IAGO
(“OTELO, O MOURO DE
VENEZA”,
RICO E CONDENSADO,
CONDUZIDO PELA
MAESTRIA
DE UMA ADAPTAÇÃO,
A PRECISÃO CIRÚRGICA
DE UMA DIREÇÃO
E
O TRABALHO MAGISTRAL
DE UM ATOR.)
Depois que Gustavo Gasparani levou aos palcos um “Ricardo
III”, em forma de monólogo, numa adaptação brilhante dele
mesmo e de Sérgio Módena, sob a direção deste, em que o ator representava
24, do total de 51, personagens da peça, uma
verdadeira obra-prima, que mereceu e ganhou tantos prêmios, jamais imaginei ver outro texto de SHAKESPEARE,
encenado nas mesmas circunstância. Isso até muito recentemente, mais
propriamente aconteceu no dia 17 de outubro de 2019, quando pude aplaudir, com
muita alegria e vigor, o trabalho de MÁRCIO NASCIMENTO, no solo “IAGO”,
em cartaz na Sala Multiuso do SESC Copacabana (VER SERVIÇO.), numa
magistral adaptação da história do “Mouro de Veneza”, feita por
um grande conhecedor da obra shakespeariana, GERALDO CARNEIRO, numa direção,
a quatro mãos, de do próprio MÁRCIO NASCIMENTO e de MIWA YANAGIZAWA.
Nesse trabalho, o ator representa quatro personagens, o
suficiente para contar a história escrita pelo bardo inglês: IAGO,
OTELO, DESDÊMONA e CÁSSIO.
SINOPSE:
Indignado, por não ter sido promovido
pelo general OTELO a tenente, o alferes IAGO trama uma cruel vingança,
em que DESDÊMONA, mulher de OTELO, é apontada como amante do
tenente CÁSSIO. A história gira em torno de sentimentos vis, como traição, inveja e
rivalidade entre os personagens.
IAGO queria vingar-se do general OTELO, porque ele promovera CÁSSIO, jovem soldado florentino e grande intermediário nas relações entre OTELO
e DESDÊMONA, ao posto de tenente. Isso foi decodificado, por IAGO, como uma ofensa e causou-lhe
um ódio descomunal, uma vez que ele acreditava que as promoções deveriam ser
obtidas “pelos velhos meios em que herdava sempre o segundo o posto do
primeiro" e não por amizades. (Ainda bem que isso não acontece nos
dias atuais. – momento descontração.)
Nutrindo um
ódio mortal por OTELO e CÁSSIO, IAGO começou a semear a discórdia
entre o casal OTELO e DESDÊMONA e concebeu um terrível plano de
vingança, que tinha como objetivo arruinar seus inimigos. Hábil e profundo
conhecedor da natureza humana, e sempre fazendo reflexões sobre a humanidade, IAGO sabia que,
de todos os tormentos que afligem a alma, o ciúme é o mais intolerável e
incontrolável. E lá partiu ele utilizando essa terrível arma.
Sabia, também,
que CÁSSIO, entre os amigos de OTELO, era o que mais possuía a
confiança do general e que, devido à sua beleza e eloquência, “qualidades que agradam às mulheres”,
era exatamente o tipo de homem capaz de despertar o ciúme de um outro de idade
avançada, como era OTELO, negro, casado com uma jovem e
bela mulher branca, o que o fez logo implantar seu terrível e sórdido plano.
Sob pretexto
de lealdade e estima ao general, IAGO induziu CÁSSIO, responsável
por manter a ordem e a paz, a se embriagar e envolver-se em uma briga, durante
uma festa que os
habitantes da Ilha de Chipre ofereceram a OTELO. Quando o MOURO tomou
conhecimento do acontecido, destituiu CÁSSIO de seu posto, e, nessa
mesma noite, IAGO começou a jogar o ex-tenente contra OTELO.
Depois – fazia
parte do plano -, dissimulando um certo repúdio à atitude do general, IAGO
“repreendeu-o”, dizendo-lhe que a sua decisão tinha sido muito dura e, a CASSIO,
aconselhou que este deveria pedir, a DESDÊMONA, que convencesse OTELO
a devolver-lhe o posto de tenente. Abalado emocionalmente, CÁSSIO não se deu conta de que estava
caindo nas garras do inimigo, não percebeu o plano traçado por IAGO e
aceitou a sugestão.
Valendo-se
disso e dando continuidade a seu plano, IAGO insinuou, ao general, que o
jovem e sua esposa poderiam estar tendo um caso. O plano fora tão bem traçado,
que OTELO começou a desconfiar de DESDÊMONA.
IAGO sabia que o MOURO havia presenteado sua mulher com um
velho lenço de linho, bordado
com morangos, o qual tinha herdado de sua mãe. Induz sua esposa a roubar o tal lenço
e diz, a OTELO, que DESDÊMONA havia presenteado o seu amante com ele. O general, já enciumado, pergunta à sua esposa sobre o lenço e esta, ignorando que a peça
estava na posse de IAGO, não soube explicar o desaparecimento do objeto.
Nesse meio
tempo, o ardiloso IAGO colocou o lenço dentro do quarto de CÁSSIO,
para que ele o encontrasse.
E prossegue a
“armação”: IAGO convenceu OTELO a se esconder e ouvir uma
conversa sua com CÁSSIO. Eles falaram sobre uma outra mulher, uma
meretriz, amante do ex-tenete, mas, como OTELO só ouviu partes da
conversa, ficou com a impressão de que eles estavam falando a respeito de DESDÊMONA.
Um pouco
depois, BIANCA, a meretriz, personagem que não aparece nesta versão,
chegou e CÁSSIO deu-lhe o lenço que encontrara em seu quarto, para que
ela providenciasse uma cópia. As consequências disso foram terríveis: primeiro,
IAGO, jurando lealdade a seu general, disse que, para vingá-lo, mataria Cássio. Depois,
OTELO, totalmente descontrolado, foi à procura de sua esposa, acreditando que ela o havia traído e a asfixia em seu quarto.
O que se segue
fica para aguçar a curiosidade e surpresa dos espectadores, tanto dos que já
conhecem o final original como para a dos que, certamente, apreciarão esta montagem.
Mais conhecido, nos palcos, por seus
lindos trabalhos no nicho TEATRO INFANTOJUVNIL, vez por outra, MÁRCIO
NASCIMENTO envereda pelo caminho do TEATRO ADULTO e sempre se
sobressai naquilo que faz, como agora, nesta brilhante adaptação, ou
melhor, recriação, de GERALDO CARNEIRO, o qual foi capaz de condensar
uma tragédia, de 5 atos, que se desdobram em 15 cenas - muito
longa, portanto -, tendo como cenário a Ilha de Chipre, num magnífico
espetáculo, de 60 minutos, que acontece numa sala em Copacabana,
Rio de Janeiro, ex-Cidade Maravilhosa.
Sozinho, mas não solitário, no espaço cênico, ele dá voz e corpo a quatro
personagens, através da manipulação de formas animadas, criadas por um
gênio, nessa arte, BRUNO DANTE e por CARLOS ALBERTO NUNES.
“IAGO” é, sem dúvida, um
dos melhores espetáculos em cartaz, no momento, no Rio de Janeiro, e
um dos que mais me agradaram, até agora, durante este ano da (des)graça de
2019. E posso justificar o que digo com vários argumentos e provas.
Em primeiro lugar,
acho genial a ideia e primoroso o trabalho de criação de GERALDO
CARNEIRO, sempre admirado por mim, quer como poeta, quer como dramaturgo.
Sua inteligência e sensibilidade, além de um imenso poder de síntese,
levaram-no a dar forma ao texto de “IAGO”, em que tudo o que há
de mais importante na trama original foi mantido, com uma incrível economia de
palavras e tempo, sem que, em nenhum momento, o fio condutor da história perca
seu interesse ou se deixe fugir de seu rumo. Os cortes de uma situação para
outra, presentes no original, representados pelos atos e cenas, são perfeitos e
dinâmicos, para o que muito contribuiu, também, o trabalho da impecável da
direção, a quatro mãos, do próprio MÁRCIO NASCIMENTO e de MIWA
YANAGIZAWA. Falarei sobre a direção adiante. Dando prosseguimento aos
comentários sobre o texto, afirmo que CARNEIRO chegou a um texto
final, o que lhe deve ter custado muito, atualíssimo. E continua sendo,
cada vez mais, a cada dia, quando nos deparamos com as notícias veiculadas pela
mídia. A Ilha de Chipre é aqui, e agora, mais concentrada no Planalto
Central. “Vingança borbulha no prato principal (acompanhado de
intrigas e ciúmes) servido ao público (...)”. A peça foi
escrita, especialmente, sob medida, para MÁRCIO NASCIMENTO.
Um depoimento, que
julgo necessário, de GERALDO CARNEIRO, extraído do “release”,
enviado por MÔNICA RIANNI (ASSESSORIA DE IMPRENSA), “IAGO é
fascinado pelo mal, pelo poder, um personagem muito atual. (...) Neste
espetáculo, IAGO é movido pelo ressentimento (...). Na dramaturgia do
espetáculo, IAGO conta sua história em primeira pessoa, para o público. Ao
revisitar os eventos passados na tragédia original (...), o personagem fará (faz)
uma reflexão sobre a cobiça, o materialismo, sua natureza corrupta, seu poder
de conspiração e as consequências de seus atos”. Alguma coisa a ver com
os dias atuais, de trevas, no Brasil?
Sem a menor sombra
de dúvidas, MÁRCIO faz parte do rol dos principais atores de sua
geração, com 25 anos de trajetória profissional e muitos merecidos prêmios
no currículo. “MARCIO NASCIMENTO interpreta quatro personagens, num
jogo de cena todo estruturado em formas animadas, que atualiza e amplia o
gênero TEATRO DE BONECOS, linguagem em que MARCIO se notabilizou em espetáculos
dentro e fora do Brasil.”, como consta no “release”, do
que eu já sabia, grande admirador que sou do seu trabalho.
A
interpretação de MÁRCIO será comentada juntamente com o de direção,
uma vez que é impossível dissociá-los. O protagonista, como não poderia
deixar de ser, monopoliza a história, entretanto, o ator também se
destaca, quando representa, em planos inferiores ao do protagonismo, os
outros três personagens: OTELO, DESDÊMONA e CÁSSIO,
modificando, obviamente, as vozes e assumindo diferentes posturas corporais. As
mudanças de personagens se dão numa velocidade relâmpago e por meio de recursos
surpreendentes. Uma surpresa atrás da outra. O ator dialoga com
estruturas semelhantes a pedestais de microfones, em cujas pontas superiores se
encaixam cabeças, as quais recebem movimentos, em todos os sentidos, comandados
pelas hábeis mãos de MÁRCIO, pelas quais já foram manipulados mais de 50
bonecos, ao longo de sua vitoriosa carreira. Outros elementos entram na
construção física dos personagens, como echarpes e outras peças
acessórias, as quais se transformas, também, em poucas cenas, em personagens,
construídas e manipuladas, de forma fascinante e surpreendente, pelo grande
ator. Algumas vezes, fazendo uso de poucos adereços, o próprio MÁRCIO dá vida aos demais personagens. Até duas xícaras "conversam", entre si, representando o casal OTELO e DESDÊMONA. Um trabalho fascinante, em que entram a genialidade
de uma direção e o talento de quem interpreta as ações.
MÁRCIO NASCIMENTO é muito exigido,
do ponto de vista físico e, talvez, seja este o seu trabalho que mais lhe exige
resistência corporal e atenção, nas passagens de personagens e para
cumprir as excelentes marcações.
IAGO amplia as
possibilidades do TEATRO DE ANIMAÇÃO PARA ADULTOS. Grande “designer”
e artista visual, BRUNO DANTE, o qual “lança mão de tripés,
evocando corpos, cabides para sustentar cabeças e muito mais” diz: “Sugeri
ao MÁRCIO trabalhar um tipo de animação, a partir da desconstrução da
própria animação, sair do óbvio, deixando o espectador acompanhar isso,
evidenciando a manipulação. Dessa maneira, valoriza-se, ainda mais, o trabalho
do ator, principalmente (...). IAGO manipula a tudo e a todos, para concretizar
sua vingança contra OTELO. Bonecos e TEATRO DE OBJETOS ANIMADOS vão conduzindo
a história. É tudo muito assumido (...)”.
Durante toda a encenação,
num dinamismo impressionante, os pedestais são transferidos de um lugar a
outro, seguidos e postos em evidência por uma iluminação
milimetricamente pensada, que produz belíssimos efeitos plásticos. O
responsável por ela é RENATO MACHADO.
A
cenografia, de CARLOS ALBERTO NUNES, se resume aos três
pedestais, que funcionam como os corpos dos três personagens que não
aparecem em carne e osso, com dois destaques interessantes: a base que
representa OTELO, o general, é mais alta que as dos demais, de acordo
com a sua hierarquia, na peça. Além disso, sua cabeça, não chega a ser
preta, mas é confeccionada num tom mais escuro, para se destacar dos dois
outros personagens, que são brancos. Complementa a cenografia,
uma mesa, sobre a qual são colocados objetos, como um bule e duas xícaras, que
servirão a uma cena interessantíssima, num “chá das cinco”, entre OTELO
e DESDÊMONA, quando esta pede ao marido que reconduza CÁSSIO à
patente de tenente.
Para
que o ator se mantivesse “neutro”, visualmente falando, a fim de que
pudesse se transformar em outros personagens, TIAGO RIBEIRO criou
um figurino básico, composto por uma calça, num tom cinza bem escuro, e uma
camisa, de manga comprida preta, como, aliás, costumam usar os manipuladores de
bonecos.
Como
se já nas bastassem os talentos já mencionados, nesta produção, ainda se
pode contar, nela, com a luxuosíssima participação do exímio músico, MÁRCIO MALARD,
executando, ao vivo e ao fundo do espaço cênico, uma trilha sonora
original, composta por RODRIGO DE MARSILLAC, que também assina a direção
musical do espetáculo. Os sons que o violoncelista vai tirando de
seu instrumento acústico vão pontuando as cenas, sejam canções, sejam ruídos,
para evidenciar algumas cenas e criar climas que as valorizam. São palavras de RODRIGO:
“A música precisa acompanhar as camadas propostas pela encenação. Entre
os aspectos que levei em conta, foi supor que o papel da música, talvez, fosse
o de fazer o ‘veneno de IAGO’ trabalhar, ir entrando nos acontecimentos e
ajudando, de certa forma, a manipular a trama pelo próprio IAGO. Traduzir isso
em sons. Temos que contar a história através do som também”.
Para
finalizar os comentários sobre a ficha técnica, merecem ser citados os
nomes de VERÔNICA MACHADO, na preparação vocal, que exige
bastante do ator; PAULO MAZZONI, responsável pela preparação
corporal, elemento fundamental, nesta encenação; e, novamente, BRUNO
DANTE, que fez a programação visual do espetáculo.
FICHA TÉCNICA:
Texto: Geraldo Carneiro, baseado em
“Otelo, o Mouro de Veneza”, de William Shakespeare
Direção: Márcio Nascimento e Miwa
Yanagizawa
Interpretação: Márcio
Nascimento
Músico: Márcio Malard
Direção Musical e Música Original: Rodrigo De Marsillac
Cenário: Carlos Alberto Nunes
Figurino: Tiago Ribeiro
Iluminação: Renato Machado
Formas Animadas: Bruno Dante e Carlos
Alberto Nunes
Preparação Corporal: Paulo Mazzoni
Programação Visual: Rodrigo Dante
Fotos: Daniel Barboza
Fotos: Daniel Barboza
Assessoria de Imprensa: Cláudia
Miranda e Mônica Riani
Direção de Produção: Pagu Produções
Culturais
Produtor Executivo: Fernando Queiroz
SERVIÇO:
Temporada: De 03 a 27 de outubro de
2019.
Local: SESC Copacabana – Sala
Multiuso.
Endereço: Rua Domingos Ferreira, 160
– Copacabana – Rio de Janeiro.
Telefone; (21) 2547-0156.
Dias e Horários: De 5ª feira a
domingo, sempre às 18h.
Valor dos Ingressos: R$7,50
(associados SESC), R$15,00 (meia entrada) e R$30,00 (inteira).
Duração: 60 minutos.
Classificação Etária: 14 anos.
Lotação: 43 lugares.
Gênero: Tragédia
Sinceramente,
“IAGO” não é um espetáculo para cumprir uma curta temporada de apenas
4 semanas, com míseras 16 apresentações, e num espaço que não
comporta nem 50 pessoas. É para ficar em cartaz por muito mais tempo, em
local com superior capacidade, para receber o público, maior que a da Sala Multiuso
do SESC Copacabana, porém, não muito grande, para que o espetáculo não perca o
charme, o intimismo e a interação com a plateia.
Que
os DEUSES DO TEATRO abram portas para novas temporadas da peça!!!
Assim, terei condições de rever esta OBRA-PRIMA.
Desnecessário
seria dizer que RECOMENDO A PEÇA, COM O MAIOR EMPENHO, porém, para não
perder o hábito, acabei por fazê-lo.
E
VAMOS AO TEATRO!!!
OCUPEMOS
TODAS AS SALAS DE ESPETÁCULO DO BRASIL!!!
A ARTE
EDUCA E CONSTRÓI!!!
RESISTAMOS!!!
COMPARTILHEM
ESTE TEXTO,
PARA
QUE, JUNTOS, POSSAMOS DIVULGAR
O QUE
HÁ DE MELHOR NO
TEATRO
BRASILEIRO!!!
CENSURA
NUNCA MAIS!!!
(FOTOS: DANIEL BARBOZA.)
(GALERIA PARTICULAR:
FOTOS: GILBERTO BARTHOLO
e
MÔNICA RIANI.)
FOTOS: GILBERTO BARTHOLO
e
MÔNICA RIANI.)
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