terça-feira, 22 de outubro de 2019


FREUD
E
MAHLER



(DE COMO UM INUSITADO ENCONTRO,
ENTRE DOIS GÊNIOS,
PODE GERAR UM ÓTIMO ESPETÁCULO TEATRAL.)







            Não há uma fórmula única, “engessada”, “pasteurizada”, para que se possa atingir o que chamamos de bom TEATRO, entretanto, pode haver uma receita, na qual três “ingredientes” básicos se fazem necessários: um bom texto, uma correta direção e um excelente trabalho de interpretação. Coloque os três no “caldeirão da bruxa” e, se tiver à mão cenário, figurino, iluminação, trilha sonora e mais alguns outros “temperos”, junte-os lá, ao “mexido”, e o sabor ganhará realce. Estes não são indispensáveis, mas, quando de boa qualidade, enriquecem o "prato".

            Essa metafórica “introdução gastronômica” será, agora, aplicada ao espetáculo “FREUD E MAHLER”, em cartaz no Centro Cultural Justiça Federal (CCJF) (VER SERVIÇO.).

            Os três “ingredientes” indispensáveis à “iguaria” que me serviram, quando vi a peça (11 de outubro de 2019) estão representados por MIRIAM HALFIM (texto), ARY COSLOV (direção) e GIUSEPPE ORISTANIO e MARCELLO ESCOREL (elenco).

Muito me agrada quando o TEATRO vai buscar, na vida real, inspiração para uma obra ficcional, uma vez que isso demanda um grande trabalho de pesquisa e, via de regra, acaba resultando em boas dramaturgias, como é o caso aqui analisado. O encontro entre o “Pai da Psicologia” e o aclamado compositor e maestro checo-austríaco, de fato, ocorreu e há ampla literatura sobre ele. Foi em 1910, mais propriamente no dia 26 de agosto, e é considerado um marco para a psicologia.









SINOPSE:

Em “FREUD & MAHLER”, a autora, MIRIAM HALFIM, focaliza o célebre encontro entre o “Pai da Psicanálise”, SIGMUND FREUD (GIUSEPPE ORISTANIO), e o genial compositor e maestro GUSTAV MAHLER (MARCELLO ESCOREL), ocorrido em 1910, em Leiden, Holanda, após este ter descoberto que sua mulher, ALMA, o havia traído.

A imensa insegurança, por parte de MAHLER, fica patente, pelo fato de ele ter marcado e desmarcado o encontro várias vezes, desenhando o retrato de um homem problemático, prato cheio para qualquer psicanalista.

FREUD desenvolve, então, sua hipótese de uma terapia breve, praticada numa “conversa”, segundo a visão do paciente, que durou mais de quatro horas.

No encontro entre esses dois gênios, de campos tão diversos, a ciência e a arte, surge um embate desenvolvido numa conversa de jardim, já que o DR. FREUD alegava que caminhar ajudava a fruição dos pensamentos, até chegar à solução dos problemas.

A conversa é inteligente, com toques de humor e sofrimento, e apresenta um desenlace curioso, chegando ao final um MAHLER curado, de uma impotência de fundo psicológico, e feliz e um FREUD inseguro, quanto ao recebimento de seus justos honorários, já que o pagamento deveria ser feito por ALMA MAHLER.

O consolo de FREUD é que sua teoria de grande conhecedor da alma humana é comprovada, a partir desse evento.






Por total falta de tempo, desafio-me a ser conciso, ao tratar do espetáculo, sem muita convicção de que alcançarei meu objetivo, embora, enquanto estou a escrever agora, paralelamente penso em três ou quatro outros bons espetáculos que estão na “fila das críticas”, merecedores da minha atenção e reconhecimento.

ALMA MAHLER, também compositora, “menor”, segundo o marido, foi quem o convenceu a buscar ajuda na psicanálise. Foi ela quem o incentivou a procurar o terapeuta, como condição para que continuassem casados. Durante esse encontro único, surge um embate muito interessante, habilmente transposto para o palco, pela sabedoria e competência da dramaturga.

Tirando cola do “release”, enviado por NEY MOTTA (CONTEMPORÂNEA COMUNICAÇÃO – ASSESSORIA DE IMPRENSA), “O objetivo da montagem é tocar o espírito do espectador e transformá-lo, de uma forma lúdica, transportá-lo para um universo em que a inteligência passeia, através de dois personagens brilhantes. O espetáculo leva uma visão de mundo humanizada, divertida e otimizada, com o conhecimento da maravilha que é o ser humano”. Não tenham a menor dúvida de que esse objetivo, e muito mais, é plenamente alcançado.

Um feliz matrimônio a três, aqui permitido, sem escandalizar os conservadores, é celebrado, em cena, uma vez que, harmoniosamente, o tripé texto / direção / interpretação se encaixa, perfeitamente, uma peça na outra, formando um todo indivisível e irretocável.







Discípula de João Bethencourt, um dos maiores dramaturgos do Brasil, MIRIAM HALFIM, autora de dez peças, todas premiadas em concursos de dramaturgia, no Brasil e em Portugal, das quais as mais recentes, e que fizeram grande sucesso, são “Eugênia” e “Meus Duzentos Filhos”, nos brinda com uma pérola de texto. Admiro muito a sua escrita, a sua precisão e economia, na escolha das palavras e na construção dos diálogos, sempre ágeis e de muita profundidade, ainda que apresentados numa linguagem simples, totalmente compreensíveis, não abrindo mão, porém, do refinamento. Seu humor é bem leve e sutil e, dessa forma, ela vai distraindo o público, porém lançando material para reflexões.

            Para um dos "cônjuges", a autora escolheu ARY COSLOV, com quem já trabalhou na recente vitoriosa montagem de “Meus Duzentos Filhos”. ARY, além de excelente ator, enveredou mais para o lado da direção teatral, porém, também, dirige, na TV. No TEATRO, já assinou a direção de mais de 25 peças, por algumas das quais já foi agraciado com vários prêmios. O grande mérito de seu trabalho, nesta produção, se dá por conta da simplicidade que ele imprimiu à direção, trabalhando, a fundo, as características dos personagens. Por vezes, pareceu-me, propositalmente, um tanto exageradas, o que, no entanto, considero muito bom, para que um tema, que poderia ser transformado em algo enfadonho e piegas, chegasse ao público de uma maneira bem lúdica, por meio do humor contido nos diálogos. Utilizando poucos recursos cenográficos, o diretor, habilmente, tira partido do talento dos atores e leva-os a uma ótima interpretação, sobre a qual falarei adiante. É muito bom o recurso das velhas e boas projeções, as quais, quando bem exploradas, como nesta peça, valorizam o espetáculo, no todo. Um detalhe bem interessante é a ideia de iniciar e encerrar a montagem com os dois atores nas suas “identidades civis”, havendo, entre um momento e outro, a construção dos personagens, incluindo a troca de figurinos.



            

            Falar de dois consagradíssimos e competentíssimos atores, como GIUSEPPE ORISTANIO e MARCELLO ESCOREL significa que eu poderia escrever dezenas de linhas ou, simplesmente, simplificar bastante, em meia dúzia de palavras. Opto por esta alternativa: os atores são fantásticos e brilham, em seus personagens. Tanto ORISTÂNIO quanto ESCOREL perceberam, com a acuidade visual de um lince, tudo o que o texto propõe, nas entrelinhas, e se entregaram, totalmente às personalidades que representam, cada um com suas características, bem distintas, um do outro. GIUSEPPE (FREUD) ORISTÂNIO seguro e irônico; MARCELLO (MAHLER) ESCOREL inseguro e fragilizado. Os dois nos oferecem um excelente jogo, uma formidável contenda, usando, como “armas”, as palavras e argumentos: um em busca da “libertação” da sua ALMA, o que seria, metaforicamente, a libertação da sua própria alma; o outro tentando fazer o paciente chegar a essa libertação, por meio de sua teorias, aparentemente estapafúrdias, para alguns. Num elenco de vários atores, é muito comum uns se sobressaírem a outros. Quando se trata de apenas dois, é preciso que ambos vibrem no mesmo compasso, toquem a mesma partitura. Caso contrário, o destaque de um se torna evidente. Não é o caso aqui, uma vez que ambas as interpretações se equivalem, de forma mais que ajustada e ótima. Há um perfeito entrosamento e equilíbrio entre os dois atores, e quem ganha com isso é o público, que se vê diante de uma “master class” de interpretação teatral.





            Lembram-se dos "temperos", dos quais lhes falei, no início desta crítica? Vamos a eles, já que a adição de cada um, à “receita”, provoca, instantaneamente, para quem assiste à peça, salivação. A começar pelo cenário. Mas o que dizer de uma cenografia “pobre”, no sentido de falta de elementos cênicos no palco? O adjetivo destacado não foi usado pejorativamente; entenda-se por “pobre” um cenário que não apresenta muito material cenográfico ocupando o palco. Nada além do necessário: apenas um telão, mais ou menos instalado no centro do palco, tanto em termos de largura como de profundidade, super necessário e bem aproveitado, para as projeções, que atravessam toda a encenação. Além disso, dois enormes bancos, um encostado ao outro, como se fossem um só. E não precisa de mais nada. O responsável por essa concepção cenográfica é MARCOS FLACKSMAN.




            Os atores vestem trajes discretos e elegantes, bem talhados, de acordo com a condição social dos personagens, num bom trabalho de BRUNNA NAPOLEÃO.
              
            Um “condimento” que, quando usado na dose certa, agrega sabor ao “prato” é a iluminação, aqui projetada por PAULO CÉSAR MEDEIROS, grande profissional, que já assinou tantos desenhos de luz neste ano, todos aprovados, na minha visão.

            ARY COSLOV entra duas vezes nesta “cozinha”. Já o fez, como diretor, e, agora, reporto-me a ele como o responsável pela excelente trilha sonora, marcada por composições de GUSTAV MAHLER (6ª Sinfonia, 1º Movimento; 5ª Sinfonia, 4º Movimento; 1ª Sinfonia, 3º Movimento; 6ª Sinfonia, 3º Movimento), além de Frank Zappa (A Musical Tribute To Edgard Varèse). COSLOV é dado a se responsabilizar pelas trilhas sonoras das peças que dirige e sempre o faz acertadamente.

          Considero importante a seguinte transcrição, presente no "release" da peça, sem registro de seu autor, porém, salvo engano, parece-me ter sido feita pelo diretor: “Acreditamos que o momento seja bastante oportuno para este espetáculo, já que a peça procura unir todos os ingredientes necessários a bons momentos culturais, numa hora em que a cultura está sendo preterida. Além disso, vivendo numa situação em que estamos precisando muito de “grandes homens”, nada como mostrar duas personalidades geniais: o gênio musical GUSTAV MAHLER com as teorias de SIGMUND FREUD, que desnudam a variada riqueza contida na alma humana. MAHLER e FREUD eram judeus, nascidos na mesma região, Bohemia, ambos foram para Viena e protagonizaram uma época de grande efervescência cultural, deixando suas marcas pelo talento de criação. Evocando o panorama cultural desta época e a importância de MAHLER e FREUD neste contexto, iremos levar o público a um universo mágico, acompanhados pela música do genial compositor.”.








FICHA TÉCNICA:

Texto: Miriam Halfim
Direção: Ary Coslov
Assistência de Direção: Bernardo Peixoto

Elenco: Giuseppe Oristanio (Sigmund Freud) e Marcello Escorel (Gustav Mahler)

Cenário: Marcos Flacksman
Figurinos: Brunna Napoleão
Iluminação: Paulo César Medeiros
Preparação Corporal: Marcelo Aquino
Vídeos: Thiago Sacramento
Assessoria de Imprensa: Ney Motta
Fotos e Arte Gráfica: Thiago Sacramento
Assistência de Produção: Mayara Voltolini
Produção Executiva: Isabel Braga
Produção: Maria Alice Silvério










SERVIÇO:

Temporada: De 10 de outubro a 21 de novembro de 2019.
Local: Centro Cultural Justiça Federal (CCJF).
Endereço: Avenida Rio Branco, 241, Centro, Cinelândia, Rio de Janeiro. (Em frente à estação Cinelândia, do metrô, e do VLT, estação Cinelândia.).
Informações: Telefone: (21) 3261-2550.
Dias e Horários: Às 
5s e 6ªs feiras, às 19h.
Valor dos Ingressos: R$40,00 (inteira) e R$20,00 (meia entrada).
Duração: 70 minutos.
Classificação Etária: 12 anos.
Capacidade de Público: 139 lugares.
Gênero: Drama
 






Após assistir à peça, saímos com a certeza de que, “o espetáculo narra não apenas o encontro dos profissionais, mas também os respectivos efeitos em suas vidas e carreiras, além do embate entre a arte e a ciência”.

“O encontro desses dois grandes homens, que a peça de MIRIAM HALFIM focaliza, resultou na ‘libertação’ de Alma Mahler, já que, após retornar da terapia com FREUD, MAHLER olhou, novamente, as composições de Alma – composições que, antes, ele considerava inferiores – e começou a tocá-las ao piano. Arrepende-se e passa a considerar as canções excelentes. MAHLER, então, dedica à mulher sua “Oitava Sinfonia”, que ele rege, em 12 de setembro de 1910, e, também, publica cinco “lieder”(*) de Alma, que estreiam em Viena e Nova York. Assim, pode-se dizer que FREUD teve sucesso duplo com a sua terapia breve.”. (Extraído do “release”.).

(*) Plural de “lied”, palavra da língua alemã, que significa “canção”. Termo usado para classificar arranjos musicais para piano e voz.  

Digo-lhes, para encerrar, que vale a pena ir ao CCJF, para assistir a “FREUD E MAHLER”, espetáculo que merece a minha recomendação.







E VAMOS AO TEATRO!!!

OCUPEMOS TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!

A ARTE EDUCA E CONSTRÓI!!!

RESISTAMOS!!!

COMPARTILHEM ESTE TEXTO,
PARA QUE, JUNTOS, POSSAMOS DIVULGAR
O QUE HÁ DE MELHOR NO
TEATRO BRASILEIRO!!!


(FOTOS: THIAGO SACRAMENTO.)





CENSURA NUNCA MAIS!!!




































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