 50 pessoas. É para ficar em cartaz por muito mais tempo, em local com superior capacidade, para receber o público, maior que a da Sala Multiuso do SESC Copacabana, porém, não muito grande, para que o espetáculo não perca o charme, o intimismo e a interação com a plateia.

            Que os DEUSES DO TEATRO abram portas para novas temporadas da peça!!! Assim, terei condições de rever esta OBRA-PRIMA.

            Desnecessário seria dizer que RECOMENDO A PEÇA, COM O MAIOR EMPENHO, porém, para não perder o hábito, acabei por fazê-lo.







E VAMOS AO TEATRO!!!

OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!

A ARTE EDUCA E CONSTRÓI!!!

RESISTAMOS!!!

COMPARTILHEM ESTE TEXTO,
PARA QUE, JUNTOS, POSSAMOS DIVULGAR
O QUE HÁ DE MELHOR NO
TEATRO BRASILEIRO!!!




CENSURA NUNCA MAIS!!!




(FOTOS: DANIEL BARBOZA.)


(GALERIA PARTICULAR:
FOTOS: GILBERTO BARTHOLO 
e
MÔNICA RIANI.)
















































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